Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00321/08.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA DEDUTÍVEL;
FACTURAS FICTÍCIAS SÓ QUANTO AO SUJEITO EMISSOR;
Sumário:
I – O contribuinte goza, também em matéria de dedução de IVA, da presunção, disposta no artigo 75º nº 1 da LGT, da veracidade das suas declarações fiscais, pelo que, para efeito de recusar a dedução do IVA liquidado em determinadas facturas com fundameno na simulação do negócio seu objecto, não basta à AT provar a desconformidade destas com a realidade apenas no que respeita à identidade do prestador dos serviços facturados, antes lhe é exigível provar também factos de que decorram indícios fundados do acordo simulatório, ou, ao menos, de que daquela desconformidade resulta matéria colectável inferior à real, só então passando o sujeito passivo a ter, por força da conjugação da alínea a) do nº 2 do artigo 75º com o nº 1 do artigo 74º da LGT, o ónus de provar a veracidade das operações facturadas, em todos os seus aspectos.

III – In casu, o direito à dedução do IVA da Impugnante, efectivamente suportado, sempre seria de reconhecer, uma vez que estava assente a realidade das operações quanto ao seu objecto e quanto ao sujeito passivo utilizador (embora não quanto ao sujeito emissor, mas sem se provar que o sujeito passivo disso soubesse) por tal ser um imperativo: quer do princípio da Tutela da Confiança no Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), quer da neutralidade fiscal do IVA, tal como é jurisprudência uniforme do TJUE.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 27 de Abril de 2009, pela qual foi julgada procedente a impugnação interposta por [SCom01...], Lda., GPIC ...37, com sede na Zona Industrial ..., da freguesia ..., concelho ..., quanto a liquidações oficiosas de IVA relativas ao ano de 2005 e juros compensatórios, no montante de € 10 630,94 € e 983,06 €, respectivamente.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«EM CONCLUSÃO
I. Na douta sentença ora recorrida o M.mo Juiz julgou procedente a impugnação apresentada pela impugnante acima melhor identificada por, em suma, haver entendido que a Administração Tributária (doravante referida AT) não logrou provar, ainda que indiciariamente, factos que permitissem suportar a conclusão de que entre a ora impugnante e o efectivo prestador dos serviços tenha sido estabelecido um acordo simulatório com vista a enganar e prejudicar terceiros, em conformidade com o disposto no art. 240º do Código Civil.
II. A Fazenda Pública, não se conformando com o deferimento total do pedido da Impugnante, entende que a douta sentença ora recorrida sofre de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, por duas ordens de razão, a saber,
III. Por entender, salvo o devido e merecido respeito, que a Fazenda Pública cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no caso concreto; e,
IV. Por entender existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
V. No que se refere àquele primeiro fundamento, é entendimento da Fazenda Pública que à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, e uma vez verificados esses pressupostos passa a caber ao sujeito passivo apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, solução que corresponde à regra geral do art. 342º do CC, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, conforme determina o art. 74º da LGT.
VI. Atento que nos presentes autos se discute a legalidade da actuação da AT que se traduziu na consideração de que inexistia o direito à dedução do IVA suportado e mencionado em determinadas facturas registadas na contabilidade da ora impugnante por força do disposto no n.º 3 do art. 19º do CIVA, cabe-lhe o ónus de provar que ocorrem os pressupostos fácticos e jurídicos legitimadores da sua actuação,
VII. Por outras palavras, incumbe à AT nestes casos o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a afirmar que operações tituladas pelas referidas facturas eram simuladas, dessa forma pondo em causa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte prevista no art. 75º da LGT,
VIII. Sendo certo que, uma vez cumprido tal ónus, passará a competir ao sujeito passivo o ónus de prova de que as ditas operações - não obstante a predita factualidade - se realizaram efectivamente.
IX. Assim, em primeira linha, exige-se que a AT emita declaração fundamentadora do seu juízo quanto à existência de operações simuladas em facturas que sustentam o direito de deduzir o IVA que a ora impugnante se arroga, expondo os indícios fortes e consistentes de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.
X. Todavia, tal como vem sendo firmado de forma pacífica e uniforme pela jurisprudência, não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do CC - nomeadamente a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - antes sendo bastante a prova de factos indiciários que levam a concluir nesse sentido,
XI. isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações tributáveis reais.
XII. Posto o que incumbirá ao sujeito passivo provar que as operações referidas nas facturas, por corresponderem a trabalhos efectivamente realizados e pagos, efectivamente tiveram lugar com o exacto recorte que daquelas resulta, assim demonstrando a existência dos pressupostos do direito que se arroga de deduzir o imposto.
Vejamos, então, o caso concreto,

XIII. Importa, desde logo, apurar se o raciocínio formulado pela AT no que concerne à falsidade das facturas se pode considerar como pertinente e adequado, ou seja, se os elementos indiciários apurados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes àquelas facturas.
XIV. Decorre do probatório da douta sentença ora recorrida - designadamente nas alíneas a) a e) do probatório - que
a ora impugnante registou na sua contabilidade facturas emitidas por uma sociedade comercial, a saber, "[SCom02...], Lda.",
a AT, no âmbito de um procedimento inspectivo à ora impugnante, apurou uma pluralidade de factos, melhor e mais pormenorizadamente descritos no respectivo relatório, de entre os quais destacamos os seguintes:
Foi um tal «AA» - e não, portanto, aquela sociedade emitente das facturas ora em apreço - quem foi indicado à impugnante para prestar os serviços de construção;
Foi com o dito «AA» que foram acertados os pormenores do contrato de prestação dos serviços, e não com a dita empresa;
Foi ao dito «AA» que foram entregues os cheques que serviram de meio de pagamento dos serviços;
O referido «AA» inquirido pela AT confirmou ter sido ele quem prestou os serviços de construção; e, ainda,
Que, não obstante ter sido ele a prestar os serviços, "usou" facturas da dita [SCom02...].
XV. O sócio e gerente da dita [SCom02...] em declarações à AT no âmbito do mesmo procedimento inspectivo referiu ter emitido as facturas ora em apreço sem, contudo, ter prestado os serviços respectivos.
XVI. A estes factos acresce que o representante da ora impugnante afirmou em sede de procedimento inspectivo e, bem assim, nos presentes autos que:
nem por quem recomendou à ora impugnante o dito «AA», nem pelo mesmo foi feita qualquer referência a "qualquer nome de sociedades" (atente-se, designadamente, no art. 35º da petição inicial).
Que no referido acordo ficou estabelecido que "a construção do muro ficaria a cargo daquele «AA»" (art. 14º da petição inicial), e não, portanto, a sociedade [SCom02...],
Que o muro foi "efectiva e totalmente construído pelo mencionado «AA» e seus trabalhadores" (art. 152 da petição inicial), e não, consequentemente, pela sociedade [SCom02...], e,
que na obra não existia "qualquer viatura, instrumento ou vestuário que identificasse a empresa que lá laborava" (art. 38º da petição inicial).
XVII. Não obstante todos estes factos é, no mínimo, curioso que a impugnante quando o citado «AA» lhe apresentou a primeira factura emitida por aquela [SCom02...] nada tenha questionado.
XVIII. É invulgar que a impugnante sendo-lhe apresentada uma factura de uma empresa que até aí nunca tinha ouvido falar, não tenha cuidado de averiguar se efectivamente era aquela sociedade quem laborava nas suas próprias instalações...
XIX. Ao que se acaba de referir acresce que a citada [SCom02...] nos períodos de tributação ora em apreço - a saber; Janeiro a Maio de 2005 - apresentou declarações periódicas de IVA sem qualquer movimento,
XX. Não tendo, ainda apresentado declarações fiscais em que constasse qualquer trabalhador, como melhor se retira dos extractos do sistema informático da DGCI junta aos autos.
XXI. Ora, das regras da experiência objectiva e comum, afigura-se-nos poder concluir-se de modo seguro estar indiciada a prática de facturação de operações simuladas.
XXII. Perante tal indiciação, impunha-se à impugnante, como foi referido, um esforço probatório no sentido de afastar tais indícios e demonstrar a efectividade das ditas operações.
XXIII. Acontece que como resulta da prova testemunhal produzida nos autos - a qual não foi minimamente consistente, como já se deixou referido em sede de alegações nos termos do disposto no art. 120º do CPPT — os factos apurados no procedimento inspectivo e acima abreviadamente mencionados foram confirmados pelas testemunhas arroladas pela ora impugnante.
XXIV. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos incontestável que a impugnante não logrou oferecer prova que demonstrasse que as operações comerciais tituladas pelas facturas aqui em causa ocorreram tal como de tais documentos resulta - desde logo, que se tenham estabelecido relações comerciais e operações tributáveis entre a aqui impugnante e aquela [SCom02...].
XXV. Assim sendo, revela-se imperioso concluir que a ora impugnante não logrou cumprir o ónus probatório que lhe competia devendo, consequentemente, na falta desta prova, a questão ser resolvida contra ela.
XXVI. Sic.
XXVII. Destarte, não merecem qualquer reparo os actos tributários impugnados, havendo que, revogando a douta sentença ora recorrida, mantê-los na ordem jurídica.
Sem prescindir;
XXVIII. Ainda que se não entenda como se pugnou - o que não se concede - sempre se terá que concluir que a douta sentença ora recorrida não se poderá manter atenta a contradição entre a matéria factual dada como provada e a decisão, o que determina a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi do art. 2º, al. e) do CPPT.
XXVIII. Como se referiu, no probatório da sentença ora recorrida o Tribunal a quo deu como provado que os serviços de construção foram prestados pelo dito «AA».
XXIX. Ora, assim sendo, é manifesto que não pode a pretensão da impugnante proceder, pois que as facturas em que a impugnante sustenta o direito de deduzir o imposto foram emitidas por entidade diferente daquele efectivo prestador dos serviços.
XXX. Como se referiu, no probatório da sentença ora recorrida o Tribunal a quo deu como provado que os serviços de construção foram prestados pelo dito «AA».
XXXI. Ou seja, decorrendo da matéria factual dada como provada pelo Tribunal que inexiste identidade entre o verdadeiro prestador dos serviços e a emitente das facturas outra não podia ser a decisão que não fosse a de julgar improcedente a pretensão da ora impugnante de ser-lhe reconhecido o direito de deduzir o IVA mencionado em tais documentos.
XXXII. Pois que, de contrário, estar-se-á a permitir a dedução do imposto mencionado em facturas que não titulam verdadeiras operações tributáveis entre sujeitos passivos, assim violando designadamente o disposto nos arts. 4º, 16º e 19º, n.ºs 1 al. a), 2 e 3 todos do CIVA.
XXXII. Em suma, aqueles documentos revelam-se insusceptíveis de fundamentar o direito de deduzir o IVA que a ora impugnante se arroga e fez constar das suas declarações tributárias, por força do disposto no art. 19º, n.º 3 do CIVA.
XXXIII. Por tudo o que fica exposto deve ser declarada a nulidade da decisão judicial por oposição entre os fundamentos e a decisão, em conformidade com o disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. c) do CPC, porquanto se verifica que aqueles deveriam, num raciocínio lógico, conduzir à solução oposta à ali adoptada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, como é de inteira
JUSTIÇA!»

Notificada, a Recorrida respondeu à alegação, sem formular conclusões, em termos redutíveis aos seguintes excertos:
«(…)
Comecemos pelo primeiro fundamento do recurso: (incumprimento do ónus da prova a cargo da AT.
(,,,) como o recorrente bem refere nas suas alegações, cabia à AT, num caso como o dos autos, “demonstrar a factualidade que a levou a afirmar que as operações tituladas pelas referidas facturas eram simuladas. Ora, demonstrar a factualidade implica alegar e provar factos os quais, no caso concreto, teriam de ser de molde a, pelo menos, criar a suspeita (forte e consciente) de que as facturas em causa eram simuladas.
Assim, caberá em 1º lugar analisar quais os pressupostos para que se possa afirmar que se está perante uma simulação.
A este propósito rege o art. 240° do Código Civil, segundo o qual, para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação cumulativa de três requisitos:
1) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
2) o acordo simulatório (pactum simulationis) e
3)o intuito de enganar terceiros.
Resultando ainda do art. 342° do Código Civil que o ónus da prova dos citados 3 requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe a quem invoca a simulação,
Ou seja, in casu o ónus da prova caberia à AT.
Cumprindo ainda referir que o terceiro a que se refere o art. 240° do Código Civil não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio.
Ora, lido e relido o relatório de inspecção, lida e relida a matéria de facto provada em sede de julgamento e vertida no ponto 2.1 da sentença, não se mostram provados nenhum dos citados três requisitos que, repita-se, são de verificação cumulativa.
Muito pelo contrário.
Está provado nos autos, ainda que tal prova não fosse necessária à procedência da impugnação em causa, a inexistência de qualquer simulação:
Está provado nos autos (e também no próprio relatório de inspecção) que a aqui recorrida ignorava completamente que as facturas haviam sido emitidas por entidade diversa daquela que havia prestado o serviço:
A impugnante sempre falou com um Sr. «AA»; exigiu deste as correspondentes facturas para fazer os pagamentos; este apresentou-as prontamente como se houvessem sido emitidas por si; a impugnante emitiu todos os cheques de pagamento da obra em nome da sociedade emitente da factura, que sempre acreditou ter no citado Sr. «AA» o seu legal representante.
Face a tal prova, resulta desde logo demonstrada a inexistência de divergência entre a vontade e a declaração por parte da impugnante;
Demonstrada resulta igualmente a inexistência de um acordo simulatório e
Demonstrada está ainda a inexistência de uma intenção, por parte da impugnante, de enganar quem quer que fosse.
A única enganada com a emissão das facturas pela [SCom02...] - não sendo esta representada legalmente pelo citado Sr. «AA» - foi a aqui recorrida e impugnante,
Já que como resulta da prova produzida em sede de julgamento e dos documentos juntos com a impugnação, desconhecia por completo a situação de divergência, não tinha forma de a conhecer e nada a fez suspeitar sequer de tal divergência,
Uma vez que qualquer pessoa singular pode, em princípio, ser legal representante de uma ou várias sociedades e nem por isso deixa de ser conhecido pelo seu nome pessoal, por um lado e
Por outro, não é compatível com a certeza e a segurança das transacções a verificação, em sede de registo comercial, da qualidade de legal representante de toda e qualquer sociedade com quem se estabelecem relações comerciais diariamente, tanto mais que o registo comercial nem sempre está actualizado.
(…)
Atentos os factos “fundamentadores” da conclusão da acção inspectiva e o princípio da legalidade administrativa supra referido, a Administração Fiscal tinha obrigatoriamente de demonstrar nos autos indícios objectivos e seguros de que as facturas emitidas pela “[SCom02...], Lda.” à impugnante não titulam verdadeiras transacções mas transacções “inventadas” para retirar com tal “invenção” benefícios ilegítimos, sob pena de não estar legitimada a exercer o seu poder de correcção da matéria tributável (cfr. Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, de 06/03/2008, processo n.° 00104/01 - Porto, disponível in www.dgsi.ptj.
Afigura-se inequívoco à impugnante que, sem a prova (ao menos fortemente indiciária) da não existência das prestações de serviços referidas nas facturas que a Administração Fiscal diz serem falsas, por simulação, a liquidação adicional de IVA realizada é absolutamente ilegal.
A verdade é apenas uma: a Administração Fiscal manifestamente não provou que as facturas emitidas pela [SCom02...], Lda.” à impugnante não titulam verdadeiras transacções!
Aliás, nem sequer se preocupou em fazer tal prova em audiência de julgamento já que nada juntou aos autos e nenhuma testemunha arrolou.
Da mesma forma, a Administração Fiscal também não se preocupou em fazer, e efectivamente não fez, prova de qualquer um dos factos referidos no relatório de inspecção que fundamentam as liquidações adicionais de IVA de 2005.
É que dos autos nenhuma prova consta de tais factos e em sede de audiência de julgamento também não foi produzida prova testemunhal com esse propósito.
Será caso para perguntar se o relatório de inspecção faz fé em juízo...
Manifestamente não faz, como também manifestamente não constam dos autos factos e provas que possam fundamentar a actuação da Administração Fiscal.
Como se disse, a Administração Fiscal não logrou demonstrar com a evidência necessária, ou mesmo com nenhuma, os factos de que dependem as liquidações adicionais em causa.
Ora, in casu, ponderado o conteúdo do relatório de inspecção da Administração Fiscal, constata-se que a mesma limitou-se a considerar que os factos tributários explanados nas facturas emitidas pela sociedade [SCom02...], Lda.” à sociedade impugnante não correspondem à verdade material, não obstante reconhecer expressamente que o serviço em causa (construção de um muro em alvenaria de pedra) foi efectivamente prestado, foi-o no período a que respeitam as facturas e no local nas mesmas referenciado, tendo havido pagamento do correspondente preço.
(…)
Face ao exposto resulta prejudicada a análise do segundo fundamento do recurso: contradição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão.
Não obstante sempre se dirá que a operação tributária ocorrida, atinente à construção de um muro, é uma operação real e a maior prova de que tal corresponde a uma realidade é a circunstância de a própria AT a página 3 do seu relatório inspectivo haver concluído da seguinte forma:
Relativamente ao custo para efeitos do Código de IRC e, apesar das facturas serem falsa, não é feita qualquer correcção, uma vez que foi identificado o verdadeiro prestador dos serviços, o qual irá ser tributado pela realização dos mesmos”.
(…)
Apurada a identidade daquele que efectivamente prestou o serviço, caberia apenas à AT efectuar a competente liquidação e não desconsiderar uma dedução legalmente fundamentada. É que ignorando a [SCom01...] que não fora a [SCom02...] quem lhe prestou o serviço e não tendo forma de se certificar, a 100%, dessa identidade - pois o Sr. «AA» poderia efectivamente ser legal representante da [SCom02...] - não há que considerar o IVA não dedutível, como aliás já considerou o nosso STA por acórdão de 22/01/1997, já citado supra.
(…)
É que não pode confundir-se a situação dos autos com as típicas situações de conluio entre duas ou mais sociedades para, através da emissão de facturas que nada titulam na realidade, retirarem proveitos, designadamente através da dedução indevida de IVA e do lançamento a título de custos de despesas que nunca foram feitas na prática.
Termos em que, pela improcedência total do recurso, fará este Venerando Tribunal inteira justiça.

A Digna Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível aos seguintes excertos:
«(…)
Entendemos que a pretensão da recorrente FP deve improceder totalmente.
(…)
Em causa estão as liquidações adicionais de IVA relativas ao ano 2005 com os respectivos juros compensatórios.
A contribuinte entende que deduziu o IVA liquidado em facturas que se encontram na contabilidade e que correspondem à construção de um muro nas suas instalações industriais, sendo que essas facturas não correspondem a operações simuladas.
As liquidações impugnadas são ilegais dado estarem reunidos os pressupostos do direito à respectiva dedução do IVA.
E tem total razão a contribuinte.
Não assiste a mínima razão à FP/AT.
A AT não conseguiu nem de longe nem de perto demonstrar os pressupostos de facto que a legitimariam a proceder às correcções das liquidações de IVA com fundamento em simulação das operações tituladas pelas facturas em apreço.
Não havia modo se não julgar a presente impugnação procedente.
Razão pela qual e sem necessidade de outros ou mais considerandos o MP entende que deve ser negado provimento ao presente recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, não serão apreciadas as questões de facto ou de direito suscitadas no corpo das alegações que não sejam inteligivelmente abrangidas pela síntese das conclusões – e que não sejam de conhecimento oficioso.
Posto isto, as questões suscitadas no recurso são, pela ordem de precedência lógica, as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida padece de contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo, por isso nula nos termos do disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, n.º 1, al. c) do CPC vigente ao tempo, aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT, uma vez que no probatório da sentença o Tribunal a quo deu como provado que os serviços de construção foram prestados pelo dito «AA» – e não pela sociedade comercial [SCom02...], emissora das facturas – mas, apesar disso, julgou haver direito a deduzir o IVA liquidado nestas?

2ª Questão
O Mº Juiz a quo errou no julgamento de facto e de direito, violando os artigos 74º nº 1 da LGT e 82º nº 1 do CIVA (nas redacções original e do nº 1 do artigo 3º do DL nº 472/99 de 8/11, respectivamente), quando assentou o seu juízo de que a Recorrida tinha direito a deduzir o IVA facturado, no julgamento de que a Recorrente AT não se desincumbiu do ónus de provar factos de que decorressem ao menos indícios fundados de subjazer à emissão das facturas da sociedade [SCom02...] um verdadeiro acordo simulatório, nos termos do artigo 240º do CC, isto é, um pleno conhecimento por parte da recorrente, de que o sr. «AA» não era o representante legal da emissora das facturas, e o conluio com este, tendo em vista prejudicar o Fisco?

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte:
«2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada
a) A contabilidade da Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ....
b) Dessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária cujo teor consta de fls. 19 a 22 do processo administrativo apenso e aqui se dá por reproduzido no seu teor.
c) Desse Relatório constam as seguintes "Conclusões": "Por tudo quanto se referiu, nomeadamente: - o sócio da empresa ter identificado o Sr. «AA» como o prestador de serviços; o Sr. «AA» ter confirmado a execução dos trabalhos; o Sr. «BB», sócio da [SCom02...], Lda., ter confirmado que a emissão das facturas foi feita a pedido do Sr. «AA», pessoa que recebeu os cheques. Conclui-se que as. facturas n°s ...7, ...0, ...1, ...6 e ...5, emitidas em nome da [SCom02...], Lda., não titulam quaisquer prestações de serviços entre as duas empresas, pelo que, nos termos do n° 3 do artigo 19° do Código do IVA, não é possível aceitar como dedutível o IVA no montante de 10.630,93 euros (…)”.
d) As facturas referidas na alínea anterior constam de fls. 29, 33, 37, 41 e 45, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
e) Tais facturas correspondem a serviços de construção de um muro prestados por «AA».
f) A Impugnante pagou os montantes titulados pelas facturas (IVA incluído) através de cheques nominativos à ordem da [SCom02...], Lda.
g) Em resultado das correcções efectuadas pela administração tributária, foram efectuadas as liquidações de IVA e juros compensatórios cujos termos constam de fls. 15 a 24 e aqui se dão por reproduzidas no seu teor.

2.2. Matéria de facto não provada
Não há matéria relevante para a decisão da causa que importe registar como não provada.
2.3. Motivação da decisão de facto
A decisão sobre a matéria dei facto baseou-se na análise da prova documental junta aos autos.
Foi também considerado, na motivação dos factos das alíneas e) e f), o depoimento das testemunhas «CC», directora financeira da Impugnante, que referiu que esta construiu um muro que foi construído pelo «AA» e que a mesma assumiu que o «AA» era o representante da [SCom02...], pois nunca tinham trabalhado com esta sociedade. Disse ainda que os pagamentos foram efectuados em cheque e contra recibo.
A testemunha «DD», referiu que deu indicação ao sócio- gerente da Impugnante do «AA» como sendo alguém, que podia executar o muro que a Impugnante necessitava de construir e que tem conhecimento de que o muro foi feito, tendo visto na obra o «AA» e outros trabalhadores.
A testemunha «AA» referiu ter feito o muro a que se reportam as facturas»

Voltemos às questões acima enunciadas.
Considerando que ambas as partes, nas suas alegações e resposta, invocam, parecendo dar de barato a sua atendibilidade nesta sede, factos concretos não exactamente integrantes da especificação de factos provados e não provados, importa deixar explicitado que, uma vez que não reclamam da sua omissão no “probatório”, tais factos serão ignorados na discussão do objecto do recurso, sem prejuízo, claro, do poder que assiste a ao tribunal de apelação de alterar a decisão em matéria de facto, nos termos condições do artigo 712º do CC aplicável (o de 1995).
As questões a que se reconduz o objecto do recurso serão, assim, discutidas com base exclusivamente na selecção de factos provados feita na sentença, a qual não vem impugnada.

1ª questão
A sentença recorrida padece de contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo, por isso, nula nos termos do disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, n.º 1, al. c) do CPC vigente ao tempo, aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT, uma vez que no probatório o Tribunal a quo deu como provado que os serviços de construção foram prestados pelo dito «AA» – e não pela sociedade comercial [SCom02...], emissora das facturas – mas, apesar disso, julgou haver direito a deduzir o IVA liquidado nestas?

A alegação subjacente a esta questão releva de uma interpretação deficiente ou falaciosa da expressão “oposição dos fundamentos com a decisão” no nº 1 do artigo 125º do CPPT. Não nos referimos ao artigo 668º nº 1 c) do CPC antigo porque nesta parte a expressa previsão legal, no CPPT, da nulidade da sentença por “oposição dos fundamentos com a decisão” afasta a aplicabilidade daquele diploma subsidiário).
Com efeito, do que se trata ali é de uma oposição intrínseca, revelada nos próprios termos da decisão. Assim, sempre que, seja por via expressa, seja pela tacita, a decisão se mostre congruente com os seus fundamentos, não ocorre esta causa de nulidade da sentença.
A Recorrente, na verdade, confunde a diversidade, e mesmo oposição, relativamente à sentença, da sua visão sobre as ilações de facto e a decisão de direito que se deveriam retirar dos factos provados, com uma contradição interna da própria sentença, que não é o caso, como ela, aliás, acaba por reconhecer tacitamente ao suscitar a questão seguinte, essa sim, a pedra de toque do recurso.
Pelo exposto, é negativa a resposta a esta primeira questão.

2ª Questão
O Mº Juiz a quo errou no julgamento de facto e de direito, violando os artigos 74º nº 1 da LGT e 19º nº 3 e 82º nº 1 do CIVA (nas redacções original e do nº 1 do artigo 3º do DL nº 472/99 de 8/11, respectivamente), quando assentou o seu juízo de que a Recorrida tinha direito a deduzir o IVA facturado, no julgamento de que a Recorrente AT não se desincumbira do ónus de provar factos de que decorressem ao menos indícios fundados de subjazer à emissão das facturas da sociedade [SCom02...] um verdadeiro acordo simulatório, nos termos do artigo 240º do CC, isto é, um pleno conhecimento por parte da recorrente, de que o sr. «AA» não era o representante legal da emissora das facturas, e o conluio com este, tendo em vista prejudicar o Fisco?

Vejamos, antes de mais, o essencial do discurso da fundamentação de direito da sentença recorrida:
«A questão que aqui importa decidir é a de saber se a administração tributária actuou em conformidade com a lei ao não permitir à Impugnante o exercício do direito à dedução do IVA liquidado em determinadas facturas por si contabilizadas.
No entender da administração, a Impugnante deduziu indevidamente IVA no exercício de 2005, na medida em que o fez com suporte em facturas que titulam operações simuladas. ;
Vejamos.
Como vêm entendendo os nossos, Tribunais Superiores, estando em causa a correcção de liquidações de IVA por desconsideração de facturas reputadas pela administração tributárias de falsas, podemos assentar quanto às seguintes regras relativamente à repartição do ónus da prova:
- Porque a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pela Contribuinte, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82.°, n.° 1, do CIVA, ou seja, tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas;
- Feita essa prova, compete à Contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.° do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artº. 100.° do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no art. 100.°, n.° 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário |deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto – seguimos o acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 01834/04 Viseu. Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 17 Abr. 2002, Processo 26635 e acórdão STA 7 Mai. 2003 (Pleno) Processo 1026/02.
Isto dito, começaremos por averiguar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 82.°, n.° 1, do CIVA, para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas.
(…)
No caso dos autos, a administração tributária considerou que a simulação decorre de a sociedade comercial que figura nas facturas como vendedor não corresponder a quem, efectivamente, procedeu à venda.
Não está em causa, mesmo na tese da administração tributária, que as operações foram realizadas e o preço pago.
Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária, foram por esta recolhidos os seguintes indícios: o sócio da empresa ter identificado o Sr. «AA» como o prestador de serviços; o Sr. «AA» ter confirmado a execução dos trabalhos; o Sr. «BB», sócio da [SCom02...], Lda, ter confirmado que a emissão das facturas foi feita a pedido do Sr. «AA», pessoa que recebeu os cheques.
Teria ocorrido, no entender da administração tributária, uma simulação relativa justificativa do não reconhecimento do direito da Impugnante à dedução do IVA liquidado nas facturas.
As operações são simuladas, não porque os serviços não tenham sido prestados mas porque foram prestados por alguém que não o emitente das facturas. Estaríamos, portanto, perante uma interposição fictícia de pessoas. ;
Ora, compulsado o teor do Relatório de Inspecção, não se vislumbram quais os factos recolhidos pela administração tributária que permitem, ainda que indiciariamente, suportar a conclusão de que entre a Impugnante e o efectivo prestador foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros - cfr. art. 240° do Código Civil.
É certo que a Impugnante, através do seu sócio-gerente, referiu ter negociado com o «AA». No entanto, tal não significa que o mesmo não pudesse ser representante de uma sociedade, nomeadamente a [SCom02...].
Do que antecede resulta que não foram recolhidos indícios suficientes, sérios e objectivos de que a Impugnante tivesse actuado em combinação com o referido «AA» no sentido de enganar e prejudicar terceiros. 
Também não foram recolhidos indícios de que a Impugnante sequer soubesse que o «AA» não fosse o representante da [SCom02...].
Aliás, a administração tributária também não alega algo que reveste particular importância na prova indiciária da simulação e que é a motivação da mesma. Ninguém simula por simular. Simula-se para retirar algum benefício. Ora, essa motivação para a simulação, no caso vertente, de todo não se vislumbra.
Donde, poder concluir-se não ter a administração tributária conseguido demonstrar os pressupostos dei facto que a legitimariam a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas aqui em causa.»
Desde já se consigna que tem a nossa concordância, este claro e bem fundamentado discurso.
Contra tal, não valem os argumentos arrimados em factos aditados nas alegações de recurso, pois estes não fazem parte da base factual da decisão criticada, sendo certo que não foi reclamada qualquer omissão de especificação, como provados, de factos atendíveis para a decisão (cf. supra).
É certo que a AT provou que as obras não foram feitas pela emissora das facturas e que o pagamento só formalmente foi feito a ela. Porém, o fundamento da recusa da dedução do IVA não foi a mera diversidade entre o prestador dos serviços e quem os facturou, mas sim a deliberada simulação do contrato facturado, com todos os elementos subjectivos específicos da simulação do negócio jurídico, isto é, o conhecimento dessa alteridade e o conluio das partes em ordem o prejuízo do Fisco.
Ora, destes outros elementos não foram colhidos indícios suficientes. É perfeitamente verosímil – e não era exigível o contrário – o desconhecimento, por parte da Recorrida, de que o sr. «AA» não era representante legal ou colaborador da pessoa colectiva emissora da factura. Quanto ao IVA liquidado nas facturas, ninguém põe em causa que foi suportado pela Recorrida, pelo que não se logra cogitar o prejuízo do Fisco que a Recorrida prosseguia ao pagar estas facturas e o respectivo IVA.
O artigo 75º nº 1 da LGT, aplicável à generalidade das relações tributárias, confere presunção de verdade à declaração de autoliquidação do IVA entregue pelo sujeito passivo.
Porém, por força da alª a) do nº 2 do mesmo artigo 75º da LGT, a presunção conferida no nº 1 cede lugar à regra geral que é o nº 1 do artigo 74º quando a AT tiver logrado provar factos de que decorra “a contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem” ou impedem “o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Assim sendo, se pretendia não reconhecer o direito à dedução, com fundamento na natureza simulatória da operação facturada era da AT o ónus de invocar e provar factos de que decorressem indícios fundados da simulação, em todos os seus elementos, ou, ao menos, indícios fundados de que a matéria colectável em IVA não se mostrava determinável ou não era a que a contabilidade e a declaração de autoliquidação da Recorrida ilustravam. Só então passaria a ser ónus da Impugnante provar a verdade dos elementos subjectivos e objectivos das facturas em causa.
Ora a AT, para fundamentar a recusa das deduções, limitou-se a afirmar e provar que as operações eram diversas do ocorrido quanto à identidade do prestador dos serviços. Não curou de provar quaisquer factos de que decorresse haver indícios fundados de ter, a Recorrida, conhecimento de que a pessoa individual do prestador dos serviços era estranha à pessoa colectiva emissora das facturas e ter agido em conluio com esta para prejudicar o fisco; ou de que dessa desconformidade com a realidade resultava, de qualquer modo, uma matéria colectável, em IVA, inferior à real.
Note-se, a este propósito, que, uma vez assente a veracidade das operações quanto ao seu objecto e ao tomador das facturas, embora não quanto ao sujeito emissor, o direito à dedução do IVA da Impugnante sempre seria de reconhecer.
É que, não tendo sido provado, ou, sequer, ficado indiciado, que a Impugnante sabia da alteridade entre [SCom02...] e «AA» e, logo, que a mesma tivesse o intuito de prejudicar o Fisco, o reconhecimento do direito do sujeito passivo a deduzir o IVA por si efectivamente suportado de boa fé era um imperativo, quer do princípio da tutela da confiança no Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), quer da neutralidade fiscal do IVA, como é jurisprudência uniforme do TJUE, aqui determinante, dada a matriz europeia do IVA.
«Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Directiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efectuadas a montante» (Acórdão do TJUE de 5 de Julho de 2018, Marle Participations, C 320/17, n.º 24).
Secundamos, pois, o julgamento da 1ª instância no sentido de que a AT não satisfez o ónus de provar todos os pressupostos do seu acto.

IV - Conclusão
De tudo o que vai dito a propósito da 2ª questão, decorre, em nosso julgamento, que a sentença recorrida bem andou em julgar procedente a Impugnação, pelo que o recurso não merece provimento.

V – Custas
As custas do presente recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527º do CPC).

VI – valor da acção e do recurso
Na sentença recorrida não foi fixado o valor da causa.
Embora o CPC não preveja esta situação (que não se identifica com a prevista no nº 3 do artigo 306º), sempre o valor da acção terá de ser fixado posteriormente, desde logo, em sede de recurso, pois só deste modo não ficará por cumprir o artigo 296º do mesmo diploma e se disporá, no processo, de um factor indispensável para a liquidação da taxa de justiça.
Como assim, considerando o objecto da Petição, fixa-se o valor da acção em 11 614 €.
Não foi indicado valor para o recurso. Como assim, vale a regra do valor da acção, também para o recurso, pelo que o valor do recurso, para efeito da taxa de justiça, é o mesmo da acção.

VII - Dispositivo
Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, nos concretos termos definidos na conclusão supra.
Custas, por ambas as partes, consoante o decaimento, nas proporções acima definidas.

Porto, 25 de Janeiro de 2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Maria da Conceição Pereira Soares