Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00124/14.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRS;
PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL EM CASO DE INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA;
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA;
Sumário:
I – Embora teoricamente pareça não relevar da melhor técnica de redacção de uma sentença dar expressamente como provado apenas a emissão de uma informação técnica de um órgão da AT e o seu teor, e não, também, autónoma e expressamente, determinado facto seu objecto, em alguns casos fazer esta discriminação expressa pode ser redundante e antieconómico, pelo que se deve interpretar a sentença que se fica por aquela transcrição como julgando provados também os factos concretos nela mencionados como percepção directa do autor da informação e não postos em causa pelo impugnante.

II - Em face de toda a fundamentação de direito, a sentença recorrida não pode ser interpretada como literalmente decorreria do seu segmento decisório final, isto é, como tendo como único fundamento ou ratio decidendi a desaplicação, pelo Tribunal, do nº 4 do artigo 78º da LGT, no seu segmento final, julgado materialmente inconstitucional; antes se impõe concluir que o julgador considerou, também, como, de per si, suficiente causa de invalidade, os vícios de violação de lei inerentes às violações dos deveres inquisitório, de colaboração e de boa fé, vícios a que o de violação de lei por ser desaplicada a sobredita norma, apenas acresce.

III - A Recorrente não impugnou, a sentença recorrida na parte em que a mesma se fundou em o acto impugnando padecer da violação dos deveres de colaboração e de busca da verdade material, que são bastantes para a anulabilidade do acto impugnado, como é de regra, pelo que é inútil, para a sorte do recurso, apreciar se a sentença recorrida errou naquele julgamento de inconstitucionalidade e na imputação do consequente vício de violação de lei. Como assim, não se discutirá nesta sede recursiva tal questão; e o recurso improcede.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 1 de Setembro de 2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial que o contribuinte fiscal «AA», NIF ............., melhor identificado nos autos, deduziu relativamente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação nº ...................886 de IRS relativa ao ano de 2009, de acordo com o art. 78º da LGT.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1- A douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação da norma do nº 4 do artigo 78º da LGT;
2- A aplicação daquela norma no caso dos autos não viola o princípio constitucional da capacidade contributiva, na parte que exige como requisito (a cumular com outros) que a injustiça grave ou notória não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
3. Partindo do pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o intérprete deve optar por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado material das expressões utilizadas (artigo 9º, do CC).
4. No caso do requisito em discussão, não há elementos que justifiquem que se faça uma interpretação diferente da que resulta imediatamente do texto legal da norma.
5. Do texto legal consta a expressão “(…) desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”, pelo que, deve ser interpretada tal e qual foi pelos autores citados na parte da motivação do presente recurso, ou seja, desde que o erro não corresponda a uma falta de colaboração do sujeito passivo no momento oportuno, a qual terá que ser injustificada e terá que ter uma relação causal com o erro eventualmente cometido, tendo (o comportamento) concorrido para a formação desse erro - cfr. José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulção, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in LGT Comentada e Anotada, 2015, Almedina, pagina 846, nota 10.
6. A apontada interpretação do requisito em discussão não viola o princípio constitucional da capacidade contributiva, e, salvo melhor entendimento, para a FP, esta interpretação verifica-se no caso concreto dos autos – e, de forma mais relevante pois, para a FP, o sucessivo incumprimento de obrigações fiscais releva mais do que uma falta de colaboração.
7. No caso concreto dos autos, o sucessivo incumprimento, sem motivo juridicamente atendível, por banda do recorrido, das suas obrigações fiscais acarretou uma irrepreensível tributação presuntiva de rendimentos e, em consequência, no modesto entender da FP, um acto tributário eventualmente injusto, mas que, apenas a ele, e só a ele, pode ser imputado, pelo que, a aplicação do nº 4, do artigo 78º, da LGT, ao caso concreto dos autos não viola a CRP, designadamente, o princípio da capacidade contributiva.
8. O princípio da capacidade contributiva, não obstante a sua não consagração constitucional, mais não será do que, no dizer de José Casalta Nabais, a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto (José Casalta Nabais, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em Matéria Fiscal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, 1993, pág. 417)
9. Para a FP, esta “igualdade no imposto” não pode ser alcançada quando uma eventual grave ou notória injustiça do imposto a pagar resultou de um comportamento comprovadamente negligente do sujeito passivo.
10. Dito de outro modo, menos erudito, a “igualdade no imposto” a obter por via de uma avaliação directa de rendimentos e não por via de uma presunção de rendimentos, não pode ser alcançada a partir da negligência do sujeito passivo. Por último,
11. À matéria de facto provada da douta sentença em recurso terá que ser aditada, como se espera e demonstra o PA apenso aos autos, designadamente, fls. 23 a 27 e fls. 32 a 36, a seguinte: a) o recorrido foi notificado da informação ....58/13 de 09-07-2013, a qual foi transcrita como fundamento do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão, bem como foi notificado para exercer o seu direito de audição sobre aquele projecto de decisão; b) o recorrido não exerceu direito de audição e continuou a não apresentar, como constava da referida informação ....58/13 (vide, 2 §, item 5), documentos susceptíveis de comprovar rendimentos e/ou custos.
12. Aditada, como se espera, a apontada matéria de facto aos factos provados da douta sentença em recurso, dela resulta que, foi dada oportunidade ao recorrido de ilidir a presunção de rendimentos a que correspondia uma tributação levada a cabo nos termos do artigo 76º, nº1, al. b), nº2 e nº3, do CIRS, pelo que, a aplicação ao caso dos autos do nº4, do artigo 78º, da LGT, não viola a CRP, designadamente, o princípio da capacidade contributiva.
Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento.»

Notificado, o Recorrido não respondeu à alegação.
Respondeu, contudo, o Mª Pº no Tribunal a quo, sustentando a improcedência do recurso, em termos redutíveis ao seguinte:
««Mal-grado o seu proficiente argumentário, a Autoridade Tributária recorre sem razão, porém, conforme se enunciará em breves apontamentos, pela forma seguinte:
1. O Impugnante «AA», NIF ............., melhor identificado nos autos, veio "Deduzir Impugnação do Indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação nº ...................886 de IRS relativa ao ano de 2009, de acordo com o art. 78° da LGT", pedindo, a final, o seguinte: "NESTES TERMOS e nos demais de direitos requer-se a correcção/anulação da liquidação ora impugnada e aceitar como válidos os rendimentos declarados".
2. Em 22-11-12, o impugnante apresentou pedido de revisão alegando injustiça grave por não ser atendido o facto de ter contabilidade organizada e ter sido tributado segundo as regas do regime simplificado;
3. Na decisão de indeferimento do pedido de revisão, constante de fls 43 a 45, do processo apenso foi o mesmo indeferido por se considerar não ter existido erro imputável aos Serviços nem se ter verificado injustiça grave, e não se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 78º;
4. O cerne da questão reside, manifestamente, em saber se a liquidação de IRS na situação vertente pode ser corrigida nos termos do art. 76, nº 4 do CIRS;
5. Ao contrário da posição da AT entende o Ministério Público que a resposta deveria ter sido afirmativa;
6. Tendo em conta a forma como o impugnante identificou, no cabeçalho da petição inicial, a presente acção (“Impugnação do Indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação nº ...................886 de IRS relativa ao ano de 2009") e considerando a forma como, a final, formulou o seu pedido (“requer-se a correcção/anulação da liquidação ora impugnada e aceitar como válidos os rendimentos declarados”) o Tribunal recorrido considerou, preliminarmente, precisar o objecto da presente acção, invocando que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem adoptado, a respeito da interpretação do pedido formulado, uma posição de grande flexibilidade, admitindo que a causa de pedir possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a este respeito existam dúvidas, com vista a alcançar uma justiça efectiva e não meramente formal, assim garantindo uma tutela jurisdicional efectiva (e indicou, a título ilustrativo, os acórdãos de 01-02-2017, processo n° 0200/16; de 18-11-2020, processo n° 01518/12.8BEBRG; e de 13-01-2021, processo n° 0129/18.9BEAVR1).
7. Assim, embora o impugnante se refira, no pedido formulado, à "correcção/anulação da liquidação", bem se afigurou ao Tribunal que o que se discute nos presentes autos é apenas a legalidade do despacho referido na alínea 13) do probatório do pedido de revisão) e não a legalidade da liquidação subjacente ao pedido de revisão efectuado: pelo que, na sentença recorrida, o Tribunal decidiu consequentemente apreciar, à luz das causas de pedir invocadas pelo A., a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão;
8. Neste âmbito temos que, na verdade, a revisão da matéria tributável, a favor do sujeito passivo e por sua iniciativa, ao abrigo do disposto no nº 4 do art.º 78º da LGT dependerá, num caso como o presente, do preenchimento dos seguintes requisitos: A - O pedido terá que ser deduzido até ao termo do terceiro ano posterior ao ano em que o acto tributário foi praticado; B - A tributação terá que ter resultado numa injustiça grave entendendo-se como tal a tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade; C - A injustiça invocada não poderá ser imputável a comportamento negligente do contribuinte.
9. Lembremos, neste ponto, o disposto nos art.ºs 74º e 75º da LGT: o art.º 74º, nº 1, da LGT estabelece que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque": esta norma reafirma, assim, o princípio de que é àquele que invoca um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito por si alegado e que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado compete àqueles contra quem essa invocação é feita, o que já resultaria do art.º 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
10. O art.º 75º da LGT estabelece, por seu turno, que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos", o que é corroborado pelo disposto no nº 2 do art.º 59º do CPPT, nos termos do qual "o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária".
11. Como bem assevera o Tribunal recorrido, no caso dos autos não é controvertido que a administração tributária demonstrou os factos constitutivos do seu direito, ou seja, demonstrou estarem verificados os pressupostos de que depende a tributação segundo as regras estabelecidas no art.º 76º do CIRS, pelo que incumbiria ao impugnante demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, ou seja, incumbir-lhe-ia demonstrar que, apesar de a tributação ter sido levada a cabo segundo o disposto na lei, a mesma redundou numa injustiça grave e que tal não se ficou a dever ao seu comportamento negligente.
12. Não sendo assim controvertido nos autos que o pedido de revisão foi apresentado tempestivamente, importava apenas apreciar, como o Tribunal recorrido o fez, se o impugnante logrou demonstrar que ocorre a) injustiça grave e que h) tal não é imputável a comportamento negligente da sua parte.
13. A informação da fundamentadora do despacho da Autoridade Tributária ora impugnado (a informação n°...57/13 - cfr. facto provado 11), embora não se refira à declaração de rendimentos apresentada em 17-08-2012 (que era desconhecida dos serviços por não ter sido validada informaticamente), não deixa de afirmar que "não nos parece que se possa dar por demonstrada a existência de uma injustiça grave ou notória da tributação, na medida em que não é apresentado qualquer documento que comprove claramente os custos incorridos para obtenção dos rendimentos tributados" : ou seja, a administração tributária considerou, acertadamente também sob a óptica do Tribunal recorrido, que cabia ao impugnante provar os custos incorridos para obtenção dos rendimentos tributados, pois apenas a demonstração de tais custos permitiria concluir pelo exagero e desproporção da liquidação efectuada.
14. Acontece, porém, que nos termos dos art.ºs 58º e 59º, nº 1, ambos da LGT, “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido", estando "os órgãos da administração tributária e os contribuintes (...) sujeitos a um dever de colaboração recíproco ",
15. E assim, na sua reveladora fundamentação, o Tribunal a quo considerou que «...pelo que se lhe impunha que tivesse notificado o impugnante para que este lhe apresentasse todos os documentos tidos como relevantes para a apreciação do pedido de revisão,
16. Concluindo de seguida que «...Não o tendo feito também não poderia, sem mais, indeferir o pedido de revisão com esse fundamento»
17. E muito reveladoramente, também, veja-se, invocou neste sentido, o douto teor do acórdão do STA de 01-07-2020 proferido no processo nº 0309/14.6BEBRG, de cuja fundamentação extraiu o seguinte excerto: "(...) a audiência deve ser feita relativamente ao projecto de decisão, que deve acompanhar a notificação para o exercício do respectivo direito (cfr. art. 60.°, n.° 5, da LGT), ou seja, depois de terminada a instrução que no procedimento se mostre necessária e, assim sendo, não serve para "instar" o contribuinte para a apresentação de prova, muito menos se o não assumir expressamente. Se a AT entendia que, para decidir conscienciosamente, precisava de elementos de prova que só o contribuinte podia fornecer, era sua obrigação solicitar-lhos e, só depois, elaborar o projecto de decisão e promover a audiência. Assim o exigem os princípios do inquisitório, da boa-fé e da colaboração, que presidem ao procedimento [cfr. arts. 58.°, 59.°, n.°s 1 e 3, alínea d), da LGT] "
18. Ou seja: muito apesar de o Tribunal a quo dispor no sentido da desaplicação da norma que constitui o objecto do recurso - o nº 4, do artigo 78º, da LGT, interpretado no sentido de que a presunção que estabelece é inilidível- o que em si mesmo é um forte indício de que a mesma foi efectivamente desaplicada na decisão recorrida, resulta do teor da fundamentação acabada de extrair que se trata, afinal, de um caso de «falsa» ou «aparente» desaplicação.
19. Na verdade ainda antes de considerar quaisquer pontos de apoio de ordem constitucional, referiu a sentença recorrida a argumentação respigada nos pontos 8. a 16. supra, concluindo expressivamente que «...pelo que se lhe impunha que tivesse notificado o impugnante para que este lhe apresentasse todos os documentos tidos como relevantes para a apreciação do pedido de revisão» e
20. Concluindo de seguida que «...Não o tendo feito também não poderia, sem mais, indeferir o pedido de revisão com esse fundamento»
21. Mais adiante considerou ainda que «...Não o tendo feito também não poderia, sem mais, indeferir o pedido de revisão com esse fundamento»
22. Com isto fixou, assim, o Tribunal recorrido, um fundamento essencial para concluir sobre a ilegalidade do sobredito Despacho da Autoridade Tributária que indeferiu o pedido de revisão:
23. Inexiste, destarte, qualquer necessidade de alterar e aumentar o elenco da matéria provada como, instrumentalmente, também pretende a Autoridade Tributária recorrente;
24. Mais adiante, ainda, sintetizou os seus fundamentos de Direito pela seguinte forma:
«a) A tributação levada a cabo nos termos do art.º 76°, n°s 1, al. b), 2 e 3 do CIRS constitui uma forma de tributação presuntiva do rendimento; b) A tributação presuntiva do rendimento só não será incompatível com o princípio constitucional da capacidade contributiva caso o sujeito passivo possa ilidir a presunção; c) A elisão da presunção implica, no caso dos autos, que o sujeito passivo demonstre que a forma como a matéria tributável foi apurada não se ficou a dever ao seu comportamento negligente; d) A exigência de que o sujeito passivo tenha actuado de forma não negligente poderá tomar impossível a elisão da presunção de rendimento e, nessa medida, constitui a introdução de um critério de tributação alheio ao único critério constitucionalmente legítimo violando, por isso, o princípio da capacidade.»
25. Em suma, o Tribunal a quo, atribuindo peso decisivo ao elemento sistemático, entendeu que a melhor interpretação do preceito é a de que este estabelece uma presunção ilidível.
26. É certo que, para além dos argumentos que relevam do plano do direito ordinário, a sentença recorrida ponderou ainda as razões de ordem constitucional para repudiar a interpretação alternativa segundo a qual a presunção em causa é inilidível: daí conclui o Tribunal a quo, em termos tão impressivos quanto categóricos, que «na apreciação de um pedido de revisão como aquele que está em causa nos autos dever-se-á desaplicar o segmento final da norma do n° 4 do art.° 78° da LGT ("desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte"), por tal segmento normativo ser violador do princípio constitucional da capacidade contributiva, na medida em que pode tornar impossível a elisão de uma presunção de rendimento, assim se concluindo que o pedido de revisão também não poderia ter sido indeferido com fundamento em comportamento negligente do contribuinte, o que determina a procedência da presente acção, como afinal de decidirá».
27. No entanto trata-se, porém, de um «mero argumento de conforto da justeza do entendimento a que anteriormente se chegou quanto à interpretação tida por correcta, ao nível da interpretação do direito ordinário aplicável» (Acórdão do TC n.° 8/2008), surgindo o excurso constitucional «na economia do acórdão recorrido, a título de mero reforço argumentativo para a eventualidade de se não concordar com a interpretação da lei que se perfilhara, e não como rabões justificativas para o afastamento da solução que imediatamente resulta da lei (Acórdão do TC n.° 54/2008).
28. Na verdade quando «o apelo à Constituição...traduz apenas, um reforço do resultado interpretativo a que se chegou por via do direito infraconstitucional» (Acórdão do TC n.° 285/2002), tem o Tribunal Constitucional entendido, atendendo à função instrumental dos recursos de constitucionalidade, que não deve conhecer do objecto dos recursos que nesta matéria lhe são dirigidos: com efeito, nesses casos, o juízo de inconstitucionalidade não é indispensável para afastar a aplicação da norma sindicada, desempenhando um papel meramente subsidiário na fundamentação da decisão recorrida e assim, em tais casos, os recursos de constitucionalidade não se afiguram úteis, porque ainda que o Tribunal Constitucional viesse a contrariar o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal recorrido, sempre a decisão do Tribunal a quo permaneceria inalterada, valendo-se para esse efeito dos fundamentos invocados no plano estritamente infraconstitucional, que no caso são aqueles aqui respigados nos pontos 8. a 22. supra da presente Resposta.
29. Ora a Autoridade Tributária, aqui recorrente, não impugnou tais fundamentos da sentença ora em crise e, assim, estes devem ter-se por fixados e por ela aceites.
30. Ademais, quanto à inaplicabilidade da norma em referência – a do nº4, do artigo 78º da LGT, interpretado no sentido de que a presunção que estabelece é inilidível – sempre se dirá como o Tribunal recorrido «que a jurisprudência do TC tem considerado, de forma reiterada que a tributação presuntiva do rendimento só não será incompatível com o princípio constitucional da capacidade contributiva caso se permita ao sujeito passivo ilidir a presunção. Veja-se, neste sentido, o acórdão do TC n° 211/2017 (e demais jurisprudência aí citada), do qual se extrai, com pertinência, o seguinte excerto: "O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria colectável, face ao princípio da capacidade contributiva, tomando por elemento determinante do juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção".»
31. Ou seja, substantivamente e sobre o critério relativo à questão em causa, existe orientação estabelecida em jurisprudência do Tribunal Constitucional que torna pacífica a apreciação do Tribunal recorrido sobre as razões de ordem constitucional para repudiar a interpretação alternativa segundo a qual a presunção em causa é inilidível...
32. Daí também que o Ministério Público junto deste Tribunal a quo, para além da consideração da inutilidade e falta de interesse em agir resultantes da argumentação exposta nos pontos 22. a 28. da presente Resposta tenha, no caso destes autos, usado a faculdade legal de se abster de interpor o recurso (em regra obrigatório) previsto no artº 72º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei Orgânica Do Tribunal Constitucional).
33. Reiterando-se inexistir, destarte, qualquer necessidade de alterar e aumentar o elenco da matéria provada como, instrumentalmente, também pretende a Autoridade Tributária recorrente,
34. Meridianamente se conclui que, sem qualquer necessidade de se debruçar de mérito, sobre a inaplicabilidade da norma em referência – a do nº 4 do artigo 78º da LGT, interpretado no sentido de que a presunção que estabelece é inilidível – ao douto Tribunal Central Administrativo do Norte apenas restará manter a sentença ora em crise atendendo aos fundamentos de ordem infraconstitucional em que a mesma assenta e aludidos nos pontos 8. a 22. supra da presente Resposta.»»

Nesta instância o MP secundou a resposta apresentada ao recurso, no Tribunal a quo.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Posto isto, as questões que cumpre apreciar em apelação são as seguintes:

1ª Questão
À matéria de facto provada da douta sentença em recurso devia ser aditada, como demonstra o PA apenso aos autos, designadamente, fls. 23 a 27 e fls.32 a 36, a seguinte:
a) o recorrido foi notificado da informação ....58/13 de 09-07-2013, a qual foi transcrita como fundamento do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão, bem como foi notificado para exercer o seu direito de audição sobre aquele projecto de decisão;
b) o recorrido não exerceu direito de audição e continuou a não apresentar, como constava da referida informação ....58/13 (vide, 2 §, item 5), documentos susceptíveis de comprovar rendimentos e/ou custos.

2ª Questão
O Mº Juiz a quo errou no julgamento em matéria de direito, ao fundar a procedência da impugnação na desaplicação do nº 4 do artigo 78º da LGT – na parte em que este exige que a injustiça grave ou notória da matéria tributável a rever não seja imputável a conduta negligente do requerente – com fundamento na sua inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da tributação do rendimento segundo a capacidade contributiva – pois tal violação não ocorria, já que, dos factos provados e dos facos a aditar ao probatório resulta que foi dada oportunidade ao recorrido de ilidir a presunção de rendimentos objecto da tributação levada a cabo nos termos do artigo 76º, nº1, al. b), nº2 e nº 3, do CIRS; e já que a determinação presuntiva da matéria tributável nos termos do artigo 76º nº1 alª b) e 3 do CIRS se deveu comprovadamente ao seu comportamento negligente

III - Apreciação do objecto do recurso

A fundamentação da sentença recorrida em matéria de facto é a seguinte:
FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) As declarações periódicas de IVA entregues pelo impugnante durante o ano de 2009 apresentavam como base tributável a quantia de 139.212,77 € (cfr. doc. 8 junto aos autos com a contestação);
2) O impugnante encontra-se emigrado na Suíça desde Março de 2010 não tendo nunca comunicado à administração tributária a alteração da sua morada, nem tendo nomeado representante fiscal (confissão);
3) O impugnante não apresentou a declaração modelo 3 do IRS, relativa ao ano de 2009, nos prazos previstos no art.° 60° do CIRS (acordo);
4) Face ao referido na alínea anterior, a administração tributária enviou uma comunicação para a residência fiscal do impugnante, a qual foi aí recebida, informando-o de que deveria proceder à entrega da declaração modelo 3 do IRS no prazo de 30 dias (facto não controvertido);
5) Na sequência do referido na alínea anterior, o impugnante nada fez (facto não controvertido);
6) A administração tributária elaborou oficiosamente, em 22-01-2011, uma declaração modelo 3 do IRS ao abrigo do disposto no art.° 76° do CIRS, tendo considerado como rendimento ilíquido da categoria B a quantia referida na alínea 1)(cfr. fls. 22-24 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7) Na sequência do referido na alínea anterior foi emitida, em 28-01-2011, a liquidação de IRS nº ...................886, a qual apresentava o seguinte teor:
(vide imagem na sentença)… valor a pagar: 34.424,37
8) 0 impugnante apresentou, no dia 17-08-2012, via internet, a declaração modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2009, a qual foi recebida pela administração tributária com a indicação de "provisoriamente aceite” e a indicação de “consulte a situação da declaração dois dias após submissão, se esta tiver erros centrais deverá corrigi-la num prazo de 30 dias” (cfr. doc. 4 junto aos autos com a p.i„ cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9) A administração tributária remeteu uma comunicação ao impugnante por via electrónica (sistema Via CTT), a qual foi entregue no dia 25-08-2012, informando-o de que a declaração referida na alínea anterior apresentava erros e deveria ser corrigida ou, em alternativa, que o impugnante se deveria deslocar ao seu Serviço de Finanças a fim de justificar a forma como havia preenchido a declaração (cfr. doc. 10 junto aos autos com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10) 0 impugnante, representado por «BB», apresentou no Serviço de Finanças de ............, no dia 22-11-2012, um requerimento (ao qual juntou uma procuração, um documento em língua alemã e um aviso de recepção), de cujo teor se destaca o seguinte:
(...) vem solicitar a revisão oficiosa da liquidação nº ...................886 de IRS relativa ao ano de 2009, nos termos do art. 78º da LGT com os seguintes fundamentos: (...)
7. A situação económica e financeira estava de tal forma agravada que o requerente não procedia sequer aos pagamentos dos serviços do Técnico Oficial de Contas. (...)
9. O requerente viu no estrangeiro a possibilidade de angariar rendimentos que lhe permitissem “endireitar a vida”, por isso logo que lhe surgiu a oportunidade de emigrar fê-lo, sem ter no entanto participado a sua alteração de morada, nem nomeado representante fiscal conforme estipula o art. 19º LGT.
10. É verdade que o requerente, quando se ausentou do país, não participou a alteração de morada, nem nomeou representante fiscal, no entanto tais factos não devem nem podem ser entendidos como um comportamento doloso ou negligente do requerente, (...)
12. Não obstante a correspondência enviada pela Administração Tributária ter sido recepcionada na residência fiscal do requerente, o facto é que quem se encontra aí a residir não é o requerente mas sim os seus pais. (...)
14. Apenas em Março do ano de 2012 é que o requerente tomou conhecimento da sua situação junto da Administração fiscal, e a partir dessa data encetou diligências para resolver toda a sua situação.
15. Nomeou um procurador para o representar e consultou o seu Técnico Oficial de Contas a quem em Agosto de 2012, pagou as quantias em divida para poder regularizar a sua situação junto da DGCI.
16. No dia 06 de Setembro o requerente, porque tem contabilidade organizada procedeu à alteração do modelo 3 e substituiu o anexo B pelo anexo C.
17. Tendo a partir dessa data a DGCI ao seu dispor toda a informação real referente ao Imposto que é devido pelo requerente.
18. Ora consultado o processo do requerente, facilmente se comprova que no ano de 2009 o rendimento colectável do requerente foi muito inferior aquele que foi presumido pela Direcção Geral dos Impostos.
19. Ora a DGCI ao não atender que o requerente tem contabilidade organizada, e ao tributar o rendimento nos termos do artigo 76º n° 2 do CIRS, fez com que a liquidação incidisse sobre um rendimento muito superior aquele que efectivamente existiu, o que demonstra uma injustiça grave ao contribuinte. (...)
21. Os impostos devem assentar na capacidade contributiva, promover a justiça social, a igualdade de oportunidade e a repartição justa da riqueza (art. 40º e 50º da LGT e art. 103º da CRP), ora a DGCI ao tributar o rendimento do requerente baseada em presunções e não considerando o facto deste ter contabilidade organizada está a prejudicar gravemente o requerente o que é de todo injusto. (...)
23. Como é sabido as presunções legais são ilidíveis, mediante prova em contrário. Ora no caso em concreto deve a presunção do artigo 76º n° 2 ser afastada e ser feita uma revisão ao acto tributário na medida em que o requerente apresentou a sua declaração de rendimentos real a qual apesar de extemporânea para a Administração Tributária, foi efectuada dentro do prazo para o contribuinte.
24. Isto porque o requerente logo que tomou conhecimento da nota de liquidação e teve rendimentos que lhe permitiram pagar as quantias em divida ao Técnico Oficial de Contas, reagiu à fixação da matéria tributável, apresentando o modelo 3, procedendo à substituição do anexo B, pelo anexo C.
Pelo Exposto, requer a V.a. Exa. se digne mandar reanalisar a situação tributária do requerente, tomando em consideração os factos probatórios constantes dos fundamentos atras enunciados, revendo o referido acto tributário.
Termos em que, deve a presente ser deferida e em consequência ser o acto tributário em causa revisto, atendendo à sua real situação, de acordo com os preceitos constitucionais. (...)
(cfr. fls. 13-20 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11) Foi elaborada, na Direcção de Serviços do IRS, a informação n°...57/13, de 11-07-2013, de cujo teor se destaca o seguinte:
(...) Nessa medida, podemos então concluir que, por força do disposto na alínea c) do n° 1 do art. 76º do CIRS, a declaração oficiosa foi recolhida pela AT tendo em conta que o contribuinte não cessou a actividade em 2009, considerando-se o rendimento da categoria B o somatório dos rendimentos conhecidos pela AT à data da recolha da declaração oficiosa de rendimentos, os quais correspondiam aos que constam das declarações trimestrais de IVA apresentadas pelo contribuinte para 2009. A aplicação do regime simplificado de tributação aos rendimentos do trabalho independente assim apurados resultou directamente do disposto pela alínea b) do n° 1 e pelo n° 2 do mencionado art. 76º do CIRS.
4. Em face do exposto e confirmando-se que a declaração oficiosa de rendimentos foi preenchida com base nos elementos conhecidos pela AT e a legislação em vigor à data desse mesmo preenchimento, não nos parece que possa ser imputável aos Serviços qualquer erro que possa ou deva ser corrigido ao abrigo do disposto na parte final do n° 1 do art. 78º da LGT.
5. Quanto á possibilidade de revisão excepcional da matéria colectável constante da liquidação vigente, com fundamento em injustiça grave ou notória da tributação, cumpre ter em conta que o n° 4 do art. 78º da LGT exige expressamente que o erro que tenha dado origem à invocada injustiça não seja imputável ao comportamento negligente da contribuinte (cabendo a este último, aliás, demonstrar o cumprimento deste requisito - cfr. art. 74º da LGT).
Em primeiro lugar, não nos parece que se possa dar por demonstrada a existência de uma injustiça grave ou notória da tributação, na medida em que não é apresentado qualquer documento que comprove claramente os custos incorridos para obtenção dos rendimentos tributados. Assim, fica por provar que a tributação seja manifestamente exagerada ou desproporcionada com a realidade ou que a injustiça é inequívoca e ostensiva.
Em segundo lugar, e como se referiu em 2 e 4 supra, há que ter em conta que a tributação vigente resulta de uma declaração oficiosa de rendimentos recolhida pela AT em resultado do incumprimento, pelo contribuinte, das suas obrigações declarativas, de entre as quais se inclui não só a obrigação de declarar anualmente os rendimentos auferidos, para efeitos de IRS, como também a obrigação de manter actualizado o respectivo domicílio fiscal e de, permanecendo fora da União Europeia por um período, seguido ou interpolado, superior a seis meses, nomear um representante fiscal em Portugal, com a agravante de esta última situação de incumprimento se manter até à presente data. Nessa medida, será de concluir que a desconsideração do enquadramento do contribuinte no regime da contabilidade organizada poderá ser considerada como um erro imputável ao comportamento negligente do contribuinte, ficando por preencher também este pressuposto de aplicação do mecanismo previsto no n° 4 do art. 78º da LGT.
Assim, concluímos então que as condições previstas no art. 78º, n° 4 da LGT não se encontram preenchidas, o que nos impede de propor o deferimento do pedido de revisão excepcional da matéria colectável constante da liquidação de IRS vigente sobre os rendimentos auferidos pelo contribuinte em 2009. (...)
(cfr. fls. 27-30 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12) Foi elaborada, na Direcção de Serviços do IRS, a informação n°....77/13, de 09-09-2013, de cujo teor se destaca 0 seguinte:
(...) 2. Sobre o mesmo incidiu a informação de IRS n°...57/13 (para a qual se remete) que concluiu, em resumo (...)
4. Encontrando-se excedido o prazo a que alude o n° 6 do referido artigo, constante da notificação enviada ao sujeito passivo e recebida por este em 2013-08-01, verifica-se que este não se pronunciou sobre o teor do projecto de decisão.
5. Parece-nos, assim, ser de manter a proposta de indeferimento do pedido de revisão, conforme proposto na Informação de IRS ...57/13, devendo-se remeter o presente processo à DF de ..., para os devidos efeitos.
(cfr. fls. 43-45 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13) Por despacho de 17-09-2013, com fundamento na informação referida na alínea anterior, foi o requerimento referido na alínea 10) indeferido (cfr. fls. 43 do PA).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa e resultou das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos e constantes do PA, conforme discriminado em cada alínea do probatório, os quais não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.

Posto isto, voltemos as questões supra enunciadas.

1ª Questão
À matéria de facto provada da douta sentença em recurso terá que ser aditada, como demonstra o PA apenso aos autos, designadamente, fls. 23 a 27 e fls. 32 a 36, a seguinte:
a) O Recorrido foi notificado da informação ....58/13 de 09-07-2013, a qual foi transcrita como fundamento do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão, bem como foi notificado para exercer o seu direito de audição sobre aquele projecto de decisão;
b) O Recorrido não exerceu direito de audição e continuou a não apresentar, como constava da referida informação ....58/13 (vide, 2 §, item 5), documentos susceptíveis de comprovar rendimentos e/ou custos.

Esta questão parte do pressuposto de que era devida uma pronúncia do Tribunal a quo sobre a prova daquelas proposições.
Assim sendo, o que juridicamente se alega e importa apreciar é se o Tribunal recorrido se devia pronunciar – e, nesse caso, afirmativamente – sobre a prova daqueles ou algum daqueles factos, bem como aa consequências jurídicas da omissão, nesta sede de apelação. Só no caso de se concluir que estão em falta as pronúncias é que terá sentido este tribunal julgar sobre se ficaram provados (reunidas, que estejam, as condições para tal, conforme artigo 662º nº 1 do CPC).
Vejamos:
Dispõe, o artigo 123º nº 2 do CPPT, que a sentença discriminará a matéria de facto provada e a não provada.
O que é e não é a matéria de facto que tem de ser discriminada como provada ou não provada diz-no-lo o artigo 5º nº 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT: o Juiz deve atender, na sentença, aos factos alegados nos articulados, aos instrumentais desses, que resultem da instrução da causa e aos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos.
Resulta, ainda, dos nº 2 e 3 do artigo 607º do CPC, aplicável no processo tributário, nos termos do artigo 2º do CPPT, porque o artigo 123º do CPPT não regula exaustivamente a estrutura da sentença, que a discriminação dos factos provados e não provados (atendíveis) integra a fundamentação da sentença em matéria de facto.
Assim sendo, a omissão de pronúncia sobre factos alegados e relevantes para a discussão da causa, em alguma das perspectivas em confronto, viola a conjugação dos artigos 123º nº 2 do CCPT e 5º nº 2 e 607º nºs 2 e 3 do CPC ex vi artigo 2º do CPPT e redundando, pelo menos, numa deficiência da fundamentação de facto.
Posto isto importa apreciar se os factos integrantes da formulação da questão sub judices estavam alegados nos articulados das partes, designadamente na Petição Inicial ou, não o estando, eram, de todo modo, atendíveis por força do mais disposto no cotado nº 2 do artigo 5º do CPC.
Lida a contestação, verificamos (artigos 20º e 21º) que foi efectivamente alegado que o Recorrido foi notificado para exercer a audiência prévia e não o fez. Mas apenas isso, quer dizer, não foi alegado que o Recorrido foi notificado do teor da informação ....58/13 e que “continuou a não apresentar, como constava da referida informação, documentos susceptíveis de comprovar rendimentos e/ou custos”.
Resulta dos termos e do contexto em que foram alegados, que, com a alegação destes factos, pretendia, o Impugnante, fundamentar a conclusão de que “não se verifica, pelo menos, o requisito enunciado no artigo 76°, n°4, da LGT de erro não imputável a comportamento negligente do contribuinte”, pelo que estariam reunidos os pressupostos do despacho impugnado.
Assim, tratava-se de matéria relevante para a decisão da causa, pelo que se impunha levá-la à discriminação de factos provados ou não provados.
Dir-se-ia, então, que a sentença recorrida omitiu indevidamente discriminar, como factos provados ou não provados, o seguinte facto:
O Recorrido foi notificado para exercer a audiência prévia e não o fez.”
Quanto ao mais que vem alegado pelo recorrente, a sentença não é omissa, pois não era matéria alegada no articulado da Impugnante, nem se sustenta nas alegações do recurso que devesse, apesar de não alegado, ser considerado, designadamente por instrumental ou complementar e ter resultado da instrução da causa e sido objecto de contraditório /cf. artigo 5º nº 2 do CPC).
Porém, julgamos que nem mesmo aquela alegação deixou de ser considerada. Na verdade, embora apenas integrado na transcrição da informação homologada pela decisão impugnada, este facto foi considerado como adquirido, isto é, provado, na sentença recorrida, conforme artigo 12º da especificação de facos provados. É verdade que, imediatamente, ali apenas se dá por provado o facto da emissão da informação e seu teor, bem como do despacho homologatório. Porém, consideramos que esse facto foi pressuposto do acto impugnado e bem assim da sentença. É ceto que, em rigor formal, devia ter sido autonomizada uma alínea tendo esse facto por objecto, bem como tantas alíneas quanto os factos individuais e concretos enunciados na Informação como fundamentação da mesma. Porém, pelo menos quanto aos factos que o Impugnante não pôs em causa no seu articulado, isso seria praticamente inútil e antieconómico.
Por isso, embora formalmente o facto acima enunciado não tenha sido discriminado como provado ou não provado na sentença recorrida, consideramos que materialmente o foi no artigo 12º da especificação dos factos provados.
Pelo exposto, é negativa a resposta à presente questão.

2ª Questão
O Mº Juiz a quo errou no julgamento em matéria de direito, ao fundar a procedência da impugnação na desaplicação do nº 4 do artigo 78º da LGT – na parte em que este exige que a injustiça grave ou notória da matéria tributável a rever não seja imputável a conduta negligente do requerente – com fundamento na sua inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da tributação do rendimento segundo a capacidade contributiva – pois tal violação não ocorria, já que, dos factos provados e dos facos a aditar ao probatório resulta que foi dada oportunidade ao recorrido de ilidir a presunção de rendimentos objecto da tributação levada a cabo nos termos do artigo 76º, nº1, al. b), nº2 e nº 3, do CIRS; e já que a determinação presuntiva da matéria tributável nos termos do artigo 76º nº1 alª b) e 3 do CIRS se deveu comprovadamente ao seu comportamento negligente?

Logicamente a montante desta questão coloca-se a necessidade de interpretarmos a sentença recorrida.
Na verdade, se nos ativermos apenas ao dispositivo final e à sua letra, o fundamento do sentença recorrida no sentido da procedência da impugnação confina-se a uma desaplicação do nº 4 do artigo 78º da LGT por esta norma violar o princípio constitucional da tributação do rendimento segundo a capacidade contributiva na parte em que impede a (eficácia) da elisão da presunção da matéria tributável quantificada mediante os nº 1 alª b), 2 e 3 do artigo 76º do CIRC, já que obriga o contribuinte a provar, também, que a alegada injustiça grave ou notória não se deveu a comportamento negligente seu.
Segundo o Mº Pº, fundamento do decidido foi outrossim o julgamento de que a AT não cumpriu ela própria os seus deveres de busca da verdade e de colaboração e boa fé, já que não notificou o contribuinte, requerente da revisão, para facultar os elementos relativos aos custos incorridos, custos de cuja desconsideração, segundo aquele, resultava a notória injustiça de um rendimento presumido muito superior ao real.
A interpretação não estritamente literal da sentença recorrida, quando necessária, posto que, em qualquer caso, com algum respaldo na letra da mesma, não pode deixar de integrar os poderes do tribunal de recurso, sob pena de o próprio direito ao recurso, de um ponto de vista material, ficar coarctado.
“Para alcançarmos o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respectiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respectiva elaboração.
IV. O pedido, a causa de pedir e os fundamentos de facto e de direito da sentença são importantes meios auxiliares da sua interpretação, na medida em que permitem retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar.
V. Na interpretação da sentença deve ainda atentar-se na regra de que «o acto jurídico se presume regular» e partir-se do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito.
VI. A circunstância de o Tribunal da Relação ter explicitado o sentido a dar ao segmento decisório da sentença de 1ª Instância não faz enfermar o acórdão recorrido das nulidades previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia e/ou condenação em objecto diverso do pedido, nem constitui decisão surpresa, atentatória do princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do mesmo código e no art. 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, pois estamos perante uma mera actividade interpretativa da sentença.» Ac. do STJ de 0-07-2021 no processo 726/15.4T8PTM.E1.S1 acessível em https://www. dgsi.pt
«I - A sentença judicial, como acto jurídico que é, está sujeita a interpretação, valendo nesse domínio, por força do disposto no art. 295º C. Civil, os critérios de interpretação dos negócios jurídicos.
II - Deve, pois, ser interpretada, nos termos previstos no art. 236º/1 do C. Civil, de acordo com o sentido que dela possa deduzir um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário.» Ac. do STA de 11-10-2006 refª 035319ª, acessível em https://www. dgsi.pt
Em busca, então, do sentido relevante do dispositivo da sentença recorrida, respaldados pela jurisprudência citada, revisitemos o teor da fundamentação de direito e do dispositivo da sentença recorrida. O mesmo é redutível ao seguinte excerto:
«(…) dado que o impugnante não dirige nenhuma censura aos elementos que a administração utilizou (o valor constante das declarações periódicas de IVA apresentadas durante o ano de 2009), não ataca a forma como o rendimento líquido da categoria B foi determinado, nem quaisquer outros elementos da liquidação levada a cabo, teremos que concluir que a legalidade da liquidação nº ...................886 não constitui matéria controvertida nos autos, devendo dar-se por assente que a mesma foi elaborada nos termos legais.
Sucede, todavia, que apesar de não dirigir nenhuma censura à forma como a liquidação foi elaborada, o impugnante entende que a mesma redundou numa “injustiça grave e notória (...) face ao rendimento fixado versus o declarado pelo contribuinte” o que, face ao disposto no art.° 78°, n° 4, da LGT, imporia a sua revisão, ao que a RFP contrapõe que os requisitos aí previstos não se encontram preenchidos.
Vejamos quem tem razão.
O art.° 78° da LGT apresenta, para o que agora releva, a seguinte redacção:
Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (...)
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (...)
No que diz respeito à interpretação a dar ao disposto no n° 1 do artigo supratranscrito, a jurisprudência do STA é abundante, constituindo entendimento jurisprudencial pacífico, reiterado e uniforme o seguinte (cfr. acórdão do STA de 15-04-2009, processo n° 065/09):
Na redacção infeliz do n.° 1 deste artigo distinguem-se dois tipos fundamentais de revisão dos actos tributários, com iniciativas, prazos e fundamentos autónomos:
- por iniciativa sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
- por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (...)
Das infelizes redacções dos n.°s 1 e 7, conclui-se assim, que os dois tipos fundamentais de revisão do acto tributário são afinal os seguintes:
- há um em que a revisão é pedida pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
- há outro em que a revisão é da iniciativa dos serviços ou é pedida pelo contribuinte, que se denomina sempre «revisão oficiosa», que pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Por outro lado, e no que se refere à expressão "erro imputável aos serviços”, constitui também entendimento jurisprudencial pacífico o de que “embora o conceito de «erro imputável aos serviços» aludido na 2ª parte do n.° 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer «vício» (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só «erros», estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro” (cfr. acórdão do STA de 06-02-2013, processo n° 0839/11 e jurisprudência aí citada).
Assim, caso a liquidação padeça de "qualquer ilegalidade” poderá o sujeito passivo requerer a sua revisão no prazo da “reclamação administrativa” e, decorrido tal prazo, o sujeito passivo ainda poderá requerer a sua revisão no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, mas apenas com fundamento em “erro imputável aos serviços”' (ou seja, uma ilegalidade de cariz substantivo não imputável à actuação do sujeito passivo). Não obstante, em ambos os casos o fundamento do pedido de revisão terá que ser uma ilegalidade cometida no procedimento de liquidação.
Ora, o n° 4 do art.° 78° da LGT apresenta uma redacção marcadamente distinta da do n° 1 já que não se refere à “revisão dos actos tributários”, mas sim à “revisão da matéria tributável' a qual, por sua vez, não terá como fundamento “qualquer ilegalidade” ou “erro imputável aos serviços”, mas apenas “injustiça grave ou notória”, além de que também o prazo é distinto ("nos três anos posteriores ao do acto tributário), estabelecendo-se ainda um requisito adicional (a inexistência de “comportamento negligente do contribuinte”).
Note-se que a “injustiça grave ou notória” a que se refere o n° 4 do art.° 78° da LGT não se poderá reconduzir a ilegalidades sob pena de sobreposição ou esvaziamento do n° 1 (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 7a ed., p. 240: "tal fundamento - cuja materialização não se pode reconduzir a ilegalidades, mas apenas às situações de mérito, conveniência ou oportunidade (...) sob pena de sobreposição ou esvaziamento do n.° l”, pelo que a referência a “erro” não imputável a comportamento negligente do contribuinte nos parece desadequada (o legislador apenas pretendeu, quanto a nós, esclarecer que o “erro”, ou seja, a “injustiça grave ou notória', não poderá ser consequência de um comportamento negligente do contribuinte).
É precisamente este o caso dos autos: o impugnante não aponta nenhum erro à actuação da administração, mas considera que a mesma redundou numa injustiça grave e notória (embora o impugnante utilize a conjunção copulativa "e” a lei não o faz, utilizando antes a conjunção disjuntiva "ou", o que significa que se trata de fundamentos de revisão distintos e que são concretizados no n° 5 do art.° 78° da LGT).
Nos termos do n° 5 do art.° 78° da LGT, ocorrerá injustiça notória quando a mesma for ostensiva e inequívoca e ocorrerá injustiça grave quando se estiver em presença de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade. Em qualquer caso, a procedência do pedido de revisão dependerá sempre da circunstância de tal injustiça não ser consequência de um comportamento negligente do contribuinte.
Dado que o impugnante refere, na petição inicial, que está a ser tributado “por um valor substancialmente superior ao declarado, como também já tinha referido, no pedido de revisão, que “a DGCI (...) fez com que a liquidação incidisse sobre um rendimento muito superior àquele que efectivamente existiu, o que demonstra uma injustiça grave' (cfr. facto provado 10)), conclui-se que o pedido de revisão tem como fundamento a verificação de uma situação de injustiça grave, ou seja, uma situação de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.
Feito este enquadramento da matéria que nos ocupa podemos afirmar que a revisão da matéria tributável, a favor do sujeito passivo e por sua iniciativa, ao abrigo do disposto no n° 4 do art.° 78° da LGT dependerá, num caso como o presente, do preenchimento dos seguintes requisitos:
1. ° - O pedido terá que ser deduzido até ao termo do terceiro ano posterior ao ano em que o acto tributário foi praticado;
2. ° - A tributação terá que ter resultado numa injustiça grave entendendo-se como tal a tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade;
3. ° - A injustiça invocada não poderá ser imputável a comportamento negligente do contribuinte.
Aqui chegados importa ainda convocar o disposto nos art.°s 74° e 75° da LGT.
O art.° 74°, n° 1, da LGT estabelece que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque". Esta norma reafirma, assim, o princípio de que é àquele que invoca um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito por si alegado e que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado compete àqueles contra quem essa invocação é feita, o que já resultaria do art.° 342°, n°s 1 e 2 do Código Civil.
O art.° 75° da LGT estabelece, por sua vez, que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei. bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”, o que é corroborado pelo disposto no n° 2 do art.° 59° do CPPT, nos termos do qual "o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária”.
No caso dos autos não é controvertido que a administração tributária demonstrou os factos constitutivos do seu direito, ou seja, demonstrou estarem verificados os pressupostos de que depende a tributação segundo as regras estabelecidas no art.° 76° do CIRS, pelo que incumbiria ao impugnante demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, ou seja, incumbir-lhe-ia demonstrar que, apesar de a tributação ter sido levada a cabo segundo o disposto na lei, a mesma redundou numa injustiça grave e que tal não se ficou a dever ao seu comportamento negligente.
Não sendo controvertido nos autos que o pedido de revisão foi apresentado tempestivamente, importa apenas apreciar se o impugnante logrou demonstrar que ocorre 1) injustiça grave e que 2) tal não é imputável a comportamento negligente da sua parte.
0 impugnante considera ter demonstrado os dois requisitos. Quanto ao primeiro, considera que terá logrado alcançar tal desiderato por via da apresentação, em 17-08-2012, da declaração modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2009 e, quanto ao segundo, considera que não existiu comportamento negligente mas apenas falta de condições económicas que permitissem o cumprimento das suas obrigações.
