Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/12.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS, PRESSUPOSTOS; IRS, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:i. Assim, nos termos conjugados do n. º4 do art.º 77.º da LGT do art.º. 87 e 88.º da LGT, a Administração Tributária quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.

ii. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.

III. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

IV. A conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na Internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial desacompanhada de qualquer concretização subjetiva ou objetiva, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S. e esposa.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, S., contribuinte fiscal n.º (...), e esposa, S.S., contribuinte fiscal n.º (…), devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida na impugnação judicial, relacionada com a liquidação adicional de IRS do exercício de 2006, na parte referente às correções efetuadas com recurso a métodos indiretos.

Os Recorrentes no presente recurso, formularam nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. “(…) Salvo melhor opinião a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável.
2. Desde logo, a douta sentença enferma de falta de fundamentação, uma vez que a mesma no ponto H da matéria de facto provada remete para o relatório de inspeção, referindo o mesmo ponto: "os SIT concluíram pela determinação da matéria tributável, com recurso a métodos indiretos pelos fundamentos constantes do capítulo denominado IV - Método e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos, de fls. 35 a 39 do PRG, que aqui se dão por integralmente reproduzidos"
3. O acórdão do TCA Norte de 04-11-2004, do processo n.º 00167/04, refere que: "deve ter-se como deficientemente fundamentada, por obscuridade, a sentença que quanto à matéria de facto dada como provada remete para todo um relatório de inspeção sem discriminar nenhum dos factos nele contidos".
5. A fundamentação para a conclusão da manifesta discrepância do valor de trespasse com o valor de mercado, que legitimou o recurso a métodos indiretos, constante do relatório de inspeção que consta da remissão efetuada no ponto H da matéria dada como provada, baseia-se:
- no conhecimento existente de operações da mesma natureza - ponto IV alínea b) do relatório de inspeção;
- na experiência obtida através de ações inspetivas anteriormente levadas a cabo - ponto IV alínea b) do relatório de inspeção;
- nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na internet - ponto IV alínea b) do relatório de inspeção;
- num relatório pericial apresentado num processo judicial - ponto IV alínea b) do relatório de inspeção;
- num parecer prestado pela Associação Nacional de Farmácias ponto IV alínea b) do relatório de inspeção.
6. Acontece que estes fatores, para além de serem, por si só, vagos e de força probatório duvidosa quando abstratamente considerados, também não poderem deixar de ser absolutamente irrelevantes quando são desacompanhados de qualquer concretização, sendo esta a situação que ocorre no caso em apreço.
7. Com efeito, do teor completo do relatório de inspeção constata-se que, em momento algum a AT concretizou: quais foram as operações da mesma natureza que devem ser atendidas e que justificam que os conhecimentos e experiência delas advenientes sejam relevantes no caso dos autos; qual foi a razão de ciência dos artigos jornalísticos e de opinião invocados; qual foi a factualidade subjacente ou que constituiu objeto do relatório pericial que foi junto a um processo que correu termos noutro tribunal; ou qual foi o circunstancialismo que rodeou ou condicionou a emissão do referido parecer da Associação Nacional de Farmácias.
8. Sendo que a AT não deu, como devia dar, o mínimo relevo às especificidades pessoais ou subjetivas e objetivas que rodearam aquele concreto trespasse, as quais, não só estão apuradas nos autos como, em sede de procedimento, lhe haviam sido dadas a conhecer e que, por serem condicionadoras do valor do trespasse, não poderiam ter sido marginalizadas ou ter sido pura e simplesmente ignoradas como foram no percurso percorrido para aferição da existência do tal valor manifestamente inferior ao declarado.
9. Como já se disse no processo n.º 699/07.7 BEPNF e no acórdão de 08-02-2012, processo 01290/07.3BEPRT, processos que tinham na origem liquidações feitas com idêntica fundamentação, a Administração Tributária não logrou justificar no caso concreto qual o valor de mercado.
10. O recurso à tributação por métodos indiretos constitui, assim, uma via excecional, que depende da demonstração, por parte da Administração Tributária, da existência de factos objetivos e concretos que impedem que a tributação se faça a partir dos elementos fornecidos pelo contribuinte, e, bem assim, da demonstração de que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, conforme artigos 81º, 88º e 77º n.º 4 da LGT.
11. No caso concreto, em que a decisão de tributação por métodos indiretos é fundamentada pela Administração Tributária na existência de manifesta discrepância entre o valor do trespasse declarado pelo contribuinte e o valor de mercado desse bem, ao abrigo da previsão da alínea d) do artigo 88º da LGT, cabia à AT demonstrar que o valor declarado pelo contribuinte não corresponde à realidade, por um lado, e por outro, que em situações semelhantes verificadas no caso em apreço, o valor de mercado era substancialmente superior ao declarado.
12. Não tendo sido cumprido esse ónus, não foi feita, por parte da AT a demonstração da existência de manifesta discrepância entre o valor do trespasse declarado pelo contribuinte e o "valor de mercado", nem que esse valor não corresponde à realidade, condição sine qua non, para justificar o recurso à tributação por métodos indiretos.
13. E, assim, ficando por demonstrar que o valor de mercado era superior ao valor declarado, falta um pressuposto legitimador da aplicação de métodos indiretos, tal como está definido no art.º 88.º, al.ª d) da LGT.
14. E, assim, o recurso aos métodos indiretos não se mostra conforme à lei, impondo-se a consequente anulação da liquidação.
15. Tratando-se de aplicação de métodos indirectos por afastamento do valor de mercado é manifesto o acrescido dever de fundamentação que impende sobre a Administração Tributária na determinação do que venha a ser o valor de mercado.
16. Que é simultaneamente, índice de aplicação de métodos indirectos e índice de correcção dos valores declarados pelo contribuinte.
17. A Administração Tributária não conseguiu ilidir a presunção de veracidade que resulta da contabilidade e da declaração dos Recorrentes.
18. No relatório em questão não ficou demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável
19. Pois a mesma constava dos elementos contabilísticos consultados e facultados à AT.
20. Nem ficou demonstrada que a suposta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado inviabilizassem o apuramento da matéria tributável
21. Reconhecendo a AT que a contabilidade dos Impugnantes se encontra formalmente correta, impõe-se-lhe que indique de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável.
22. E, não prescindindo, e caso assim não se entenda de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto dada como provada
23. A conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, na experiência obtida através de ações inspetivas anteriormente levadas a cabo, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial e num parecer prestado pela Associação Nacional de Farmácias, desacompanhada de qualquer concretização, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.
24. O parecer da Associação Nacional de Farmácias e da Universidade Católica não deviam ter sido sobrevalorizados pela douta sentença uma vez que os mesmos não têm qualquer efeito vinculativo, não se conhece a que períodos se referem, e em que contexto foi pedido e para que fins.
25. Deviam ter sido dados como provados os seguintes factos:
"A Administração nunca questionou a existência e validade do negócio"
"Nem a validade do documento autêntico que lhe serve de suporte"
"Nem tão pouco questionou em nenhum momento a contabilidade dos Impugnantes"
"Tanto pelo método do Valor dos Rendimentos pelos Resultados e pelo Método dos Múltiplos o valor da farmácia transmitida é substancialmente inferior ao que resulta dos rácios aplicados pela AT"
"No relatório de inspeção em questão não ficou demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável"
"Nem ficou demonstrada que a suposta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado inviabilizassem o apuramento da matéria tributável"
"Nada se diz no relatório que permita supor que a contabilidade do contribuinte se mostrasse desorganizada, revelando uma falta generalizada de credibilidade, não sendo possível apurar através dela o rendimento tributável real"
"A inspeção não colocou em causa a contabilidade dos Impugnantes e não efetuou quaisquer diligências adicionais na tentativa de comprovar as suas conclusões".
"Os valores a que chega a administração tributária são manifestamente excessivos e não correspondem aos rendimentos efetivos auferidos pelos Recorrentes no ano de 2006".
"O valor do trespasse da Farmácia à data e nas circunstâncias do negócio é substancialmente inferior ao apurado pela administração tributária".
"À data do negócio verificava-se uma alteração do negócio das farmácias e que influenciavam substancialmente o seu valor".
"Em 2006 já se previa a liberalização do negócio das farmácias e o preço pago nos trespasses já teria que ter em conta essa liberalização, com consequências no lucro das farmácias".
No caso a quo a Administração Tributária não logrou justificar no caso concreto qual o valor de mercado e, assim, ficou por demonstrar que o valor de mercado era superior ao valor declarado, faltando um pressupostos legitimador da sua atuação, tal como está definido no art.º 88.º, al.ª d) da LGT.
26. Não deveriam constar como provados os seguintes factos:
- O ponto CC da matéria de facto (com base nos dados contabilísticos do impugnante em 2005/2006 e nas condições do trespasse realizado pelos impugnantes, o valor do trespasse da Farmácia das (...) de € 2.505.084,59 é razoável) não deveria ter sido dado como provado pois baseia-se no testemunho de uma testemunha que não foi ouvida em audiência de julgamento, já que a Recorrente prescindiu do seu testemunho.
- Os SIT concluíram pela determinação da matéria tributável, com recurso a métodos indiretos pelos fundamentos constantes do capítulo denominado "IV - Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos".
- O método de avaliação do valor do trespasse da farmácia utilizado pelos SIT é um método adequado"
- Para obter o valor de mercado de trespasse de uma farmácia a aplicação de um coeficiente de 1,5 ao volume de negócios do ano anterior, é um critério credível, rigoroso e fiável para este setor de atividade"
- Para obter o valor de trespasse de uma farmácia é tecnicamente correto acrescer ao valor da farmácia o valor das existências à data do negócio"
- Na avaliação da Farmácia das (...) os SIT utilizaram o critério de avaliação referido em Z), mas não adicionaram o valor das existências para efeitos do cálculo do valor da transação"
- Com base nos dados contabilísticos do impugnante em 2005/2006 e nas condições do trespasse realizado pelos impugnantes, o valor do trespasse da Farmácia das (...) de €2.505.084,59 é razoável"
Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita: JUSTIÇA.(…)”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pelos Recorrente, são delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo aS de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento (i) quanto a verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, na determinação da matéria coletável, (ii) nulidade de sentença, por falta de fundamentação, (iii) e, erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada e não provada.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…) A) O impugnante exercia a atividade comercial, sob a forma de empresário em nome individual, tendo iniciado em 18/01/2002 a atividade de “comércio a retalho de produtos farmacêuticos (farmácias)”, com o CAE 52310 (f ls. 31 do PRG).
B) O impugnante estava enquadrado em IRS no regime geral de determinação do lucro tributável e em IVA no normal de periodicidade mensal (f ls. 31 do PRG).
C) O impugnante exercia a atividade num estabelecimento comercial de farmácia sito no lugar (…), com a denominação comercial de “Farmácia (...)” (f ls. 31 do PRG).
D) Em 31/10/2006, os impugnantes celebraram um contrato denominado “Trespasse”, pelo qual pelo preço global declarado de €967.112,00, trespassam a “S., Sociedade Unipessoal, Ld.ª”, pessoa coletiva n.º …., o estabelecimento comercial referido em C), livre de ónus e encargos, sendo objeto desta transmissão o alvará n.º…, emitido pelo Infarmed em 27/06/2000, no valor de €700.000,00; os equipamentos, obras e utensílios existentes no estabelecimento, no valor de €108.286,00, e o stock de mercadorias, valorizado a preço de aquisição, sem IVA, no valor de €158.826,00 (f ls. 35 e 36 do PRG).
E) O impugnante cessou a sua actividade em nome individual em 28/12/2006, na sequência do “trespasse” identificado na alínea D) (f ls. 35 do PRG).
F) No exercício de 2006, a impugnante declarou os seguintes resultados (f ls. 31 e 32 do PRG):

