Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02790/15.7BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO;
OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO;
Sumário:
1 - A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto administrativo e visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado, procurando-se através dela informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.

2 - A fundamentação desempenha um significativo papel na formação e na transparência das decisões da Administração, na medida em que permite um melhor controlo da actividade por si prosseguida, revestindo uma importante função garantística.

3 - A insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, porque essa insuficiência, obscuridade ou contradição impede o devido esclarecimento ao destinatário do acto administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


ORDEM DOS ADVOGADOS [devidamente identificada nos autos], Ré na acção administrativa que contra si intentou «AA» [também devidamente identificado nos autos], na qual foi requerida a invalidade [por anulabilidade ou por nulidade] do acto administrativo consubstanciado no Acórdão datado de 03 de Setembro de 2015, praticado pela ... Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que negou provimento ao recurso interposto pelo aqui Autor, inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada procedente a acção, e anulado o acto impugnado, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
I – Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, o acto administrativo impugnado pelo Autor não se encontra inquinado de qualquer vício, designadamente por falta de fundamentação e preterição de qualquer norma jurídica.
II – A Ré cumpriu todas as formalidades decorrentes do disposto no artigo 152º e 153º do CPA, tendo o Autor, através da fundamentação, de facto e de direito, aduzida pela Ré, tomado conhecimento do percurso lógico que se sustentou a decisão impugnada.
III – É que – reitere-se – o conhecimento e apreensão dos fundamentos da decisão sub judice é distinto da discordância, por parte do destinatário, desses mesmos fundamentos, podendo, livremente, como fez, sindicar tal decisão.
IV – Por outro lado, e no que diz respeito à violação de norma jurídica, remete a ora Recorrente para todos os fundamentos aduzidos, oportunamente, na sua Contestação, em particular no que diz respeito aos princípios da livre apreciação da prova e da discricionariedade.
V – Face ao exposto, ao não ter assim decidido, mal andou, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, devendo a sentença proferida ser revogada por outra que mantenha o acto impugnado na ordem jurídica, fazendo-se assim
JUSTIÇA!
Deve o presente recurso jurisdicional ser considerado procedente, por provado, com as devidas consequências legais.
[…].”

**

O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com interesse para a apreciação da causa, fixa-se a seguinte matéria de facto, que se julga assente, por provada:
A. Em 01 de Novembro de 2009, o aqui Autor remeteu ao Conselho de Deontologia ... participação disciplinar em que era visado o Dr. «BB», titular da cédula profissional n.º ..., com domicílio profissional na cidade ... – cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; fls. 1 a 44 do PA, a fls. 279 a 321 dos autos físicos – com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“1- No dia 20 de Fevereiro de 2009, o senhor advogado foi nomeado como patrono no âmbito do processo do CAJ J n.° ...94/2009 (Doc, I);
2- Nessa mesma data o patrono enviou ao aqui participante carta para ser marcada reunião (Doc....);
3- Reunião essa que foi realizada no dia 2 de Marco de 2009, tendo sido exposto o assunto para a acção cível e entregue os referidos documentos originais (Doc....);
4- Desde essa data que o patrono ficou de analisar os pressupostos da acção e ser preparada a mesma, ficando o patrono de contactar o aqui participante para pormenorizar alguns detalhes;
5- Face a demora na análise (já tinha passado 2 meses) no dia 22 de Abril de 2009 o aqui participante contacta o patrono por email a sugerir alguns detalhes para a acção, aguardando uma resposta ou até mesmo o pedido de alguma informação complementar (Doc. ...);
6- Face a constante demora e impossibilidade de contacto no escritório ou via telefone, o participante contacta novamente no dia 5 de Julho de 2009 por via electrónica o patrono para saber a situação e mostrando mais uma vez a sua preocupação na demora de já quase quatro meses (Doc....);
7- Toda esta situação já estava a lesar o aqui participante;
8- No dia 14 de Julho de 2009 mais uma vez o participante reitera urgentemente as suas preocupações, dando um ultimato (mesmo antipático) ao patrono (Doc 6);
9- Face a resposta de 15 de Julho mais uma vez fez um voto de confiança no patrono;
10- Essa confiança foi renovada pela segunda vez no correio electrónico de 25 de Julho de 2009, incluindo o aqui participante simpaticamente “aceitou” que a acção em vez de entrar em finais de Julho poderia entrar finais de Agosto era igual face as férias judiciais (Doc. ...);
11- Sabia que o patrono andaria muito ocupado, mas efectivamente e para ser rigoroso um advogado que aceita oficiosas tem que ter o mesmo tratamento profissional e jurídico que um cliente regular;
12- Não pode um beneficiário de protecção jurídico ser tratado como cliente de segunda, por vez sem atenção e com desprezo;
13- Os advogados que estão com excesso de trabalho, tem bons clientes regulares, não devem aceitar as "oficiosas" porque estão a dar mau nome a classe e a si próprios;
14- O brio e o rigor profissional é a marca comercial dos bons profissionais, cumprindo rigorosamente os seus deveres profissionais;
15- No dia 16 de Setembro de 2009, e após muitas e muitas desculpas e constantes adiamentos e sem qualquer respeito peto aqui participante, foi requerida ao CAJJ a sua substituição (Doc....);
16- De imediato foi comunicado ao patrono o pedido de substituição e todos os fundamentos apontados para o efeito, que lendo com cuidado o correio electrónico de 16 de Setembro de 2009 se terá uma ideia concreta de toda a situação;
17- Acresce, por último, que o patrono nomeado NUNCA pediu qualquer prorrogação de prazo a Ordem e tinha 30 dias para dar entrada da acção cível;
18- Não cumpriu os seus deveres profissionais e foi preciso esperar 7 (sete) meses para o aqui participante não ser mais "enrolado” e pedir a sua substituição;
19- Por último, o aqui participante sente-se lesado e irá estudar todas as soluções legais de resolver essa situação:
Nestes termos o aqui participante apresenta participação disciplinar contra o advogado Dr. «BB»”
B. Por ofício datado de 26.11.2009, dirigido ao Conselho de Deontologia ..., o Autor confirmou a apresentação da queixa disciplinar que deu origem ao registo de entrada ...09 – cfr. fls 43 do PA, a fls. 321 dos autos físicos.
C. O Dr. «BB», notificado do ofício n.º ...9, remetido pelo Conselho de Deontologia ..., apresentou requerimento, com o teor a fls. 45 a 59 dos PA, a fls 323 a 337 dos autos físicos, no qual terminava do seguinte modo:
“Deve a presente participação disciplinar contra o Exponente ser julgada sem efeito, por não provada, bem ainda ser exigível ao participante, um pedido de desculpas ao Exponente, em virtude das afirmações falsas nela insertas, com todas as consequências legais”.
D. Na sequência dessa participação, foi aberto processo de inquérito, a que se deu o n.º 35/2010-P/D, tendo, em 24.02.2010, sido proferido parecer no sentido de se converter o processo de inquérito em processo disciplinar, sustentando o seguinte:
“(…) O participante está devidamente identificado e os factos estão suficientemente indiciados podendo em abstracto configurar infracção disciplinar por violação do dever de zelo (art. 95/1/b do EOA)” – cfr. fls. 61 do PA (a fls. 339 dos autos físicos).
E. Em sessão do Conselho de Deontologia ..., realizada em 26.02.2010, foi deliberado ratificar a proposta da conversão em processo disciplinar – Cfr. fls. 65 do PA (a fls. 343 dos autos físicos).
F. Por ofício datado de 25.03.2010, do Conselho de Deontologia ..., foi o Dr. «BB» notificado de que, por deliberação do Conselho de Deontologia ..., foi instaurado processo disciplinar e para, querendo, no prazo de 20 dias, dizer o que tiver por conveniente sobre o teor da participação – cfr. fls. 67 do PA (a fls. 345 dos autos físicos).
G. Por ofício datado de 08.11.2011, remetido ao Presidente do Conselho de Deontologia ..., o Autor solicitou o acesso à resposta/defesa apresentada pelo Sr. Advogado e, não sendo admissível, a consulta ao processo – cfr. fls. 70 do PA (a fls. 348 dos autos físicos).
H. Nessa sequência, em 23.03.2012 foi deduzida acusação, com o teor constante do doc. n.º ... da p.i., que se dá por integralmente reproduzido, por violação dos deveres consagrados nos artigos 83.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, alínea f), 95.º, n.º 1, alínea b), todos do EOA, na qual consta o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“ (…)
2. O arguido, no exercício das suas funções enquanto advogado, em 20 de Fevereiro de 2009 foi nomeado patrono do participante «AA».
3. Em 2 Março de 2009 o arguido recebeu o Participante e, após este lhe ter exposto a situação e entregue documentos, ficou de instaurar acção de foro cível.
4. O arguido não propôs a acção, como devia, nos trinta dias subsequentes a nomeação.
5. E também não o fez em qualquer outro momento, apesar de para tal insistentemente instado pelo Participante.
6. Face a inacção do Arguido o Participante, em 16 de Setembro de 2009, solicitou ao CAJJ a substituição do patrono, o que lhe foi deferido, tendo-lhe sido nomeado novo patrono oficioso,
7. Com a sua conduta o Arguido retardou em, pelo menos, sete meses a apreciação judicial da pretensão do seu patrocinado o que acarretou para este, também pelo menos, o prejuízo de não ver apreciada a sua situação por idêntico período.
8. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida pelo EOA;
9. O Senhor Advogado arguido agiu com culpa, sendo livre e voluntaria toda a sua conduta
10. Sabia que estava obrigado a cumprir as normas deontológicas da profissão, o que não fez antes conformando com a conduta que praticou, colocando-se voluntariamente em Infracção disciplinar.
11. Com a sua conduta do senhor advogado arguido violou dos deveres previstos nos artigos 83°, n° 1, 85.º, n.º 1. al f), 95.º. n.º 1 . al b) do EOA.
12. Podendo ser-lhe aplicada, em abstracto, qualquer das penas previstas no art. 125.° do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2006), a graduar nos termos do artigo 126.º.” – cfr. fls. 72 a 74 do PA, a fls. 350-352 dos autos físicos.
I. Notificado da acusação, o Dr. «BB» apresentou defesa escrita, com o teor constante do doc. n.º ... da p.i., a fls. 83-92 do PA (a fls. 362 a 371 dos autos físicos), na qual arrolou prova testemunhal (uma testemunha) e terminou da seguinte forma:
“(…)
TERMO EM QUE
Deve a presente acusação contra o Exponente ser julgado sem efeito por não provada, com todas as consequências legais”.
J. O Dr. A. «CC» prestou depoimento escrito com o teor a fls. 130 a 134 do PA (a fls. 410 a 414 dos autos físicos) que se dão por integralmente reproduzidas.
K. Em 11.03.2014, foi elaborado o relatório final, mediante o qual se promoveu o arquivamento dos autos, com o teor constante fls. 135 a 138 do PA (a fls 415 a 418 dos autos físicos), que se dão por integralmente reproduzidas e que ora se transcreve na parte que releva:
“(…)
2. Da acusação:
2.1 Factos Provados
1. O arguido é advogado, na situação de activo inscrito pela Comarca do Porto, com data de inscrição de 30/06/2003.
2. O arguido, no exercício das suas funções enquanto advogado, em 20 de Fevereiro de 2009 for nomeado patrono do participante «AA».
3. Em 2 de Março de 2009 o arguido recebeu o Participante.
4. O arguido não propôs a acção nos trinta dias subsequentes à nomeação.
5. E também não o fez em qualquer outro momento, apesar de para tal instado pelo Participante.
6. Face a inacção do Arguido o Participante, em 16 de Setembro da 2009, solicitou ao CAJJ a substituição do patrono, o que lhe foi deferido, tendo-lhe sido nomeado novo patrono oficioso
2.2. Factos não Provados
1 O Participante entregou ao arguido todos documentos
2. Com a sua conduta a Arguido retardou em, pelo menos, sete meses a apreciação judicial da pretensão do seu patrocinado o que acarretou para este, também pelo menos, o prejuízo de não ver apreciada a sua situação por idêntico período
3. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida pelo EOA
4. O Senhor Advogado arguido agiu com culpa, sendo livre e voluntária toda a sua conduta.
5. Sabia que estava obrigado a cumprir as normas deontológicas da profissão, o que não faz antes se conformando com a conduta que praticou, colocando se voluntariamente em infracção disciplinar.
3. Da defesa:
3.1 Factos Provados
1 Em 18 de Setembro de 2009 foi enviado, via fax, o pedido de escusa relativo processo do Participante.
2. Houve troca de correspondência electrónica entre o exponente e o participante.
3.2 Factos não provados
1. O Participante entregou alguns documentos, mas nunca entregou outros que lhe foram solicitados o que inviabilizava a instauração da acção.
2. O Participante dizia que tinha advogados a tratar de assuntos e que apenas pedia apoio para evitar despesas com os processos.
3 O participante queria comandar o processo
4. A sua acção dificilmente teria vencimento
5. Raramente houve colaboração do Participante.
6. Em nenhum momento o arguido se procurou furtar ao contacto com o Participante.
4. Fundamentação
A matéria de facto provada resulta, essencialmente, do confronto da participação disciplinar e da defesa, da correspondência electrónica junta aos autos e da prova testemunhal colhida.
Da prova produzida resulta que o Sr. Advogado arguido foi nomeado defensor ao Participante em 20/02/2009.
Nos termos do artigo 33.º da Lei 34/2004 de 20 de Julho: “O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados nos casos de não instaurar a acção naquele prazo”.
O Sr. Advogado arguido não cumpriu tal desiderato.
Porem, não se poderá concluir que essa circunstância importe responsabilidade disciplinar, pois para que assim fosse, necessário seria que o Sr Advogado arguido estivesse na posse de todos os elementos que permitissem instaurar a acção em causa, o que da prova produzida de todo não resulta.
Entendimento alicerçado não só na circunstância do Participante nenhuma prova ter produzido nesse sentido, mas também no depoimento testemunhal prestado peto Sr. Dr A. «CC»
Do depoimento dessa testemunha extrai-se que o Participante não terá facultado todos os documentos necessários à propositura da acção, revelando esta testemunha possuir conhecimento directo desse facto, tendo em conta que recebeu, por duas vezes, do Participante, em datas que não sabe precisar, o recebeu para ser transmitido ao Sr Advogado arguido e que ainda não tinha a documentação em falta.

Pelo exposto, não podermos concluir que em determinado momento o Sr Advogado arguido reunia todos os elementos para poder intentar a acção judicial e não o fez Termos em que, por insuficiência de indícios, se promove o arquivamento dos presentes autos”.
L. Em 21.03.2014, a 3.ª secção do Conselho de Deontologia ... da Ordem dos Advogados, perfilhando o parecer referido no ponto anterior, deliberou arquivar o processo disciplinar – cfr. doc. n.º ... da p.i.; fls. 134 do PA ( e 419 dos autos físicos).
M. Notificado da deliberação referida no ponto anterior, o aqui Autor, ali participante, recorreu da decisão da 3.ª secção da Conselho de Deontologia ... para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com o teor do doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido – tendo formulado as seguintes conclusões que ora se transcrevem:
“a) Foi omitido ao aqui participante o direito de requerer diligências probatórias, o que toma o acórdão nulo ou de nulidade,
b) No prazo legal o advogado participado não deu entrada da acção judicial durante 7 meses,
c) Foi entregue ao advogado participado toda a documentação e nunca o advogado lhe pediu e/ou comunicou qualquer documento em falta:
d) Todo o comportamento e defesa do advogado arguido é falso, difamatório e lesivo do bom nome do aqui participante, e completamente contrário às normas dos Estatutos;
e) O advogado participado não cumpriu com os seus deveres profissionais, negligenciando a sua postura profissional e prejudicando deliberadamente o aqui recorrente participante, incluindo nunca pediu qualquer prorrogação ao Conselho Distrital ...;
f) Nunca houve qualquer “pedido de escusa” no processo de nomeação do Conselho Distrital ... e o que existe no processo disciplinar é inválida juridicamente, face não ser o órgão competente e nem ter sido reencaminhado, e o próprio documento ter data após o pedido de substituição do advogado participado;
g) O depoimento da testemunha é inválido porque foi feito e baseado em inverdades, em factos nunca acontecidos, completamente falsos e passíveis de matéria criminal;
h) Foram violados vários artigos do EOA, entre os quais n.º 2 do art. 83.º, n.º n. 2 do art. 85, a alínea b) do art. 1 do art 95 e o n.º 1 do art. 103, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados, e os n 1 e 3 do art. 33 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, além dos regulamentos específicos que orientam e regulamentam as nomeações das oficiosas.
Nesse sentido, o aqui Recorrente Participante apresenta o seu recurso ao Conselho Superior e requer a respectiva procedência com a revogação do Acórdão do Conselho de Deontologia ...”
- cfr. fls. 146 189 do PA, a fls 428 a 467 dos autos físicos.
N. O Dr. «BB» apresentou resposta à motivação do recurso para o Conselho Superior do Acórdão do Conselho de Deontologia ..., requerendo a manutenção da decisão recorrida, com o teor constante a fls. 185 a 187 do PA, a fls. 468470 dos autos físicos, que se dão por integralmente reproduzidas.
O. Em 02.09.2015, foi elaborado parecer pela Relatora/vogal do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com proposta para decisão nos seguintes termos: “Tudo visto, atenta a preterição do prazo para a arguição da irregularidade do Acórdão recorrido, deve o mesmo ser confirmado, negando-se provimento ao recurso” – cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 197 a 205 do PA, a fls. 480 a 488 do PA, no qual consta o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
(…)
7- Compulsados os autos - e não nos detendo em todas as questões de natureza substantiva que foram objecto da prova produzida - sempre se dirá que assiste razão ao Recorrente, quando este alega que, nos autos, há prova documental bastante de que entregou ao Recorrido os documentos necessários para intentar a acção.
8- Neste sentido se pode concluir, pela leitura cuidada das mensagens electrónicas que o Participante juntou em cópia, a fls. 18 a 19 destes autos.
9- Expressamente se retira das mesmas que, a 15 de Julho de 2014, o Advogado Participado comunica ao Participante que “… durante o fim de semana enviar-lhe-ei a minuta dos acções para dar entrada em Tribunal", pedindo desculpa pelo atraso verificado.
10- Mensagem a que o Participante respondeu a 15 de Julho de 2014, agradecendo a "...elaboração da PI.", o que facilmente permite concluir que o ora Recorrido estava na posse dos documentos necessários para laborar a referida peca processual.
11- A mesma conclusão se chega pela leitura da correspondência electrónica junta pelo Participante, a fls 20 dos presentes autos, com efeito, a 23 de Julho de 2014, o Advogado Participado comunica ao seu patrocinado que "...apenas entre hoje e amanha lhe consigo enviar a pi." ao que este lhe responde pela forma constante da mensagem do mesmo dia.
12- Quanto à irregularidade/nulidade arguida pelo Recorrente, dispõe o n.º 8 do art. 146.º do E.O.A., no que tange a Instrução do processo disciplinar, que “O interessado e o arguido podem requerer ao relator as diligências de prova que consideram necessárias ao apuramento da verdade".
13- Tudo sem prejuízo do que consagra o n.° 3 do mesmo preceito normativo (admissibilidade de todos os meios de prova em Direito permitidos) e o art. 153.º também do E.O A., que confere um autêntico poder/dever ao Instrutor de um processo disciplinar, em ordem a atingir a verdade material.
14- Resulta dos autos que o Participante, como Interveniente processual, não foi notificado para vir aos mesmos, querendo, requerer a realização de diligências probatórias, designadamente a inquirição de testemunhas, para exercer o seu direito ao contraditório.
15- O art. 121.º do E.O.A consagra a natureza subsidiária do direito processual penal, ao dispor: “Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:
a) As normas do Código Penal, em matéria substantiva;
D) As normas do Código do Processo Penal, em matéria adjectiva.”
16- Quanto às nulidades, rege o art. 118.°, n.° 1, do Código de Processo Penal - que consagra o princípio da legalidade, à luz do qual só será ferida de nulidade o acto em relação ao qual tenha sido violada ou inobservada disposição legal que expressamente a comine;
17- Nos casos em que a lei não a comine, o acto deverá ser considerado irregular (n.° 2 do mesmo preceito).
18- Quanto às irregularidades, dispõe o n.° 1 do art. 123.° do C.P.P.:
“1- Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a quo se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelas interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado
(sublinhado nosso)
19- Ora o Participante só em sede de Recurso arguiu irregularidade, preterindo o prazo legal previsto no supra citado preceito normativo”.
P. Em 03.09.2015, a ... Secção do Conselho Superior aprovou o parecer da relatora e deliberou, nos termos e com os fundamentos de tal parecer, negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido – cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; fls. 266 do PA, a fls. 489 dos autos físicos, que se dão por integralmente reproduzidas.
Q. Notificado do parecer e acórdão proferidos, o aqui Autor interpôs recurso para o Plenário do Conselho Superior – Cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
R. Por despacho de 22 de Outubro de 2015, foi rejeitado por ser legalmente inadmissível o recurso referido na alínea anterior – cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
*
III.1.2 Factos não provados:
Com relevo para a decisão, não subsistem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelo Autor contra a Ré veio a julgar pela sua procedência, anulando assim o acto impugnado, consubstanciado no Acórdão datado de 03 de Setembro de 2015, praticado pela ... Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que negou provimento ao recurso interposto pelo aqui autor.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Na base dos presentes autos, está um processo disciplinar que foi intentado pela Ré contra um Senhor Advogado, tendo por base uma participação efectuada pelo Autor.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente Ordem dos Advogados, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada, no essencial, no entendimento de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, sustentando a Recorrente para tanto, que no âmbito da tramitação do procedimento disciplinar, foram por si cumpridas todas as formalidades decorrentes do disposto nos artigos 152.º e 153.º do CPA, ou seja, que o acto impugnado se encontra fundamentado em termos que permitiu ao Autor ora Recorrido saber e conhecer o itinerário cognoscitivo empreendido pelo autor do acto para efeitos de prolação da decisão de arquivamento, tendo a Recorrente enfatizado que “… o conhecimento e apreensão dos fundamentos da decisão sub judice é distinto da discordância, por parte do destinatário, desses mesmos fundamentos, podendo, livremente, como fez, sindicar tal decisão.

Ora, a fundamentação do acto administrativo, visa dar satisfação às necessidades de esclarecimento do seu destinatário, porque se decide de uma ou outra forma e porquê.

A fundamentação varia em função do tipo legal de acto a praticar pela Administração, devendo adequar-se ao acto a que concretamente se destina, não necessitando o seu autor de prosseguir numa descrição exaustiva de todas as razões que estão na base da sua decisão, bastando que se traduza, como assim dispõe o artigo 153.º, n.º 1 do CPA, numa “... sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito...”, conquanto, é óbvio, que os mesmos sejam claros e suficientes e respondam às referidas necessidades de esclarecimento do seu destinatário.

A fundamentação desempenha um significativo papel na formação e na transparência das decisões da Administração, na medida em que permite um melhor controlo da actividade por si prosseguida, revestindo uma importante função garantística.

Neste patamar.

O que assoma relevância é que as razões justificativas apontados pelo autor do acto para efeitos da sua prolação permitam que o seu destinatário as possa compreender por forma a que, assim querendo, as possa sindicar, seja por graciosa ou judicialmente.

Em face do que deixamos extraído supra, por reporte à fundamentação do acto administrativo, daí se retira, em suma, que devem constar do acto, entre o mais, a enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, assim como a devida fundamentação [Cfr. artigo 151.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPA], o que tudo deve ser enunciado por parte do autor do acto [sem prejuízo da fundamentação por remissão], de forma clara, de modo a poder determinado de forma inequívoca, o seu sentido e alcance, assim como os efeitos jurídicos do acto administrativo [Cfr. artigo 151.º, n.º 2 do CPA].

Ou seja, a fundamentação do acto administrativo foi erigida pelo legislador enquanto dever de estrita observância por parte do respectivo autor, em especial quando esteja em causa a negação, extinção, restrição, ou por qualquer modo, sejam afectados os direitos ou interesses legalmente protegidos dos destinatários desse acto, designadamente em sede da apreciação de reclamação ou recurso [Cfr. artigo 152.º, n.º, alíneas a) e b) do CPA], dispondo ainda o legislador por que modo, termos e pressupostos de base é que deve prosseguido esse dever de fundamentação por parte do autor do acto, que é correspectivo do direito à fundamentação por parte do seu destinatário. Nesse sentido, dispôs o legislador, em que medida um acto deve ter-se por fundamentado, ou não fundamentado, em termos que a “… fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo acto”, equivalendo “… à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.” [Cfr. artigo 153.º, n.ºs 1 e 2 do CPA].

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
O Autor continua a sua petição invocando vício de forma, por falta de fundamentação, porquanto o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, reconhecendo razão ao então recorrente, aqui autor, de que os autos dispunham de prova documental bastante de que tinha entregue ao Advogado participado todos os documentos necessários para intentar acção, cuja falta de entrega era, segundo o Conselho de Deontologia ..., o único ponto que impedia a responsabilização disciplinar do Advogado participado, nenhuma consequência extraiu de tal apreciação, prosseguindo para a análise da invalidade suscitada, concluindo, pela improcedência do recurso.
Em suma, defende que a apreciação e fundamentação do acto impugnado são contraditórias com a decisão proferida, tal como esta é ininteligível.
Pugna que a decisão proferida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, acto impugnado, é assim nula, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 152.°, n.° 1, alíneas a) e b), 153.°, n.° 2 e 161.°, n.° 2, alínea d), todos com referência ao art. 268.°, n.° 3 da CRP, ou, caso assim não se entenda, anulável.
Na contestação apresentada, a Entidade Demandada retorquiu que o acórdão impugnado faz o enquadramento dos factos que considera provados, elenca a fundamentação fáctico-jurídica alegada pelas partes e aprecia todos os fundamentos que motivaram o recurso do Autor estando o acto impugnado devidamente fundamentado tanto fáctica como juridicamente.
[…]
Com efeito é inultrapassável uma questão, como bem assinala o Autor. No caso dos autos, o Conselho de Deontologia ... da Ordem dos Advogados, apesar de ter concluído pelo incumprimento, por parte do Sr. Advogado participado, o aqui contra interessado, do disposto no art. 33°, n° 1 da Lei n° 34/2004, decidiu arquivar o processo disciplinar. E fê-lo por entender que, para que haja responsabilidade, era necessário que o Advogado Participado estivesse na posse de todos os elementos que permitissem instaurar a acção em causa. Ponderada a prova produzida no procedimento disciplinar, entendeu dar como facto não provado, relativamente ao alegado na participação, que o Participante entregou todos os documentos. De maneira que, na deliberação que tomou, afirmou que não era possível “concluir que em determinado momento o Sr Advogado arguido reunia todos os elementos para poder intentar a acção judicial e não o fez”. Todavia, reapreciando a prova produzida, maxime a documental, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, perfilhou o entendimento do Autor que a prova documental era exuberante no sentido de que o participante tinha entregado ao Advogado participado todos os documentos necessários para intentar acção. Ora, a alegada causa que afastava a infracção disciplinar foi preterida, prima facie, pelo Conselho Superior.
Todavia, sem invocar nenhuma razão adicional (atinentes, v.g. à culpa, ou a formulação de outros juízos quanto circunstâncias em presença que pudesse afastar a ilicitude, causas de exclusão da ilicitude, ou prescrição), manteve a decisão de arquivamento.
Assim, verifica-se que a explanação dos motivos determinantes da decisão tomada – de manutenção do arquivamento disciplinar - não se mostra clara e suficiente e não permite formar na mente de qualquer intérprete de mediana argúcia o sinal de um iter cognoscitivo claro e justificativo da decisão tomada, concorde-se ou não com o seu teor decisório, mormente o que levou, perante o afastamento da aparente e anunciada causa obstativa do prossecução disciplinar, a manter a decisão de arquivamento.
Ora, a deliberação aqui impugnada não se mostra suficientemente fundamentada dela não constando os motivos com base nos quais se decidiu manter a decisão de arquivamento.
E não se objecte com a circunstância de que tal resulta da decisão de improcedência quanto à questão prévia suscitada pelo Autor (relativamente a não ter sido notificado para requer a produção de prova no seio do procedimento disciplinar). Tal é absolutamente indiferente para a economia da decisão do recurso, em termos substantivos. Ou melhor a improcedência da questão prévia/nulidade/irregularidade, apenas tinha por consequência a sanação da mesma ou a preclusão de invocar tal formalidade (em última análise, que não se retomasse o procedimento no momento em que ocorreu tal preterição), mas não ditaria a manutenção, sem mais, da decisão de recurso hierárquico.
Expliquemos.
Com efeito, é claro que o Autor, inconformado com a factualidade não provada, avançou que não lhe foi dada a possibilidade de solicitar prova suplementar (v.g. prova testemunhal), o que inquinaria o procedimento, devendo o mesmo ser retomado. Ora, apreciando tal questão, como já se viu, a Sra. Relatora enquadrou tal alegação como meramente geradora, em abstracto, de uma irregularidade, que, uma vez não suscitada em termos oportunos (cfr. artigo 123.º do CPP), não desencadearia qualquer consequência. Ora, e não estando aqui em causa a validade deste pressuposto nem a correcção deste entendimento (nenhuma ilegalidade lhe foi apontada), o certo é que tomando o mesmo por adquirido, tal apenas tem por consequência que a irregularidade em causa – a não notificação do Participante – se sanou, não inquinando o procedimento em causa com qualquer invalidade que ditaria a repetição dos actos preteridos.
Sucede que, a par desta questão, e como já se deu nota, a Sra. Relatora considerou suficiente a prova documental para assentar o seguinte juízo: “que assiste razão ao Recorrente, quando este alega que, nos autos, há prova documental bastante de que, nos autos, há prova documental bastantes de que entregou ao Recorrido os documentos necessários para intentar a acção.”.


Ora, ainda que estivesse ultrapassada a questão atinente à preterição de formalidade essencial, subsistia a própria alteração da matéria de facto realizada pela própria Sr. Relatora, que entendeu que os autos dispunham de prova suficiente de que o participante entregou todos os elementos necessários à propositura da acção, o que de per si exigiria que a Sr. Relatora, afastando a causa/entendimento subjacente ao afastamento da responsabilidade disciplinar, caso entendesse manter a decisão de arquivamento, tivesse de, fundadamente, explicar e enunciar as razões para manter o mesmo conteúdo decisório quanto se afasta a única razão que o suportou.
Assim, a improcedência da questão atinente à irregularidade invocada, tinha apenas o efeito de se manterem válidos todos os actos procedimentais praticados (não se retomando o procedimento), mas não tem por consequência automática a manutenção da decisão de arquivamento, sem mais.
Como se viu, não se encontra explícita ou implicitamente do recurso em causa, qualquer outra razão, formal ou substantiva, devidamente ponderada ou apropriada, para manter a decisão de arquivamento, quando o próprio Conselho Superior da Ordem dos Advogados expurgou o único pressuposto que suportava a decisão de arquivamento. Desta forma, é manifesto que a fundamentação é insuficiente e incongruente para suportar o conteúdo decisório, e sem que se possa, no caso, dizer que o conteúdo do acto em causa sempre seria o mesmo, quando os autos admitem, sem prejuízo de demais questões que possam/sejam suscitadas, que possa ter outro conteúdo, de sentido contrário.
[…]
Mostra-se à evidência que o acto em causa padece de invalidade, por preterição do dever de fundamentação, que inquina o acto com vício gerador de mera anulação (e não nulidade).
[…]”
Fim da transcrição

Como assim julgamos, a Sentença recorrida não é merecedora da censura que lhe dirige a Recorrente.

Julgamos ser evidente, por palmar, a obscuridade ou incongruência patenteada no acto impugnado, quando decide pelo arquivamento do procedimento disciplinar movido contra Advogado, depois de concluir que assiste razão ao Autor, enquanto participante, em torno de que o Senhor Advogado tinha já na sua disponibilidade prova documental bastante para efeitos de ser intentada a acção judicial, enquanto Patrono nomeado ao Autor.

Efectivamente, cotejado o acto sob impugnação, e em torno dos fundamentos por si adoptados para efeitos do arquivamento do procedimento disciplinar, o mesmo não esclarece de forma alguma por que é que nele [processo] estando dispostos os elementos de prova documental que habilitaria o Senhor Advogado a prosseguir na apresentação da acção judicial em nome do Autor, e não tendo o mesmo, ainda que transcorridos cerca de 7 meses desde a sua nomeação, prosseguido na apresentação em juízo dessa peça processual, quando o deveria fazer em 30 dias, como é que a entidade com competência para apreciar a eventual prática de ilícito disciplinar, vem a decidir pelo arquivamento do procedimento.

Em conformidade com o que assim sustentou o Autor na Petição inicial e a que o Tribunal a quo deu acolhimento no julgamento por si prosseguido, está desprovido de qualquer juízo lógico, o teor do acto administrativo que vem a decidir pelo arquivamento do processo disciplinar, pois que, o que seria meridianamente conciso, é que, tendo a entidade administrativa reconhecido assistir razão ao Autor, por constarem do procedimento os necessários elementos de prova documental, que o procedimento devesse prosseguir os seus termos, nele se realizando a instrução que se mostrasse devida, em ordem a ser apreciado do mérito da acusação que em 23 de março de 2012 foi instaurada ao Senhor Advogado.

Atento o teor dos seis factos dados como provados no relatório final [como assim constantes da Acusação deduzida], resultava indiciariamente provado que tendo sido nomeado Patrono do Autor e com ele reunido uma vez, que o mesmo não instaurou a acção nos 30 dias seguintes, nem em qualquer outro momento depois de instado pelo Autor, o que levou o Autor a requerer a substituição do Senhor Advogado, depois de transcorridos cerca de 7 meses sobre a data da sua nomeação.

Foi proposto o arquivamento do processo disciplinar por parte do respectivo relator, com base em “… insuficiência de indícios …”, o que o CD do Conselho Distrital ... decidiu, e tendo o Autor apresentado recurso para o Conselho Superior, no parecer elaborado pela Senhora relatora, que foi elaborado sem recurso a qualquer instrução adicional, foi apreciado que “…assiste razão ao Recorrente, quando este alega que, nos autos, á prova documental bastante de que [o Autor] entregou ao Recorrido os documentos necessários para intentar a acção.

Ou seja, a apreciação a que chegou a Senhora relatora, era só por si, mais que óbvia para efeitos de poder ser alcançada a notória conclusão de que, quando foi determinado o arquivamento, por deliberação do Conselho de Deontologia ..., datada de 21 de março de 2014, era já então patente a falta de coerência ou ambiguidade do decidido, desde logo face à existência de indícios da prática de infracção disciplinar imputada ao Senhor Advogado.

Ora, na medida em que o legislador impõe a sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito determinantes da prolação do acto, e que os mesmos têm de ser claros e suficientes para responder às prementes necessidades de esclarecimento do destinatário do acto, o que sucede é que no caso em apreço nos autos, essa exposição dos fundamentos, tendo sido feita, foi-o todavia de forma nada clara e nada perceptível, antes com patente obscuridade, o que significa, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 2 do CPA, que o acto impugnado não está fundamentado.

Termos em que, a pretensão recursiva da Recorrente tem assim de improceder, mantendo-se a Sentença recorrida.





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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Fundamentação do acto administrativo; Obscuridade ou contradição.

1 - A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto administrativo e visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado, procurando-se através dela informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.

2 - A fundamentação desempenha um significativo papel na formação e na transparência das decisões da Administração, na medida em que permite um melhor controlo da actividade por si prosseguida, revestindo uma importante função garantística.

3 - A insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, porque essa insuficiência, obscuridade ou contradição impede o devido esclarecimento ao destinatário do acto administrativo.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Ordem dos Advogados, mantendo a Sentença recorrida.



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Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 16 de fevereiro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Celestina Caeiro Castanheira
Luís Migueis Garcia