Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01741/14.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; ERRO NA FORMA DE PROCESSO;
IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO; DECLARAÇÃO COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL DE INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE;
NORMAS ADMINISTRATIVAS MEDIATAMENTE OPERATIVAS;
Sumário:
I. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não detêm competência para a declararem “ilegais ou inconstitucionais” disposições normativas, estando essa competência reservada ao Tribunal Constitucional.

II. Estando em causa normas administrativas mediatamente operativas, como era o caso, uma vez que as mesmas apenas operam através do ato de liquidação da taxa, a respetiva sindicância só poderia ser requerida pela aqui Recorrente perante os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, incidentalmente, no âmbito do contencioso dirigido ao ato administrativo de aplicação.

III. A convolação na forma de processo adequada está vedada quando, num juízo de prognose póstuma, seja possível concluir que tal configuraria um ato inútil, por manifesta caducidade do direito processual em questão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
[SCom01...], SA inconformada com a decisão proferida em 2015-07-06 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgando verificado o erro na forma de processo, absolveu a Ré da instância, vem interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Conclusões:
1) O Tribunal a quo entendeu que no presente processo estava em causa a legalidade de um acto tributário de liquidação, pelo que o processo enfermava de nulidade, por erro na forma utilizada, não sendo possível ordenar a correcção do meio processual por parte do Juiz em virtude de se verificar a caducidade do direito de impugnar.
2) Não andou bem o Tribunal a quo, porque, tendo presente o pedido formulado a final, que constitui o thema decidendum, o que está em causa na presente lide é a legalidade e a constitucionalidade da imposição legal que subjaz ao dito acto de liquidação, pelo que, e por conseguinte, não existe qualquer erro na forma de processo utilizada, inexistindo qualquer nulidade, não se colocando a questão de saber se se verificava a caducidade do direito de impugnar e, por conseguinte, se ainda seria possível a correcção do meio processual por parte do Juiz.
3) Nesta demanda não está em causa qualquer acto administrativo, muito menos a impugnação do indeferimento da pretensão da PTT em sede de revisão oficiosa, o qual é irrelevante para a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade das normas aqui em causa, jamais a PTT estaria obrigada a apresentar uma impugnação judicial prevista no art. 97.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
4) Tendo em conta o pedido deste pleito o meio processual adequado para a PTT fazer valer os seus direitos é a acção administrativa comum para a qual a lei não estatuiu qualquer prazo de caducidade.
S) Ao contrário do que a Douta Sentença decidiu não existe qualquer erro na forma do processo, pelo que não se torna necessário corrigir forma do processo nem, consequentemente, se coloca a questão de saber se o direito de impugnar já caducou.
6) O facto de a PTT se ter conformado com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa em nada preclude o seu direito de apresentar a presente demanda e de acordo com o meio processual que decidiu escolher, em rigor a acção administrativa comum, por o fito de cada um desses meios ser distinto no seu âmbito, no seu objecto e na sua finalidade.
7) A restituição da taxa paga foi pedida como consequência da declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade, mas apenas como isso mesmo, ou seja, como mera decorrência necessária, e não como pedido principal, nem subsidiário, uma vez que falecendo aqueles dois pedidos a restituição por si só fica prejudicada.
8) Não faz sentido considerar este pedido, que nem subsidiário é, como se fosse o pedido principal e, a partir do mesmo, qualificar a acção e o meio processual que deveria ter sido empregue.
9) A Douta Sentença deixou de se pronunciar sobre o pedido tendo optado por conhecer da eventual tempestividade da impugnação do indeferimento da revisão oficiosa, pelo que é nula nos termos do art.º 615.º, al.º b do CPC, tendo violado os art.ºs 608.º, n.º 2 e 609.º, n.º 1, do CPC, interpretando e aplicando incorrectamente o estatuído nos art.ºs 97.º, n.º 1, al. a), 99.º e 102.º do CPPT e 2.º, 278.º, n.º 1, al. e), 576.º e 577.º do CPC, devendo assim ser revogada de modo a que o processo, sob a forma de acção administrativa comum prossiga os seus termos, deste modo se fazendo, como de consueto, a habitual e merecida JUSTIÇA.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a decisão sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação do direito processual aplicável ao determinar a verificação do erro na forma do processo.
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II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na decisão prolatada pela primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
DO ERRO NA FORMA DE PROCESSO:
Com interesse para a questão em apreço, consideram-se provados os seguintes factos, em face dos documentos juntos aos autos, incluindo o PA, e tendo presente a posição firmada pelas partes nos respectivos articulados:
1- Em 20.02.2008, a Autora procedeu ao pagamento da taxa de autorização de instalação de estabelecimento comercial prevista na Portaria 620/2004 de 07.06, relativa ao processo de autorização de um estabelecimento comercial com o n.º 1/CC/195/2006/2/2/CR, no valor de €682.250,00 – cfr. fls. 597 do PA apenso aos autos.
2- Em 11.04.2013, a Autora apresentou, através do seu advogado, um pedido de revisão oficiosa e respectivo reembolso da referida taxa – cfr. fls. 550 a 609 do PA apensos aos autos.
3- Nessa sequência, em 17.04.2013, por ofício n.º DSCS-..5/2013, a Direção Regional da Economia do Norte (DREN) solicitou à Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), parecer sobre aquela pretensão – cfr. fls. 619 do PA.
4- Em 09.12.2013, a DGAE emitiu parecer no sentido do indeferimento da pretensão – cfr. fls. 620 a 650 do PA.
5- Através do ofício n.º DSCS ...3/2014, da DREN, remetido por carta registada com A/R recebida em 12.03.2014 pelo mandatário da Impugnante, foi esta notificada do parecer da DGAE e de que “reiteramos o entendimento já seguido em anteriores requerimentos de idêntico teor, em que o referido pedido foi indeferido” – cfr. fls. 651/653 do PA.
6- A petição inicial da presente acção foi remetida a este Tribunal, via e-mail, em 03.09.2014 – cfr. fls. 3 dos autos.
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II.2. Fundamentação de Direito
Alega o aqui Recorrente que a decisão sob recurso ao determinar a existência de erro na forma de processo e, perante a impossibilidade de convolação no meio processual adequado atento o transcurso do prazo para a respetiva interposição, concluir pela absolvição da R. da instância, padece de erro de julgamento de direito.
Para tanto alega, em síntese, que a ação administrativa comum é o meio processual adequado para o pedido que formulou, que foi o de declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade, à luz da Lei Geral Tributária e da Constituição da República Portuguesa, do art. 30.º da Lei 12/2014, “congraçado com o disposto no n.º 1 do n.º 7 do seu art. 14.º, e os montantes das taxas previstos no art. 3.º da Portaria 620/2004”, não estando em causa qualquer ato administrativo, e muito menos a impugnação do indeferimento da pretensão da PTT em sede de revisão oficiosa, o qual é irrelevante para a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade das normas aqui em causa, mais acrescentando que para tanto jamais estaria obrigada a apresentar uma impugnação judicial prevista no art. 97.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
Não tem, no entanto, razão.
Se não, vejamos.
Antes de mais, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não detêm competência para a declararem “ilegais ou inconstitucionais” disposições normativas, estando essa competência reservada ao Tribunal Constitucional.
Com efeito, os tribunais da jurisdição administrativa apenas detêm competência para apreciar normas administrativas (regulamentos), e nas estritas condições previstas na lei, em obediência aos requisitos impostos pelo respetivo regime processual, dos quais ressalta que na data da interposição da presente ação, em 3 de março de 2014 (cf. ponto 6, da fundamentação de facto) apenas o Ministério Público detinha competência para requerer a declaração com força obrigatória geral da ilegalidade de normas imediatamente operativas, e apenas fundamentada em ilegalidade simples – uma vez que a competência para fiscalização abstrata da constitucionalidade e da ilegalidade cabe em exclusivo ao Tribunal Constitucional - sem necessidade da verificação da recusa de aplicação em três casos concretos, tal como resultava do então disposto nos arts. 73.º, n.º 2 e 72.º, n.º 2 do CPTA.
Donde nunca poderia o Tribunal demandado apreciar e decidir a presente ação, tendo por objeto um ato normativo legislativo, como pretende o aqui Recorrente ao invocar a inconstitucionalidade e ilegalidade do art. 30.º da Lei 12/2014,
Pela mesma ordem de razões, o Tribunal demandado também não dispunha de competência para declarar a inconstitucionalidade/ilegalidade com força obrigatória geral das normas que determinam “os montantes das taxas previstos no art. 3.º da Portaria 620/2004” com fundamento em qualquer dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, tal como decorre do já citado n.º 2 do art. 72.º do CPTA.
Sucede que, manifestamente, a normas da Portaria que invoca não são imediatamente operativas, pelo que o pedido de declaração da sua ilegalidade com força obrigatória geral nunca poderia ser conhecido nesta sede.
Ou seja, e estando em causa normas administrativas mediatamente operativas, como era o caso, uma vez que as mesmas apenas operam através do ato de liquidação da taxa, a respetiva sindicância só poderia ser requerida pela aqui Recorrente perante os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal incidentalmente, no âmbito do contencioso dirigido ao correspondente ato administrativo de aplicação, tal como resultava do então n.º 2 do art. 73.º do CPTA, e atualmente, da alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo.
Donde, e tal como é referido na decisão sob recurso, sendo o meio próprio para o ataque contencioso do ato de liquidação da taxa a impugnação judicial, prevista e regulada nos arts. 99.º e seguintes do CPPT, era esse o meio processual próprio para o conhecimento do pedido formulado no que às normas da Portaria diz respeito, devendo, no caso, a mesma ser interposta tendo por objeto imediato o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Recorrente.
Ora, e tal como referido na decisão sob recurso, a convolação no meio processual adequado – a impugnação judicial – não era possível, uma vez que o prazo para o efeito se tinha esgotado em momento anterior ao da interposição da ação.
Com efeito, é correta a asserção constante na decisão recorrida, no sentido de que:
(…)
Ora, na situação vertente, conforme se retira da factualidade provada, a Autora foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 12.03.2014, pelo que o termo do prazo de 90 dias previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT ocorreu em 12.06.2014.
Tendo a presente acção sido apresentada em 03.09.2014, verifica-se a caducidade do direito de impugnar, o que obsta ao prosseguimento dos presentes autos como Impugnação Judicial.
(…)
Assim sendo, e tal como explicitado, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
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Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não detêm competência para a declararem “ilegais ou inconstitucionais” disposições normativas, estando essa competência reservada ao Tribunal Constitucional.
II. Estando em causa normas administrativas mediatamente operativas, como era o caso, uma vez que as mesmas apenas operam através do ato de liquidação da taxa, a respetiva sindicância só poderia ser requerida pela aqui Recorrente perante os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, incidentalmente, no âmbito do contencioso dirigido ao ato administrativo de aplicação.
III. A convolação na forma de processo adequada está vedada quando, num juízo de prognose póstuma, seja possível concluir que tal configuraria um ato inútil, por manifesta caducidade do direito processual em questão.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a decisão recorrida, com a fundamentação aqui propugnada.
Custas pela Recorrente.

Porto, 7 de dezembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Irene Neves – José Coelho.