Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00170/22.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:EXCEPÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte - Subsecção Social -:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor «AA» e Ré
a Câmara Municipal ..., ambos neles melhor identificados, foi proferida decisão pelo TAF de Mirandela que julgou verificada a excepção de intempestividade da prática do acto processual e absolveu a Entidade Demandada da instância.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1. O Autor, ora Recorrente, não se conforma com o douto despacho saneador-sentença que julgou procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada da instância;

2. O decidido pelo Tribunal a quo merece censura, ao julgar procedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual, pelo que incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito.

3. O artigo 66.º da Lei n.º 15/2022, de 22 de fevereiro, na sua atual redação (doravante CPTA), estatui que: “1 - A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.”

4. De acordo com o n.º 1, do artigo 67º do CPTA, “a condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir: a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido; b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento;

5. Salvo devido respeito, no caso concreto ocorreu um erro de direito, pois a decisão recorrida ancorou a sua análise, como estando em causa uma situação de inércia da entidade demandada, a qual teria previsão no artigo 67.º, n.º 1, al. a) do CPTA.

6. Acontece que, no caso sub judice, estamos perante um ato de indeferimento da pretensão do Autor, ora Recorrente, previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA.

7. Conforme factualidade provada, em 28-06-2019 o Autor requereu à Entidade Demandada o seu reposicionamento remuneratório, requerimento no qual foram exarados vários despachos, dos quais o trabalhador teve conhecimento, designadamente que reunia as condições necessárias à Opção Gestionária.

8. Acontece que, tal entendimento não foi exarado na Ata do Conselho Coordenador de Avaliação, datada de 20 de dezembro de 2019.

9. Esta divergência levou o Autor, ora Recorrente a solicitar novos esclarecimentos sobre o pedido exarado no requerimento datado de 28/06/2019.

10. Contrariamente ao firmado em 15/11/2019 no qual determinam que “O trabalhador teve a classificação de Relevante no Biénio 2017/2018 e reúne as condições necessárias à Opção Gestionária.”, só em 21/02/2022 é que o trabalhador é notificado da decisão de indeferimento ao pedido de alteração da sua posição remuneratória.

11. Só nesta data é que o trabalhador, ora Recorrente, tem a certeza que não será abrangido pela opção gestionária.

12. Assim, no caso concreto, o ato impugnado é o ato do Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 15 de fevereiro de 2022, notificado ao trabalhador em 21/02/2022, que indeferiu o pedido apresentado pelo Autor, em 28 de junho de 2019, para alteração do posicionamento remuneratório. 13. Enquadrando-se a situação em presença no quadro da previsão do artigo 67.º, n.º 1, al. b) do CPTA, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 69.º, o qual estatui que “Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º”.

14. Assim, o Autor, ora Recorrente dispõe do prazo de três meses, a partir da data de notificação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b) e 59.º, n.º 2 do CPTA.

15. Tendo todo este circunstancialismo em consideração e atendendo que o trabalhador, ora Recorrente foi notificado da decisão em 21/02/2022 e a ação deu entrada em 19/05/2022, tem que se concluir pela tempestividade da propositura da ação, uma vez que foi apresentada a juízo dentro dos 3 meses subsequentes à notificação da decisão que recaiu sobre o seu requerimento, tal como impõe a alínea b) do n.° 1 do artigo 58.° do CPTA.

16. O Tribunal a quo considerou ainda que a comunicação da Entidade Demandada de 15/02/2022 não contém qualquer ato administrativo, nomeadamente de indeferimento da pretensão do Autor, desde logo porque a mesma não configura qualquer decisão com efeitos jurídicos externos.

17. Sucede que, ressalvado o devido respeito, que é muito, não lhe assiste razão.

18. Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como “ato administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.

19. Ora, o CPTA., no seu artigo 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no preceito legal que “(…) ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (…)” [n.º 1].

20. Atos com eficácia externa são todos os atos administrativos que determinem a produção de efeitos externos, independentemente da sua eficácia.

21. Tudo isto para concluir que a impugnabilidade do ato depende apenas deste consubstanciar uma: a) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos; b) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere.

22. No caso concreto, o ato impugnado é o ato do Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 15 de fevereiro de 2022, que indeferiu o pedido apresentado pelo Autor, em 28 de junho de 2019, para alteração do posicionamento remuneratório.

23. Na verdade, a decisão de não alteração do posicionamento remuneratório, por opção gestionária, reflete uma decisão materialmente administrativa de autoridade, projetando os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica do Recorrente e de todos os trabalhadores que possam ser abrangidos por tal decisão, por reunirem as condições para a opção gestionária.

24. A decisão impugnada apresenta-se como uma atuação administrativa totalmente definitória do dito procedimento administrativo, direcionada no sentido do encerramento da discussão administrativa iniciada com o requerimento formulado pelo Recorrente.

25. Torna-se, por isso, patente, que o ato ora impugnado consubstancia um verdadeiro ato administrativo dotado de eficácia externa, suscetível, por isso, de ser alvo de controlo jurisdicional.

Nestes termos e nos demais de direito supríveis deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a douta decisão recorrida, e assim determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais, se outra causa a tanto não obstar,

Tudo por assim ser de inteira, costumada e merecida JUSTIÇA.

A Entidade Demandada não juntou contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 22-01-2019 a Câmara Municipal ... aprovou a “Proposta da dotação a afetar a recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho previstos e não ocupados no Mapa de pessoal da Câmara ... no ano de 2019”, da autoria da Senhora Presidente e com data de 16-01-2019 (cfr. fls. 2 e 3 do PA - 1ª parte).
2. Em 28-06-2019 o Autor requereu à Entidade Demandada o seu reposicionamento remuneratório “para a 5ª Posição Remuneratória, Nível Remuneratório 23, da carreira de assistente técnico e na categoria de coordenador técnico, recorrendo à opção gestionária, com efeitos a partir de 01-01-2019, nos precisos termos e requisitos, da Lei do Orçamento de Estado de 2019, em conjugação com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas” (cfr. fls. 4 e 5 do PA - 1ª parte).
3. A Entidade Demandada não proferiu qualquer decisão expressa sobre aquela pretensão do Autor (cfr. confissão da Entidade Demandada e fls. 1 a 20 do PA - 1ª parte).
4. Em 20-12-2019, a Entidade Demandada reuniu o respetivo Conselho Coordenador de Avaliação (CCA), cujo Ponto 1 da Ordem de Trabalhos teve por objeto “1 – Opção Gestionária aos trabalhadores do Município ...”, onde foram identificados os trabalhadores em condições de serem abrangidos pela alteração da posição remuneratória por aplicação da opção gestionária (cfr. fls. 6-9 do PA – 1ª parte). 5. Em 26/03/2020, o Autor expôs e requereu o seguinte à Entidade Demandada (cfr. fls. 14 do PA – 1ª parte): “«AA», a exercer funções secção de contabilidade, deste Município, vem, por este meio, requerer a V.ª Ex.ª que lhe seja facultada a ata ou despacho que fixou os critérios para a alteração da posição remuneratória por opção gestionária. Atendendo ao requerimento datado a 28 de junho de 2019, e que tomou conhecimento a 23 de dezembro de 2019, que se anexa, para alteração da posição remuneratória por opção gestionária, que mereceu o despacho com o teor "o trabalhador teve a classificação de Relevante no Biénio de 2017/2018 e reúne as condições necessárias à Opção Gestionária", para mudança de posição remuneratória", muito me surpreendeu não ser informado da suposta listagem que será publicada brevemente. Desta forma, solicito a V.ª Ex.ª que se digne a ordenar que me seja entregue as atas / despachos respeitantes aos critérios para a alteração da posição remuneratória por opção gestionária e a ata que previu o cabimento orçamental das verbas destinadas a suportar os encargos resultantes de alterações do posicionamento remuneratório na categoria dos/as respetivos/as trabalhadores/as. Mais se informa, que este requerimento tem carácter urgente, uma vez, que pretende impugnar judicialmente a opção gestionária por parte do Município.”
6. A Entidade Demandada fez publicar no Diário da República nº 74, 2ª série, Parte H, de 15-04-2020, o Aviso (extrato) nº 6296/2020, com o “Sumário: Alteração do posicionamento remuneratório e por opção gestionária para o ano de 2019 dos trabalhadores afetos ao Município ...”, com o seguinte conteúdo (cfr. fls. 12-13 do PA – 1ª parte): “(…) Por deliberação em reunião do Órgão Executivo de 22 de janeiro de 2019, e por reunião do Conselho de Coordenação da Avaliação datado de 20 de dezembro de 2019, nos termos do n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e cumprindo o previsto no artigo 31.º e artigos 156.º e 158.º da LTFP, e considerando que: A proposta cumpre os limites máximos aprovados pelo executivo e estão de acordo com o estipulado no artigo 31.º, do anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho; Considerando que todos os trabalhadores contemplados integram o universo das carreiras e categorias abrangidas pela opção gestionária; Considerando que a verba orçamentada e afeta às alterações de posicionamento remuneratório não se esgotaram por parte dos trabalhadores que preenchem os requisitos do citado n.º 2; Considerando que não há nada a opor à fundamentação proposta para estas opções gestionárias, não podendo, o CCA, por em causa os motivos e decisão tomada pelo Dirigente máximo do serviço. Alteram a posição remuneratória por opção gestionária, com efeitos a 01 de maio de 2019, os seguintes trabalhadores: (…)”
7. O Autor não consta da lista dos trabalhadores que beneficiaram da alteração da posição remuneratória por opção gestionária, com efeitos a 01 de maio de 2019 (cfr. fls. 12-13 do PA – 1ª parte).
8. O Autor apresentou à Entidade Demandada requerimentos datados de 04-06-2020 e de 17-07-2020, pedindo informações sobre o requerimento por si apresentado em 26/03/2020, acima aludido (cfr. fls. 17-18 do PA – 1ª parte).
9. Pelo Ofício nº ...2, de 15/02/2022, a Entidade Demandada deu resposta aos requerimentos antecedentes do Autor, na sequência de ofício da Provedoria de Justiça de 10/11/2021, informando o seguinte (cfr. fls. 19-20 do PA – 1ª parte e fls. 2-3 do PA – 2ª parte): “(…) No que concerne a alteração do posicionamento remuneratório por opção gestionária no ano de 2019, informamos que, em reunião do Conselho Coordenador de Avaliação, de 20 de dezembro de 2019, foi discutida a possibilidade de alguns trabalhadores verem as suas posições remuneratórias alteradas por opção gestionária, tendo em conta que a Lei de Orçamento do Estado para 2019, aprovada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, no seu artigo 16º, n.º 3, veio permitir alterações gestionárias de posicionamento remuneratório, nos termos do artigo 158.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, dentro da dotação inicial aprovada para este mecanismo, com aplicação do faseamento previsto no número 2 desse mesmo artigo 16º. Assim, foram consideradas as desagregações por carreira que englobam as carreiras gerais de Técnico Superior, Assistente Técnico, Assistente Operacional e de Informática, sendo que os trabalhadores abrangidos integram essas carreiras que se encontram abrangidas pela opção gestionária. Deste modo, tendo em conta que se trata de uma opção do executivo, que reconhece a necessidade de valorização do seu capital humano, por forma a contribuir para uma maior motivação destes profissionais, foi assim efetuada uma análise a todas as situações suscetíveis de alteração do posicionamento remuneratório por opção gestionária, e por conseguinte foi aplicado o regime de opção gestionária aos trabalhadores identificados na ata da reunião supra referida, cuja cópia se anexa, assim como no aviso publica no Diário da República, 2ª Série, sob o nº ...96/2020, de 15 de abril. Estas alterações de posicionamento remuneratório por opção gestionária foram possíveis uma vez que foram previstas verbas para o efeito, conforme proposta de afetação de verbas para 2019 (cópia em anexo). E para 2020 e 2021, foram igualmente previstas verbas para o mesmo efeito.”
10. A presente ação deu entrada em juízo em 19/05/2022 (cfr. fls. 1-3 do suporte eletrónico do processo).



DE DIREITO -
Vejamos,
Está posta em causa a decisão que, julgando verificada a exceção de intempestividade da prática do ato processual, absolveu da instância a Entidade Demandada.
Cremos que decidiu com acerto.
Com efeito, como sentenciado, resulta da petição inicial que o Autor formulou o seguinte pedido: Condenação da Entidade Demandada à prática de ato legalmente devido, ou seja, “a) Proferir decisão de alteração do posicionamento remuneratório por opção gestionária, transitando o Autor para a 5.ª posição remuneratória, nível 23, da carreira de Assistente Técnico e categoria de Coordenador Técnico, com efeitos a 01 de janeiro de 2019; b) Se assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio, se admite, deve o Réu proferir decisão de alteração do posicionamento remuneratório por opção gestionária, transitando o Autor para o nível 20, da 3.ª posição remuneratória, da carreira de Assistente Técnico e categoria de Coordenador Técnico, com efeitos a 01 de janeiro de 2019; c) E em consequência ser condenado ao pagamento da diferença salarial entre a posição remuneratória em que o trabalhador se encontra posicionado atualmente e a posição remuneratória na qual o Autor deveria estar posicionado, na sequência da alteração remuneratória por opção gestionária, com efeitos a 01 de janeiro de 2019, acrescido de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento”. Assim, em face ao disposto no artigo 37º, nº 1, al. b) e i) do CPTA, a presente ação administrativa configura-se como uma ação de condenação à prática de ato devido, à qual o Autor cumulou um pedido de condenação da Entidade Demandada à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, neste caso o pagamento das diferenças salariais entre a posição remuneratória em que atualmente se encontra posicionado e aquela em que entende dever ser posicionado. Desde logo, trata-se de uma cumulação de pedidos legalmente admissível, como resulta do disposto no artigo 4º, nº 2, al. c) do CPTA, a qual não descaracteriza a referida ação, uma vez que o terceiro pedido é dependente do primeiro ou segundo pedidos formulados pelo Autor. Ora, o artigo 66º, nº 1 do CPTA dispõe que “a ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado”.
Assim, o artigo 67º, nº 1 do CPTA prevê que “a condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir: a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido; b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento; c) (…)”
No que respeita ao prazo para ser proferida decisão administrativa, o artigo 128º, nºs 1 e 3 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) esclarece que “os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei (…)”, sendo certo que este prazo se conta, na falta de disposição especial, da data de entrada do requerimento ou petição no serviço competente.
Note-se que este prazo deve ser contado nos termos do artigo 87º do CPA, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.
Por sua vez, o artigo 129º do CPA estipula que “(…) a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados”.
Assim sendo, o prazo para ser proferida a decisão sobre o requerimento de alteração do posicionamento remuneratório apresentado pelo Autor terminava em 05/11/2019, data a partir do qual a Entidade Demandada entrou em incumprimento do seu dever de decisão (cfr. artigo 13º do CPA).
Com respeito ao prazo para a utilização dos meios de tutela jurisdicional que assistem ao interessado, o artigo 69º do CPTA estabelece que: “1 – Em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido; 2 – Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58º, 59º e 60º”.
Neste caso, como resulta da factualidade provada, está em causa uma situação de inércia da Entidade Demandada, uma vez que esta não proferiu qualquer decisão sobre a pretensão do Autor, nomeadamente no prazo legal.
Com efeito, não se pode considerar que a comunicação da Entidade Demandada de 15/02/2022 contenha qualquer ato administrativo, nomeadamente de indeferimento da pretensão do Autor, desde logo porque a mesma não configura qualquer decisão com efeitos jurídicos externos.
Na verdade, através dessa comunicação, a Entidade Demandada limita-se a responder ao pedido de informação que lhe foi endereçado pelo Autor em 26/03/2020, e reiterado em 04/06/2020 e 17/07/2020 (de facto, a 1ª parte dessa comunicação versa questão diferente, sem pertinência para estes autos).
Ora, o artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) apresenta o conceito de ato administrativo, considerando, para efeitos do disposto no mesmo código, que são “atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
(…).
Nessa medida, a notificação efetuada pelo ofício de 15/02/2022 da Entidade Demandada não pode servir de marco para o início da contagem do prazo de propositura da ação. Deste modo, por esta via, o prazo legal está efetivamente excedido, uma vez que decorreu mais de um ano desde que a Entidade Demandada incumpriu o seu dever de decisão, mesmo considerando a suspensão do prazo de caducidade imposta pelas medidas de contenção da Covid-19 (cfr. Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril e Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro), até à data da propositura da ação.
Por outro lado, chega-se a igual conclusão ainda que se considere que a decisão da Entidade Demandada, de 22/01/2019, de alterar a posição remuneratória de uma série de 8 trabalhadores seus, entre os quais não se inclui o Autor, consubstancia uma decisão de indeferimento da pretensão do mesmo.
Na verdade, quer se entenda, por força do disposto no artigo 59º, nº 3, al. a) do CPTA, que os efeitos dessa decisão retroagem à data de 01/05/2019, quer se entenda que os seus efeitos só se produzem com a sua publicação no Diário da República, ou, no limite, cinco dias após esta, certo é que, em todos os casos, o prazo legal de três meses estava já há muito precludido na data da propositura da ação, mesmo considerando a suspensão dos prazos de caducidade por efeito da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março e da Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril.
E Continuou: É certo que o pedido de informações dirigido pelo Autor à Entidade Demandada, datado de 26/03/2020, poderia eventualmente ter efeito interruptivo do prazo de propositura da ação, se tivesse sido articulado com uma intimação judicial para a prestação de informações, nos termos e condições previstos nos artigos 60º, 104º, nº 2 e 106º, nº 1 do CPTA.
Porém, o Autor não lançou mão da intimação judicial atempadamente (cfr. artigo 105º, nº 2 do CPTA), mesmo considerando a data do último dos três pedidos de informação remetidos pelo mesmo à Entidade Demandada, tendo antes optado por fazer queixa à Provedoria de Justiça, aparentemente já no ano de 2021. E, na sequência da intervenção da Provedoria de Justiça, a Entidade Demandada acabou por responder ao pedido de informações do Autor, ainda que este entenda que a resposta não satisfaz o pretendido. Deste modo, não se tendo prevalecido da faculdade de interrupção do prazo de propositura da ação acima descrita, o Autor não pode beneficiar do facto de só ter recebido a resposta ao seu pedido de informações em fevereiro de 2022, para efeitos de se considerar tempestiva a propositura da ação. (sublinhados nossos).
Revemo-nos neste entendimento.
Assim, contrariamente ao alegado, no caso posto, não ocorreu um erro de direito, pois a decisão recorrida ancorou a sua análise, e bem, como estando em causa uma situação de inércia da entidade demandada, a qual teria previsão no artigo 67.º, n.º 1, al. a) do CPTA.
A contrario, não se está perante um ato de indeferimento da pretensão do Autor, ora Recorrente, previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA.
Em suma,
O CPTA fixa os prazos de impugnação contenciosa de atos administrativos;
Não se argumente, pois que, no caso concreto, o ato impugnado é o ato do Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 15 de fevereiro de 2022, que indeferiu o pedido apresentado pelo Autor, em 28 de junho de 2019, para alteração do posicionamento remuneratório.
Na verdade, a decisão de não alteração do posicionamento remuneratório, por opção gestionária, não reflete uma decisão materialmente administrativa de autoridade, projetando os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica do Recorrente e de todos os trabalhadores que possam ser abrangidos por tal decisão, por reunirem as mesmas condições que o ora Recorrente.
Determina, com efeito, o artº 53º nº 3 do CPTA que os actos jurídicos de execução de actos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, e na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador.

Ora, os actos de execução definem-se por visarem levar à prática, isto é, por visarem concretizar na realidade, no plano dos factos, determinações já contidas em actos administrativos anteriores. A concretização de um acto administrativo poderá realizar-se através de operações materiais de execução - já situadas no plano da realidade fáctica, produzindo nela imediatamente uma modificação - ou poderá passar ainda, antes desse plano, pela prática de actos jurídicos, que podem somente modificar a situação jurídica em causa (e não directamente a realidade prática), mas cujo propósito é, em última análise, aproximar o acto administrativo proferido anteriormente do seu cabal cumprimento no plano dos factos.
Característica distintiva do acto de execução será, pois, a sua instrumentalidade, face ao administrativo anterior, cuja efectivação, em última análise, justifica sua prática.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]A norma do artº 53º nº 3 do CPTA refere-se aos actos jurídicos de execução, isto é, aos referidos actos de natureza, não material, mas jurídica, cujo conteúdo se destina, no entanto, a efectivar, a fazer cumprir, os efeitos jurídicos cuja produção foi já determinada em acto administrativo precedente.

A propósito da caracterização dos atos, Mário Aroso e Carlos Cadilha escrevem, no que concerne ao ato confirmativo, que é “aquele que se limita a repetir um ato administrativo anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo”, e no que concerne ao ato jurídico de execução, que “possuem uma dimensão de natureza meramente confirmativa, na medida em que se limitam a reafirmar a decisão já contida no ato exequendo, e outra dimensão que determina a produção de efeitos jurídicos novos, que surgem no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo ato anterior (...)” - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, pp. 360-363.
Na hipótese vertente, reitera-se, a decisão apontada pelo Recorrente apenas é configurável como sendo um ato preparatório ou instrumental que visa disciplinar e orientar o procedimento administrativo iniciado com o requerimento entregue pelo Recorrente.
Não se apresenta como uma atuação administrativa totalmente definitória do dito procedimento administrativo, direcionada no sentido do encerramento da discussão administrativa iniciada com o requerimento formulado pelo Recorrente.
Torna-se, por isso, claro, como decidido pelo Tribunal a quo que o ato ora visado não consubstancia um verdadeiro ato administrativo dotado de eficácia externa, suscetível, por isso, de ser alvo de controlo jurisdicional.
Assim, a situação em presença não se enquadra na previsão do artigo 67.º, n.º 1, al. b) do CPTA.
Deste modo, não tendo o Autor/ora Recorrente prevalecido da faculdade de interrupção do prazo de propositura da ação acima descrita, não pode agora beneficiar do facto de só ter recebido a resposta ao seu pedido de informações em fevereiro de 2022, para efeitos de se considerar tempestiva a propositura da ação.
Dito de outro modo, as expetativas do Autor não merecem, por isso, a tutela do direito.
Repete-se, não se está perante uma decisão de indeferimento à sua pretensão.
Logo, aquando da entrada da ação em 19/05/2022, já há muito estava esgotado o prazo para tal.
A interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo não consubstancia uma afronta ao princípio da efetivação do direito de acesso à justiça, disposto no artigo 7.° do CPTA, pois, como é sabido, com a estipulação de prazos para a reação a atos administrativos, pretende o Legislador a estabilidade nas relações jurídico-administrativas, as quais não podem estar dependentes do mero alvedrio, liberalidade ou escolha de timing do interessado e/ou da Administração, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes. Sendo, portanto, forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à reação a atos administrativos, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela jurisdicional efetiva.
A caducidade do direito de acção é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do fundo da causa.
Na verdade, a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (v. Manuel Andrade “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464).
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 19/01/2024

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Nuno Coutinho