2006
Vendas de mercadorias €1.541.563,63
Proveitos e ganhos financeiros€76.923,45
Proveitos e ganhos extraordinários€73.529,33
Total dos proveitos €1.692.211,86
Custo das mercadorias e matérias € 1.182.703,70
Fornecimento de serviços externos €77.373,26
Impostos €2.822,22
Custos com pessoal €152.274,42
Outros custos €12.060,79
Amortizações / reintegrações €37.997,31
Custos / perdas financeiras Custos / perdas financeiras
Custos / perdas extraordinárias €135.380,55
Total dos custos €1.647.225,71€1.647.225,71
Imposto sobre rendimento exercício €621,88
Resultado líquido do exercício €44.364,27
Margem bruta €358.859,93
Percentagem do lucro 23,28%
Lucro tributável €15.165,77
Rentabilidade fiscal 0,98

G) Os impugnantes e a atividade do impugnante foram sujeitos a um procedimento de inspeção aos seus rendimentos de IRS ao exercício de 2006, que foi concluído com o RIT junto de fls. 27 a 44 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido
H) Os SIT concluíram pela determinação da matéria tributável, com recurso a métodos indiretos pelos fundamentos constantes do capítulo denominado “IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos”, de fls. 35 a 39 do PRG, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
I) Os SIT procederam ao cálculo dos valores a corrigir e corrigidos, com recurso a métodos indiretos pelos fundamentos constantes do capítulo denominado “V – Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos”, de fls. 39 e 40 do PRG, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
J) Os SIT tributária concluíram pela seguinte correção à matéria tributável, por métodos
indiretos (f ls. 39 do PRG):
(1) Volume de negócios em 2005 €1.670.056,39
(2) 1,5 X Volume de negócios€2.505.084,59
(3) Valor declarado pelo sujeito passivo €967.112,00
(4) Acréscimo a efetuar = (2) – (3) €1.537.972,59

K) Com base nas correções por métodos indiretos e por correções técnicas (não impugnadas neste processo de impugnação judicial, conforme resulta da decisão da questão prévia julgada nesta sentença) constantes do RIT, os SIT apuraram o seguinte lucro tributável corrigido no exercício de 2006 (f ls. 40 do PRG):
Total das correções aos proveitos extraordinários €1.537.972,59
Total das correções técnicas efetuadas €8.543,10
Lucro tributável declarado €15.165,77
Lucro tributável proposto €1.561.681,46

L) Com as referidas correções, a administração tributária fixou aos impugnantes, para o ano de 2006, um rendimento coletável de €1.578.351,10 (f ls. 25 a 45 do PRG).
M) Os impugnantes apresentaram pedido de revisão da matéria tributável (f ls. 138 do PRG).
N) No pedido de revisão não houve acordo, tendo sido apresentado parecer do perito da administração tributária e dos impugnantes, tendo sido proferida a decisão, cujo teor consta de fls. 53 verso a 58 verso do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
O) Estas correções deram origem à liquidação de IRS de 2006 n.º 2010 00003168856, com um valor a pagar de €380.239,20, dos quais €41.285,01 são juros compensatórios das liquidações n.ºs 2010 00000920895 e 2010 00000920896, da qual resultou a demonstração de acerto de contas n.º 2010 00000429913, que apurou um valor a pagar de €685.058,38, com data limite de pagamento voluntário em 07/07/2010 (f ls. 36 a 38).
P) Em 02/11/2010 (f ls. 2 e 78 do PRG), os impugnantes apresentaram a reclamação graciosa de fls. 3 a 23 do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Q) Os impugnantes arrolaram uma testemunha e requereram a sua inquirição (f ls. 22 e 23 do PRG).
R) Sobre a reclamação graciosa foi realizado o projecto de decisão de fls. 84 e 84 verso do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
S) E foi proferido o projecto de despacho de indeferimento, fundado no parecer constante de fls. 85 a 90 do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
T) Os impugnantes foram notificados do projecto do despacho de indeferimento e para o exercício do direito de audição por carta registada em 22/11/2011 (f ls. 91 e 92 do PRG).
U) Os impugnantes não exerceram o direito de audição (f ls. 85 e seguintes do PRG).
V) A reclamação graciosa foi indeferida pelo despacho de 13/12/2011, que consta de fls. 93 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
W) Os impugnantes foram notificados da decisão da reclamação graciosa em 16/12/2011 (f ls. 93-A a 95 do PRG) e apresentaram a petição inicial da impugnação judicial em 04/01/2012 (f ls. 3).
X) No trespasse referido em C), não foram transmitidos os débitos e as disponibilidades detidas pelo estabelecimento de farmácia, nem os créditos de fornecedores e bancários sobre o estabelecimento (RIT e relatórios periciais de f ls. 121 a 182 e 184 a 190 verso).
Y) O método de avaliação do valor de trespasse da farmácia utilizado pelos SIT é um método adequado (RIT e relatórios periciais de f ls. 121 a 182 e 184 a 190 verso).
Z) Para obter o valor de mercado de trespasse de uma farmácia a aplicação de um coeficiente de 1,5 ao volume de negócios do ano anterior, é um critério credível, rigoroso e fiável para este sector de atividade (RIT e relatórios periciais de f ls. 121 a 182 e 184 a 190 verso).
AA) Para obter o valor de trespasse de uma farmácia é tecnicamente correto acrescer ao valor da farmácia o valor das existências à data do negócio (relatórios periciais de fls. 121 a 182 e 184 a 190 verso).
BB) Na avaliação da Farmácia (...) os SIT utilizaram o critério de avaliação referido em Z), mas não adicionaram o valor das existências para efeitos do cálculo do valor da transação (RIT e relatórios periciais de fls. 121 a 182 e 184 a 190 verso).
CC) Com base nos dados contabilísticos do impugnante em 2005/2006 e nas condições do trespasse realizado pelos impugnantes, o valor de trespasse da Farmácia (...) de €2.505.084,59 é razoável (relatório do exame pericial de fls. 322 a 328 e depoimento da testemunha J…)
DD) No ano de 2006 e seguintes o preço dos medicamentos tem vindo a reduzir-se (fls. 59 a 64).
EE) Com consequência nos lucros das farmácias (f ls. 59 a 64 e depoimento da testemunha O). Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:
1) Em 2006 já se previa a liberalização do negócio das farmácias.
2) À data do negócio verificava-se uma alteração do negócio das farmácias e que influenciavam substancialmente o seu valor (documentos juntos ao PRG e depoimento da testemunha Ó.V.).
3) O valor de trespasse da Farmácia (...) à data e nas circunstâncias do negócio é substancialmente inferior ao apurado pela administração tributária..(…)”

3.2. Alteração Oficiosa à Matéria de Facto
Ao abrigo do artigo 662º, nº 1, do Código do Processo Civil importa reformular a alínea H) dos factos provados, sendo que tal se mostra necessário para a decisão da causa e, encontrando-se provado, por documento existente nos autos:

H) Consta do Relatório de inspeção, efetuado aos Impugnantes e elaborado em 31.12.2008 o seguinte:

“(…) V - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
A situação de direito verificada e tributada pelo contrato de trepasse de 31 de Outubro de 2006, foi seguinte: a atividade exercida em nome individual pelo Dr. S…foi cessada em 28.12.2006 tendo sido transmitida a propriedade da farmácia e alvará para a empresa S., Sociedade Unipessoal, Lda (…), pelo que constata que o alvará saiu da esfera pessoal do sujeito passivo para uma pessoa jurídica totalmente estranha, pelo que esta transferência de propriedade está sujeita a tributação.
No contrato de Trepasse foram primeiros outorgantes S. … e esposa ….. e segundos outorgantes S. Sociedade Unipessoal, Lda.
Os primeiros transmitem a universalidade constituída pela farmácia das (...), livre se de ónus e encargos, pelo preço global de declarado de € 967.112.00. Constitui objecto de transmissão o alvará n.º…, emitido pelo Infarmed em 27 de Junho de 2000, pela Direção Geral de Saúde, sito na Urbanização (...), edifício (...), loja um, freguesia de (...) (€700.000,00); os equipamentos, obras e utensílios existentes no estabelecimento de Farmácia (€108.286,00); e o stock de mercadorias, valorizado a preços de aquisição, sem Iva (€158.826,00):
a) Efeitos em termos de IRS na esfera do Trepassante
(…)
b) Valor Mercado
De acordo com o conhecimento existente de operações da natureza, o valor de Direito do Trespasse de um estabelecimento de farmácias, é definido normalmente em função do valor anual de vendas, sendo que a pratica existente faz realçar como critério orientador do valor de trespasse, o valor anual de vendas acrescido de 50% e do valor stock ao preço de custo.
Veja-se o seguinte:
- Associação Nacional de Farmácias em parecer dado aos Serviços do Ministério Público refere que “O valor de trespasse das farmácias é definido normalmente em função anual de vendas” sendo que o critério orientador do valor do trespasse é, pela pratica existente no sector, “ o valor anual de vendas acrescido de 50% e do valor de stock ao preço de custo.” (Anexo I)

- Em Estudo efectuado pela Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência tendo por objecto análise da situação concorrencial dos sector das farmácias, vem na pag. 58 e 59 referir “ A elevada rentabilidade das farmácias traduz-se, como seria de esperar, numa elevada valorização. Embora não tendo conseguido obter informação sistemática sobre esta matéria, a informação sobre os casos pontuais a que tivemos acesso para que a pratica habitual no sector seja a de estabelecer o valor das farmácias com base em múltiplos do seu volume de negócios.
Estes múltiplos variam de caso para caso, mas parece não ser invulgar que se aproxime de 2 unidades e, em alguns casos, ultrapassam este valor. Mesmo admitindo um múltiplo de 1, que tudo leva a crer corresponder a uma forte sub-estimação dos valores praticados no sector, o valor de 2 663 farmácias existentes em Portugal, tornando como representativos, os valores médios apurados pela ANF com base em dados contabilísticos de 2003, seria de 3,3 milhões de euros. Este valor corresponde a 2.5% do PIB português daquele ano e sensivelmente, a cotações actuais, ao valor de conjunto do Modelo Continente SGPS, e Jerónimo Martins SGPS. Para um múltiplo de 1,5, que parece ser próximo dos valores que se praticam no mercado e mais consistente com os elementos contabilísticos disponíveis, o valor das farmácias portuguesas ascenderia a 5 milhões de euros, ou seja, 3.8% do PIB de 2003. Na Euronext Lisbon, só a Portugal Telecom, a EDP e o BCP têm uma capitalização bolsista que ultrapasse esse montante.” (Anexo 2).

- Também numa avaliação feita a propósito do processo …. da 9.ª Vara – 2ª Secção do Tribunal Cível do Porto, por três peritos, estes referem a paginas 230 (Anexo 3) desse processo que “Para se calcular o valor da transação de uma farmácia deve multiplicar-se o volume de vendas por 150% a 200%” Este processos judicial resultou de diferendo entre promitentes compradores e vendedores de uma farmácia cuja transação não se chegou a realizar entre esses intervenientes.

- Assim, no blog s….blogspot. com (Anexo 4) pode ler-se que “As restrições impostas por lei à abertura de novas farmácias, faz com que o seu trespasse atinja vários milhões de euros. Aí também se pode ler que segundo Vital Moreira, “a valorização especulativa e o enriquecimento indevido proporcionado pelas restrições à abertura de farmácias, criando verdadeiros monopólios territoriais com rendosos volumes de negócios e elevados níveis de lucro”, traduzem os valores envolvidos. Ainda segundo este blog “A mudança das regras de acesso ao estabelecimento de novas farmácias não consta das prioridades do programa de governo”.

- Recorrendo ainda à comunicação social, desta vez aos média dedicados à economia, mais concretamente ao Jornal de Negócios de 12/9/2005 (Anexo 5), “..por inexplicáveis razões de saúde pública que a ANF invoca regularmente, (qualquer cidadão) não pode ser dono de uma farmácia, a menos que seja farmacêutico. É por isso que o valor do trespasse de uma farmácia atinge somas avultadas. E é por isso que a abertura de novas farmácias é regulada apertadamente para proteger os interesses dos que já estão instalados.” É pelos factos relatados e outros que estamos em presença de um negócio com muita procura e pouca oferta, por ser escasso, o que implica inevitavelmente o pedido de valores significativos por parte dos proprietários destes negócios.

- O Jornal de Noticias de 01/08/05 (Anexo 6) faz mesmo referências várias a preços praticados mas também à fórmula de cálculo do respectivo preço para as transacções de farmácias. Assim, naquela publicação, no meio de um extenso texto dedicado ao tema dos elevados preços praticados na alienação destes negócios pode ler-se que “O cálculo do preço de uma farmácia resulta da multiplicação do valor de facturação pelo factor venda. E este, explica a fonte do sector imobiliário, é geralmente 2, mas pode variar entre 1,5 e 2,5”.

Fundamentação para a aplicação dos métodos indirectos.
Pelo anteriormente exposto, verifica-se impossibilitada a comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em sede de IRS e IVA, no exercício de 2006, decorrente das seguintes situações:

Pelo facto de ter sido declarado um valor de trespasse substancialmente inferior ao do valor de mercado.

Conclui-se assim, através da analise efectuada à contabilidade e aos documentos dos suporte das operações, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis ao correcto controlo e determinação da matéria tributável, razão pela qual se propõe, nos termos da alínea d) do art. 97.º e do art. 88° da Lei Geral Tributária, aplicáveis por remissão do Art,º 39.º n.º 1 do CIRS e do Art.º 84.º do CIVA, a determinação da matéria tributável por avaliação indirecta, nos termos do exposto no art. 90.º da Lei Geral Tributária. (…)“ (CFr. de fls. 35 a 39 do PRG)
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Como resulta das conclusões de recurso apresentadas, os Recorrentes, imputam à sentença recorrida, para além dos erros de julgamento de facto e direito, nulidade da sentença.
Normalmente, a apreciação do recurso deveria iniciar-se pelas nulidades suscitadas, no entanto, e por economia processual e evitar a prática de atos inúteis, entende-se sobrestar o conhecimento da mesma e apreciar em primeiro lugar os erros de julgamento e, só no caso de estes não procederem se passará à apreciação dos restantes vícios formais, porquanto os Recorrentes poderão não retirar qualquer utilidade da declaração de tais vícios, se a pretensão de mérito for julgada procedente.
Passando ao mérito do recurso, começamos pela apreciação do erro de julgamento da sentença recorrida ao considerar verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos.

4.2. Para melhor perceção da realidade factual, comecemos por relembrar que a liquidação impugnada é o ato resultante da ação inspetiva realizada pela Administração Tributária (Serviços de Inspeção Tributária) resultando na aplicação dos métodos indiretos para determinação da matéria tributável dos Recorrentes, em sede de IRS e relativa ao ano de 2006.
Entendeu a Administração Fiscal a necessidade de recurso aos métodos indiretos para determinação da matéria tributável pelo facto de ter sido declarado um valor de trespasse da Farmácia (...), Edifício (...) loja …, (...)de € 967 112,00, valor substancialmente inferior ao valor de mercado, radicando aí a alegada impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável do sujeito passivo.
A questão equacionada é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
Por sua vez o n.º4 do art.º 77.º da LGT, na redação aplicável, preceitua queA decisão da tributação por métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade base científica, ou fará a descrição dos bens …., e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.”
Acresce que a Administração Tributária pode proceder à avaliação indireta, nos termos previstos no art.º 87º da LGT na situação de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, podendo esta impossibilidade de comprovação e quantificação resultar da existência de uma manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, se essa disparidade inviabilizar o apuramento da matéria tributável por força da alínea d) do art.º 88°do referido diploma legal.
Assim, nos termos conjugados do n. º4 do art.º 77.º da LGT do art.º 87 e 88.º da LGT, a Administração Tributária quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, terá de especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
A sentença recorrida entendeu que face alínea H) dos factos provados se encontrava devidamente demonstrada de forma cabalmente sustentada e fundamentada os motivos do recurso à tributação por métodos indiretos bem como a Administração Tributária logrou fundamentar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, encontrando-se assim e reunidos os pressupostos exigíveis nos artigos 88.º, alíneas b) e d), 87.º, alínea b), e art.º 90.º da LGT, e do artigo 39.º do CIRS, que levaram ao recurso à avaliação indireta.
E desde já se diga, que não nos revemos em tal julgamento.
Analisado o relatório de inspeção, a que se reporta o facto provado na alínea H) e aqui reformulado, a Administração Fiscal concluiu que o valor de trespasse declarado é valor substancialmente inferior ao valor de mercado com base seguintes argumentos:
a) o conhecimento existente de operações da mesma natureza;
b) parecer prestado pela Associação Nacional de Farmácias, num parecer dado aos Serviços do Ministério Público;
c) em estudo efetuado Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência;
d) Relatório pericial apresentado num processo judicial n.º … da 9.ª Vara Secção do Tribunal Cível do Porto;
e) os dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na Internet, nomeadamente blog s… .blogpost.
A questão colocada no presente acórdão, já foi tratado, no acórdão deste TCAN n.º 01290/07.3BEPRT de 08.03.2012 disponível em www. Dgsi.pt, aliás várias vezes citado pelos Recorrentes, que trata uma situação muito similar, pese embora a Recorrente seja a Administração Fiscal.
No referido acórdão o objeto do recurso estava circunscrito à questão de saber se, estavam ou não reunidos os pressupostos que legitimam o recurso da Administração Tributária aos métodos indiretos para determinar a matéria coletável para efeitos do imposto de rendimento singular, cujas as motivações da aplicação de recurso a métodos indiretos são idênticas à dos presentes.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido no processo n.º 01290/07.3BEPRT.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, a fundamentação de tal aresto, aderindo ao seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.
(…) Acontece, porém, que tais factores, para além de serem, por si só, vagos e de força probatório duvidosa quando abstractamente considerados, também não poderem deixar de ser absolutamente irrelevantes quando são desacompanhados de qualquer concretização, sendo esta a situação que ocorre no caso em apreço. Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspecção constata-se que, em momento algum a Administração Fiscal concretizou: quais foram as operações da mesma natureza que devem ser atendidas e que justificam que os conhecimentos e a experiência delas advenientes sejam relevantes no caso dos autos; qual foi a razão de ciência dos artigos jornalísticos e de opinião invocados; qual foi a factualidade subjacente ou que constituiu objecto do relatório pericial que foi junto aos presentes autos, que respeita a outro contribuinte e pertence a processo que correu termos num outro Tribunal; ou qual foi o circunstancialismo que rodeou ou condicionou a emissão do referido Parecer da Associação Nacional de Farmácias. Do que vimos dizendo resulta, pois, que a Administração Tributária, a quem incumbia o ónus de demonstrar que o valor declarado como valor de trespasse era manifestamente inferior ao valor de mercado em situações similares, se limitou, nas palavras da Meritíssima Juíza a quo, «a invocar a experiência obtida noutras acções inspectivas, que não identificou, bem como artigos de opinião publicados na comunicação social, cujas razões de ciência não cuidou de enunciar e que abordam, genericamente, a questão dos lucros elevados obtidos na actividade farmacêutica e o valor dos trespasses de farmácias em situações em que as leis da oferta e da procura têm plena aplicação, ou seja, em que o valor da venda é ditado, pura e simplesmente, pelas regras do mercado.», sem dar, como devia, o mínimo relevo às especificidades pessoais ou subjectivas e objectivas que rodearam aquele concreto trespasse, as quais, não só estão apuradas nos autos como, em sede de procedimento, lhe haviam sido dadas a conhecer e que, por serem condicionadoras do valor de trespasse, não poderiam ter sido marginalizadas ou ter sido pura e simplesmente ignoradas como foram no percurso percorrido para aferição da existência do tal valor manifestamente inferior ao declarado.
Razões ou especificidades que, adiantamos mesmo, se tivessem sido consideradas, teriam determinado que o negócio em causa não pudesse ser visto como um corrente, normal ou típico negócio a valorar exclusivamente segundo regras de mercado.
Antes, porém, de salientarmos essas especificidades objectivas e subjectivas que podiam e deveriam ter sido consideradas e a bondade dessa mesma asserção, importa ter em conta a própria natureza e especiais características do negócio jurídico em causa.

É que, sendo este um trespasse de estabelecimento comercial, que consiste numa transmissão definitiva, por acto entre vivos, seja a título oneroso, seja a título gratuito, da titularidade do estabelecimento comercial (vd., por todos, A. Varela in RLJ 115/253 nota 1 e 123/346 in nota 1 à pág. anterior; também Henrique Mesquita entende que o trespasse engloba todos os negócios de transmissão definitiva e inter vivos de um estabelecimento, seja qual for a causa do acto translativo - venda, troca, doação, realização do valor de uma quota no capital de determinada sociedade, transmissão decorrente de uma fusão de sociedades, etc, entendimento que considera pacífico - RLJ 128/58), importa, para efeitos da sua avaliação, considerar autonomamente não só cada um dos elementos que integram aquela universalidade de direito como a importância relativa (peso) de cada um dos bens nessa universalidade. É que só desse modo se pode revelar evidente que a avaliação deste tipo de bem ou, se preferirmos, a sua avaliação enquanto «bem de mercado» está dependente (como os inúmeros critérios de avaliação de empresas existentes também o revelam) não só da própria importância/função de cada um desses bens objectivos e autonomizáveis que integram aquela universalidade, como a importância que assumem autonomamente ou globalmente para os concretos sujeitos intervenientes na celebração do negócio concreto.
Aliás, o chamado «valor de mercado» é o valor que um produto atinge no mercado, baseado objectivamente na concorrência - resultante do “jogo” entre a oferta e a procura - constituindo seu oposto o valor real do mesmo produto ou bem. O valor do mercado é, pois, a medida desse bem expressa em unidade monetária que resulta, em regra, de estatísticas ou critérios de referência sobre os preços praticados na venda e ou oferta de bens similares no mesmo mercado, em dado momento. É uma medida, um dado numérico que possibilita a comparação entre bens similares, reflectindo esse valor (monetário) a medida-referência que o mercado impõe numa eventual transacção comercial, distintamente do que ocorre com o valor real, em que as variações de mercado ou medida-referência não têm ou têm pouca influência na determinação do preço de transacção.
Expostas estas breves considerações gerais sobre a definição do negócio em questão e as particularidades que a sua avaliação pode suscitar enquanto bem de mercado, analisemos as especificas circunstâncias objectivas e subjectivas que rodearam o trespasse em causa e a sua influência no valor do trespasse.
Assim, no que tange às especificidades subjectivas, desde logo a Administração Tributária deveria ter ponderado que por esse trespasse também era transmitido o direito de propriedade da farmácia, de que a Impugnante era titular, para uma sociedade em que a mesma figurava como sócia ainda que com uma quota reduzida, sendo essa sociedade constituída por duas pessoas, a Impugnante e o sócio maioritário, amigos e colegas de profissão há muitos anos, circunstâncias que já haviam sido determinantes do anterior trespasse do mesmo estabelecimento comercial (e do respectivo valor), ocorrido cerca de dois anos antes, daquele sócio para a Impugnante.
Relativamente às especificidades objectivas é de realçar, desde logo, o facto de, na ponderação realizada, não ter sido tomado em consideração o valor e a data do anterior trespasse, realizado apenas dois anos antes, através do qual a impugnante adquirira a mesma farmácia a A…, por cerca de € 997 595,79, o que, naturalmente, torna expectável que influencie o valor de um posterior trespasse entre as mesmas partes.
E o mesmo vale para o facto de a Recorrida integrar a sociedade trespassária, em cujo capital também participava, bem como a sua quota-parte nas
expectativas de lucros que pelo desenvolvimento da actividade económica da sociedade de que era parte também viria a obter.
Ou seja, este concreto circunstancialismo de facto não pode ter deixado de influenciar, e não só por via reflexa ou eventual, o valor real do trespasse cujo apuramento, salvo o devido respeito, é exactamente o que se exige à Administração Tributária. (…)”
No caso sub judice não foi ponderado o facto de ter sido transmitida a propriedade da farmácia e alvará em nome de S. e esposa para a empresa S., Sociedade Unipessoal, Lda, nem mesmo apurado quem constituía essa empresa. Também como não foram analisados nem ponderados os valores da aquisição ou titularidade dessa farmácia nem mesmo os custos com ela tidos limitando-se a Administração, com os fundamentos supra descritos, a concluir que o valor de trespasse afastava-se substancialmente dos valores de mercado.
Assim, a conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado, assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na Internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial desacompanhada de qualquer concretização subjetiva ou objetiva, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.
Em síntese na fundamentação aduzida pela Administração Tributária não se encontram elementos de facto concretos e objetivos de onde se possa retirar, com uma certeza razoável, que o valor de trepasse do estabelecimento declarado pelos Recorrentes não corresponde ao valor real desse negócio jurídico. Ou seja, o Relatório não enuncia sequer elementos de facto concretos suficientes para demonstrar que o “valor de mercado” do trespasse do estabelecimento em causa nas condições que ficaram apuradas é substancialmente superior ao declarado, limita-se a sustentar teoricamente a gradeza do negócio, no entanto, não aponta para factos concretos e objetivos que possam indiciar o recurso a métodos indiretos.
Sendo este, nos termos do disposto no citado art.º 88.° alínea d) da LGT, o pressuposto legitimador do recurso por parte da Administração Tributária aos métodos indiretos de determinação da matéria tributável, não tendo logrado provar terá que ser valorado contra si.
Nesta conformidade, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Administração Tributária demonstrou de forma cabalmente sustentada e fundamentada os motivos do recurso à tributação por métodos indiretos bem como a Administração Tributária logrou fundamentar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável pelo que o presente recurso terá de proceder.

4.3. Face ao supra exposto, ficam prejudicadas as questões equacionadas pelo Recorrentes, nos termos do art.º 6068.º do CPC.

4.4. E assim formulamos as conclusões/sumário:
i. Assim, nos termos conjugados do n. º4 do art.º 77.º da LGT do art.º 87 e 88.º da LGT, a Administração Tributária quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
ii. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
III. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
IV. A conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na Internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial desacompanhada de qualquer concretização subjetiva ou objetiva, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente.

Após trânsito em julgado, remeta-se cópia do presente acórdão aos Serviços do Ministério Público, no proc. 26/16.7Y3STS, melhor identificado a pag 523 do processo em suporte físico.

Custas pela Recorrida, com dispensa da taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de janeiro de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Castro Fernandes