Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00132/20.9BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL;
Sumário:
1 – O Tribunal a quo incorre na prática de irregularidade passível de influir na apreciação do mérito da acção, quando com base na invocação do artigo 590.º, n.º 1 do CPC e 87.º, n.º 9 do CPTA, decide pelo indeferimento liminar da Petição inicial, em momento processual em que o estado dos autos assim ainda não o permitia
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


CONDOMÍNIO DA AVENIDA ..., em ... [devidamente identificado e representado nos autos], Autor na acção administrativa que intentou contra o Município ... e a sociedade comercial [SCom01...], S.A. [ambos devidamente identificados nos autos], na qual foi requerida a sua condenação solidária [no reconhecimento do muro que intervencionou/eliminou como parte comum do autor, e a sua reconstrução, colocando a proteção e impermeabilização no estado em que se encontrava antes da sua atuação, de forma a cessar as infiltrações; - assim como a condenação na reconstrução do sistema de drenagem de águas pluviais do arruamento, de forma a cessar as infiltrações; - no pagamento ao autor do valor de 13.411,51€, correspondente ao valor dos danos causados supra melhor identificados e no pagamento dos danos presentes, a determinar, colocando as frações L, G e H, na situação em que se encontravam antes do facto lesivo causado das demandadas, valores acrescido de juros desde a citação, até efetivo e integral pagamento.”], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi indeferida a petição por verificação da excepção dilatória atinente à ilegitimidade activa, veio interpor recurso de Apelação.



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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
I. Fundamenta a sentença recorrida uma alega ilegitimidade ativa do condomínio. Que assenta num erro grave de leitura da petição apresentada, quer nos seus pedidos, quer na causa de pedir.
II. O condomínio surge nestes autos na defesa de uma parte comum e o seu primordial pedido é a reparação da fachada que os demandados danificaram na sua empreitada.
III. O tribunal a quo ignorou tal e apenas fundamenta a decisão de ilegitimidade como se o autor apenas estivesse a requerer os danos nas frações mencionadas. O que também é peticionado mas em último ponto, pois são consequências desse dano dos demandados na parte comum.
IV. É por tal dano em parte comum que teve origem aquando da empreitada dos demandados, que o litígio se fundamenta.
V. Com o pedido a final das consequências que tal parede comum danificada está a causar nas frações privadas.
VI. Factos alegados e peticionados que o tribunal recorrido ignorou no momento de proferir a decisão recorrida.
VII. O tribunal recorrido também fundamenta que a exceção é insanável, alegando que o condomínio não pode requer os danos das frações privadas afetadas pela parte comum, não permitindo o chamamento dessas frações como parte.
VIII. Age de forma contrária ao preceituado legalmente que nos casos de legitimidade plural, a ilegitimidade pode ser suprida pelo chamamento à demanda dos vários interessados, mesmo após o trânsito em julgado do despacho saneador que absolva o réu da instância com fundamento em não estar em juízo determinada pessoa.
IX. Reproduzindo na íntegra o mencionado em sede de alegações, existe uma violação no disposto nos artigos 1421.º, 1424.º, 483.º, 493.º, todos do C: e o n.º2 do artigo 590.º do C.P.C.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo o mesma substituído por outra que improceda a exceção de ilegitimidade alegada, e se realize a citação do 2.º demandado, com o prosseguimento dos autos.
Fazendo-se assim a habitual e necessária JUSTIÇA.
[…].”

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O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
1. Na Instância Local Cível de Viseu do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu correu termos, sob o n.º de processo 1573/14.6TBVIS, uma acção declarativa com forma de processo comum, instaurada por «[SCom02...], Lda.» contra a Câmara Municipal ..., a «[SCom01...], S.A.» e a «[SCom03...] – Companhia de Seguros, S.A.», visando a condenação destas a pagar àquela, a título de indemnização, a quantia de EUR 12.835,87, acrescida de juros vincendos à taxa legal até integral pagamento (cf. certidão junta aos autos pelo 1º R. com o seu requerimento de 25.09.2020 e que faz fls. 177 do SITAF);
2. Em tal acção foi alegado pela «[SCom02...], Lda.» que “é arrendatária de um estabelecimento/loja sito na Rua ..., lote ..., n º de policia ...1 da Rua ..., desde 10/10/1997, designado pela letra "L", correspondente à cave. Por deliberação da Câmara Municipal foi adjudicada a remodelação da AVENIDA ... à empresa [SCom01...]. Tal remodelação implicava entre outras situações enterrar infra-estruturas de água, electricidade, gás e Telecom. A empreitada teve inicio em 24/02/2010. Em fins de Setembro, início de Outubro de 2010 a empresa de construção iniciou os trabalhos no troço entre a Rua ... e o .... Em 03/10/2010, pelas 18 horas e 30 minutos, enquanto os funcionários da autora trabalhavam no estabelecimento, aperceberam-se da grande quantidade de água e lama a infiltrar-se no interior, deixando de imediato todo o local inundado. Ao irem verificar o que se passava, viram as valas abertos pela 2a ré, que juntamente com o fato de chover nesse dia, tinham sido o motivo para a dita inundação. Acrescenta que no dia 14/11/2010 o estabelecimento da autora voltou a ficar inundado, bem como em 30/05/2011. Acrescenta que em virtude de tais inundações a autora teve os prejuízos peticionados.” (cf. certidão junta aos autos pelo 1º R. com o seu requerimento de 25.09.2020 e que faz fls. 177 do SITAF);
3. Em 09.12.2015 foi proferida sentença no processo referido nos pontos anteriores que julgou aquele Tribunal materialmente incompetente e absolveu as rés da instância (cf. certidão junta aos autos pelo 1º R. com o seu requerimento de 25.09.2020 e que faz fls. 177 do SITAF);
4. Tal sentença transitou em julgado no dia 26.01.2016 (cf. certidão junta aos autos pelo 1º R. com o seu requerimento de 25.09.2020 e que faz fls. 177 do SITAF);
5. Em 29.05.2017, a Assembleia de Condóminos do prédio sito na Avenida ..., em ..., deliberou, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Quarto: Assuntos de interesse geral.
a) Face ao descontentamento do proprietário das garagens F e G, para com a Administração pela não resolução das infiltrações existentes nas paredes das suas fracções, a representante da Administração informou que esta situação encontra-se com um processo judicial a decorrer que foi iniciado pelo proprietário da loja L, que também tem danos na sua fracção e que esta situação teve início no decorrer de obras de responsabilidade da Câmara que ocorreram no passeio e que danificaram a estrutura do prédio. Foi decidido por unanimidade dos presentes que o condomínio, passa a custear e seguir com o processo iniciado para a Câmara refazer a parede danificada e as consequências que esta obra continua a provocar a estas fracções.
(…)”
(cf. Acta n.º ...9 que consubstancia o documento n.º ...1 junto aos autos com a réplica);
6. Em 21.01.2020, o A. remeteu ao 1º R. uma carta com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...2 junto aos autos com a réplica);
7. Em 17.06.2019, a Assembleia de Condóminos do prédio sito na Avenida ..., em ..., deliberou, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Quarto: Assuntos de interesse geral.
(…)
d) A representante da administração após questionada, informou os presentes que não houve desenvolvimentos sobre o processo contra a Câmara, uma vez que a advogada e o condómino da fracção L, não chegaram a uma data para reunirem.
(…)”
(cf. Acta n.º ...1 que consubstancia o documento n.º ...1 junto aos autos com a p.i.);
8. A petição inicial que deu origem aos presentes autos de acção administrativa foi apresentada em juízo, via SITAF, no dia 07.05.2020 (cf. documento de fls. 01 do SITAF).
*
A formação da convicção do Tribunal baseou-se no teor dos documentos que foram juntos aos autos pelas partes com os respectivos articulados, sendo que tais documentos encontram-se especificados em cada um dos pontos do probatório.
Adicionalmente, foram ainda levados em consideração os documentos que constam do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF) referentes aos presentes autos [ponto 8. do probatório].
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelo Autor contra os Réus, no sentido de serem condenados solidariamente no reconhecimento do muro que intervencionou/eliminou como [sendo] parte comum do autor, e a sua reconstrução, colocando a proteção e impermeabilização no estado em que se encontrava antes da sua atuação, de forma a cessar as infiltrações, assim como a condenação na reconstrução do sistema de drenagem de águas pluviais do arruamento, de forma a cessar as infiltrações, e ainda no pagamento ao autor do valor de 13.411,51€, correspondente ao valor dos danos causados supra melhor identificados e no pagamento dos danos presentes, a determinar, colocando as frações L, G e H, na situação em que se encontravam antes do facto lesivo causado das demandadas, valores acrescido de juros desde a citação, até efetivo e integral pagamento.”], veio a indeferir a petição por verificação da excepção dilatória atinente à sua ilegitimidade activa.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada, no essencial, no entendimento de que o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, assenta numa errada leitura da Petição inicial, no que é a causa de pedir e o pedido formulado a final, no que vem a derivar a ocorrência do imputado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito.

Para tanto e em suma, sustentou o Recorrente:

- que surge nestes autos na defesa de uma parte comum do prédio e que o seu primordial pedido é a reparação da fachada que os demandados danificaram na empreitada realizada.
- que o Tribunal a quo ignorou tal e apenas fundamenta a decisão de ilegitimidade como se apenas estivesse [o Autor] a requerer os danos nas frações mencionadas o que também é objecto do pedido, mas em último ponto, por serem consequências desse dano dos demandados na parte comum.
- que na base do litígio está a produção de um dano na parte comum do edificio aquando da realização de uma empreitada por parte dos demandados, e que por força da produção desse dano estão a ser causados danos nas frações privadas.
- que esses factos foram por si alegados o que foi ignorado pelo Tribunal recorrido.
- que o Tribunal recorrido também fundamenta que a decidida excepção é insanável, por não poder o condomínio peticionar o ressarcimento dos danos nas frações privadas afetadas pela parte comum, o que não permite o chamamento dos titulares dessas frações como parte.
- que foi violado o disposto no nos artigos 1421.º, 1424.º, 483.º, 493.º, todos do Código Civil, assim como o n.º 2 do artigo 590.º do CPC.

A final requereu que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida e a sua substituição por outra que jugue improcedente a excepção de ilegitimidade alegada, e se realize a citação do 2.º demandado, com o prosseguimento dos autos.

Cumpre então apreciar e decidir.

A decisão corporizada na Sentença recorrida emerge da apreciação prosseguida pelo Tribunal a quo em torno da invocada ilegitimidade activa do Autor para efeitos de deduzir os pedidos elencados a final da Petição inicial.

Na Contestação apresentada pelo Réu Município ..., referiu o mesmo que as pretensões que o Autor pretende fazer valer não dizem respeito a qualquer parte comum do edifício, e que nem tampouco o mesmo o comprova, e que o mesmo extravasa assim o âmbito das suas funções e a possibilidade de estar em juízo, sendo que, em sede da Réplica apresentada, o Autor veio a pugnar pela improcedência da invocada excepção, tendo para tanto alegado que a sua pretensão visa pôr fim a infiltrações que têm o seu ponto de origem em parte comum/fachada e suas consequências, e que o facto de os danos, que são consequência dessas infiltrações, se concretizarem não só mas também, em fracções privadas, não lhe retira a legitimidade activa. E acrescenta que é a universalidade dos condóminos que o constituem [o Autor], quem tem legitimidade e interesse em agir nos termos do artigo 1437.º, n.º 1 do Código Civil e que está nos autos em execução da deliberação da assembleia de condóminos.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Pelo que, dúvidas inexistem acerca da regular representação em juízo do condomínio nestes autos.
O busílis da questão prende-se, portanto, apenas e só com a própria legitimidade do condomínio para intentar a presente acção.
O administrador do condomínio apenas pode agir em juízo em representação dos condóminos quando a assembleia de condóminos lhe confira poderes para tal, mas essa intervenção respeita somente às partes comuns do edifício (art.º 1437º, n.º 1 do CC). Nestes casos, a sua intervenção encontra-se balizada pelo âmbito das suas funções exemplificativamente elencadas no art.º 1436º do CC, que nunca abrangem as fracções autónomas. O administrador do condomínio pode também agir em juízo em representação dos condóminos relativamente a matérias atinentes à propriedade ou posse dos bens comuns, mas desde que para o efeito lhe sejam atribuídos poderes especiais pela assembleia de condóminos (art.º 1437º, n.º 3 do CC) – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.02.1998 (CJ/STJ, 1998, 1º-86), do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.10.1987 (CJ, 1987, 4º-85 ) e do Tribunal da Relação de Évora de 22.10.1998 (proc. n.º 1372/97-3).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “o art.º 1437º consagra a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação de serviços de interesse comum. Além disso, o administrador pode ainda agir em juízo, em representação do grupo de condóminos, quando a assembleia lhe confira autorização para tal (art.º 1437º, 1, in fine). Esta autorização só pode ser conferida no âmbito da competência da assembleia – competência que não abrange, conforme se referiu (nota 2 ao art. 1430º), as fracções autónomas do imóvel” – in “Código Civil Anotado”, Volume III, 2010, Coimbra Editora, pág. 455.
No caso vertente, o condomínio vem, invocando estar mandatado pela assembleia de condóminos [através da deliberação de 29.05.2017 (ponto 5. do probatório)], peticionar a reparação de diversos danos alegadamente sofridos por três fracções autónomas (fracções ..., ... e ...).
Atentando à causa de pedir invocada pelo A., resulta evidente que este alega que, em virtude de obras de requalificação realizadas entre 2010 e 2012 na AVENIDA ... pela 2ª R., na qualidade de empreiteiro, a mando do 1º R., na qualidade de dono da obra, e na sequência das primeiras chuvas que ocorreram ainda no decurso daqueles trabalhos, deu-se uma inundação do edifício, que afectou a fracção L, onde se localiza a empresa de seguros «[SCom02...]», e as fracções G e H (garagens), a qual se repetiu aquando das chuvas seguintes. Invoca que os RR. não acautelaram o escoamento/drenagem de águas pluviais naquela zona e que ocorre entrada de água na mesma zona sempre que há chuvas. Mais alega que, dessa forma, mantêm-se constantes as infiltrações nas fracções ..., ... e ....
Por conseguinte, alega que, em virtude dessas infiltrações, “ocorreram os danos imediatos, mormente na fracção L” (artigo 24º da p.i.), “que se traduzem na limpeza do espaço para poder laborar, a reparação da instalação elétrica, da central telefónica e pintura de paredes” (artigo 25º da p.i.), obrigando a empresa «[SCom02...]» a realizar “intervenção na loja de forma a camuflara infiltração pela parede” (artigo 26º da p.i.). Sustenta que na fracção L são visíveis “manchas de infiltração na parede afetada”, o que ocorre igualmente nas garagens, onde “se mantém a constante entrada de água e a necessidade de proceder à reparação de paredes e tetos afetados” (artigo 28º da p.i.). Contabiliza os danos da fracção L em EUR 13.411,51 (artigo 27º da p.i.).
Acrescenta ainda que a fracção L “esteve dias encerrada ao público e está atualmente limitada na utilização do espaço, além de que viu-se forçada a criar um sistema de drenagem interno, e uma parede falsa para barrar a infiltração” (artigo 37º da p.i.) e que as fracções G e H (garagens) “estão impedidas de ser usadas como tal, pois os muros e tetos estão têm escorrências elevadas, danificando qualquer veículo que seja estacionado” (artigo 39º da p.i.).
E pede, por isso, a condenação solidária dos RR. a reconstruírem o sistema de drenagem de águas pluviais do arruamento por forma a cessar as infiltrações e no pagamento ao A. do valor de EUR 13.411,51 correspondente ao valor dos danos causados e no pagamento dos danos presentes, a determinar, colocando as fracções ..., ... e ... na situação em que se encontravam antes do facto lesivo por eles causado.
Resulta, portanto, quer da causa de pedir, quer, sobretudo, do pedido formulado a final que o A. não vem a juízo peticionar a reparação de qualquer dano causado nas partes comuns do edifício, mas somente de três fracções autónomas.
Ainda que referia, en passant, “a zona comum de acesso a garagens” e refira pontualmente a “parede do condomínio”, a verdade é que o A. não invoca qualquer dano ocorrido nessa zona comum, nem as paredes das fracções autónomas constituem paredes do condomínio, mas paredes das próprias fracções.
E não colhe o argumentário do A., vertido na réplica, de tentar fazer entrar por esse articulado aquilo que não entrou no processo através da p.i., ou seja que “o facto de os danos, consequência das infiltrações, se concretizarem, não só mas também, em fracções privadas não retira ao condomínio legitimidade passiva”, pois tal não passa de uma manobra de ilusão, procurando criar a convicção de que alegara algo na p.i. que suportaria essa afirmação, quando, na verdade, esmiuçado o seu articulado inicial, o mesmo não encerra a alegação de qualquer dano nas zonas comuns do edifício, apenas nas fracções, sendo paradigmático e demonstrativo disso mesmo o pedido formulado pelo A., em que apenas pede o ressarcimento do valor dos danos sofridos pela fracção L e a colocação dessa fracção e das fracções G e H na situação em que se encontravam antes do facto lesivo, sem nunca mencionar as zonas comuns do edifício.
Cumpre ainda referir que o A., na réplica, arvora a sua legitimidade para a apresente acção na alínea h) do art.º 1436º do CC, indicando estar em execução da deliberação da assembleia de condóminos de 29.05.2017, já antecedentemente referida. O que não deixa de demonstrar a dimensão do erro em que labora, porquanto nem aquela norma a habilita a isso, nem a pretensão que traz a juízo é susceptível de ser deliberada pela administração do condomínio, por se tratar de matéria referente à propriedade exclusiva dos titulares das fracções em causa, sendo estes, e apenas estes, os detentores de legitimidade para vir a juízo formular esta pretensão.
Nestes termos, deve o A. ser considerado parte ilegítima nos presentes autos [art.º art.º 89º, n.os 1, 2 e 4, alínea e) do CPTA].
E, nos termos do art.º 590º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 87º, n.º 9 do CPTA, deve ser indeferida a p.i. por se verificar, de forma evidente, a excepção dilatória insuprível de ilegitimidade activa.
*
Fica logicamente prejudicada a citação do 2º R. (não efectivada).
[…]”
Fim da transcrição

Conforme deflui da Sentença recorrida, depois de ter julgado pela regularidade da representação em juízo por parte do Autor, o Tribunal a quo veio a apreciar e decidir que o mesmo carecia, in totum, de legitimidade para a formulação dos pedidos vertidos a final da Petição inicial.

Cotejada a Petição inicial, dela se extrai, com razoável suficiência, embora possa não ser clara a forma como vem alegada a matéria, que o Autor imputa ao Réu Município ... enquanto dono de obra pública, e à Ré [SCom01...], S.A., enquanto empreiteira da obra, a destruição de um muro que existia justaposto à estrutura fundacional do edifício, na sequência de obras realizadas na via pública, e que formulou três pedidos, visando a sua condenação solidária.

Refere o Autor, no fundo, que antes de serem realizadas as obras atinentes à empreitada de intervenção na AVENIDA ..., não existiam infiltrações no edifício, provindas, naturalmente, do mundo exterior às paredes exteriores comuns do edifício, mas que após a realização da empreitada tal passou a suceder, e que veio a ser constatado que as infiltrações sentidas no edifício, e a partir daí para o interior das fracções [que se situarão num nível alcançável pelas águas pluviais], ocorreram porque foi demolido aquele muro que separava a zona enterrada da via pública [no plano do subsolo a que se reporta o passeio], da estrutura fundacional do edifício.

Com o 1.º pedido, pretende o Autor a condenação solidária de ambos os Réus, no sentido de que seja reconhecido que o muro em causa constitui parte comum do edifício, e que foi eliminado no âmbito da empreitada realizada na via pública, e também, que os Réus sejam condenados a proceder à reconstrução desse muro, colocando a protecção e impermeabilização no estado em que se encontrava antes da sua eliminação.

Com o 2.º pedido, pretende o Autor a condenação solidária dos Réus a reconstruirem o sistema de drenagem de águas pluviais do arruamento, de forma a fazer cessar as infiltrações.

Com o 3.º pedido, pretende o Autor a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe o valor de €13.411,51 a título de ressarcimento por danos já contabilizados, assim como pelos danos futuros, por parte dos titulares das G, H e L.

Ora, como assim resulta da instrução dos autos, o Tribunal a quo prosseguiu no saneamento dos autos, apreciando matéria integrativa de excepção invocada pelo Réu Município [na parte relativa à regularidade da representação em juízo do Autor, assim como à sua legitimidade activa].

Não apreciou o Tribunal a quo as demais questões prévias arguidas pelo Réu na sua Contestação, nem decidiu o Tribunal que o julgamento dessas questões tenha ficado prejudicado pela apreciação e decisão por si prosseguida em torno da ilegitimidade activa do Autor, o que, de todo o modo, julgamos estar implícito na fundamentação que vem a ser aportada e que a final, tendo subjacente o disposto no artigo 590.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 9 do CPTA, veio a ser conducente do julgamento de que a Petição inicial deve ser indeferida, por se verificar, de forma evidente, a excepção dilatória insuprível de ilegitimidade activa.

Ou seja, antes mesmo de ser alcançada a citação da 2.ª Ré [ou de quem lhe tenha sucedido nos seus direitos e obrigações], o que o Tribunal a quo proferiu foi um despacho liminar, indeferindo a Petição inicial, com fundamento na evidente procedência da excepção da ilegitimidade activa do Autor, assente no pressuposto de que essa excepção era insusceptível de suprimento.

Segundo o disposto no artigo 9.º, n.º 1 do CPTA, enquanto princípio geral de legitimidade activa, comum a todas as formas de processo, “... o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

A legitimidade do Autor para efeitos dos pedidos deduzidos não pode assim ser confundida com o julgamento que sobre eles tem de incidir em torno da sua procedência ou improcedência.

Como assim refere J. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, vol. II, página 153, a legitimidade é um pressuposto processual que deve ser aferido pela forma como a situação é descrita na Petição inicial, pela marca como é invocado o direito e pelo modo como é materializada a sua ofensa, independentemente do exame sobre o fundo ou mérito da causa. Ou seja, enquanto pressuposto processual, a legitimidade difere da legitimidade-condição, importando olhar para a forma como se encontra configurada a causa de pedir, ou seja, como é que a relação material controvertida é apresentada ao Tribunal, a fim de se ajuizar da vantagem ou utilidade que do provimento da acção possa advir – neste sentido, Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª edição, Almedina, página 257 e seguintes; Cfr. ainda, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, página 154 e seguintes -, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva detida.




Conforme tem sido reiteradamente apreciado e decidido pelo STA, a legitimidade activa deverá ser aferida pela titularidade da relação jurídica controvertida, como assim configurada na Petição inicial, sendo a legitimidade um mero pressuposto processual e já não uma condição de procedência do pedido, na base da detenção de uma posição subjectiva que tem por relação um concreto objecto procerssual.

Aqui chegados.

Como assim sustenta o Recorrente sob as conclusões VII e VIII das suas Alegações de recurso, pois ao proferir a decisão de indeferimento da Petição inicial, o Tribunal a quo não permitiu sequer que fosse alcançada a fase final dos articulados, tanto que ainda nada se decidiu em torno da intervenção processual da 2.ª Ré, o que consubstancia a prática de irregularidade processual passível de influenciar no conhecimento do mérito da acção.

Em suma, estando apresentada nos autos e assim em discussão enquanto matéria controvertida, sobre se foi por causa da execução de obra pública que foi destruído um muro que era integrante/justaposto das partes comuns fundacionais/estruturais do edifício, e se foi por causa dessa destruição que as águas passaram a atravessar as paredes comuns do prédio, impedindo que essas paredes tenham apetência para cumprir um dos seus fins primordiais que é o de garantir a habitabilidade e a salubridade do interior do edifício, designadamente de fracções que o integram, e se com tal já produziram danos [sem prejuízo dos danos futuros], que à data se computavam em €13.411,51, devem os autos baixar ao Tribunal a quo, para efeitos de que aí seja feita a instrução que se mostre devida nos autos, designadamente a citação da 2.ª Ré, tendo em vista a prolação de despacho pré-saneador, se a tanto nada mais obstar.




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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Indeferimento da Petição inicial.


1 – O Tribunal a quo incorre na prática de irregularidade passível de influir na apreciação do mérito da acção, quando com base na invocação do artigo 590.º, n.º 1 do CPC e 87.º, n.º 9 do CPTA, decide pelo indeferimento liminar da Petição inicial, em momento processual em que o estado dos autos assim ainda não o permitia.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Condomínio da avenida ..., em ..., revogando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrido – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.




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Porto, 16 de fevereiro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Celestina Caeiro Castanheira, em substituição
Luís Migueis Garcia, em substituição