Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00399/21.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO - OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Rejeitada a nulidade, ordenar remessa dos autos ao STA.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O MUNICÍPIO (...), com os sinais dos autos, notificado do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 10.03.2022, e exarado a fls. 1461 e seguintes dos autos [suporte digital], que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por AC---, LDA., vem atravessar requerimento destinado a interpor Recurso de Revista, dirigido ao colendo S.T.A, nele suscitando o incidente de arguição de nulidade de acórdão, com fundamento na alínea d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.

É o seguinte o teor das conclusões do recurso de revista:”(…)
I. O acórdão rechaça a generalidade das questões com que a Recorrida atacou a sentença proferida em 1ª instância, com exceção de uma, cuja procedência determinou a mudança do sentido da decisão do Juízo dos Contratos Públicos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto: a da “indicação dos rendimentos médios adotados para a execução dos diferentes tipos de trabalhos”.
II. Porém, neste particular, o juízo do Recorrente, então entidade adjudicante, foi o seguinte (cfr. o p.a. e o ponto 16 dos factos provados, sublinhado nosso):
“9. Análise da Pronúncia
Em sede de audiência prévia, o concorrente n.° 8 - “AC---, LDA.” vem solicitar a reapreciação do constante no Relatório Preliminar do júri referente ao procedimento de concurso público designado em epígrafe, visando a exclusão do concorrente n.° 7 - “ JP---, LDA”. Fundamenta a sua pretensão na constatação de diversas deficiências no Programa de Trabalhos apresentado por esta concorrente, nomeadamente no Plano de Trabalhos e no Plano de Equipamentos. Entende-se que os argumentos apresentados pelo concorrente n.° 8 - “AC---, LDA.” não são conducentes a uma decisão de exclusão da proposta do concorrente n.° 7 - “ JP--- & CIA., LDA”, uma vez que esta se encontra instruída com todos os documentos exigidos no art.° 11.° do Programa do Procedimento, incluindo os indicados na alínea g) e com o detalhe exigido na alínea l) do mesmo artigo com exceção da expressa indicação dos rendimentos médios adotados para a execução dos diferentes tipos de trabalhos; porém, tendo em conta que esses mesmos rendimentos podem ser facilmente calculados pois é conhecido o tempo de execução desses trabalhos bem como é conhecida a sua quantidade, considera-se que seria inadequada a exclusão da proposta da concorrente em virtude unicamente desta falta.”
III. Ou seja, o juízo do júri do procedimento, acolhido pela entidade adjudicante, não foi do sentido de desprezar imotivadamente as regras (no caso uma delas, prevista na subalínea i) da alínea l) do n.° 1 do art.° 11.° do Programa do Procedimento) ou de decidir afastá-las por considerá-las menores ou pouco importantes. Não.
IV. Pelo contrário, o que ali se diz, em paráfrase, é o seguinte: a informação em causa não consta de documento autónomo (“os rendimentos médios”), mas consta da proposta, sendo facilmente calculada, por ser conhecido o tempo de execução dos trabalhos e a sua quantidade. E, assim, não excluiu — e a nosso ver corretamente — a proposta da contra-interessada, que veio a ser adjudicatária e é hoje cocontratante e entidade executante.
V. Mais se refira que este juízo do júri, acolhido pelo Recorrente e que se contém na fundamentação da decisão de adjudicação (e de “não exclusão”), para além de percetível, tem lógica, faz sentido, não lhe sendo imputável erro (e muito menos de natureza palmar ou grosseira) e não foi posto em causa, nem sequer pela Autora.
VI. Com o devido respeito, o Tribunal Central Administrativo Norte não apreciou esta questão, que deveria ter apreciado, verificando-se a nulidade do acórdão, que se invoca (cfr. art.°s. 615.°, n.° 1, al. d) do CPC ex vi art.°s. 666.° do CPC e art.° 143.°, n.° 3 do CPTA).
VII. Sendo que se nos afigura que a apreciação desta questão (por não estarmos perante falha absoluta, mas antes perante falta de indicação, em documento autónomo, de informação que, de todo o modo, resulta da proposta), conduz a decisão diversa, consonante com a prevalência da substância e com a jurisprudência invocada nas contra-alegações apresentadas pelo Recorrente (então Recorrido), nomeadamente o Ac. TCA NORTE, proferido no proc. 01037/14.8BEBRG): “II — Os elementos considerados omissos pelo tribunal ad quem no Plano de equipamentos (PE) e no Plano de mão-de-obra (PMO) apresentados pela concorrente adjudicatária - “rendimentos calculados para os diferentes meses e épocas do ano, face à natureza dos trabalhos em causa” e “os efetivos x dia de cada categoria profissional”, respectivamente - ainda que não constem desses Planos na sua totalidade, resultam da articulação dos mesmos com outros documentos integrantes da proposta concursal, v.g. a Memória Justificativa e Descritiva e o Plano de execução dos trabalhos”.
Sem prescindir
VIII. Além do exposto - e sem prescindir - e mesmo que a falha fosse absoluta (que não é), no caso tal alegada falha não impedia a avaliação das propostas, como foi julgado em primeira instância. Neste particular, porém, o Ac. TCA Norte seguiu linha divergente da do STA, tirada no Acórdão proferido no proc. 02189/19.6BEPRT.
IX. Neste particular a sentença de primeira instância vinha e corretamente fundamentada. O TCA Norte limitou-se a retirar, sem mais, a consequência da exclusão.
X. Porém, ao considerar-se que, no caso vertente, a proposta da contra-interessada deveria ter sido excluída, cometeu-se violação do art. 70.°, n.° 2, al. b) do CCP e dos princípios da proporcionalidade e da concorrência. Efetivamente, nenhuma informação faltava à proposta. E nenhuma faltava tout court (vd. o que antes se referiu, quanto à fundamentação da “não exclusão” e à jurisprudência invocada). De todo o modo — e sem prescindir — nenhuma informação lhe faltava que fosse essencial ou susceptível de impedir a avaliação da proposta e a sua comparação com as restantes.
XI. Nos presentes autos está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, sendo que a admissão do recurso é, ainda, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
XII. Na realidade, a questão de se saber o que devem fazer os júris de procedimento perante falhas documentais dos planos de trabalhos, assume enorme relevância jurídica e, por isso, reveste-se de importância fundamental. São questões com que todos os dias são confrontados.
XIII. Por outro lado, a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito porquanto têm vindo a ser proferidas decisões judiciais divergentes, com base nos mesmos factos e nas mesmas normas jurídicas, numa matéria particularmente complexa, cuja resolução supõe a realização de operações exegéticas de especial dificuldade.
XIV. Existe vasta jurisprudência e controvérsias diversas, quanto à suficiência ou insuficiência dos planos de trabalhos, bem assim, sobre que consequências daí retirar. Recursos de revista têm sido admitidos sobre a temática.
XV. Nem mesmo a coincidência de julgamento nas instâncias deste caso retiraria relevância jurídica e importância às questões. Porém, não deixa de anotar-se que, no caso, as instâncias divergiram na sua decisão. De igual modo, na jurisprudência que acima se invocou (TCA NORTE; proc. 01037/14.8BEBRG) se encontrou julgamento divergente na primeira instância e no TCA.
XVI. As questões que se colocam são, por um lado, a de saber se padecendo o plano de trabalhos determinada falha documental, mas resultando a informação, que aí deveria estar expressa ou em documento autónomo, de outros elementos da mesma proposta, deve, ainda assim, ser retirada a consequência da exclusão da proposta ou se, pelo contrário, tal exclusão não se impõe.
XVII. Por outro lado - e sem prescindir - a questão de saber se uma determinada falha do plano de trabalhos deve conduzir inexoravelmente à exclusão da proposta ou se só é de retirar tal consequência quando se faça um juízo sobre a essencialidade da falha e a sua aptidão para impedir a avaliação da proposta e a sua comparação com as restantes, sendo que as instâncias divergiram entre si e foi sido seguida pelo TCA Norte linha diversa daquela tirada no acórdão do STA de 3.12.2020, proferido no proc. 02189/19.6BEPRT.
XVIII. Tais questões encerram dificuldades e são suscetíveis de recolocação, seja administrativamente noutros procedimentos de formação de contratos, seja, também, em sede judicial.
XIX. Flui, assim, do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista, o que respeitosamente se requer (…)”.
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Notificada da interposição do presente recurso de revista, a Recorrida pugnou pela inadmissão do presente recurso jurisdicional, por falta de fundamento legal para a sua interposição.
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II – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO SOB REVISTA
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Vem o Recorrente arguir a nulidade do Acórdão proferido nos autos, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº.1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Invoca, para tanto, se bem se interpreta o pensamento vazado nas conclusões de recurso, que este Tribunal Central Administrativo Norte não apreciou – como deveria – o “(…) juízo do júri do procedimento, acolhido pela entidade adjudicante (…)” no sentido da inadequação da exclusão da proposta da concorrente com fundamento na falta de indicação dos rendimentos médios adotados para a execução dos diferentes tipos de trabalhos, na medida que é possível facilmente calcular tais rendimentos, pois que “(…) é conhecido o tempo de execução desses trabalhos bem como é conhecida a sua quantidade (…)”.
Cumpre, por isso, emitir pronúncia.
Assim, e entrando na questão que cabe apreciar, dir-se-á que de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.
Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Ciente do que se vem de expor, e volvendo ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão ao Recorrente na arguida nulidade de sentença.
Na verdade, e como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Pois bem, escrutinado o teor das conclusões do recurso interposto pela Recorrente AC---, Lda., facilmente se apreende que o “objeto confesso” do mesmo era composto pelas questões decidendas de saber se a decisão judicial recorrida incorreu em (i) erro de julgamento da matéria de facto, bem como em (ii) erro[s] de julgamento da matéria de direito, este[s] último[s] por errada interpretação e aplicação dos artigos 152°, n°. 1, al. c), 153°, n°. 1, do CPA, e arts. 73°, n°. 1, 124°, n°. 4, e 148°, n°. 4, 146°, n°.2, al. o), 70°, n°. 2, als. a) e b), 57°, n°. 2, al. b) e 361°, n°. 1, do CCP.
Ora, conforme se extrai inequivocamente do aresto censurado, essas questões decidendas foram, efectivamente, objeto de pronúncia efetiva por parte deste Tribunal Superior, não se divisando, por isso, quanto a estas a existência de qualquer nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.
Naturalmente, poder-se-á objetar, como perspectiva o aqui Recorrente, que este Tribunal não abordou especificamente os argumentos invocados pelo júri do procedimento e acolhidos pela entidade decidente como esteio da admissão da proposta adjudicatária a concurso.
Porém, a omissão de pronúncia geradora de nulidade é apenas aquela que não trata da questão colocada e não também a que não responde a cada um dos motivos, argumentos, usados pelos intervenientes.
Efetivamente, não se devem confundir as questões a resolver propriamente ditas com as razões ou argumentos, de facto ou de direito, invocadas pelas partes, para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver e, assim, a nulidade não se verifica quando o juiz deixe de apreciar algum ou todos os argumentos invocados, conhecendo contudo da questão.
Neste caso, o que pode ocorrer, quando muito, é o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento e, portanto, equacionável em sede de mérito.
O que importa é que o tribunal a quo decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão.

E isso - especialmente com reporte ao julgamento operado pelo Tribunal a quo em matéria de verificação das cinco patologias impetradas à proposta adjudicatária e respetivas consequências procedimentais - , efectivamente, sucedeu.

Concludentemente, o acórdão sob censura não padece da assacada nulidade de sentença fundada na violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual improcede.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) JULGAR INVERIFICADA a nulidade invocada no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 10.03.2022; e
(ii) ORDENAR A REMESSA dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação preliminar e sumária prevista no art.º 150.º n.ºs 1 e 6, do C.P.T.A., quanto ao recurso de revista interposto nos autos, dado que não se vislumbra qualquer obstáculo adjetivo – legitimidade e tempestividade – que obste à sua admissão.

Notifique-se.
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Porto, 13 de maio de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia