Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00183/15.5BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ENFERMEIRO - COORDENADOR - FUNÇÕES DE CHEFIA E DIREÇÃO - SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO – TRABALHO IGUAL – SALÁRIO IGUAL
Sumário:I – Tendo o Legislador apenas previsto na normação constante do nº. 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 122/2010, como um dos requisitos do direito ao suplemento remuneratório ali previsto, o exercício de determinadas funções em regime de “comissão de serviço”, não há como não concluir que o ali se vem de preceituar é igualmente convocável em sede de exercício das ditas funções a qualquer outro título que não o da comissão de serviço.

II- A detenção da titularidade da categoria de “enfermeiro especialista” releva inelutavelmente ao nível da inverificação da possibilidade de exercício de funções de Chefia e Direção, já que esta assentam na titularidade da categoria de “enfermeiro principal”.

III- Logo, não há que falar sequer em enriquecimento sem causa, já que este reclama o “exercício efetivo de tais funções de chefia”, o que sempre atingiria, atenta a natureza subsidiária do instituto de enriquecimento sem causa.

IV- Não resulta evidenciado o exercício de quaisquer funções de Chefia por parte do Autor, ademais e especialmente, para as quais se encontre reservada uma remuneração [incluindo-se aqui os suplementos remuneratórios] superior à que vem auferindo, nem sequer que este vem sendo remunerado de forma diferente da de qualquer outro eventual enfermeiro “Coordenador” da UCC, não estamos perante qualquer violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual” perpetrada pela Ré.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
AG..., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, em 27.06.2020, julgou a presente ação improcedente e, em consequência, absolveu a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P. dos pedidos.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I. O presente recurso tem por objecto a decisão sobre as questões de direito.
II. O tribunal recorrido deu como provado que o Recorrente exerceu, nos períodos entre 17 de fevereiro de 2011 e 3 de agosto de 2018, enquanto coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade, todas as funções descritas nas alíneas e) a r) do n.° 1 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, onde o legislador descreve as funções desenvolvidas por enfermeiros em cargos de chefia, tendo por base o n.° 2 do mesmo preceito.
III. O Recorrente não se pode conformar com o entendimento formalista e atido à letra da lei das normas legais aplicadas no caso vertente pelo Meritíssimo Juiz a quo porquanto não existe substantivamente diferença, no que às concretas funções desempenhadas pelo Recorrente respeita, entre um acto de designação e um acto de nomeação em comissão de serviço.
IV. A comissão de serviço pressupõe que um trabalhador, titular de uma determinada categoria profissional, seja transitoriamente incumbido do exercício de funções de administração, direcção ou chefia, deixando de exercer o conjunto de funções que são típicas da sua categoria profissional, tal como se retira do artigo 161.° do Código do Trabalho, bem como do artigo 9.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
V. Ora, o Recorrente, que vinha exercendo exclusivamente as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro especialista, passou a exercer, com a designação em causa, funções de coordenador ou “dirigente” da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus, enquadrando-se numa situação subsumível ao regime de comissão de serviço tal como previsto na alínea a) do artigo 9.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
VI. O tribunal recorrido adota um entendimento excessivamente legalista, sendo que a interpretação que efetuou das normas legais concretamente aplicadas viola as regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil, tendo ostensivamente desatendido às razões que levaram o legislador a consagrar um suplemento remuneratório para os enfermeiros que, de facto, exercessem funções de chefia ou cargos dirigentes.
VII. É o exercício efetivo de tais funções de chefia que justifica, do ponto de vista legal e da justiça material, o direito ao recebimento do respectivo suplemento remuneratório por parte do Recorrente, ao invés de se privilegiarem questões procedimentais, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Recorrida e do consequente empobrecimento daquele, bem como da frustração das respetivas expectativas quanto ao pagamento de uma retribuição especial pelo exercício de funções de chefia.
VIII. Que o Autor tem direito ao suplemento remuneratório em apreço, vem também sido propugnado pela Administração Central do Sistema de Saúde, através de Circulares dirigidas a todos os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, tal como consta dos n.°s 28 e 29 da lista de factos provados da sentença proferida.
IX. Apesar de o Autor não ser titular da categoria de enfermeiro principal, o mesmo foi nomeado como enfermeiro avaliador em virtude de prosseguir as funções de chefia a que se refere o artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, o que significa que com a designação do Recorrente como enfermeiro avaliador, a Recorrida reconheceu, de forma inequívoca, que aquele exerceu, efectivamente, as funções de chefia em causa, atento o disposto no n.° 6 do artigo 9.° da Portaria n.° 242/2011, de 21 de junho.
X. O entendimento vertido na decisão revidenda é violador dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados, tanto para a função pública, como para o setor privado, nomeadamente o consagrado no artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
XI. O direito ao recebimento da justa remuneração, onde se inclui o subsídio em causa nestes autos, advém, desde logo, da alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição da República Portuguesa, não dependendo da prática de qualquer acto administrativo que reconheça ou não esse mesmo direito, nem do preenchimento de pressupostos meramente formais cuja omissão é exclusivamente imputável à Recorrida, tratando-se de um direito do Recorrente enquanto trabalhador em exercício de funções públicas (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:”(…)

O Tribunal a quo NÃO deu como provado que o recorrente no período de fevereiro de 2011 a agosto de 2018 e enquanto coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) exerceu todas as descritas nas alíneas e) a r) do n° 1 do artigo 10° do Dec.-Lei n° 248/2009, de 22 de setembro, MAS apenas aquelas previstas para funções ‘coordenador' de uma Unidade do ACES;

Nem adotou um «entendimento formalista» ou «excessivamente legalista», ao pé da letra da lei, quanto às funções materialmente desempenhadas pelo recorrente no período de fevereiro de 2011 a agosto de 2018, posto que existe legal e «substantivamente» uma diferença, com base na previsão legal própria entre um ato de designação e um ato de nomeação;

As funções de ‘enfermeiro' habilitado como especialista, e as de Coordenador daquela Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC), não consubstanciam as funções dirigentes, subsumíveis a um regime de “comissão de serviço” tal como previsto na norma do artigo 9°/1/a) da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, antes são uma simples coordenação, conforme a previsão legal;

Das regras de interpretação e da hermenêutica e vg ao abrigo das normas do art 9°/1/2 do Código Civil, não pode concluir-se que o legislador consagre um suplemento remuneratório para os enfermeiros que «de facto» exercessem funções de chefia ou cargos dirigentes, porque no direito do emprego público a mera materialidade não é fonte de direito, não tem aptidão jurígena como relação de trabalho privada;

Nem ocorre situação de enriquecimento sem causa pela Administração também por que o «direito ao recebimento da justa remuneração» previsto no artigo 59°/1/a) da CRP não tem a amplitude que o recorrente pretende, não podendo acolher-se tal instituto sem o sujeitar ao contraditório, com alargamento da causa de pedir;

As funções de enfermeiro avaliador, para avaliação de desempenho dos seus pares, não importa o reconhecimento da função dirigente do recorrente, em harmonia com as normas dos artigos 18° daquele DL 248/2009 e 9°/6 da Portaria n° 242/2011, de 21-06, mas antes a constatação e adaptação da norma jurídica à situação de dispersão das Unidades do ACES;

O entendimento do recorrente quanto ao suplemento remuneratório não só não está suportado na Circular Informativa e no Ofício Circular da ACSS, IP a que se referem os n°s 28 e 29 dos ‘Factos Provados' como é aí recusado (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erros de julgamento de direito, por violação das (i) “(…) regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil (…)” e ainda do disposto (ii) “(…) na alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição da República Portuguesa (…)”.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1. Desde 29 de março de 1995 até 31 de dezembro de 2008, o Autor exerceu, sob a autoridade e direção da Ré, as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro - cfr. facto não controvertido; documentos juntos aos autos pelo Autor; processo administrativo (PA) a fls. 107-136 dos autos;
2. A partir de 1 de janeiro de 2009, tendo por base um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, celebrado no dia 4 de maio de 2009, o Autor passou a exercer, sob a autoridade e direção da Ré, as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro especialista - cfr. documento n.° 1 junto aos autos com a p.i. e junto ao processo administrativo (PA) a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Desde 29 de março de 1995, o Autor tem vindo a exercer as suas funções em diversos estabelecimentos de saúde pertencentes à Ré, designadamente, no Hospital Geral de Santo António, no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde e nos Centros de Saúde de Vila do Conde, Alijó, Amarante, Santa Marta de Penaguião e Vila Real II (Mateus), sob a direção de diversas entidades que integram a estrutura organizacional da Ré - cfr. facto não controvertido;
4. Em 09 de junho de 2010, foi proferido o Despacho n.° 4/2010 a determinar a mobilidade do Autor do Centro de Saúde de Santa Marta de Penaguião para o Centro de Saúde de Vila Real II (Mateus) com base no seguinte critério: “1) O profissional integrar o processo de candidatura à Unidade de Cuidados na Comunidade, como Coordenador da mesma, do Centro de Saúde de Vila Real 2.” - cfr. documento n.° 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. O despacho aludido em 4) supra produziu efeitos a partir de 12 de julho de 2010, inclusive - cfr. documento n.° 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. Em 11 de fevereiro de 2011, a Equipa Regional de Acompanhamento emitiu Parecer Técnico sobre a candidatura apresentada pela Ré para instalação de uma Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus a funcionar no Centro de Saúde de Vila Real II - cfr. documento n.° 2 junto aos autos com a p.i. e junto ao PA a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. O Autor foi coordenador do processo de candidatura à Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus a que se alude em 6) supra - cfr. documento n.° 2 junto aos autos com a p.i. e junto ao PA a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Em 17 de fevereiro de 2011, o Conselho Diretivo emitiu despacho de “Aprovação” sobre o Parecer Técnico aludido em 6) supra - cfr. documento n.° 2 junto aos autos com a p.i. e junto ao PA a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
9. Desde fevereiro de 2011, que o Autor tem vindo a exercer um conjunto de funções, enquanto coordenador, na Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus do Centro de Saúde de Vila Real II, sob a alçada do Agrupamento de Centros de Saúde do Douro I - Marão e Douro Norte - cfr. PA a fls. 107-136 dos autos; prova testemunhal;
10. No exercício das suas funções, o Autor observa um período normal de trabalho semanal de 40 (quarenta) horas semanais, tendo por base um horário definido pela Ré e respetivos órgãos, o qual se distribui entre as 9 e as 17 horas, de segunda-feira a domingo. - cfr. documento n.° 1 junto aos autos com a p.i. e junto ao processo administrativo (PA) a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. No exercício das suas funções, o Autor gere a dita unidade de cuidados, incluindo a supervisão do planeamento, programação e avaliação do trabalho da respetiva equipa, decidindo sobre afetação de meios.;
12. O Autor promove a aplicação dos padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem definidos e atualiza os procedimentos orientadores da prática clínica
13. O Autor identifica as necessidades de recursos humanos, articulando, com a equipa, a sua adequação às necessidades previstas, nomeadamente, através da elaboração de horários e de planos de trabalho e férias;
14. O Autor exerce funções executivas, integrando órgãos de gestão e de assessoria, e participa nos processos de contratualização;
15. O Autor promove a concretização dos compromissos assumidos pelo órgão de gestão, com os estabelecimentos de ensino ou outras entidades, relativamente ao processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;
16. O Autor assegura a informação que caracteriza o nível de produção, atividade ou qualidade da sua equipa. - cfr. prova testemunhal;
17. O Autor assume a responsabilidade pelas atividades de formação e de desenvolvimento profissional contínuo dos enfermeiros da organização em que exerce atividade;
18. O Autor elabora, promove e apoia a concretização de projetos de desenvolvimento técnico-científico, institucional, de qualidade e inovação que mobilizem e desenvolvam o conjunto da equipa profissional;
19. O Autor garante a gestão e prestação de cuidados de enfermagem nos serviços da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus;
20. O Autor determina as necessidades de recursos humanos, designadamente em função dos níveis de dependência ou outros indicadores, bem como de materiais, em quantidade e especificidade, nos serviços da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus;
21. O Autor apoia o enfermeiro-diretor, designadamente, na admissão de enfermeiros e na sua distribuição pelos serviços da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus, na elaboração de proposta referente a mapas de pessoal de enfermagem, no estabelecimento de critérios referentes à mobilidade, na avaliação da qualidade dos cuidados, na definição e regulação de condições e prioridades para projetos de investigação e na definição e avaliação de protocolos e políticas formativas;
22. O Autor participa nos processos de contratualização inerentes aos serviços da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus;
23. O Autor elabora o plano de ação e relatório anual referentes à atividade de enfermagem da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus e participa na elaboração de planos de ação e respetivos relatórios globais desta;
24. Através de Despacho n.° 3/2014 do Diretor Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde do Douro I - Marão e Douro Norte, datado de 6 de março de 2014, foi determinado o seguinte:
“Nos termos do artigo 15° do Decreto-Lei n.° 28/2008 de 22 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 137/2013 de 7 de outubro, e depois de ouvido o Conselho Clínico e de Saúde, determina-se que:
1. Atendendo à competência de coordenação e gestão demonstrada, conhecimentos técnicos e experiência profissional é designado como Coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade Mateus - Centro de Saúde de Vila Real n.° 2, pelo período de 3 anos, o Enfermeiro Especialista AG...;
2. O presente despacho produz efeitos a partir do dia 6 de março de 2014.” - cfr. documento n.° 5 junto aos autos com a p.i. e junto ao PA a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
25. Entre os meses de fevereiro de 2011 e março de 2015, a remuneração base mensal do Autor foi a correspondente à categoria profissional de enfermeiro, com a posição remuneratória entre 2 e 3 e intervalo remuneratório entre 19 e 23, no valor ilíquido de € 1.565,88 (mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) - cfr. recibos de vencimentos anexos como documentos n.° 6 a 55 juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
26. No período aludido em 25) supra, o Autor não auferiu o suplemento remuneratório para as funções de chefia, previsto no n.° 1 do artigo 4° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro. - cfr. documentos n.° 6 a 55 juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
27. Através do Despacho n.° 13/2013, emitido pelo Diretor Executivo do Agrupamento dos Centros de Saúde do Douro I - Marão e Douro Norte, em 19 de novembro de 2013, foi designada a Direção de Enfermagem do ACES Douro I - Marão e Douro Norte e a Comissão Executiva e Permanente da Direção de Enfermagem - cfr. documentos n.° 56 e 57 juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
28. A Administração Central do Sistema de Saúde, em 29 de maio de 2014, emitiu a Circular Informativa n.° 17/2014/DRU/URT/ACSS, dirigida a todos os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, sob o assunto “Atribuição de suplementos remuneratórios ao pessoal da carreira especial de enfermagem pelo exercício de cargos de direção e chefia”, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“Na sequência de dúvidas que têm vindo a ser suscitadas junto desta Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. relativamente ao pagamento de suplementos remuneratórios ao pessoal da carreira especial de enfermagem pelo exercício de cargos de direção e chefia, entende-se de divulgar os seguintes esclarecimentos:
1. O Decreto-lei n.° 122/2010, de 11 de novembro estabelece a remuneração para as funções de direcção e chefia exercidas em comissão de serviço e aplica-se apenas aos trabalhadores enfermeiros detentores de relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas (CTFP) inseridos, portanto, na carreira especial de enfermagem (cfr. parte final do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro, seus artigos 1.°, n.° 1 e 3 e 4.°).
2. A Portaria n. ° 245/2013, de 5 de agosto é o diploma que vem regulamentar a direcção de enfermagem, conforme determinado pela disposição contida no artigo 4.°, n.° 3 do citado Decreto-lei n.° 122/2010, de 11 de novembro.
3. Assim, há lugar ao abono de um suplemento remuneratório de 200€ para as funções de chefia e de 300 para as funções de direcção, nos termos do artigo 4.°, n.° 1 do decreto-lei n.° 122/2010, de 11 de novembro quando, nos termos do artigo 18.° do decreto -lei n.° 246/2009, de 22 de setembro e reunidos os requisitos ali enunciados, sob proposta da direcção de enfermagem, o órgão máximo de gestão designar um trabalhador enfermeiro para o exercício daquelas funções de direcção e chefia. (...)”. - cfr. documento n.° 58 junto aos autos com a p.i. e junta ao PA a fls. 107-136 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
29. A Administração Central do Sistema de Saúde, em 09 de fevereiro de 2015, emitiu o Ofício Circular com a referência 1182/2015/URJ/ACSS, dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, sob o assunto “Abono de suplemento remuneratório aos enfermeiros nomeados para o exercício de funções de direção ou chefia” nos termos e com os seguintes fundamentos:
“Na sequência de dúvidas que têm vindo a ser suscitadas, junto desta Administração Central do Sistema de Saúde, relativamente à possibilidade de pagamento dos montantes referentes aos suplementos remuneratórios previstos no Decreto-Lei nº. 122/2010, de 11 de novembro, quando os trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem, sejam nomeados. nos termos do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, para o exercício de funções de direção e chefia, face à proibição de valorizações remuneratórias consignado, agora, no artigo 38.° da Lei n.° 82- B/2014, de 31 de dezembro, entende-se de divulgar os seguintes esclarecimentos:
Nos termos do artigo 18.° do Decreto-Lei n.0 248/2009, de 22 de setembro, os trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem, reunindo as condições legalmente estabelecidas para o efeito, "podem exercer funções de direção e chefia na organização do Serviço Nacional de Saúde", mediante nomeação pelo órgão de administração, sob proposta da direção de enfermagem, em comissão de serviço, com a duração de três anos, renovável por iguais períodos.
No que respeita à nomeação dos trabalhadores enfermeiros para o exercício das funções acima referidas e conforme orientações oportunamente divulgadas através da Circular Informativa n.° 17/20141DRH/URT/ACSS. de 29 de maio, a regulamentação da Direção de enfermagem veio permitir que estivessem reunidas todas as condições para que, sob proposta daquele órgão, fossem efetivamente nomeados os profissionais em causa.
Resultava ainda da mencionada Circular, que haveria lugar ao abono do correspondente suplemento remuneratório, quando, nos termos do artigo 18.° do decreto-Lei n.° 248/2009, 12/44 de 22 de setembro, o órgão máximo de gestão designasse o trabalhador para o exercício das funções de direção e chefia ali previstas.
No que concerne ao fundamento que esteve na génese do entendimento que, pelo menos implicitamente, decorria da Circular Informativa vinda a citar, no sentido de que o princípio da proibição de valorizações remuneratórias não impedia o abono dos suplementos remuneratórios aqui em causa, cumpre referir que o mesmo assentou no facto de os mesmos não se subsumirem, verdadeiramente, num acréscimo remuneratório, mas antes se destinarem a compensar o exercício, transitórios de funções de direção e chefia distintas, portanto, das que correspondem ao conteúdo funcional da categoria em que os interessados estão formalmente integrados.
Neste sentido, sem prejuízo se de reconhecer que o leque de proibições fixado no atual artigo 38.° da lei n.° 82.°-B/2014, de 31 de dezembro, ser meramente exemplificativo, entende-se que o mesmo pretende, no essencial, com as alterações de posicionamento remuneratório no âmbito das carreiras, nomeadamente, as resultantes do desempenho profissional ou da evolução na estrutura da carreira, não abrangendo, por conseguinte, o exercício de funções diferentes, como sucede na situação vertente (...)”. - cfr. documento n.° 59 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
30. Por deliberação do Conselho Diretivo da Ré, datada de 29 de setembro de 2015, foram nomeadas para as funções de chefia no ACES DOURO I - Marão e Douro Norte, seis enfermeiras. - cfr. documento n.° 1 junto aos autos com o articulado superveniente do Autor a fls. 143.156 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
31. Por despacho do Vogal do Conselho Diretivo da Ré, Dr. Ponciano Oliveira, datado de 18 de abril de 2016, o Autor foi designado, no âmbito do SIADAP da Carreira Especial de Enfermagem, enfermeiro avaliador para o biénio 2015-2016. - cfr. documento n.° 2 junto aos autos com o articulado superveniente do Autor a fls. 143-156 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
32. Através de Despacho n.° 6/2017 do Diretor Executivo, datado de 16 de maio de 2017, foi determinado o seguinte:
“Nos termos do artigo 15° do Decreto-Lei n.° 28/2008 de 22 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 137/2013 de 7 de outubro, e depois de ouvido o Conselho Clínico e de Saúde, determina-se que:
1. Atendendo à competência de coordenação e gestão demonstrada, conhecimentos técnicos e experiência profissional é designado como Coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade MATEUS, pelo período de 3 anos, o Enfermeiro AG....
2. O presente despacho produz efeitos a partir do dia 6 de março de 2017.” - cfr. despacho junto aos autos pelo Autor na audiência de julgamento, a fls. 243 dos autos;
33. Em 26 de julho de 2018, foi proferido o Despacho n.° 7378/2018, pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde a designar o Autor para o cargo de diretor executivo de Agrupamento de Centros de Saúde do Douro I - Marão e Douro Norte, pelo período de três anos - cfr. despacho junto aos autos pelo Autor na audiência de julgamento, a fls. 244 dos autos;
34. O despacho aludido em 33) supra produziu efeitos no dia seguinte ao da sua publicação, que ocorreu no Diário da República, 2ª série, N.° 149, de 03 de agosto de 2018. - cfr. despacho junto aos autos pelo Autor na audiência de julgamento, a fls. 244 dos autos;
35. Ao despacho aludido em 33) supra foi anexa nota curricular do Autor que, na parte relativa à experiência profissional, enunciava, entre o mais: “Experiência Profissional: Coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus do ACES Douro I (ARS Norte IL.) - 2010 a 2018. (...)” - cfr. despacho junto aos autos pelo Autor na audiência de julgamento, a fls. 244 dos autos;
36. Por força da nomeação para a Direção do ACES, aludida em 33) supra, em 04 de agosto de 2018, o Autor cessou as funções de coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade Mateus para as quais havia sido designado. - cfr. facto não controvertido; despacho junto aos autos pelo Autor na audiência de julgamento, a fls. 244 dos autos;
37. Em 07 de abril de 2015, o Autor deduziu a presente ação administrativa. - cfr. data de incorporação da p.i. no SITAF (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
O Autor intentou a presente ação – que denominou de “Ação Administrativa Comum” – tendo formulado o seguinte petitório: “(…)
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, e, em consequência:
a) Declarar-se que o Autor tem direito ao suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, pelo exercício de funções de chefia, que exerce, enquanto coordenador da Unidade de Cuidados de Saúde na Comunidade de Mateus, integrada no Agrupamento dos Centro de Saúde do Douro I- Marão e Douro Norte;
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia global de €10.000,00 (dez mil euros), correspondente aos suplementos remuneratórios vencidos desde fevereiro de 2011 até à data da entrada da presente ação;
c) Condenar-se a Ré a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a data em que deveria vencer-se cada um dos suplementos remuneratórios em falta até ao dia de hoje, os quais se cifram em €847,12 (oitocentos e quarenta e sete euros e doze cêntimos);
d) Condenar-se a Ré a pagar ao Autor os suplementos remuneratórios em causa que se venceram, mensalmente, desde a data da interpelação da presente ação até ao momento em que o Autor deixar de exercer as aludidas funções de chefia;
e) Condenar-se a Ré a pagar ao Autor os juros de mora, à taxa legal em vigor, que se venceram, a partir da data da instauração da presente ação, sobre as quantias referidas nas alíneas b) e d);
f) Condenar-se a Ré em custas (…)”.

O T.A.F. de Mirandela, como sabemos, julgou improcedente a presente ação.
Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de improcedência da ação, no mais essencial, escorou-se no entendimento, por um lado, de que não se encontra prevista a atribuição de qualquer suplemento remuneratório para o exercício das funções de Coordenador de uma Unidade de Cuidados na Comunidade [UCC] e, por outro, de que as funções de Coordenação exercidas pelo Autor na Unidade de Cuidados na Comunidade do Centro de Saúde de Vila Real II no período de 2011 a agosto de 2017 não são qualificáveis como funções de Chefia para efeito de atribuição do suplemento remuneratório previsto no artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, fundamentalmente, porque que o exercício destas está reservado apenas para os titulares da categoria de “enfermeiro principal”, o que não é o caso do Autor.
Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada, por manter a firme convicção, essencialmente, de que “(…) [i] O tribunal recorrido adota um entendimento excessivamente legalista, sendo que a interpretação que efetuou das normas legais concretamente aplicadas viola as regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, tendo ostensivamente desatendido às razões que levaram o legislador a consagrar um suplemento remuneratório para os enfermeiros que, de facto, exercessem funções de chefia ou cargos dirigentes. [ii] É o exercício efetivo de tais funções de chefia que justifica, do ponto de vista legal e da justiça material, o direito ao recebimento do respectivo suplemento remuneratório por parte do Recorrente, ao invés de se privilegiarem questões procedimentais, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Recorrida e do consequente empobrecimento daquele, bem como da frustração das respetivas expectativas quanto ao pagamento de uma retribuição especial pelo exercício de funções de chefia (…) [iii] O entendimento vertido na decisão revidenda é violador dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados, tanto para a função pública, como para o setor privado, nomeadamente o consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (…)” [numeração e destaque nosso].
Mas, adiante-se, desde já, sem razão.
Na verdade, como se apreciou na decisão judicial recorrida, o Autor “(…) arroga [-se] o direito ao recebimento do suplemento remuneratório, previsto no artigo 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, para o exercício das funções de chefia, com sustento na sua certeza de que as funções de coordenação que exerceu, consubstanciam funções de chefia (…)”.
Ora, com reporte à data de exercício das funções de Coordenador por parte do Autor [2001-2017], era o seguinte o teor do artigo 4º, nº.1 do citado Decreto-Lei nº. 122/2010: “(…) 1 - O exercício, em comissão de serviço, das funções a que se referem às alíneas e) a r) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, confere o direito à remuneração correspondente à remuneração base do trabalhador, acrescida de um suplemento remuneratório de (euro) 200 para as funções de chefia e de (euro) 300 para as funções de direcção, a abonar nos termos da alínea b) do n.º 3 e dos n.°s 4 e 5 do artigo 73.º da Lei n.º 12-A/2008, de 22 de setembro, sem prejuízo das atualizações salariais gerais anuais (…)”.
Neste patamar, cabe notar que o Tribunal a quo considerou, desde logo, que a materialidade apurada nos autos não permitia evidenciar a existência de qualquer nomeação em regime de “comissão de serviço” do Autor como Coordenador, o que obstaculiza a integração da situação deste na normação em análise, e, qua tale, na atribuição do suplemento remuneratório ali previsto.
E é neste enfoque que entronca a primeira crítica do Recorrente à decisão recorrida, que deriva, precisamente, de, no entender deste, o assim decidido encerrar uma interpretação excessivamente legalista e violadora das regras de interpretação de direito preconizadas no artigo 9º do Código Civil.
Julgamos, porém, que os termos em que o Recorrente desenvolve esta argumentação são incapazes de fulminar a sentença recorrida com imputado erro de julgamento de direito.
Na verdade, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
Isto para dizer que, tendo o Legislador apenas previsto na normação constante do nº. 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 122/2010, como um dos requisitos do direito ao suplemento remuneratório ali previsto, o exercício em regime de “comissão de serviço” das funções a que se referem às alíneas e) a r) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, não há como concluir que o ali se vem de preceituar é igualmente convocável em sede de exercício das ditas funções a qualquer outro título que não o da “comissão de serviço”.
Nem se diga que estamos perante um lapso do legislador: nada nas normas em apreço inculca a ocorrência de tal lapso e, ademais, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil].
Pelo que não colhe aqui a argumentação do Recorrente de que “(…) O tribunal recorrido adota um entendimento excessivamente legalista, sendo que a interpretação que efetuou das normas legais concretamente aplicadas viola as regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil (…)”.
Assim, e na exata medida que a Administração está sujeita ao Princípio da Legalidade, imediatamente se conclui que a situação do Autor apurada nos autos – traduzida na ausência de quaisquer funções em regime de nomeação em comissão de serviço - não é susceptível de relevar no sentido da atribuição do suplemento remuneratório visado nos autos.
Em todo o caso, refira-se que não descortina o “exercício de facto” de quaisquer funções de Chefia ou de Direção por parte do Autor para efeito da atribuição do direito ao recebimento do suplemento remuneratório previsto no artigo 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro.
Realmente, conforme se colhe inequivocamente do nº. 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, só podem exercer funções de Chefia e de Direção os “(…) titulares da categoria de enfermeiro principal ou se encontrem nas categorias que, por diploma próprio, venham a ser consideradas subsistentes, desde que cumpram as condições de admissão à categoria de enfermeiro principal (…)”.
Sucede, porém, que o Autor não é titular da categoria de “enfermeiro principal”, mas sim, da categoria de “enfermeiro especialista”, que releva inelutavelmente ao nível da inverificação da possibilidade de exercício de funções de Chefia e Direção.
Outrossim é de relevar a circunstância dos elementos postos à disposição deste Tribunal Central Administrativo Norte nada aportarem de relevante no sentido de demonstrar que o Autor reunia já condições de admissão à categoria de enfermeiro principal, o que também contribuiu para a posição ora assumida no que diz respeita a esta matéria.
Naturalmente, poder-se-á objetar que “(…) Em caso de inexistência de enfermeiros principais que satisfaçam todos os requisitos previstos no número anterior, podem ainda exercer as funções previstas no número anterior os demais titulares da categoria de enfermeiro principal que satisfaçam apenas alguns desses requisitos, bem como os enfermeiros detentores do curso de estudos superiores especializados de administração de serviços de enfermagem, criado pela Portaria n.º 239/94, de 16 de abril, e iniciado até à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 412/98, de 30 de dezembro (…)” [cfr. nº.3].
Porém, para tal impunha-se um “(…) ato de nomeação pelo órgão de administração, sob proposta da direcção de enfermagem, em comissão de serviço com a duração de três anos, renovável por iguais períodos, sendo a respectiva remuneração fixada em diploma próprio (…)” [cfr. nº. 5], que, como sabe, inexiste no caso em análise.
De modo que nada existe a objetar quanto ao entendimento perfilhado na decisão judicial recorrida de “(…) não é possível afirmar-se quanto à qualificação dessas funções de coordenação como funções de chefia (…)”.
Logo, não há que falar sequer em enriquecimento sem causa, já que este assenta no “exercício efetivo de tais funções de chefia”.
Ainda que assim não fosse, igual conclusão se atingiria pela circunstância da natureza subsidiária do instituto de enriquecimento sem causa.
Realmente, consubstanciando as recusas da Ré de pagamento do suplemento remuneratórios, melhor invocadas no artigo 37º do libelo inicial, verdadeiras decisões materialmente administrativas, sempre podia o Autor oportunamente ter sindicado contenciosamente a legalidade intrínseca dos mesmos, podendo-se inclusive equacionar a impropriedade do presente meio processual [cfr. artigo 38º, nº. 2 do CPTA].
Deste modo, resulta forçoso concluir no sentido da inverificação do último requisito relativa à natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, claramente afirmada pelo legislador no artigo 474.º do Código Civil, que dispõe que “[n]ão há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Resta-nos, pois, a questão de saber se o julgamento operado na decisão judicial recorrida contende [ou não] com o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
A resposta é, manifestamente, desfavorável, às pretensões do Recorrente.
Concretizando esta nossa convicção, diremos que o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, concretiza, no que diz respeito à retribuição do trabalho, visando garantir um justo e equitativo valor, o princípio da igualdade consignado no artigo 13.º do mesmo diploma.
O direito de igualdade reporta-se a uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam, e não a uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, devendo, pois, tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária [sem qualquer motivo objectivo] ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação [sexo, raça, idade e outras] destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência e produtividade dos trabalhadores.
Ora, no caso concreto, já vimos que não resulta evidenciado o exercício de quaisquer funções de chefia por parte do Autor, ademais e especialmente, para as quais se encontre reservada uma remuneração [incluindo-se aqui os suplementos remuneratórios] superior à que vem auferindo.
De igual modo, não logrou o A. demonstrar que vem sendo remunerado de forma diferente da de qualquer outro eventual enfermeiro “Coordenador” da UCC.
Donde concluímos que não estamos perante qualquer violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual” perpetrada pela Ré.
E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.
Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *

IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 13 de maio de 2022,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia