Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00713/08.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRS;
CATEGORIA A;
INDEMNIZAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO;
Sumário:
I – Não ocorre omissão de selecção, como provado, de um facto alegado, quando ele, enquanto significado, mesmo que mediante diverso significante, foi efectivamente dado como provado.

II - A decisão do procedimento administrativo e ou tributário não tem de cumprir com a estrutura e o objecto dado para a sentença do processo tributário pela conjugação dos artigos 123º, 125º do CPT e 659º e 660º do CPC (de 1995) .Quanto à decisão do procedimento tributário rege o artigo 77º da LGT, do qual não consta nem se retira que seja devida a produção de prova sobre factos que sejam irrelevantes para a decisão gizada pelo decisor, embora relevantes para a decisão preconizada, em audiência prévia, pelo interessado.

III - Ao confirmar a legalidade da correcção técnica com fundamento nos nºs 4º e 10 do artigo 2º do CIRS, o Relatório acaba por declinar tacitamente a tese da inconstitucionalidade material da interpretação directa das mesmas por violação dos direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão (artigos 58º d 47º da CRP), a qual, aliás, por implausível, não justificava rejeição expressa pelo RIT.

IV – Porque em nada bole com o princípio da proporcionalidade na contracção, por lei, dos direitos liberdades e garantias constitucionais, a tributação da indemnização pela cessação do contrato trabalho nos pressupostos decorrentes dos nºs 4 e 10 do artigo 2º do CIRS não viola os direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão, consagrados nos artigos 58º e 47º da Constituição.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

«AA», contribuinte fiscal n0 ...61, e mulher, «BB», contribuinte fiscal n.° ...43, residentes na Rua ..., rés-do-chão, ..., interpuseram o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 12 de Outubro de 2010, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel Porto, que julgou improcedente a impugnação que apresentaram relativamente às liquidações adicional de IRS do ano de 2004 e dos juros compensatórios, nos valores de, respectivamente 11 515,06 € e 1 658,55 €

Da sua alegação seleccionamos e transcrevemos as CONCLUSÕES:
. Da Decisão Atempada
1 - Determino o art. 113" do CPPT que o juiz pode conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos podidos deduzidos.
2 - Contudo, só é possível caso o estado do processo permite conhecer Imediatamente do mérito da causa sem necessidade de mais provas, sempre que a questão seja apenas de direito, ou, sendo de direito e de Facto, ou só de facto, o processo contiver todos os elementos para uma decisão segura, segundo as várias soluções possíveis de direito e não apenas tendo em vista a perfilhada pelo juiz da causa.
3 - No coso sub Judice, entendeu o Meritíssimo Juiz ad quo (SIC) que estavam reunidos todos os elementos de facto para ume decisão segura, tendo considerado como assentes dos factos acima descritos.
Acontece que,
4- O Meritíssimo Juiz ad quo não deu corno assente o seguinte facto; "O montante recebido destinou-se exclusivamente ao pagamento da indemnização por antiguidade e desvinculação à empresa, não constituindo em nenhum momento outra forma de pagamento de uma remuneração de trabalho dependente por liquidar ou qualquer outro tipo de prémio por receber de forma a evitar essa tributação", vertido nos arts 40° e 41 da impugnação judicial
5 - E, tal facto, salvo melhor entendimento, é importante para a solução do direito proposta pelos impugnantes, nomeadamente quanto a interpretação restritiva que deva ser feita ao art. 2º n° 4 2ª parte e nº 10 do CIRS.
6 - O Meritíssimo Juiz ad quo ao proferir sentença sem dar relevância ao facto em causa não teve em atenção as várias soluções de direito que se lhe depararam e de haver necessidade para uma delas averiguar matéria factual não constante nos factos de relevo para a boa decisão da causa.
7 - Pelo que, deveriam os autos terem prosseguido para a fixação de toda a matéria relevante, ou seja, deveriam prosseguir para que constasse na matéria factual, como controvertida ou assente, o facto acima descrito.
8 - Certo é que, se assim o entender, pode o Tribunal ad quem considerar assente esse facto, e aditar o mesmo à matéria relevante e pronunciar-se sobre a impugnação judicial.
9 - Pois, o Tribunal a quo julgou provada toda matéria de facto alegada por provada, sem recurso a audiência de julgamento, com base na analise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes, que não tendo sido impugnados, também, são corroborados pelos documentos juntos aos autos.
Da ilegalidade do procedimento da audição prévia
10 - Os impugnantes exerceram, atempadamente, o seu direito de audição prévia, invocando, em suma, a caducidade da liquidação e a Inexistência do facto gerador do imposto adicional. Sucede que,
11 - Exara-se do despacho final da audição prévia - conclusão - que a administração tributaria não procedeu a análise conjunta dos factos alegados pelos Impugnantes, não procedeu a audição das testemunhas, nem fez uma apreciação critica sobre os documentos juntos.
12 - A administração fiscal fez tábua rasa aos factos alegados, limitando-se a proferir decisão já, anteriormente, tomada aquando d© notificação dos Impugnantes para o exercício do direito de audição prévia.
13 - A administração tributária não considerou assentes os factos alegados, mas não se coibiu de proferir decisão.
14 - A administração tributária proferiu, assim, uma decisão sem ter tido em conta as várias soluções de direito que se lhe depararam e de haver necessidade para uma delas averiguar matéria factual não constante nos factos de relevo para a boa decisão da causa.
15 - Pelo que, deveria o procedimento de audição previa ter prosseguido para apreciação da prova apresentada.
16 - A omissão de tal acto constituí uma preterição de uma formalidade essencial - ausência de produção de prova requerida em vista da proclamação da Inexistência do i facto jurídico gerador de imposto, consubstanciando uma clara violação do princípio da participação, da fundamentação e da audição, cfr. art. 267° da CRP e arts. 60° da LGT 1 e 100° do CPA, que determina a anulabilidade do despacho de conclusão do procedimento de audição prévia – art. 133 2 al. d) do CPA.
Do Vicio de Violação da Liquidação Impugnada
17 - Nas situações de recebimento de indemnização por extinção do contrato de trabalho, o legislador estabeleceu uma não sujeição de tributação, ainda com um limite máximo (correspondente a uma vez e meio o valor médio mensal multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade),
13 - por um lado, por entender que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego, e
19 - por outro, que o recebimento de tal soma, em geral avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa de imposto - o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo.
2G - Todavia, essa não tributação desaparece quando o trabalhador integra novamente os quadros da sua anterior entidade patronal o numa empresa do grupo dessa, independentemente do vinculo, no prazo de 24 meses, com o fim único de evitar que o rendimento de trabalho dependente (remunerações antigas / prémios / etc.) seja objecto de isenção por via desse expediente (norma anti-abuso).
21 - Ora, essa limitação Imposta, com um fim “anti-abuso", viola de forma grosseira os princípios constitucionais de liberdade de escolha de profissão e do direito ao trabalho, previstos nos arts. 47° e 58° da CRP, nos termos do qual todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou género de trabalho e de trabalhar.
22-0 direito ao trabalho é o primeiro dos direitos económicos, sociais e culturais encontra-se na mesma posição quo se encontra o direito a vida no quadro dos direitos, liberdades e garantias.
23 - O direito ao trabalho consiste, principalmente, no direito de obter emprego ou exercer uma actividade profissional, sendo, nesta perspectiva, reconhecido ao cidadão um direito a uma acção ou prestação do Estado que constitui uma verdadeira obrigação constitucional de actuar no sentido de aquela pretensão obtenha satisfação efectiva.
24 - Essa liberdade de escolha e ao direito ao trabalho só pode ser restrita em nome do interesse colectivo ou inerentes à própria capacidade de trabalho do trabalhador.
25 - Tais restrições, de carácter excepcional, consubstanciam-se somente quanto aos limites mínimos de condições de trabalho, designadamente que retribuição, condição de higiene e segurança, duração dc horas de trabalho, repouso, ferias, protecção das mulheres durante a gravidez e após o parto e não qualquer outra.
26 - Pelo que, não é de admitir que uma norma fiscal possa condicionar temporariamente um cidadão a trabalhar, sob pena de pagar imposto por querer trabalhar.
27 - O interesse colectivo não justifica tal imposição. Tão pouco, justifica tal imposição no caso em que não haja qualquer conduta infractora do cidadão, nem tentativa de elisão fiscal.
Donde;
28 - Configurando as normas previstas nos art. 2º n° 4 2ª parte e nº 10 do CIRS como umas normas limitadoras da escolha da liberdade de profissão a ao direito ao 1 trabalho, ao retirar ao trabalhador a escolha de todo um leque de empresas do grupo onde ; poderia trabalhar, leque esse cada vez maior nos dias de hoje atenta à conhecida globalização e fusões de empresa, sob pena de pagar IRS sobre a indemnização de antiguidade recebida pela sua anterior entidade patronal, e não sendo tais normas impostas em nome do interesse colectivo ou da capacidade de trabalho do trabalhador, deverão as mesmas serem consideradas inconstitucionais por violar os arts 47° e 58° da CRP; inconstitucionalidade material oportunamente arguida.
29 - Consequentemente não deverão tais normas anti-abuso constantes no CIRS serem aplicáveis, ou, em via subsidiária, deverão as mesmas serem interpretadas de forma restritiva de modo a conferir ao contribuinte o direito de poder ilidir a presunção legal nela inserta.
30 Ou seja, dar a possibilidade ao sujeito passivo demonstrar junto da administração tributária que montante recebido foi liquidado para o pagamento da indemnização da sua antiguidade e não para pagamento de quaisquer outros rendimentos prémios relativos â sua actividade laboral.
31 - E, uma vez demonstrado tal facto, o contribuinte não deverá ser limitado na escolha do trabalho, nem onerado com o pagamento de IRS adicional por querer trabalhar.
32 - Provando-se tal facto, o fim visado com o norma anti-abuso deixa de ter qualquer sentido uma vez que foi demonstrado que não houve elisão fiscal.
33 - O art. 2° n° 4, 2ª parte e n° 10 do CIRS deverá ser interpretado na seguinte forma: “Uma vez demonstrado que montante recebido destinou-se ao pagamento da indemnização da sua antiguidade e não para o pagamento dc quaisquer outros rendimentos prémios relativos à sua actividade laboral, o contribuinte não deverá ser, limitado na escolha do trabalho e ao direito ao trabalho, nem onerado com o pagamento de IRS adicional por querer trabalhar. Consequentemente, a indemnização recebida deverá ser objecto de isenção nos termos do art. 2º n° 4, 1ª parte, do CIRS, apesar de integrar novamente os quadros de uma empresa de grupo num prazo inferior a 24 meses, em face da interpretação restritiva que deve ser feita ao art. 2º nº 4, 2ª parte e n° 10 do CIRS.
34 - Assim sendo, face à inexistência de qualquer facto gerador de Imposto e de normativo legal valido que possa resultar na liquidação adicional ocorrida, não é tributável o rendimento auferido pelo Impugnante marido pela cessação do contrato de trabalho no ano de 2004, cabendo o mesmo na isenção conferida no art. 2° n° 4,1ª parte do CIRS, não devendo, desse modo, o mesmo ser declarado e/ou imputado, em sede de rendimento global, na declaração de modelo 3.
35 - A sentença recorrido violou os ditames insertos nos art. 2º nº 4, Iª parte, do CIRS, art. 60° da LGT, art 100° e 133º n° 2 al. d) ambos do CPA, e arts. art. art. 267°, 47° e 58° da CRP.
Termos em que, e nos demais dc direito aplicáveis, deverão as V. Exas derem provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se douta decisão pela qual julga totalmente procedente, por provado, o pedido de impugnação judicial; ou, em alternativa, ordenar o prosseguimento dos autos para a fixação de toda a matéria relevante.”


Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do Recurso, redutível ao seguinte excerto:
«(…)
Do quadro conclusivo das alegações dos recorrentes verifica-se que ao julgado são imputados os seguintes erros de julgamento:
1. Insuficiência da matéria de facto assente para a decisão da causa.
2. Erro de julgamento ao considerar cumprido o direito procedimental de audição prévia.
3. Erro de julgamento de direito sobre a legalidade do acto tributário.
Parece-nos que o recurso não merece provimento.
I - Insuficiência da matéria de facto assente.
Nesta sede importa referir que no julgamento da matéria de facto impõe-se pronúncia sobre a factualidade alegada (para além da que é lícito conhecer oficiosamente), que seja relevante para a decisão da causa a proferir à luz das diversas soluções de direito plausíveis - art. 511.°, n.° 1, do CPC.
Os recorrentes pugnam pela necessidade de levar ao probatório o seguinte facto: “o montante recebido destinou-se exclusivamente ao pagamento da indemnização por antiguidade e desvinculação à empresa, não constituindo em nenhum momento outra forma de pagamento de uma remuneração de trabalho dependente por liquidar ou qualquer outro tipo de prémio por receber de forma a evitar essa tributação”.
A relevância desse facto seria de considerar se fosse aceitável a interpretação restritiva - proposta e defendida pelos recorrentes - do preceituado no art. 2.°, n.° 4 (2.ª parte ) e n.° 10, do CIRS, no sentido de que a indemnização recebida por rescisão do contrato de trabalho, deve ser isenta de tributação, nos termos do citado preceito, apesar de o contribuinte integrar novamente os quadros de uma empresa do grupo num prazo inferior a 24 meses, desde que se prove que o montante indemnizatório se destinou ao pagamento da sua antiguidade e não ao pagamento de quaisquer outros rendimentos/prémios relativos à sua actividade laboral. Porém, a referida interpretação restritiva do preceito não faz qualquer sentido por três razões:
a) O sentido da norma - como norma anti-abuso - não viola qualquer dos normativos constitucionais relativos ao direito de escolha da profissão ou ao direito ao trabalho, pelas razões aduzidas na sentença recorrida, as quais expressam o entendimento pacífico da doutrina sobre esta matéria.
b) A interpretação restritiva proposta não tem reflexo algum no elemento literal do preceito, sabendo-se que, em sede interpretativa das normas, para determinar o respectivo alcance, o intérprete não pode limitar-se à sua conexão verbal, (sendo necessário interligá-lo com os elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos). Porém, o elemento literal marca o limite da interpretação, eliminando tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência, ao menos imperfeita, no texto da lei - art. 9.°, n.° 2, do C. Civil.
c) A indemnização por rescisão do contrato de trabalho fundamenta-se, tão só, face ao fundamento legal de que emerge, na compensação devida pela perda do posto de trabalho, e não em quaisquer prestações remuneratórios em atraso. Se o fundamento legal da indemnização por rescisão fosse este último, não deixaria de estar sujeita à incidência tributária em IRS. E sendo assim, não se vê qual a necessidade de densifícar o conteúdo da indemnização em apreço, quando o mesmo conteúdo já está pressuposto na tributação operada, e é aceite pelas partes.
Nos termos referidos, não tem qualquer utilidade e relevância, para a concludência ou inconcludência da pretensão deduzida, o pretendido aditamento fáctico ao probatório.

II - Omissão do direito de participação.
Aqui, os recorrentes pugnam pela preterição do mencionado direito procedimental, inquinando o procedimento tributário conducente à liquidação impugnada (acto final do procedimento tributário).
Para dessa forma concluírem dizem que a omissão da inquirição das testemunhas impediu a produção de prova de que os rendimentos corrigidos não eram tributáveis.
Porém, não vemos que lhe assista razão.
Nunca expressaram qual a matéria factual a provar pelas testemunhas, sendo que da leitura da respectiva pronúncia procedimental, apenas poderiam versar sobre o carácter não remuneratório da indemnização objecto da tributação, sendo certo que, como já referimos, não é o mencionado carácter não remuneratório da indemnização que exclui a incidência tributária.
Na referida conformidade, mostra-se legal a dispensabilidade da prova testemunhal, porque insusceptível de influir na decisão final do procedimento.

III - Erro de julgamento emergente do juízo sobre a validade substantiva da tributação.
Finalmente, questionam a validade do acto tributário, defendendo que restringindo-se a indemnização laboral à mera compensação pela antiguidade profissional do contribuinte marido, e não sendo remuneratória de outros rendimentos/prémios relativos à actividade laboral - factualidade a aditar ao probatório - a correcta interpretação do preceituado no art. 2.°, n.° s 4 e 10, do CIRS impõe que se exclua da norma de incidência aquele tipo de indemnização, apesar de o impugnante marido ter integrado os quadros de uma empresa do grupo, num prazo inferior a 24 meses.
Porém, como já supra referimos, sem razão, porque a interpretação restritiva do preceito não tem qualquer fundamento, sendo válida a interpretação e aplicação desse mesmo preceito, adoptadas pelo julgado para conferir validade ao acto de liquidação impugnado.
De certa forma, a bondade da interpretação do preceito em causa adoptada pela AT e sufragada pelo julgado é conforme o decidido no acórdão do STA de 25.02.1998, recurso 02013.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, as questões sobre que pretendem os recorrentes que se pronuncie este tribunal, são as seguintes:

1ª Questão:
A sentença recorrida devia ter dado seleccionado como faco relevante e provado que “O montante recebido destinou-se exclusivamente ao pagamento da indemnização por antiguidade e desvinculação à empresa, não constituindo em nenhum momento outra forma de pagamento de uma remuneração de trabalho dependente por liquidar ou qualquer outro tipo de prémio por receber de forma a evitar essa tributação", vertido nos arts 40° e 41 da impugnação judicial”?

2ª Questão
Incorreu, O Mº Juiz a quo, em erro de julgamento em matéria de direito ao julgar improcedente a alegação de preterição de audiência prévia, apesar de a AT não se ter pronunciado sobre a matéria alegada pelo Contribuinte nessa sede, designadamente sobre os factos alegados no sentido da inexistência de facto tributário, omitindo a inquirição das testemunhas indicadas e uma apreciação conjunta documentos então juntos, não tendo em conta as várias soluções de direito que se lhe depararam, com tudo o que violou o princípio da participação, consagrado no artigo 267º da Constituição, o artigo 60º da LGT e o artigo 100º do CPA de 1991, então em vigor?

3ª Questão
De todo o modo incorreu, O Mº Juiz a quo, em erro de julgamento de direito, ao julgar improcedente a impugnação, pois, sob pena de violação dos direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão (artigos 58º e 47º da Constituição) as normas de incidência constituídas pelos nºs 4º (segunda parte) e 10º do artigo 2º do CIRS, tem de ser interpretadas restritivamente no sentido de que a exclusão da tributação aí prevista se manter no caso de o montante indemnizatório se destinar ao pagamento da indemnização de antiguidade e não ao pagamento de quaisquer outros rendimentos/prémios relativos à actividade laboral?

III – Apreciação do Recurso
A fundamentação e a decisão em matéria de facto na sentença recorrida tem o seguinte teor:
«3- Fundamentação.
3.1 - De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) No ano de 2004 o impugnante recebeu da empresa “[SCom01...]. SA”, pessoa colectiva n.º ...14, rendimentos de trabalho dependente no valor de 12 636,54 € e uma indemnização, por cessação de contrato de trabalho, de 44.440,00 € (fls 59 do apenso).
B) A indemnização por cessação do contrato de trabalho paga ao impugnante corresponde a menos de 1,5 do valor da remuneração mensal, multiplicada pelos anos de antiguidade (fs. 56 do apenso). -
C) A empresa "[SCom01...] SA" não incluiu na declaração a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 119.° do Código do IRS, por não ter enquadramento como rendimentos de trabalho dependente, a indemnização paga, no valor de 44 440,00 €, tendo considerado que não estava sujeita a tributação em sede de IRS nos termos do nº 4 do artº 2º daquele diploma (fls 56 do apenso).
D) Em 1/7/2005, o impugnante celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a “[SCom02...], Ldª," pessoa colectiva nº ...65 (fls. 59 do apenso).
E) A empresa "[SCom02...] Ld.ª pessoa colectiva nº ...65, é detida de forma indirecta em 100% pela "[SCom03...], SGPS, SA" por via da "[SCom04...], SGPS, SA", sendo a '[SCom03...], SGPS, SA" também accionista única da "[SCom01...], SA (fls 59 do apenso).
F) Na declaração Modelo 3 de (IRS do ano de 2004, os Impugnantes não declararam o valor da indemnização de 44.440,00 € (fls 59 do apenso)
G) A administração tributária constatou os factos descritos de A) a D), numa acção inspectiva realizada à empresa [SCom01...], SA, pessoa colectiva n º ...14 (fls 66 do apenso).
H) Na sequência dessas informações foi instaurada uma acção inspectiva aos impugnantes (apenso).
I) A administração tributária, por despacho de 18/7/2008, fixou a correcção de natureza meramente aritmética da matéria tributável do IRS do ano de 2004, dos impugnantes, no valor de 44.440,00 € (fls. 55 a 57). 
J) Com a referida correcção da matéria tributável, o rendimento global dos impugnantes foi alterado para 57.0476,54 € (fis 15 dos autos e 51 a 54 do apenso).
K) A alteração do rendimento global deu origem a liquidação adicional em que se apurou um imposto a pagar de 11 515,06 € e juros compensatórios no valor de 1.658,55 € 0 (fs. 15).
L) Os impugnantes foram notificados da liquidação impugnada por carta registada em 18/8/2008 (fs. 62 a 65 do apenso e 15 a 17 dos autos).
M) Os impugnantes pagaram a liquidação impugnada, no valor global de 14 183,70 €, em 17/9/2008 (fs. 17).
N) No âmbito do procedimento de inspecção, os impugnantes exerceram o direito de audição nos termos do requerimento constante de fls. 39 a 49 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
O) O relatório final da acção inspectiva pronunciou-se (sobre o) o exercício do direito de audição, nos termos constantes de fls. 59 a 61 do apenso, cujo teor se dá aqui por integral mente reproduzido.
P) Depois da cessação do contrato de trabalho com a [SCom03...], 0 impugnante inscreveu-se no centro de emprego e foi-lhe concedido o subsídio de desemprego pelo período de 38 meses (fs. 25 e 26 do apenso.

Não existe matéria de facto não provada, relevante para a decisão da causa.

3.1.1 - Motivação,
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (artigo 74º da Lei Geral Tributária (LG)», também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (artigos 76º. Nº 1 da LGT 362º e seguintes do Código Civil). identificados em cada um dos factos provados.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.»

Convém à discussão do recurso densificar as alíneas N) e O) da selecção dos factos provados, transcrevendo o essencial da pronúncia prévia do recorrente e do relatório final aí referidos:
N-1) A pronúncia prévia dos Impugnantes é redutível à seguinte transcrição:
I – Da caducidade
O exponente foi notificado do projecto de correcção nos termos do qual aquele teria alegadamente omitido a declaração do valor de Euros 44.4000,00 (quarenta e quatro mil euros) referente à indemnização recebida pela cessão do seu contrato de trabalho no ano de 2004;
omissão essa verificada pela administração tributária após analise da declaração Modelo 3 de IRS entregue pelos sujeitos passivos no ano de 2005 referente aos rendimentos auferidos no ano de 2004. Acontece que, já decorreu o prazo de caducidade para liquidação oficiosa e adicional dessa eventual verba não declarada conforme adiante se tentará explanar.

Determina o disposto no art. 45° n° 1 da LGT que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro; e,

o n° 2 desse artigo que, nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, o prazo de caducidade é de 3 anos,

sendo tal prazo interrompido uma vez efectuada validamente a notificação dentro do prazo e suspensa com a notificação ao contribuinte da realização de uma acção de inspecção externa, em caso de litígio judicial, em caso do direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, cf. art. 46° da LGT.

Ora, no caso sub judice, tratando-se de rendimento de pessoas e não sendo fixado na lei, designadamente no CIRS, outro prazo de liquidação, será de aplicar a regra geral vertida no citado art. 45° da L.G.T,

que, no caso presente, é de 3 anos.

Pois, a administração tributária apurou que os sujeitos passivos não declararam o rendimento auferido pelo «AA» pela sua desvinculação à empresa após simples analise da respectiva declaração de IRS referente ao ano de 2004,
10°
não tendo efectuado qualquer acção de inspecção de fiscalização contra estes para tanto.
11°
Pelo exposto, tendo em atenção que o prazo de liquidação é de 3 anos, a contar desde 01 de Janeiro de 2005, que os sujeitos passivos ainda não foram notificados de qualquer acto de liquidação correccional,
13°
e que não existem qualquer causa de interrupção ou suspensão,
14°
verifica-se, desse modo, já decorreu o prazo de caducidade de liquidação do tributo adicional que, desde já, se argui com os devidos efeitos legais.
Posto isto,
II - Dos factos
15° ^
Efectivamente, no ano de 2004, o «AA» recebeu da sua anterior entidade patronal denominada [SCom01...], o montante de Euros 44.000,00 para a cessação do seu contrato de trabalho.
16º
Tal quantia correspondia a menos de 1,5 da sua remuneração mensal multiplicado pelos anos de antiguidade;
17°
quantia essa que, nos termos do disposto no art. 2º n° 4 do CIRS, não estava sujeito a tributação.
18°
Nesse pressuposto, recebeu o referido montante na convicção do mesmo não estar sujeito a qualquer tributação presente e futura (caso contrario o valor a receber teria sido mais elevado),
19°
apresentando a declaração de IRS do ano de 2004 em conformidade.
200
Após a sua desvinculação, inscreveu-se no centro de emprego da sua residência,
21°
tendo sido concedido o subsidio de desemprego por período de 38 meses, conforme doc. n° 1 que se junta para os devidos efeitos legais.
22°
Decorrido vários meses no estado de desempregado, com buscas incessantes de novas oportunidades de trabalho, acabou por ser contratado pela [SCom02...], SA para executar tarefas inerentes à categoria profissional de guarda, com um vinculo precário de trabalho a termo incerto, cf. doc. n° 2,
23°
não sabendo à data que tal empresa era do grupo da sua anterior entidade patronal por a empresa ser uma sociedade anónima, cujo nome não tem qualquer semelhança ou referência ao grupo « X »
24°
nem foi informado que, por via disso, teria de pagar IRS sobre o montante da indemnização pela antiguidade recebida, inicialmente isenta.
25°
Na época, o país encontrava-se e continua ainda num ambiente de crise económica generalizada, com o desemprego a subir em grande escala,
26°
não deixando qualquer outra alternativa ao «AA» do que assinar a única proposta de trabalho recebida ao fim de 12 meses de desemprego que poderia nunca mais aparecer face a idade avançada do mesmo.
27°
Pelo exposto, tendo em atenção os supramencionados factos, verifica-se que não houve qualquer omissão aquando da entrega da referida declaração de rendimento de IRS do ano de 2004. Senão vejamos,
28°
A mesma foi entregue em Março de 2005, ainda antes do «AA» vincular-se à sua nova entidade patronal, declarando os rendimentos tributáveis na época,
29°
não tendo sido, posteriormente, efectuado a declaração de substituição, com inclusão do valor da indemnização recebida pela desvinculação,
30°
por entender-se que a limitação imposta de não sujeição à tributação desse rendimento é ilegal.
31°
Pois, nas situações de recebimento de indemnização por extinção do contrato de trabalho, o legislador estabeleceu uma não sujeição de tributação, ainda [que] com um limite máximo,
32°
por um lado, por atender ao facto que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego, e
33°
por outro, por entender que o recebimento de tal soma, em geral relativamente avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa de imposto - o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo.
34°
Contudo, essa não tributação desaparece quando o trabalhador integra novamente os quadros da sua anterior entidade patronal, independente do vinculo, no prazo de 24 meses,
35°
entendendo-se como entidade patronal toda aquela que pague ou coloque à disposição remunerações de rendimento de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, cf. art. 2 n° 4, 2o parte, conjugado com o art. 2o n° 10 do CIRS.
36º
Ora, essa limitação imposta, com fim “anti-abuso”, viola de forma grosseira o principio constitucional de liberdade de escolha de profissão previsto nos arts. 47° e 58° da CRP, nos termos do qual todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou género de trabalho.
37°
Ou seja, todos têm o direito ao trabalho e escolher livremente a profissão,
38°
cabendo ao Estado assegurar políticas de pleno de emprego, igualdade de oportunidade, formação cultural e técnica dos trabalhadores,
39°
sendo essa liberdade de escolha somente restrita em nome do interesse colectivo ou inerentes à própria capacidade de trabalho do trabalhador;
40°
restrições essas consubstanciadas somente quanto aos limites mínimos de condições de trabalho, designadamente de retribuição, condição de higiene e segurança, duração de horas de trabalho, repouso, ferias, protecção das mulheres durante a gravidez e após o parto.
41°
Donde; configurando as normas previstas nos art. 2° n° 4 2ª parte e n° 10 como umas normas limitadoras da escolha da liberdade de profissão, e
42°
não sendo tais normas impostas em nome do interesse colectivo ou da capacidade de trabalho do trabalhador,
43°
deverão as mesmas serem consideradas inconstitucionais;
44°
violação essa que, desde já, se argui para os devidos efeitos legais.
45º
e, consequentemente, ser efectuada uma aplicação restritiva de tais normas,
46°
não sendo, desse modo, tributável o rendimento auferido pelo «AA» pela cessação do contrato de trabalho no ano de 2004.
Termos em que, em face do exposto, requer-se a V. Exa se digne determinar o arquivamento do presente projecto de correcção.»

O-1) Por sua vez, o relatório final tinha o seguinte teor:
«SUJEITO PASSIVO A: «AA» NIF: ...61
SUJEITO PASSIVO B: «BB» NIF: ...43
ASSUNTO: Omissão de rendimentos da categoria A de 2004, relativos a indemnização.
CREDENCIAL - ...97 / ...14
CONCLUSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(Elaborado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 77° da LGT e 62.° do RCPIT)
1. No âmbito da acção inspectiva realizada à empresa [SCom01...], S.A., NIPC ...14, pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT) - Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras I, foi constatado que os sujeitos passivos (SP’s) «AA» e «BB» omitiram à declaração modelo 3 de IRS de 2004, rendimentos da categoria A no montante de € 44 440,00 que «AA» auferiu a título de indemnização, por cessação do contrato de trabalho, o que originou a emissão das credenciais em referência a fim de serem efectuadas as correcções que se mostrem devidas.
2. Na referida acção de inspecção foi constatado que o Sujeito Passivo no ano de 2004 recebeu da empresa [SCom01...] SA.” - NIPC - ...14, rendimentos de trabalho dependente no valor de € 12 636,54 e indemnização, por cessação de contrato de trabalho, de € 44 440,00.
A empresa [SCom01...] SA” não incluiu na declaração a que se referem as alíneas b) e c) do n° 1 do Art. 119° do Código do IRS, por não ter enquadramento como rendimentos de trabalho dependente, a indemnização paga, no valor de € 44 440,00, tendo considerada que não estava sujeita a tributação em sede de IRS, nos termos do n° 4 do Art. 2º do mesmo diploma.
Para que se efective a exclusão tributária estabelecida no n°. 4 do Art. 2º do Código do IRS, é necessário que não seja criado novo vinculo profissional ou empresarial de qualquer natureza, entre o beneficiário da indemnização e a mesma entidade patronal (tal como é definida no n°10 do mesmo artigo), nos 24 meses seguintes, nem tenha havido, nos últimos cinco anos, beneficio do mesmo regime de exclusão tributária, total ou parcial.
Contudo, verificou-se que o Sujeito Passivo, no exercício de 2005, estabeleceu novo vínculo profissional com outra entidade que está em relação de grupo com a [SCom01...] SA”, ou seja a empresa “[SCom02...], Lda.”, NIPC ...65, antes de ter decorrido 24 meses, pelo que as importâncias atrás referidas terão que ser tributadas pela totalidade, uma vez que são consideradas como rendimentos de trabalho dependente, conforme o disposto no n° 4 conjugado com o n° 10 ambos do Art. 2º do CIRS.
A empresa “[SCom02...] Lda., NIPC ...65” é detida de forma indirecta em 100% pela “Mota-Engil, SGPS, SA” por via da “[SCom04...], SGPS, SA”, sendo a “Mota-Engil, SGPS, SA” também accionista única da [SCom01...] SA”.
Contudo e através do sistema informático da DGCI, bem como da análise efectuada aos elementos contabilísticos da empresa acima referida, resultante de acção inspectiva, verificámos que na declaração Modelo 3 de IRS entregue, os SP’s omitiram o valor respeitante à referida indemnização de € 44 440,00.
Tais rendimentos consideram-se de trabalho dependente, nos termos do Art. 2º do Código do IRS, conforme acima já referimos. Sobre aqueles pagamentos não foram efectuadas retenções na fonte de IRS.
A falta descrita, constitui infracção prevista e punível nos termos do Art. 119° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Assim, foi notificado o Sujeito Passivo, nos termos e para os efeitos dos art°s 60° da LGT e 60° do RCPIT, para regularizar a situação tributária enviando uma declaração de IRS Modelo 3 de substituição para o ano de 2004, ou exercer querendo, o respectivo direito de audição.
3. Em 19/06/2008 o SP exerceu, por escrito, o direito de audição invocando que:
3.1. A Administração tributária verificou a existência da alegada omissão do valor de € 40 440,00 após análise da declaração Modelo 3 de IRS relativa a 2004 entregue pelos SP’s no ano de 2005.
3.2. Já decorreu o prazo de caducidade para liquidação oficiosa e adicional dessa eventual verba não declarada conforme o disposto no n.° 2 do Art° 45° da LGT que determina que, nos casos de erro evidenciado na declaração do SP, o prazo de caducidade é de 3 anos.
3.3. Tendo a Administração Tributária apurado que os SP’s não declararam o rendimento auferido pelo «AA» pela sua desvinculação à empresa com a simples análise da respectiva declaração de IRS referente ao ano de 2004 e não tendo efectuado qualquer acção de inspecção contra este, pelo que não houve interrupção e/ou suspensão do prazo de caducidade, este é de 3 anos, a contar desde 01 de Janeiro de 2005, encontrando-se este ultrapassado.
3.4. Efectivamente, no ano de 2004, o «AA» recebeu da sua anterior entidade patronal [SCom01...] S.A.”, a título de indemnização por cessação do seu contrato de trabalho, o já referido montante de € 40 440,00 que correspondia a menos de 1,5 da sua remuneração mensal multiplicado pelo número de anos de antiguidade e que, por isso, não estava sujeita a IRS em conformidade com o disposto no n.° 2 do Art. 2.° do CIRS.
3.5. Após a sua desvinculação, «AA» recebeu uma proposta de trabalho da sociedade comercial “[SCom02...], S.A.” que, no contexto de crise económica generalizada do país com o desemprego a subir em grande escala e face à sua idade avançada, decidiu aceitar, desconhecendo que esta empresa tivesse alguma relação de domínio ou de grupo com a sua entidade patronal, até porque se tratava de uma sociedade anónima, cujo nome não tem qualquer semelhança ou referência ao grupo Mota-Engil.
3.6. A não tributação do valor das indemnizações por cessação do contrato de trabalho quando não exceda o valor previsto no n.° 4 do Art. 2° do CIRS, desaparece quando, nos 24 meses seguintes seja estabelecido novo vínculo com a mesma entidade ou com outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo; ora esta limitação imposta com o fim “anti- abuso”, viola de forma grosseira o princípio constitucional de liberdade de escolha de previsto nos Art°s 47.° e 58.° da CRP, nos termos do qual todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou género de trabalho.
3.7. As normas previstas nos Art. 2 °, n.° 4, 2ª parte e n.° 10 do CIRS são limitadoras da liberdade de escolha da profissão pelo que deverão ser consideradas institucionais e consequentemente deverá ser efectuada uma aplicação restritiva dessas normas anti-abuso constantes do CIRS, não sendo, desse modo, tributável o rendimento auferido pelo «AA» pela cessação do contrato de trabalho no ano de 2004, pelo que requer o arquivamento do projecto de correcção.
4. Analisados os diversos elementos disponíveis nos sistemas informáticos da DGCI e os argumentos apresentados pelo SP no seu direito de audição é possível concluir o rendimento de € 40 440,00 é de tributar em conformidade com o disposto no Art. 2.°, n.° 4, segunda parte e n.° 10 do CIRS dado que:
4.1. O SP «AA» auferiu em 2004 o montante de € 40 440,00 relativo a indemnização relativa a cessação do contrato de trabalho que tinha com a empresa “[SCom01...], S.A.
4.2. Este montante foi omitido à sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2004, contudo tal omissão não fica evidenciada nessa declaração.
4.3. Ao presente caso não se aplica o disposto no n.° 2 do Art. 45.° da LGT, evocado pelo SP, porquanto erro evidenciado na declaração do SP é aquele que é detectável mediante simples análise dessa declaração.
4.4. A omissão dos referidos rendimentos apenas foi detectada pela Administração Tributária em acção de inspecção realizada à empresa [SCom01...] S.A.”, tendo sido aí que foi verificada a criação de novo vínculo laboral entre o SP A e a sociedade “[SCom02...], Lda., o que implica a tributação da totalidade das importâncias recebidas, nos termos do previsto no Art. 2.°, n.° 4, segunda parte e n.° 10 do CIRS, pelo que o SP dispunha de 30 dias para apresentar nova declaração Modelo 3 de IRS conforme dispõe o n.° 2 do Art. 60.° do CIRS.
5. Por não ter sido regularizada a falta antes descrita, vai ser promovida pelos Serviços de Inspecção Tributária desta Direcção de Finanças a competente correcção aos rendimentos de IRS no valor de € 40 440,00, conforme já referido neste relatório, e lavrado o respectivo Auto de Notícia.

Retomemos, enfim, as questões acima enunciadas.

1ª Questão:
A sentença recorrida devia ter dado seleccionado, como facto relevante e provado, que “O montante recebido destinou-se exclusivamente ao pagamento da indemnização por antiguidade e desvinculação â empresa, não constituindo em nenhum momento outra forma de pagamento de uma remuneração de trabalho dependente por liquidar ou qualquer outro tipo de prémio por receber de forma a evitar essa tributação", vertido nos arts 40° e 41 da impugnação judicial”?

O que se alega e importa apreciar é se o Tribunal recorrido se devia ter pronunciado – e, nesse caso, afirmativamente – sobre a prova daquele facto, bem como as consequências jurídicas da omissão, nesta sede de apelação. Só no caso de se concluir que está em falta a pronúncia é que terá sentido este tribunal julgar (reunidas as condições para tal, conforme artigo 662º nº 1 do CPC) sobre se o facto ficou provado.
Vejamos:
Dispõe, o artigo 123º nº 2 do CPPT, que a sentença discriminará a matéria de facto provada e a não provada.
O que é e não é a matéria de facto que tem de ser discriminada como provada ou não provada diz-no-lo o artigo 5º nº 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT: o Juiz deve atender, na sentença, aos factos alegados nos articulados, aos instrumentais desses, que resultem da instrução da causa e aos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilita de se pronunciar sobre os mesmos.
Resulta, ainda, dos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC (antigo), aplicável no processo tributário, nos termos do artigo 2º do CPPT, porque o artigo 123º do CPPT não regula exaustivamente a estrutura da sentença, que a discriminação dos factos provados e não provados (atendíveis) integra a fundamentação da sentença em matéria de facto.
Assim sendo, a omissão de pronúncia sobre factos alegados e relevantes para a discussão da causa, em alguma das perspectivas em confronto, viola a conjugação dos artigos 123º nº 2 do CCPT e 5º nº 2 e 607º nºs 2 e 3 do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
Esta afirmação carece, contudo, de duas advertências sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto:
Assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com o artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova. Tão pouco se pode considerar omissão de selecção, como provado, de um facto alegado, quando ele, enquanto significado, mesmo que mediante diverso significante, foi efectivamente dado como provado.
Vejamos o caso concreto:
Lida a Petição, verificamos que a alegação em causa, se encontra ipsis verbis nos artigos 40º e 41º.
Lida, por outro lado, a especificação dos factos provados, topa-se com a descrição de um facto que sintetiza e esgota todo aquele o que os Recorrentes vêem como omisso. Trata-se da alínea A): «No ano de 2004 o impugnante recebeu dá empresa “[SCom01...]. SA”, pessoa colectiva n.º ...14, rendimentos de trabalho dependente no valor de 12 636,54 € e uma indemnização, por cessação de contrato de trabalho, de 44.440,00 € (fls. 59 do apenso).»
Não se pense que esta é uma afirmação indiscriminada e generalizante, que se deve ou pode interpretar como incluindo remunerações vencidas com a cessação e a indemnização propriamente dita. Na verdade, essa variante hermenêutica está vedada num texto que, ele mesmo, já discrimina rendimentos do trabalho, com um valor, e indemnização pela cessação do contrato, com outro.
Em conclusão, o facto alegadamente omisso na selecção dos facos provados está contido na alª A) da discriminação dos factos provados, pelo que a resposta à presente questão é negativa.

2ª Questão
Incorreu, O Mº Juiz a quo, em erro de julgamento em matéria de direito ao julgar improcedente a alegação de preterição de audiência prévia, apesar de a AT não se ter pronunciado sobre a matéria alegada pelo Contribuinte nessa sede, designadamente sobre os factos alegados no sentido da inexistência de facto tributário, omitindo a inquirição das testemunhas indicadas e uma apreciação conjunta documentos então juntos, não tendo em conta as várias soluções de direito que se lhe depararam, com tudo o que violou o princípio da participação, consagrado no artigo 267º da Constituição, o artigo 60º da LGT e o artigo 100º do CPA de 1991, então em vigor?

O discurso da sentença recorrida no que a esta questão directa e indirectamente respeita é redutível ao seguinte:
“Em matéria tributária o direito de participação dos cidadãos está consagrado nos arts 45.° do CPPT - contraditório - e 60 0 da IGT - principio da participação.
Em sede inspecção tributária o direito de participação está ainda consagrado, mais especificamente nos arts 60 ° n.º 1, alínea e), da LGT e 60.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
Um dos corolários do direito de participação é que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (artigo 60º nº 7 da LGT).
A falta de audição prévia e a falta de fundamentação reconduzem-se a um vicio de forma, por preterição de formalidade essencial, que determinará a invalidade do acto final e a sua anulabilidade (artigos 133°, a contrario. E 135º do CPA, a menos que consiga degradar-se tal irregularidade em formalidade não essencial, o que não acarretaria a invalidade do acto final.
(…)
Analisado o relatório final, verificamos que a administração tributaria, embora de forma sucinta e indirecta, pronuncia-se sobre as questões suscitadas em sede de audiência prévia.
Por um lado, pronuncia-se directa e fundamentadamente, isto é, de forma expressa clara, suficiente e congruente sobre a não caducidade do direito à liquidação impugnada.
Por outro lado, pronuncia-se indirecta mas fundamentadamente, isto é de forma expressa, clara, suficiente e congruente sobre a alegada inexistência do facto gerador.
Com efeito, quando a administração tributária no ponto 4.4 do relatório final reafirma a verificação da falta de declaração dos rendimentos auferidos a título de rescisão do contrato de trabalho, na sequência do contrato de trabalho celebrado entre o impugnante e a [SCom02...], o que implica a tributação da totalidade das importâncias recebidas pelo impugnante da Mota-Engil em 2004, está a reafirmar de forma indirecta que se verifica o facto gerador do imposto.
Acresce que no referido ponto 4.4 a administração tributária reafirma que a tributação da totalidade das importâncias recebidas é feita nos termos do art. 2 °, n.° 4, segunda parte e nº 10 do CIRS e que o sujeito passivo dispunha de 30 dias para apresentar nova declaração Modelo 3 de IRS conforme dispõe o n.° 2 do art 60 ° do CIRS, fundamentou de facto e de direito o relatório final.
Quando reafirma e existência do facto tributário e a sua fundamentação legal, a administração tributaria reafirma a legalidade da decisão e simultaneamente fundamenta a inexistência da inconstitucionalidade invocada pelos impugnantes.
A administração tributária está subordinada a Constituição e à lei (artigo 266 nº 2da CRP) devendo-lhe obediência (artigos 3º do CPA e 8º da LGT) e não pode deixar de aplicar uma norma legal em vigor. Aliás, a administração tributária não pode desaplicar uma lei por alegada inconstitucionalidade.
A apreciação da inconstitucionalidade e desaplicação das leis com esse fundamento é da competência dos tribunais (artigo 204º da CRP).
A alegada falta de análise dos factos e prova arroladas na audição prévia é ainda desmentida cabalmente pelo teor da parte final do ponto 4 4. do relatório final.
No relatório da inspecção tributária afirma-se no ponto 1. que os impugnantes omitiram a declaração dos rendimentos auferidos a título de indemnização por rescisão do contrato de trabalho.
No exercício do direito de audição, os impugnantes insurgiram-se contra essa afirmação da administração tributária, alegando que o contrato de trabalho celebrado com a [SCom02...] é posterior à declaração de rendimentos do ano de 2004, motivo pelo qual não podia falar-se em omissão da declaração de rendimentos. Para esse facto os impugnantes juntaram o contrato de trabalho, que já era do conhecimento da administração tributária.
Se atentarmos na parte final do ponto 4.4 relatório, verificamos que aí a administração tributaria já se refere à falta de apresentação da declaração de substituição a apresentar no prazo de 30 dias a contar do facto que determinou a alteração dos rendimentos (artigo 60º nº 2 do CIRS).
Isto é prova cabal que a administração tributária teve em consideração os elementos novos suscitados pelos impugnantes e que estão fundamentados no relatório final - -
Os restantes alegados factos invocados pelos impugnantes eram irrelevantes para a decisão do relatório final. Daí que a alegada falta de análise dos documentos juntos e a não inquirição das testemunhas, nessa parte, também não constituiu falta de fundamentação. Eram actos inúteis e encontram-se refutados pela reafirmação dos factos feitos no relatório final.
Com efeito, o facto do impugnante estar inscrito no centro de emprego, estar à procura de emprego e alegadamente desconhecer a relação de grupo existente entre a [SCom02...] e a [SCom01...] são irrelevantes para a determinação do facto tributário.
O facto tributário é determinado pelas normas objectivas de incidência, cuja subsunção depende apenas da verificação do respectivo facto, independentemente do conhecimento do sujeito passivo.
O desconhecimento da lei não obsta à sua aplicação (artigo 6º do Código Civil). No limite, competia ao impugnante averiguar antes da celebração do contrato de trabalho se havia ou não relação de domínio ou de grupo entre a antiga e a nova entidade empregadora.
Donde ê forçoso, concluir-se que o relatório final está cabalmente fundamentado de facto e de direito, não padecendo de qualquer vício de forma.
O mesmo acontece com a invocada violação doa direitos de participação e audição.
Os impugnantes alegaram que a administração tributária não teve em consideração os factos e os elementos de prova invocados em sede de audiência previa.
Porém, também não têm razão.
Como já fomos vendo a propósito da fundamentação do relatório final, a administração tributária teve em consideração os factos e elementos de prova invocados pelos impugnantes.
O que sucede é que parte deles eram inúteis á decisão do relatório final e, por isso, não foram directa e expressamente analisados.
£ o que acontece com a alegada inscrição no centro de emprego, o desconhecimento da relação de domínio ou de grupo entre a [SCom02...] e a [SCom01...] e com as testemunhas e documentos relativos ao centro de emprego.
Tais elementos são irrelevantes para o relatório finai e não afectam em nada a decisão do relatório final. A sua apreciação e a sua inquirição seriam inúteis para o relatório final, porquanto a inscrição no centro de emprego e o alegado desconhecimento da relação de domínio ou grupo não interferem na fixação dos factos relevantes para o facto tributário e para a determinação das normas de incidência tributária.
Daí que a falta de apreciação desses elementos e dos respectivos meios de prova não afectem em nada o relatório final e a decisão da administração tributária.
Os elementos que relevavam para o relatório final e para a decisão da administração tributária - os factos determinantes para a verificação da caducidade do direito à liquidação e a data da celebração do contrato de trabalho e a fixação da data do facto determinante, para o facto tributário e determinação temporal da verificação das normas de incidência - foram tidos em conta no relatório da administração tributária e constam dele, tendo sido feito quanto a eles a necessária apreciação critica e fundamentada.
Os demais eram irrelevantes.
Logo, não há qualquer falta ou violação do direito de participação ou audição.

Em face dos fundamentos alegados pelos Recorrentes em ordem à formulação desta questão, um esclarecimento ocorre fazer, a saber: a decisão do procedimento administrativo e ou tributário não tem de cumprir com a estrutura e o objecto preconizado para a sentença do processo tributário nos artigos 659º e 660º do CPC (antigo, que é o aqui aplicável).
Quanto à decisão do procedimento tributário, rege o artigo 77º da LGT, do qual não consta nem se retira que naquela seja devida a consideração dos factos que sejam irrelevantes para a decisão gizada pelo decisor, por muito relevantes que sejam para a decisão preconizada pelo interessado.
Por isso não tem sentido criticar a decisão do procedimento por esta não ter considerado factos supostamente relevantes para decisões finais diversas daquela que foi tomada, nem por ter sido emitida sem ter sido produzida prova requerida sobre tais factos.
Tem sentido, isso sim e apenas, atento o disposto no nº 7 do artigo 61º da LGT, apreciar se, em audiência prévia, o interessado “suscitou” “elementos novos” – isto é, novos factos e ou argumentos que afectem os fundamentos da decisão preconizada – e se a decisão final, tomada no sentido preconizado, os teve por algum modo em conta, isto é, os teve por improcedentes para aquele efeito, seja expressa seja tacitamente.
Na verdade, por elementos novos não pode considerar-se tudo o que o interessado tenha alegado e ainda não tenha sido dito no procedimento, mas tão só o que, de inédito em matéria de facto ou de juízo de valor ou de direito, tenha alguma plausibilidade valorativa ou jurídica enquanto crítica à legalidade do acto anunciado, sob pena de o procedimento ficar sujeito ao (ab)uso deliberadamente dilatório do direito de audiência prévia.
Depois, para se poder concluir que determinados elementos foram “tidos em conta”, como é conatural a qualquer declaração negocial, não é necessário que todos os factos e argumentos sejam expressa e especificadamente considerados e refutados. Desde logo, a consideração e o sentido da apreciação de uns pode prejudicar a procedência de outros, implicar logicamente a rejeição de outros ou significar, até, a rejeição tácita de outros.
Tal como o próprio recorrente refere, os elementos novos alegados reconduziam-se à invocação da caducidade da liquidação e a alegação da Inexistência do facto gerador do imposto adicional.
Como pormenorizadamente se expõe na sentença recorrida e se pode confirmar na transcrição que supra se fez do relatório final, a versão final do relatório da Inspecção não se limitou a repetir a decisão e fundamentação preconizadas, mas rebateu os argumentos minimamente plausíveis do Contribuinte no que a esta fundamentação concernia, sendo certo que, ante esta, eram irrelevantes os factos alegados e, portanto, inútil a produção da prova testemunhal ou documental.
É certo que a AT não se referiu expressamente à alegação da inconstitucionalidade dos nºs 4º e 10º do artigo 2º do CIRS, se directamente interpretados, mas, ao confirmar a legalidade da correcção técnica com fundamento nestas normas acaba por declinar tal tese, que, aliás, em mais não resultava do que no desaplicar das mesmas, o que, como bem recorda o Mº Juiz a quo, era matéria alheia às atribuições da Administração Tributária.
Aliás, a tese da inconstitucionalidade material da tributação da indemnização pela cessação do contrato de trabalho por violação dos direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão é, com o devido respeito, como veremos, assaz implausível, de maneira que, à luz do que acima se disse, não era exigível uma rejeição expressa da mesma.
Com tanto, temos por satisfeito, pelo Relatório final da Inspecção, o exigido pelo nº 7º do artigo 60º da LGT e, logo, o dever de audiência prévia e o principio da participação.
Assim é negativa a resposta a esta 2ª questão.

3ª Questão
De todo o modo incorreu, O Mº Juiz a quo, em erro de julgamento de direito, ao julgar improcedente a impugnação, confirmando a aplicação, in casu, dos nºs 4º (segunda parte) e 10º do artigo 2º do CIRS pois os direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão (artigos 58º e 47º da Constituição) obrigam a uma interpretação restritiva dessas normas de incidência, no sentido de que a exclusão da isenção não abrangeria o caso de se provar que que o montante indemnizatório se destinou ao pagamento da indemnização de antiguidade e não ao pagamento de quaisquer outros rendimentos/prémios relativos à actividade laboral?

No que a esta questão se pode considerar de algum modo concernente, o Mº Juiz a quo discorreu assim:
«Por outro lado, também não pode dizer-se que o art. 2.°, n.°s 4 e 10, do CIRS, são inconstitucionais por violação dos artigos. 47 e 58º da CRP.
O art. 47º consagra o direito fundamental de escolha, exercício e abandono da profissão. O art. 2.°, n °s 4 e 10, do CIRS não constitui qualquer limite à escolha, exercício e abandono da profissão, porquanto o impugnante não está impedido ou limitado a exercer aquela profissão ou qualquer outra. Está apenas condicionado temporariamente a trabalhar com uma entidade empregadora ou qualquer outra entidade que esteja em relação de domínio ou de grupo com ela.
Além disso, o próprio art. 47 °, nº 1, prevê que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo.
Em nome do interesse colectivo não pode impor-se a alguém certa profissão contra a sua vontade ou impedir arbitrariamente alguém de vir exercer a sua profissão ou continuar a exercê-la. Mas o interesse colectivo pode justificar uma interdição temporária, designadamente por decisão judiciai, do exercício da actividade profissional em caso de prática de crimes com ela relacionados
Se o interesse colectivo justifica a interdição temporária do exercício da profissão por decisão judicial em caso de crime, o direito fundamental de escolha, exercício e abandono da profissão também pode ser restringido por Lei, em nome do interesse colectivo, quando estejam em causa normas fiscais anti-abuso, como é o caso do art. 24, n.ºs 4 e 10, do CIRS, cujas condutas Infractoras podem, no limite, integrar a eventual prática de um crime tributário, designadamente fraude fiscal.
Acresce igualmente que essa limitação sempre seria temporária nos termos do art 2.°. nº 4 do CIRS, limitada a um período máximo de 24 meses, não constituindo uma restrição intolerável do direito ao trabalho.
Feita uma ponderação de interesses entre os bens jurídicos protegidos - limitação temporária de uma profissão e um abuso de direito, consubstanciado numa evasão fiscal - o direito à prevenção da evasão fiscal e à eventual prática de eventuais ilícitos criminais, sempre teria de prevalecer.
A considerar-se que o art 2.°, n °s 4 e 10, do CIRS constituem uma limitação ao exercício do direito fundamental de escolha, exercício e abandono da profissão, ela sempre estaria abrangida Pelo excepção previsto no artº 47.°, nº 1, da CRP.
Já o art. 58º vale antes corne uma imposição aos poderes públicos, sempre dentro de uma reserva do possível, no sentido da criação das condições normativas e fácticas que permitam que todos tenham efectivamente direito ao trabalho.
Aqui estamos perante «uma imposição aos poderás público. no sentido da criação das condições, normativas e fácticas, que permitam que todos tenham efectivamente direito ao trapalho.
Esta imposição aos poderes públicos de criação de condições para o direito ao trabalho, não contende com o art. 2.°. n °s 4 e 10, do CIRS e alegada limitação aí imposta.
Uma coisa é a criação de condições para o direito ao trabalho, outra bem diferente é considerar- se que as indemnizações recebidas nos termos do art 2 °, TV° 4, do CIRS são considerados rendimentos de trabalho dependente caso o sujeito passivo celebre um contrato de trabalho com a entidade pagadora da indemnização ou qualquer outra entidade que consigo esteja em relação de domínio ou grupo.
Esta possibilidade não constitui qualquer restrição à imposição que recai sobre os entes públicos de criação de condições para o direito ao trabalho. Aquelas disposições legais, não constituem qualquer limitação, obstáculo ou restrição á criação de condições do direito ao trabalho.
O art. 2º, n °s 4 e 10, do CIRS, aso constitui qualquer limitação ao direito ao trabalho e ainda que se considerasse que o limita, não constituiu uma restrição intolerável desse direito, sobretudo por causa da natureza temporária da eventual limitação - •
O Artigo 2º nº s 4 e 10 não violam o artigo 58º da CRP, pelo que não há qualquer para o desaplicar (SIC). A impugnação também tem de improceder nesta parte.»
Tem o acordo deste colectivo, este discurso.
Como já deixámos antever na discussão da questão anterior, julgamos que a tese da incompatibilidade da tributação da indemnização pela cessação do contrato de trabalho, sobretudo nos pressupostos definidos nos nºs 4 e 10 do artigo 2º do CIRS, por ofensa dos direitos fundamentais ao trabalho e à escolha da profissão não é susceptível de fundamento minimamente consistente.
Com efeito, salva a violação de um nunca desconsiderável princípio da proporcionalidade na contracção dos direitos fundamentais (artigo 18º nº 2 da CRP), não se concebe em que é que a tributação de um rendimento indirectamente emergente, mas emergente, de um contrato de trabalho, como é o da indemnização pela na cessação do contrato trabalho pode violar os direitos ao trabalho e à escolha da profissão.
A ser assim, toda a tributação de um rendimento do trabalho violaria o direito ao trabalho; tal como toda a tributação de um rendimento violaria o direito a auferir esse rendimento, enfim, o direito à propriedade privada.
Quanto ao sobredito princípio da proporcionalidade, nada vem alegado de que se possa concluir que a tributação da indemnização quejanda, sobretudo nos pressupostos específicos em que está prevista, viola esse princípio de proporcionalidade.
Se a taxa, por progressiva, acaba por ser maior no ano em que se recebe a indemnização, também o rendimento desse ano foi muito maior. Ora, ninguém sustenta que a progressividade do IRS quando aos rendimentos do trabalho viola os sobreditos direitos fundamentais.
Por outro lado, a facilmente intuível ratio legis da isenção ou da exclusão da tributação da indemnização pela cessação do contrato de trabalho – deixar incólume um rendimento de que o trabalhador pode ir precisar durante um possível e maior ou menor período de carência de trabalho – rendimento que não prejudica, note-se, o direito ao subsidio de desemprego – deixa de se verificar, quando o trabalhador acaba por obter novo contrato a breve trecho, seja na anterior seja em outra entidade patronal.
Assim, a resposta a esta derradeira questão também é negativa.

Conclusão
Da resposta negativa às questões 2ª e 3ª acima discutidas resulta a improcedência do recurso.

IV – Custas
As custas são responsabilidade dos Recorrentes, conforme decorre do artigo 527º do CPC.
VI – valor da acção e do recurso
Na sentença recorrida não foi fixado o valor da causa.
Embora o CPC não preveja esta situação (que não se identifica com a prevista no nº 3 do artigo 306º), sempre o valor da acção terá de ser fixado posteriormente, desde logo, em sede de recurso, pois só deste modo não ficará por cumprir o artigo 296º do mesmo diploma e se disporá, no processo, de um factor indispensável para a liquidação da taxa de justiça.
Como assim, considerando o objecto da Petição, fixa-se o valor da acção em 13 173,61 €.
Não foi indicado valor para o recurso. Como assim, vale a regra do valor da acção, também para o recurso, pelo que o valor do recurso, para efeito da taxa de justiça, é o mesmo da acção.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedente o recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 8/2/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes
José António Oliveira Coelho