Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00378/06.2BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Moura
Descritores:AFIXAÇÃO DE NOTIFICAÇÃO; PEDIDO DE CERTIDÃO AO ABRIGO DO ARTIGO 37.º DO CPPT; FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I - A afixação de uma notificação, pela sua própria natureza, não é suscetível de comunicar mais do que uma simples informação sobre algo que se pretende transmitir.

II - Se a própria notificação disser que é insuficiente para comunicar os fundamentos do ato tributário e informar o contribuinte que os documentos que fundamentam a notificação se encontram no Serviço de Finanças para lhe serem entregues, o contribuinte pode, desde logo, usar a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT (notificação dos requisitos da fundamentação do ato tributário ou a passagem de certidão que os contenha), não necessitando de previamente se apresentar-se a consultar presencialmente o procedimento administrativo.

III – A liquidação encontra-se fundamentada se a Administração Tributária menciona com clareza a proveniência dos rendimentos omitidos pela contribuinte, assim como quando indica o período, a taxa e o montante sobre que incidem os juros compensatórios.
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A., interpõe recurso da Sentença que julgou verificada a caducidade do direito de impugnar, alegando que a Impugnação está em tempo, em virtude de ter requerido, ao abrigo do artigo 37.º, n.º 2 do CPPT, certidão com a fundamentação da liquidação de IRS.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. Em sede de matéria de facto, a decisão recorrida erra ao não dar como provado que:
a) A certidão a que se refere o artigo 37.º do CPPT foi requerida no dia 23 de janeiro de 2006, dentro do prazo de 30 dias referido no artigo 37.º do CPPT e a fortiori do prazo do artigo 102.º do CPPT.
b) O pedido de envio de certidão foi deferido por despacho de 26 de Janeiro de 2006, tendo a certidão sido passada a 2 de Fevereiro de 2006 e entregue por correio registado de 11 de Maio de 2006.
c) Dessa certidão consta a referência expressa de que a mesma é passada “Para efeitos do artigo 37.º do CPPT”.
2. Tendo a administração fiscal respondido positivamente ao pedido de envio de certidão feito ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, deferindo-o nos termos dessa mesma norma – “para efeitos do disposto no artigo 37.º do CPPT”, tal não pode ser irrelevado para efeito da contagem do prazo para a impugnação judicial nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT.
3. Na verdade, a resposta da administração, ao satisfazer o pedido de envio de certidão nos termos em que foi realizada, avalizou em concreto o uso da faculdade concedida pelo artigo 37.º do CPPT, podendo inferir-se dessa actuação que a administração considerou legal, admissível e tempestivo o pedido então feito pela ora recorrente.
4. Ao fazê-lo, passando, “para efeitos do disposto no artigo 37.º do CPPT”, a certidão requerida, não poderá deixar de aplicar-se o regime do n.º 2 desse artigo nos termos do qual “o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida”, sendo que, o entendimento que a Fazenda Pública agora alega acaba por constituir um autêntico venire contra factum proprium, manifestamente contrário ao princípio da boa fé imposto à administração.
5. Não é admissível que se defira o pedido de envio de certidão, para efeitos do disposto no artigo 37.º do CPPT, para depois vir dizer-se que o mesmo não era legal e como tal não tem aplicação o regime do seu n.º 2!!!!
6. A partir do momento em que a AF deferiu a pretensão do particular de ter acesso, por via do expediente ao artigo 37.º do CPPT, à fundamentação da liquidação que lhe fora notificada, fazendo-o expressamente “para efeitos do disposto no artigo 37.º do CPPT”, é a partir do momento da entrega da certidão que, nos termos do n.º 2, se deve fazer o cômputo do prazo, sob pena de se frustrarem os princípios da boa fé, da imparcialidade e da tutela da confiança, aos quais a AF está vinculada.
7. O Tribunal a quo erra ao considerar que o pedido de certidão não tinha fundamento, sem acautelar a posição do particular, para efeitos do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT, contrariando o sentido da decisão administrativa anterior que o deferiu, como decorrência da própria actividade administrativa.
8. Se o pedido não tinha fundamento, a AF apenas tinha que indeferir o pedido de certidão com base nesse motivo.
9. Não o tendo feito, não será a posteriori, depois de passada a certidão dela constando referência expressa “para efeitos do disposto no artigo 37.º do CPPT”, que se deverá apurar se o pedido tinha ou não fundamento, pois tal decisão, que não foi revogada, faz caso julgado administrativo relativamente à posição jurídica do particular que resulta da actuação administrativa.
10. Tal é, no entendimento da recorrente, a interpretação da norma que melhor realiza concretamente o direito, sendo que a hipótese contrária acaba por fazer aplicação de uma norma inconstitucional, qual seja a do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT, interpretada no sentido de que o deferimento do pedido de envio de certidão não implica que o prazo para impugnação se comece a contar a partir da data da entrega da certidão aquando depois desse momento se considerar que o pedido efectuado carecia de fundamento], por violação do princípio da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé administrativa (arts. 2.º, 18.º e 266.º da CRP).
[sem conceder]
11. De acordo com a lei, as notificações em procedimento tributário, “conterão sempre a decisão; as seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado (...)” – artigo 36.º CPPT.
12. Esta exigência encontra-se lavrada sem que o legislador tenha excepcionado qualquer forma de notificação.
13. Tendo sido determinada a notificação da recorrente por via da “citação com hora certa”, prevista no artigo 240.º do CPC, a aplicação desse regime, maxime quanto aos elementos a comunicar obrigatoriamente, carece da necessária adaptação às exigências que o procedimento tributário estipula em matéria de notificações.
14. Daí resulta que os elementos a comunicar ao notificado não poderão deixar de ser, nesse domínio, aqueles cuja notificação é legalmente obrigatória independentemente da forma de notificação concretamente seguida: “(...) a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado (...)”.
15. Não tendo sido afixados, os elementos da liquidação podiam e deviam ter sido notificados no momento em que se procedeu ao envio da carta registada prevista no artigo 241.º do CPC, dado que, nesse momento, inexiste qualquer impedimento à sua comunicação, sendo que o fundamento dessa norma passa pela necessidade de confirmar a citação realizada “em casos de presumível menor segurança e certeza ma consumação do efectivo conhecimento (...) dos elementos essenciais do acto”.
16. O artigo 37.º do CPPT tem aplicação sempre que a comunicação ao contribuinte não contenha a fundamentação legalmente exigida, relativamente ao acto notificado, não se excepcionando desse regime qualquer forma de citação ou notificação.
17. Sendo a notificação insuficiente à luz do critério previsto na norma do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, nada obsta a que o instrumento tipificado no artigo 37.º do CPPT tenha aplicação às notificações pessoais realizadas a partir do disposto na lei processual civil.
18. Inclusivamente no caso de se entender que a notificação afixada não tem de conter a fundamentação do acto, caso em que a nota de notificação afixada seria sempre insuficiente por natureza quanto à (im)possibilidade de comunicar ao destinatário os elementos legalmente exigidos.
19. A comunicação de que os fundamentos da notificação se encontram, para serem levantados, no serviço de finanças não constitui comunicação desses fundamentos, não logrando realizar a exigência estabelecida no artigo 36.º, n.º 2 do CPPT.
20. Do mesmo passo, a comunicação de que os fundamentos da notificação se encontram, para serem levantados, no serviço de finanças não constitui comunicação desses fundamentos, também não impede que o sujeito interessado requeira o seu envio nos termos previstos no artigo 37.º do CPPT.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta decisão recorrida e proferindo-se douto acórdão que julgue a impugnação como tempestivamente apresentada.

A Fazenda Pública não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a simplicidade da questão a decidir.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Petição Inicial é tempestiva, em função do pedido de certidão por si efetuado.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

A). Factos Provados
É o seguinte o elenco dos factos a dar como provados e a considerados com interesse, em face dos elementos documentais juntos, para a presente decisão:
1 – O processo de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 17.05.2006.
2 – O termo de verificação de notificação com hora certa, o funcionário certifica que, no domicílio da impugnante, em 28.12.2005, pelas 17h15, com vista à notificação da mesma acerca da liquidação nº. 2005-13098308, de IRS, do ano de 2001, no montante de € 115 525,47, não tendo encontrado ninguém, procedeu às devidas afixações nos termos do artigo 240º do Código de Processo Civil, afixando na porta e na sede da respectiva Junta de Freguesia de S.A. Olivais, tendo sido testemunhas deste actos pessoas ali melhor identificados, conforme os termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3 – A impugnante A., por ofício nº. 16, datado de 02.01.2006, foi notificada nos termos seguintes: “De harmonia com o disposto no artigo 241º do CPCivil, comunico que, em virtude de o não ter encontrado na morada constante da nossa base de dados acima mencionada nas diversas vezes em que o procurei, nem qualquer outra pessoa capaz de receber a presente notificação, afixei nota de verificação de notificação com hora certa à porta da sua residência na Urb. (…), em 28 de Dezembro de 2005, a fim de, no prazo de 30 dias a contar da presente notificação, a qual se considera feita naquela data nos termos do artigo 240º., nº. 1 e 2 e nº. 6 do artigo 239º ambos do Código de Processo Civil, pagar a importância de € 115 525,47, proveniente de IRS referente ao exercício de 2001, liquidação esta feita nos termos dos artigos 104º do CIRS e 102º. do CPPT, sob pena de, não o fazendo, ser extraída certidão de dívida para instauração do processo executivo nos termos do artigo 88º do citado Código de Procedimento e Processo Tributário. Mais acrescentando que os documentos que fundamentaram a presente notificação encontram depositados para lhes serem entregues neste Serviço de Finanças”, o qual recebido e assinado pela pessoa melhor identificada no A/R de fls. 6 do PA, conforme teor do documento junto a fls. 9 dos autos e que aqui se dá por reproduzido.
4 – A impugnante por requerimento requereu junto do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1 que lhe fosse passada certidão, nos termos do previsto no artigo 37º. do Código de Procedimento e Processo Tributário, da fundamentação de facto e de direito da liquidação de IRS, melhor identificada no ofício cuja cópia se junta, solicitando o envio para o domicílio profissional do mandatário. E que foi objecto de despacho do Chefe do respectivo Serviço de Finanças, em 26.01.2006, nos seguintes termos: “Passe o que constar”, conforme teor de fls. 10, 11 e 13 dos autos que se dão por integralmente reproduzidos.
5 – Em 02.02.2006 pelo Serviço de Finanças de Coimbra foi emitida a certidão constante de fls. 9 e na qual consta o seguinte: “a liquidação efectuada da qual se junta o print, é na importância de € 116 641,22. E o documento de compensação na importância de € 115 525,47. A liquidação adicional, referente ao 1RS de 2001, decorre da fiscalização de mais-valias/2001, promovida por este SF de Coimbra, em nome de A., foi instaurado o processo nº. 202/2001. Notificada que foi, pelo n/ofício nº. 2325 de 31/05/2005, para prestar esclarecimentos sobre o porquê de não ter declarado, no exercício de 2001, a alienação de bens imóveis (artigos rústicos inscritos sob os artigos 519, 1404, 1407, 1409, 1/3 do artigo 1421 da freguesia de Poiares, concelho de Freixo de Espada a Cinta), por 100 000 000$00, à data conforme extracto da escritura do primeiro CN de Coimbra do dia 31.05.2001. O AR foi assinado, tendo sido devolvido a 2/06/2005. Não tendo oportunamente respondido à notificação efectuada, foi pelo n/of. Nº. 4933, de 25/10/2005, notificada da alteração dos rendimentos, conforme preceituado no CIRS. A carta veio devolvida, com a indicação de não reclamada. Pelo n/ofício nº. 5884 de 30/11/2005, foi notificada do despacho de fixação de rendimentos. A Carta veio devolvida com a indicação de não reclamada. Foi elaborada a declaração oficiosa, registada com o nº. 332216, da qual resultou a liquidação referida”, conforme teor do documento nº. 3 cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
6 – A liquidação nº. 2005 5004440501, datada de 2005.11.28, no montante de € 116 641,22 foi remetida por via postal com A/R, datado de 05.12.2005, tendo sido devolvida, com a menção de não reclamada, em 29.12.2005, com a informação aposta no verso ilegível, conforme teor de fls. 4 e 5 do PA que aqui se dá por integralmente reproduzida.
7 – Em 03.02.2006 foi lavrado aviso em nome da impugnante para que esta comparecesse na Repartição de Finanças, no prazo de 10 dias, a fim de levantar a certidão pedida e referida em 4)., o qual foi remetido para o endereço do mandatário constituído pela impugnante, conforme o teor de fls. 18 dos autos que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
Mais resultou provado:
8 – Em 23 de Dezembro de 2005 foi lavrado mandado de notificação da impugnante, conforme os termos que melhor constam de fls. 2 do processo administrativo e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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B). Factos Não Provados:
Todos os demais factos que não estejam incluídos no elenco acima enunciado e que, tendo sido alegados, não se incluam em expressões de direito ou conclusivas.
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C). Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal quanto aos factos provados resultou fundamentalmente do teor da prova documental que integra o processo de impugnação e o processo administrativo e que não tendo sido impugnados quanto ao seu conteúdo, produzem prova plena dos factos que neles estão descritos, nos termos das regras gerais.
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Apreciação jurídica do recurso.

Segundo a Sentença recorrida, tendo a notificação sido efetuada por afixação na porta do domicílio fiscal (e na sede da respetiva Junta de Freguesia), com a indicação de que ficam à disposição os duplicados e documentos anexos, seria necessário à Impugnante verificar esses documentos (o que não fez) para aferir se os mesmos padeciam de falta de fundamentação e, somente depois, podia solicitar a certidão que contivesse a fundamentação do ato.

Entende, por isso a Sentença, que não existe fundamento para o pedido de certidão, nem para o consequente benefício de alargamento do prazo, nos termos previstos no artigo 37.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e que a sua emissão, não pode, nem deve ser entendida como determinativa do alargamento ou de um novo prazo para reação contra a liquidação.

Contrapõe a Impugnante, ora Recorrente que tendo a Administração Fiscal respondido positivamente ao pedido de envio de certidão efetuado ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, tal não pode ser irrelevante para efeitos de contagem de prazo de Impugnação Judicial, e que se o pedido não tinha fundamento deveria ter sido indeferido, por isso o Tribunal a quo erra ao considerar que o pedido de certidão não tinha fundamento.

Compete então saber se, quando a própria notificação refere que não transmite a fundamentação da decisão e que a mesma está disponível no Serviço de Finanças, se o contribuinte apenas pode beneficiar do regime do artigo 37.º do CPPT, caso consulte em primeiro lugar a documentação que está disponível no Serviço de Finanças.

A afixação de uma notificação, pela sua própria natureza, não é suscetível de comunicar mais do que uma simples informação sobre algo que se pretende transmitir. No caso, a afixação pretendia avisar a contribuinte da emissão da liquidação de IRS do ano de 2001 e o respetivo valor. Mais nada consta daquele aviso sobre o motivo e os fundamentos relativos àquela liquidação.

A nota de notificação afixada, refere ainda apenas que: «Fica à disposição do notificado o duplicado e documentos anexos no 1.º Serviço de Finanças …».
Conforme se depreende da própria notificação, a mesma considera-se insuficiente para comunicar a totalidade dos fundamentos do ato tributário. Por isso, informa a contribuinte que pode dirigir-se ao Serviço de Finanças para obter a fundamentação desse ato (o que, aliás, é reiterado na advertência realizada ao abrigo do então artigo 241.º do Código de Processo Civil – vide fls. 6 do PA).

Ora, o regime do artigo 37.º do CPPT está previsto, precisamente, para as situações em que ocorre uma deficiente ou insuficiente notificação do ato tributário, como a falta de indicação dos fundamentos do mesmo.
Significará isto, que se a própria notificação disser que é insuficiente para comunicar os fundamentos do ato tributário e informar o contribuinte que os documentos que fundamentam a notificação se encontram no Serviço de Finanças para lhe serem entregues, o contribuinte é obrigado a deslocar-se ao Serviço de Finanças e não pode, desde logo, usar a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT?

Cremos que não.
Em primeiro lugar a notificação afixada menciona que fica à disposição no 1.º Serviço de Finanças o duplicado e documentos anexos, não refere que a pessoa notificada deve comparecer no Serviço de Finanças. Assim, a Recorrente não ficou obrigada a efetuar a consulta presencial dos duplicados e documentos anexos à liquidação.

Aliás, nem se vislumbra que a não consulta presencial de tal documentação, pudesse impossibilitar o uso do regime do artigo 37.º do CPPT, pois que, conforme já referido ocorre uma insuficiente comunicação da notificação do ato tributário, sendo que em norma alguma se encontra referido que a não consulta presencial de documentos preclude a possibilidade de requerer certidão dos fundamentos do ato.

Por outro lado, a argumentação deduzida pela Fazenda Pública, afigura-se incorrer num equívoco, pois se a nota de afixação refere que estão disponíveis no Serviço de Finanças os documentos que fundamentam a liquidação, seria ilógico que se tais documentos não contivessem a fundamentação do ato e ainda existissem outros documentos (sabe-se lá onde) a fundamentar o ato tributário. Ou seja, a partir do momento em que é referido estar disponível a documentação que fundamenta o ato, não é possível pedir uma certidão de um qualquer outro documento que fundamente o ato, pois que não existem outros documentos para esse efeito. Até porque, depois de praticado o ato, não podem ser produzidos mais documentos a fundamentar a liquidação.

Para além disso, como bem refere a Recorrente, caso tivesse de haver consulta dos documentos, o Serviço de Finanças deveria ter indeferido a passagem da certidão e notificado a interessada de que deveria apresentar-se a consultar o procedimento, sendo que não foi isso que ocorreu. Assim, o Serviço de Finanças passou a certidão, conforme requerido, pelo que entendeu que tal também satisfazia a obrigação de comunicação dos fundamentos do ato tributário em apreço.

Desta forma, não pode a Administração Tributária ter um entendimento num determinado momento e outro completamente antagónico posteriormente, em detrimento das garantias do contribuinte.

Em resumo, resulta claro que a pessoa notificada por afixação pode socorrer-se diretamente do regime do artigo 37.º do CPPT, não estando obrigada a consultar e a recolher presencialmente os documentos que fundamentam essa notificação.

Com base neste entendimento, verifica-se que a Recorrente usou de prerrogativa legal, pelo que beneficia do regime do n.º 2 do artigo 37.º do CPPT, ou seja, o prazo para a Impugnação conta-se a partir da entrega da certidão em causa.
Considerando que a certidão apenas foi remetida por via postal mediante ofício datado de 09/05/2006 (vide fls. 12 dos autos) e a presente Impugnação foi deduzida no dia 17/05/2006 (vide ponto 1 da matéria de facto), é a mesma tempestiva, na medida em que o prazo de Impugnação se reinicia com a entrega da certidão. Sendo tal prazo, naquela data, de 90 dias (nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT), a Impugnação tem de se considerar ter sido apresentada em tempo.
Face ao exposto, o recurso merece provimento, devendo a Sentença ser revogada.
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Atendendo a que a Sentença recorrida não apreciou mais nenhum fundamento da Impugnação, cumpriria mandar baixar os autos para conhecer o mérito da causa. Sucede que ao abrigo do artigo 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o tribunal de recurso deve conhecer em substituição o mérito da causa, caso disponha de todos os elementos necessários para o efeito.
Veja-se sobre o assunto o que escreve o Conselheiro Abrantes Geraldes na sua obra, “Recursos em Processo Civil”, (6.ª edição, ano 2020, edição Almedina), nas páginas 381 e 382, em anotação ao artigo 665.º do Código de Processo Civil:
«Porém, ainda que a relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665.º, n.º 2.
Deste modo, a anulação da decisão (v.g. por contradição dos fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.
O mesmo ocorre nos casos em que, apesar de não se verificar uma situação de nulidade da sentença, o tribunal a quo tenha deixado de apreciar determinada questão considerada prejudicada pela solução dada a outra. Neste caso, se existirem elementos para conhecer das questões que ficaram excluídas da primitiva decisão, a Relação apreciá-las-á também, sem necessidade sequer de expressa iniciativa da parte.
(…)
3. Vejamos algumas situações:
«a) No despacho saneador o juiz conheceu, oficiosamente ou não de uma determinada exceção dilatória e, por isso, absolveu o réu da instância com fundamento na sua ilegitimidade. Se a Relação expressar um entendimento oposto quanto a tal decisão, deve determinar a baixa do processo para que se conheça do mérito se caso houver factos controvertidos que devam ser objeto de prova. Na situação inversa, verificando-se que, pela posição adotada pelas partes ou pela análise dos autos, todos os elementos de facto necessários ao enquadramento jurídico do mérito da causa se encontram presentes, deve proferir decisão de mérito.».

Na Petição Inicial a Impugnante não apresenta testemunhas, limitando-se a invocar a falta de fundamentação do ato tributário impugnado. Desta forma, é possível ao tribunal de recurso conhecer o mérito da Impugnação, uma vez que não precisa de mais provas para além da documental que já consta dos autos e do processo administrativo apenso.

As partes foram ouvidas sobre esta possibilidade de conhecimento em substituição, afirmando nada ter a opor.

Vejamos então se o ato tributário padece de falta de fundamentação.
Relativamente à falta de fundamentação do ato tributário, a Impugnante alega na Petição Inicial que a não existe um discurso fundamentador apto a esclarecer o contribuinte quanto à motivação do valor fixado, mormente, a indicação de forma clara, suficiente, concreta e congruente dos elementos e da sua razão de ser que foram utilizados na sua determinação.
Mais refere que no ato de liquidação não se conhece o seu iter cognoscitivo e valorativo seguido para se alcançar o valor da matéria coletável, nem sequer por remissão para parecer, informação ou proposta, que nem sequer existe.
Diz, ainda, que o mesmo sucede em relação aos juros de mora, não encontrando qualquer fundamentação para os mesmos.
A Fazenda Pública responde que a Impugnante alienou vários artigos rústicos e não declarou essa alienação, como era sua obrigação legal, pelo que só por lapso se pode entender que a Impugnante, enquanto destinatária direta da notificação, ficou sem conhecer os fundamentos da liquidação; até porque sabe que alienou tais artigos.

Apreciando.
Conforme é sabido, a fundamentação dos atos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” está consagrada no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artigo 1.º nº.1, alíneas a) e c), do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de junho, quer do próprio artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na redação introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89 (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág. 53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de ato administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado ato (no caso ato administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final. Assim, o ato administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato. Diga-se, ainda, que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respetivo ato (é a chamada fundamentação “per relationem” - vide artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 125.º, do Código do Procedimento Administrativo, atual artigo 153.º, n.º 1 do CPA). A fundamentação pode ser sumária, devendo conter sempre as normas legais aplicáveis (Acórdão do TCA Norte de 14/07/2010, proc. 00013/02).
Veja-se, ainda, sobre o assunto, a Lei Geral Tributária anotada e comentada, por Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite Campos e Benjamim Silva Rodrigues, da editora Encontro da Escrita, 4.ª ed., 2012, anotação ao atrigo 77.º, págs. 674 a 700.

Ora, conforma dado por assente no ponto 5) da Sentença, a Recorrente solicitou uma certidão com a fundamentação do ato tributário, da qual se destaca: “a liquidação efectuada da qual se junta o print, é na importância de € 116 641,22. E o documento de compensação na importância de € 115 525,47.
A liquidação adicional, referente ao 1RS de 2001, decorre da fiscalização de mais-valias/2001, promovida por este SF de Coimbra, em nome de A., foi instaurado o processo nº. 202/2001. Notificada que foi, pelo n/ofício nº. 2325 de 31/05/2005, para prestar esclarecimentos sobre o porquê de não ter declarado, no exercício de 2001, a alienação de bens imóveis (artigos rústicos inscritos sob os artigos 519, 1404, 1407, 1409, 1/3 do artigo 1421 da freguesia de Poiares, concelho de Freixo de Espada a Cinta), por 100 000 000$00, à data conforme extracto da escritura do primeiro CN de Coimbra do dia 31.05.2001. O AR foi assinado, tendo sido devolvido a 2/06/2005.
Não tendo oportunamente respondido à notificação efectuada, foi pelo n/of. Nº. 4933, de 25/10/2005, notificada da alteração dos rendimentos, conforme preceituado no CIRS. A carta veio devolvida, com a indicação de não reclamada. Pelo n/ofício nº. 5884 de 30/11/2005, foi notificada do despacho de fixação de rendimentos. A Carta veio devolvida com a indicação de não reclamada.
Foi elaborada a declaração oficiosa, registada com o nº. 332216, da qual resultou a liquidação referida”.
A notificação da certidão foi acompanhada dos prints que a Recorrente junta com a Petição Inicial (vide fls. 16 e 17 dos autos).
Para além do que consta da certidão e dos prints também se deve considerar integrar a fundamentação do ato de liquidação, as notificações efetuadas à Recorrente, não obstante terem sido devolvidas, na medida em que funcionou a presunção da sua notificação (nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT), que não foi infirmada.
Assim, a fls. 15, 20 e 21 do Processo Administrativo (PA), constam as seguintes notificações:
A fls. 15 do Processo Administrativo, consta o seguinte ofício:
«Ofício 4933 Data 2005.10.25 Exmº(a) Senhor(a)
Processo 202 A.
Contribuinte (…) Urb. (…)
(…)
Assunto: NOTIFICAÇÃO IRS 2001 – MAIS VALIAS
Pela análise de elementos disponíveis neste Serviço de Finanças, verifica-se que V. Ex.ª obteve no ano de 2001, rendimentos sujeitos a IRS, no âmbito da categoria G, uma vez que procedeu à alienação do(s) seguinte(s)prédio(s):

ArtigoUrbano/RústicoFreguesiaData da VendaValor de aquisição €Valor de venda €
(…)RústicosPoiares (F.E.C.)2001/05/30€ 3532,69€ 498.797,90

Deste modo, fica por este meio notificada, nos termos do n.º 3 do artigo 65º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e do artigo 23º do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário) para, no prazo de 10 dias, a contar da data da assinatura do aviso de recepção da presente notificação, conforme o disposto no artigo 39.º do CPPT, apresentar a declaração de rendimentos com o anexo G, relativa ao ano de 2001, acompanhada dos respectivos documentos de suporte referentes à aquisição e/ou reinvestimento do imóvel, ou apresentar declaração (com todos os anexos), no caso de não ter declarado tais rendimentos.
No caso da regularização da situação, conforme aqui referido, beneficiará da redução do montante da coima que se mostrar devida, nos termos do artigo 29º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias).
Fica igualmente notificado, nos termos do artigo 66º do CIRS, que a não apresentação das referidas declarações implicará a fixação do conjunto de rendimentos líquidos sujeitos a tributação pela Direcção Geral dos Impostos, nos termos do n.º 2 do artigo 65º do CIRS, sem prejuízo nomeadamente do direito de recurso, reclamação ou de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º da LGT e 68.º e 102.º do CPPT, de acordo com o despacho e informação que anexo em fotocópia.».

Por sua vez, a fls. 20 do Processo Administrativo consta, o ofício n.º 2325, datado de 31/05/2005, notificado à Impugnante em 02/06/2005 (vide fls. 19 do PA, que corresponde a uma fotocópia do aviso de receção, assinado pela própria Impugnante), e cujo teor é o seguinte:
«Ofício 2325 Data 31-05-2005 Exmo Senhor(a)
Processo 202 A.
Contribuinte (…) Urb. (…)
(…)
Assunto: IRS 2001 – MAIS VALIAS
De acordo com a informação disponível nos registos deste Serviço de Finanças de Coimbra I, nomeadamente a fornecida pelos Cartórios Notariais, verificou-se que V. Ex.ª no ano de 2001 procedeu à alienação (venda) de bens de natureza imóvel (urbanos e/ou rústicos), e ou de partes sociais.
Atendendo a que os rendimentos resultantes da alienação de imóveis e/ou de partes sociais estão sujeitos a tributação em sede de IRS, deverá a sua alienação ser contemplada na declaração de rendimentos modelo 3, cujo prazo terminou no dia 30 de Abril de 2002. Salvo se for aplicável a exclusão prevista no artigo 50 do Decreto-Lei n.º 442-N88 de 30/11, da qual deverá fazer a respectiva prova.
Deste modo, fica V. Exª por este meio notificado, nos termos do n.º 2/b) e n.º 3 do artigo 65.º do CIRS (bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos - notificação do sujeito passivo) e do artigo 23.º do CPPT (prazos fixados) para, no prazo de 15 dias, a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação, conforme o disposto no art. 39.º do CPPT (data em que se considera efectuada a notificação), apresentar neste Serviço de Finanças de Coimbra 1, o duplicado da declaração de rendimentos - modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2001, com o anexo G. Devendo ainda fazer-se acompanhar dos respectivos documentos de suporte, referentes à aquisição do imóvel alienado e, se aplicável ou concretizado, dos relativos ao reinvestimento do valor de realização.
No caso de não ter declarado a alienação do(s) bem(ns), deverá apresentar declaração de substituição, modelo 3 (em impressos de 2005), (com todos os demais anexos preenchidos) e igualmente acompanhada dos documentos antes referidos.
A presente notificação equivale também ao direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT (Participação dos contribuintes na formação das decisões..), pelo que fica V. EX.a. notificado, para no mesmo prazo de 15 dias, exercer aquele direito por escrito ou oralmente, sendo que, nesta situação terá o mesmo de ser reduzido a escrito neste Serviço de Finanças de COIMBRA 1.
A não apresentação da referida declaração implicará a fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação pela Direcção Geral dos Impostos, nos termos do n.º 2 do art. 65.º do CIRS, sem prejuízo nomeadamente do direito de recurso, reclamação ou de impugnação judicial, de acordo com os artigos 95.º da LGT (direito de impugnação ou recurso) e artigos 68.º (procedimento de reclamação graciosa) e 102.º do CPPT.».

Por seu turno, a fls. 21 do PA, consta o ofício n.º 5884, datado de 30/11/2005, expedido para notificar a Impugnante, mas devolvido com a indicação de «não reclamado» (vide fls. 22, 23 e 24 do PA), cujo teor é o seguinte:
«Ofício 5884 Data 2005.11.30 Exmº(a) Senhor(a)
Processo 202 A.
Contribuinte (…) Urb. (…)
(…)
Assunto: NOTIFICAÇÃO DE DESPACHO DE FIXAÇÃO DE RENDIMENTOS
Notifica-se V.ª Ex.ª nos termos do n.º 1 do artigo 66º do Código do Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares que, por meu despacho de 10/11/2005, de que se anexa cópia, foi fixado em definitivo o com junto de rendimentos líquidos, sujeitos a tributação em sede de IRS, no montante de € 283.111,61, relativamente ao ano de 2001.
Mais informo que a fundamentação do acto acompanhou a notificação constante do ofício n.º 4933, de 25/10/2005.
Informa-se V.ª Ex.ª que, da liquidação resultante daquela fixação, será oportunamente notificada pelos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos. Dessa notificação constará a indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação.».

No seguimento do que se acaba de transcrever, verifica-se com total clareza que a Administração Tributária considerou que a contribuinte não tinha declarado os rendimentos provenientes da venda dos prédios em 30/05/2001, correspondentes aos artigos da matriz rústica 519, 1404, 1407, 1409, e 1/3 do 1421, todos da freguesia de Poiares, concelho de Vila Nova de Foz Côa. Mais se constata daquelas notificações, que os valores referidos prédio eram de € 3.532,69 na data da aquisição e que o valor da venda correspondeu a € 498.797,90.
Referem as notificações em apreço com integral perceção que aquelas vendas correspondiam a rendimentos sujeitos a IRS, no âmbito da categoria G, convidando a contribuinte a declarar o rendimento que as mesmas proporcionaram no IRS do ano de 2001.
Como a contribuinte nada fez, foi oficiosamente fixada a matéria coletável em sede de IRS, no montante de € 283.111,61, relativamente ao ano de 2001.
Ora, no seguimento do que se acaba de referir, conclui-se ser perfeitamente percetível a fundamentação do ato tributário, na medida em que a Administração Tributária explicou cabalmente a origem do facto tributário (a venda de prédios rústicos) e que tal situação comportava a obrigação de declarar rendimentos prediais em sede de IRS no ano de 2001.
Assim, a Impugnante não pode dizer que o ato não está fundamentado, pois ao contrário do que alega, está bastante bem explicado o motivo pelo qual é devida a tributação sem sede de IRS.
Aliás, a Impugnante, limita-se a debitar na sua Petição Inicial a teoria geral da fundamentação dos atos tributários, não logrando sequer colocar em questão que nada vendeu, que não teve rendimentos em sede de IRS, que não realizou qualquer atividade que a sujeitasse a imposto. Nada de concreto a Impugnante alicerça na sua peça processual, limita-se a relatar a teoria geral sobre a fundamentação dos atos, pelo que a sua alegação não apresenta o mínimo sustento.

Por fim, alega a impugnante que em relação aos juros de mora não está apresentada qualquer fundamentação para os mesmos.
Ora, analisado o processo administrativo, deteta-se a fls. 32 uma nota de liquidação de juros – detalhe, com o seguinte teor:
«Identificação Liquidação juros: 2005 – 2496155
Documento Base: 2005 5004440501
Natureza: Juros compensatórios Data da Situação: 2005-12-05
Período de tributação Imposto Período de Cálculo Valor Base Taxa (%) Valor
2001-01-01 a 2001-12-31 IRS 2002-05-01 a 2002-09-25 99.712,98 7,00 2.830,20
2001-01-01 a 2001-12-31 IRS 2002-09-26 a 2003-04-30 98.597,23 7,00 4.103,26
2001-01-01 a 2001-12-31 IRS 2003-05-01 a 2005-11-10 98.597,23 4,00 9.994,74»

Conforme se pode ver, a nota de liquidação em referência indica o valor base pelo qual foram calculados os juros, o período de tempo pelo qual foram calculados e a taxa aplicável.
Resulta, ainda, que somando as parcelas relativas ao valor final dos juros, ou seja, (2.830,20 + 4.103,26 + 9.994,74), perfaz o valor total de 16.928,24, que é precisamente o que consta da liquidação de IRS notificada à Impugnante e que a mesma junta com a sua Petição Inicial (vide fls. 16 do processo físico).
Por sua vez, a fls. 17 dos autos (documento junto pela Impugnante), consta uma «Demonstração de Compensação», onde refere que os Juros Compensatórios foram efetuados pela Liquidação 2005 – 2496155, precisamente aquela que acima transcrevemos. Por isso, a Impugnante tinha todas as condições para saber os critérios de aplicação de juros que questiona no artigo 20.º da sua Petição Inicial. Ou seja, alegava que a liquidação não dava a «conhecer o período em que incidiram os juros, sobre que montante e nem qual a taxa aplicada, não permitindo o contribuinte conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformar-se ou impugná-la». Conforme acima transcrito, a liquidação de juros indica os períodos de tempo pela qual é calculada, o imposto a que se refere, o valor base para cálculo dos juros e respetivo período de tempo, assim como a taxa de juros aplicada.
Desta forma, a Impugnante tinha à sua disposição a identificação de todos os elementos para o efeito pretendidos, pelo que a liquidação de juros não enferma de falta de fundamentação.

Em face do exposto, conclui-se que o ato tributário encontra-se devidamente fundamentado e foi perfeitamente percebido pela Impugnante, pelo que soçobra o por si alegado a este título.

Atendendo a que mais nenhum fundamento continha a Petição Inicial, conclui-se que a impugnação está votada ao insucesso, devendo ser julgada totalmente improcedente.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I - A afixação de uma notificação, pela sua própria natureza, não é suscetível de comunicar mais do que uma simples informação sobre algo que se pretende transmitir.

II - Se a própria notificação disser que é insuficiente para comunicar os fundamentos do ato tributário e informar o contribuinte que os documentos que fundamentam a notificação se encontram no Serviço de Finanças para lhe serem entregues, o contribuinte pode, desde logo, usar a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT (notificação dos requisitos da fundamentação do ato tributário ou a passagem de certidão que os contenha), não necessitando de previamente se apresentar-se a consultar presencialmente o procedimento administrativo.

III – A liquidação encontra-se fundamentada se a Administração Tributária menciona com clareza a proveniência dos rendimentos omitidos pela contribuinte, assim como quando indica o período, a taxa e o montante sobre que incidem os juros compensatórios.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação improcedente.
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Custas a cargo da Recorrida na 2.ª instância (por ter contra-alegado e perdido o recurso) e a cargo da Recorrente na 1.ª instância (por improcedência total da Impugnação).
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Porto, 29 de abril de 2021.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles