Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00313/18.5BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 01/25/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Ana Patrocínio |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO; PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO; ARQUIVAMENTO; FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA; |
Sumário: | I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias. II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição. V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Julgar extinto por prescrição o procedimento de contra-ordenação. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório [SCom01...], S.A., com sede na ... – ..., ..., em ..., pessoa colectiva n.º ...14, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 28/02/2023, que julgou parcialmente procedente o recurso da decisão de aplicação de coima, aplicando a coima especialmente atenuada no montante de €13.433,20, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ...99, pela prática de infração ao artigo 18.º, n.º 1 do CIVA – falta de liquidação de IVA -, punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1.ª - A douta sentença recorrida, ao não dispensar a arguida/recorrente da aplicação de coima, procedeu a uma inadequada valoração da matéria de facto e, consequentemente, a uma errada interpretação e aplicação do art.º 32.º, n.º 1, do RGIT. Com efeito, 2.ª - A douta sentença recorrida, de modo irrepreensível, declarou estarem verificados os pressupostos/requisitos enunciados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 32.º do RGIT. Mas (com o devido respeito), contrariamente ao decidido, também devia ter declarado a inexistência de prejuízo efectivo para a receita tributária, e, consequentemente, também verificado o requisito enunciado na alínea a) do preceito citado. 3.ª - Na verdade, na decorrência da emissão da factura a que se reportam os autos com a indicação (errada) ‘IVA Autoliquidação’, a ‘[SCom02...], LDA.’ liquidou e entregou o imposto ao Estado no momento devido – razão pela qual não se pode falar em prejuízo para o Estado (contrariamente ao decidido), devendo em consequência ser revogada a douta sentença, proferindo-se douto acórdão que dispense a ora recorrente de coima, atenta a verificação dos pressupostos enunciados no n.º 1 do art.º 32.º do RGIT. Sem prescindir, 4.ª - Para a hipótese de se entender de modo diverso, a douta sentença recorrida, ao ter fixado a coima, especialmente atenuada, em € 13.433,20, procedeu a uma errada interpretação e aplicação dos art.º 32.º n.º 2, 114.º n.º 2, 26.º n.º 4, e 27.º, todos do RGIT, e art.º 18.º n.º 3 do RGCO, ‘ex vi’ art.º 3.º, al. b), do RGIT. 5.ª - Pois que, estando verificados os pressupostos para a atenuação especial da coima, os limites mínimo e máximo são reduzidos a metade, e atentas as circunstâncias a que alude o art.º 27.º do RGIT, designadamente o pagamento imediato e voluntário do imposto e juros devidos, a culpa diminuta e a inexistência de qualquer benefício, devia o valor da coima, especialmente atenuada, ser fixado pelo mínimo, ou seja, em € 8.211,00, pois o princípio da proporcionalidade assim o impõe. Aliás, 6.ª - A própria ‘AT’, reconhecendo as circunstâncias enunciadas na conclusão anterior, aplicou uma coima no valor de € 16.791,50, muito próximo do valor mínimo que era de (30% x € 54.740,00 =) € 16.422,00 – sem qualquer atenuação especial. 7.ª - Mas, na eventualidade de se entender não estarem verificados os pressupostos para a dispensa da coima, em alternativa à coima especialmente atenuada, deverá ser aplicada à recorrente a pena de admoestação, nos termos do art.º 51.º do RGCO ‘ex vi’ art.º 3.º, al. b), do RGIT. Pois que, 8.ª - Atentas as circunstâncias subjacentes à prática e regularização da infracção (designadamente, a infracção resultar de erro de interpretação da lei; a regularização e pagamento voluntário do imposto e juros; a inexistência de qualquer benefício; a culpa diminuta da arguida), a pena de admoestação cumpre as exigências de prevenção inerentes ao regime sancionatório – devendo, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida que determinou a aplicação de coima especialmente atenuada, proferindo-se douto acórdão que condene a arguida na pena de admoestação. 9.ª - Ao decidir de modo diverso, a douta decisão recorrida violou o disposto no art.º 51.º do RGCO, que deverá ser interpretado nos termos preditos. NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROVADO E PROCEDENTE, PROFERINDO-SE DOUTO ACÓRDÃO QUE, REVOGANDO A TAMBÉM DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DISPENSE A ARGUIDA/RECORRENTE DA APLICAÇÃO DE COIMA, AINDA QUE ESPECIALMENTE ATENUADA. NA EVENTUALIDADE DE ASSIM SE NÃO ENTENDER, EM ALTERNATIVA À APLICAÇÃO DE COIMA ESPECIALMENTE ATENUADA, DEVERÁ SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE CONDENE A ARGUIDA NA PENA DE ADMOESTAÇÃO. ASSIM DECIDINDO V. Ex.ªs FARÃO J U S T I Ç A”. **** O Ministério Público respondeu ao recurso da seguinte forma: “Analisada a sentença proferida nos autos verificamos que mesma foi devidamente fundamentada, inexistindo qualquer falta de sintonia entre os factos apurados e a decisão. Com efeito, contrariamente ao alegado pela recorrente, o Mm. º Juiz que proferiu a sentença ora sob recurso fez uma correcta interpretação dos factos e adequada aplicação de Direito, tendo apreciado bem todas as provas carreadas para os autos, não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas, sendo que as opções que tomou relativamente à (não) dispensa de coima e à (não) aplicação de admoestação afiguram-se correctas e devidamente fundamentadas. Quanto à medida da coima aplicada, a opção pela aplicação de uma coima especialmente atenuada no montante de 13.433,20€ afigura-se conforme às normas e princípios de direito aplicáveis, sendo a sanção mínima indispensável à reafirmação da validade das normas em face do ilícito cometido. Em conclusão, a sentença proferida é insusceptível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade pelo que deverá ser confirmada e, em consequência, ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente. V. Exas., porém, melhor decidirão, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.” **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado pronunciou-se nos seguintes termos: “O Ministério Público no Tribunal Central Administrativo do Norte, na sequência do termo de vista aberto a fls. 157 – digital – dos autos, vem por esta via dizer que mantem a posição já assumida nos autos pelo Ministério Público do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, designadamente na resposta ao recurso que se encontra a fls. 145 e ss. – processo digital - pelo que entende que a decisão recorrida não deverá ser revogada, por considerar que a argumentação constante da alegação de recurso não evidencia nem demonstra a sua invalidade, remetendo-se no mais para a referida resposta ao recurso, e para a fundamentação da douta decisão, com a devida vénia, concluindo-se assim pela confirmação da decisão recorrida.” **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. In casu, tudo indica verificar-se a prescrição do procedimento contra-ordenacional, por se relacionar com infracção cometida em 2015, estando em causa, portanto, a apreciação de um pressuposto processual negativo, que constitui excepção peremptória, e que, sendo de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito do recurso, dado que a prescrição gera o arquivamento do procedimento contra-ordenacional. Resultando das disposições conjugadas dos artigos 33.º, 61.º e 77.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que a extinção do procedimento de contra-ordenação, por efeito da prescrição, é determinante de arquivamento dos autos, e uma vez que do exame preliminar do processo ressaltou a presença desta questão que foi suscitada, notificaram-se previamente todos os intervenientes processuais para se pronunciarem antes da decisão acerca da eventual existência de causa extintiva do procedimento – cfr artigo 417.º, n.º 6, alínea c) do CPP. Apenas a Recorrente emitiu pronúncia, através da peça processual apresentada em 10/01/2024, pugnando pela manifesta verificação da prescrição do procedimento contraordenacional. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “II I Factos provados Com interesse para a decisão a proferir considero assente a seguinte factualidade: A) No dia 27-12-2017 foi lavrado Auto de Notícia contra a arguida [SCom01...], S.A., onde se consignou que ela, “ -Na Emissão da fatura n.º FOD 2014/...2, no montante de 238 000,00€, datada de 31/12/2014 verificou-se que o SP aplicou indevidamente a regra de inversão de SP, dado que os serviços nela contidos não preenchem os requisitos para serem considerados serviços de construção civil, de acordo com a alíneas j), do n.º 1 do art.º 2º do CIVA. - A aplicação indevida da regra de inversão de SP, originou uma falta de liquidação de IVA no montante de 54.740,00. - No decurso da ação inspetiva, ainda antes da instauração do processo de contraordenação, o SP regularizou a situação através da substituição da declaração periódica de IVA n.º ....” e consequente pagamento do referido montante bem como dos juros moratórios e compensatórios, vide Auto de Notícia de página 6 do doc. 004612964, fatura, declaração periódica e pagamentos, cuja cópia constitui págs. 41 a 46 do já referido documento do processo virtual que é o primeiro do processo pelos que as referidas páginas correspondem também à paginação do processo virtual consultável via SITAF ou MAGISTRATUS; B) A Arguida exerceu o direito de defesa no qual apresentou argumentos similares aos apresentados neste recurso, argumentos rebatidos na decisão recorrida proferida em 18-04-2018, que aplicou coima no montante de € 16 791,50, cfr. páginas 10 a 25 do processo virtual; C) Decisão comunicada à Arguida em 26-04-2018 e, não se conformando com ela, apresentou em 21-05-2018 a petição inicial que originou os presentes autos, vide páginas 26 a 39. II II Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a decisão de mérito da causa.” * 2. O Direito A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou parcialmente procedente o recurso por si apresentado da decisão de aplicação de coima, no montante de €16.791,50, pela aplicação indevida da regra da inversão do sujeito passivo, em factura n.º FOD 2014/...2,, datada de 31/12/2014, o que originou a falta de liquidação de IVA no montante de €54.740,00, infração prevista nos artigos 2.º, n.º 1, alínea j) e 18.º, n.º 1 do CIVA e punida pelos artigos 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. Na linha do que já adiantámos supra, verifica-se causa de extinção de procedimento de contra-ordenação, que obsta ao conhecimento do objecto do recurso. A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional tem vindo a ser abordada, de forma reiterada, por este tribunal, pelo que seguiremos essa jurisprudência. Vejamos. A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contra-ordenacional, nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01901/15.7BELRA. Impõe-se, então, saber se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional em causa. Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos. Estabelece-se na norma do artigo 33.º do RGIT: “1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. 2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. 3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”. Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do RGIMOS, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. Significa, então, que, em regra, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção dependa daquela liquidação. Conforme doutrinam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283: “A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor”. In casu, sendo a infracção que fundamentou a aplicação de coima à Recorrente punida pelo artigo 114.º, n.º 2 do RGIT, por falta de entrega da prestação tributária (liquidação do IVA), encontra-se, necessariamente, dependente do apuramento do imposto em falta, liquidado indevidamente, donde o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, n.º 4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, concernindo, no caso do IVA, o respectivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (Vide acórdão do STA, de 28/04/2010, proferido no processo n.º 0777/09). No sentido, ora, propugnado importa chamar à colação, entre outros, a doutrina vertida no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo n.º 679/11, de 30 de Abril de 2019, do qual se extracta o seguinte: “As contra-ordenações p.p. nos artigos 114.º, 118.º e 119.º do RGIT dependem da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta, no caso da p.p. no artigo 114.º, ou tais limites dependem de haver ou não imposto a liquidar, nos casos das previstas nos artigos 118.º e 119.º do RGIT, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição do procedimento correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação.” Assim, aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente que a infracção imputada à Recorrente foi cometida em 2015, temos que o dies a quo, é o dia 01 de Janeiro de 2016, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, n.º4 da LGT e artigo 7.º do CIVA. Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contra-ordenacional prescreveria em 01 de Janeiro de 2020. Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição. De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cf. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT). Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n.º 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT). Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional. É que, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, preceitua-se no artigo 28.º do RGIMOS, na redacção resultante da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, expressamente que: “1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação, o normativo contido no artigo 27.º-A do RGIMOS, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte: “1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.” Por sua vez, a norma do artigo 33.º n.º 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contra-ordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também: - Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º; - No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento. Visto o direito aplicável ao caso sub judice, façamos a competente transposição para a situação fáctica dos autos. No caso concreto, como já referimos, tendo por referência a falta de entrega do IVA em 2015, temos que a infracção imputada à Arguida/Recorrente se consumou a 01 de Janeiro de 2016. A partir desta data iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, a qual terá sido interrompida com a notificação da aqui Recorrente para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 70.º do RGIT e, mais tarde, com a decisão da autoridade administrativa que aplicou as coimas. A interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão, tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fique sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal. No entanto, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido. Em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se no RGIMOS (como, de resto, já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma do n.º 3 no artigo 28.º, supra citada, na qual, expressamente, se consagra que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. Desta norma resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário in casu é de seis anos (4+2). Importa considerar, no entanto, que na contagem do referido prazo máximo de prescrição (seis anos) deve ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição. No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima. No entanto, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, como resulta do estatuído no artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código Penal – neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 08/02/2006, no âmbito do processo n.º 0545259. Contudo, excepcionalmente, no presente caso, temos de considerar mais uma causa de suspensão da prescrição que decorreu de leis especiais emanadas no âmbito da pandemia COVID19, que fez suspender todos prazos de prescrição, no âmbito do confinamento ocorrido nos anos de 2020 e 2021. Assim, todos os prazos de caducidade e de prescrição estiveram suspensos entre o dia 09 de Março de 2020 e o dia 02 de Junho de 2020, num total de 86 dias, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que determinou o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.». E, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22 de Janeiro de 2021 a 05 de Abril de 2021, num total de 74 dias. Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infracção, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem factores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento. Portanto, por força das referidas leis, o prazo de prescrição esteve suspenso durante um período total de 160 dias [vide, entre outros, acórdãos deste TCAN, proferido a 31/03/2022, processo n.º 2035/21.5BEBRG, e de 19/05/2022, processo n.º 131/19.3BEMDL e vastíssima jurisprudência emitida pelas Relações e STJ]. Atente-se que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, se encontravam já em curso. Tendo vindo a considerar, em síntese, que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de excepção constitucional. O período que mediou entre 9 de Março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 3 de Junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contra-ordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da actividade judiciária lato sensu durante esse período. Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroactividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroactividade directa ou de primeiro grau e “retrospectividade”, também conhecida por “retroactividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retroactivamente – aplica-se para o futuro a processos-crime ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de Julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de Outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31. Mais concluiu o Tribunal Constitucional que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac. TC n.º 660/2021), “juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contra-ordenacional ” (ac. TC n.º 500/2021 e ac. TC n.º 660/2021). Assim, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciado a 03/06/2020 (86 dias), e entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (74 dias) terminou a 09 de Dezembro de 2022. Nesta conformidade, quanto à infracção em causa, praticada em 2015, com início de contagem em 01/01/2016, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciada a 03/06/2020, e entre 22/01/2021 e 05/04/2021, num total de 160 dias, terminou em 09 de Dezembro de 2022, pelo que o procedimento relativo a essa infracção está prescrito, com as legais consequências - cfr. artigos 33.º, 61.º, alínea b) e n.º 1 do artigo 77.º do RGIT. A verificação de causa extintiva deste procedimento de contra-ordenação tem, por sua vez, como consequência, o arquivamento do processo de contra-ordenação em causa, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do RGIT, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional da arguida, aqui Recorrente. Conclusões/Sumário I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias. II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição. V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, julgar extinto, por prescrição, o procedimento de contra-ordenação, determinando-se o arquivamento desse processo contra-ordenacional. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 25 de Janeiro de 2024 Ana Patrocínio Maria do Rosário Pais Vítor Salazar Unas |