Vejamos se assim é.
No que diz respeito à apresentação da declaração modelo 3 em 17-08-2012, e mesmo colocando de lado o facto de a mesma apresentar erros que não foram supridos pelo impugnante apesar de notificado para o efeito (cfr. facto provado 9)), cumpre desde logo esclarecer que a sua apresentação não tem, por si só, a virtualidade de impor a revisão da liquidação revidenda. É que, tal como referimos, apenas se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, no que se inclui a sua apresentação nos respectivos prazos legais, pelo que a apresentação tardia de uma declaração, que por isso não beneficia de qualquer presunção de veracidade, é insuficiente para invalidar as liquidações levadas a cabo (cfr., neste sentido, os acórdãos do TCAN de 16-10-2014, proferido no processo n° 00333/11.0BEAVR e do TCAS de 31-01-2019, proferido no processo n° 1688/09.2BELRS).
A informação fundamentadora do despacho ora impugnado (a informação n°...57/13 - cfr. facto provado 11», embora não se refira à declaração de rendimentos apresentada em 17-08-2012 (que era desconhecida dos serviços por não ter sido validada informaticamente), não deixa de afirmar que “não nos parece que se possa dar por demonstrada a existência de uma injustiça grave ou notória da tributação, na medida em que não é apresentado qualquer documento que comprove claramente os custos incorridos para obtenção dos rendimentos tributados" (sublinhado nosso). Ou seja, a administração tributária considerou, acertadamente, que cabia ao impugnante provar os custos incorridos para obtenção dos rendimentos tributados, pois apenas a demonstração de tais custos permitiria concluir pelo exagero e desproporção da liquidação efectuada. Acontece, porém, que nos termos dos art.°s 58° e 59°, n° 1, ambos da LGT, “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” estando “ os órgãos da administração tributária e os contribuintes (...) sujeitos a um dever de colaboração reciproco”, pelo que se lhe impunha que tivesse notificado o impugnante para que este lhe apresentasse todos os documentos tidos como relevantes para a apreciação do pedido de revisão. Não o tendo feito também não poderia, sem mais, indeferir o pedido de revisão com esse fundamento Sublinhado e negrito do relator. (veja-se, neste sentido, o acórdão do STA de 01-07-2020, proferido no processo n° 0309/14.6BEBRG, de cuja fundamentação se extrai o seguinte excerto: “(...) a audiência deve ser feita relativamente ao projecto de decisão, que deve acompanhar a notificação para o exercício do respectivo direito (cfr. art. 60. ° n. ° 5, da LGT), ou seja, depois de terminada a instrução que no procedimento se mostre necessária e, assim sendo, não serve para "instar" o contribuinte para a apresentação de prova, muito menos se o não assumir expressamente. Se a AT entendia que, para decidir conscienciosamente, precisava de elementos de prova que só o contribuinte podia fornecer, era sua obrigação solicitar-lhos e, só depois, elaborar o projecto de decisão e promover a audiência. Assim o exigem os princípios do inquisitório, da boa-fé e da colaboração, que presidem ao procedimento [cfr. arts. 58. ° 59. °, n.°s 1 e 3, alínea d), da LGT] (sublinhado nosso). Negrito do relator.
Contudo, este não foi o único fundamento do indeferimento do pedido de revisão, dado que a referida informação n°...57/13 também refere que “a tributação vigente resulta de uma declaração oficiosa de rendimentos recolhida pela AT em resultado do incumprimento, pelo contribuinte, das suas obrigações declarativas, de entre as quais se inclui não só a obrigação de declarar anualmente os rendimentos auferidos, para efeitos de IRS, como também a obrigação de manter actualizado o respectivo domicílio fiscal e de, permanecendo fora da União Europeia por um período, seguido ou interpolado, superior a seis meses, nomear um representante fiscal em Portugal, com a agravante de esta última situação de incumprimento se manter até à presente data. Nessa medida, será de concluir que a desconsideração do enquadramento do contribuinte no regime da contabilidade organizada poderá ser considerada como um erro imputável ao comportamento negligente do contribuinte, ficando por preencher também este pressuposto de aplicação do mecanismo previsto no n° 4 do art. 78° da LGT.
Quanto a esta questão diremos que a não apresentação das declarações dentro dos prazos legais não permite, de per si, concluir pela ocorrência de um comportamento negligente do contribuinte.
No entanto, no caso dos autos, o impugnante apenas alegou, procurando demonstrar a inexistência de comportamento negligente da sua parte, dificuldades económicas que o impediram de proceder ao pagamento dos honorários do seu técnico oficial de contas o que, mesmo que tivesse resultado provado, não permitiria concluir pela inexistência de comportamento negligente da sua parte, antes pelo contrário, pois aquilo que se exige a um empresário normalmente diligente é que se assegure do cumprimento de todas as suas obrigações fiscais, inclusivamente as declarativas, tal como resulta, aliás, do disposto nos art.°s 31°, n° 2 e 32°, ambos da LGT. Assim, não tendo a declaração de rendimentos sido apresentada no prazo legal, apenas se poderia considerar que o apuramento da matéria tributável nos termos do art.º 76° do CIRS não se ficou a dever a comportamento negligente do contribuinte caso alguma circunstância de força maior, imprevista e fora do seu controlo, o tivesse impedido de cumprir com as suas obrigações fiscais atempadamente, o que não é o caso.
0 impugnante invoca ainda a violação dos n°s 1 e 2 do art.º 104° da Constituição da República Portuguesa (CRP), ou seja, invoca a violação do princípio da capacidade contributiva.
Conforme se sabe, embora não consagrado de forma explícita, o princípio da capacidade contributiva é reconhecido, pelo doutrina e pela jurisprudência, como a trave-mestra do nosso ordenamento jurídico-fiscal.
Tal como se consignou no acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n° 84/2003, "[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de «uniformidade» - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos - dos «impostos fiscais» mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou «capacidade de gastar» (...) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português (...) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a «capacidade contributiva» continua a ser um critério básico da nossa «Constituição fiscal» sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103° e 104° da CRP (...)”.
Também no acórdão do TC n° 197/2016 se considerou que “o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que «a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto». E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitectar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um”.
Pois bem, como já vimos o art.° 76° do CIRS determina que, não tendo sido apresentada a declaração de rendimentos, a liquidação terá por base os elementos de que administração tributária disponha, sendo o rendimento líquido da categoria B determinado segundo as regras do regime simplificado com a aplicação de um coeficiente de 0,70.
A tributação efectuada nestes termos constitui uma forma de tributação presuntiva do rendimento dado que da conjugação da referência aos elementos de que a administração disponha com a referência às regras do regime simplificado resulta que a liquidação consistirá na aplicação de um coeficiente aos rendimentos e ganhos. Quer isto dizer que partindo de um facto conhecido (os rendimentos e ganhos) a lei firma um facto desconhecido (os gastos e perdas) pois, tal como explica José Guilherme Xavier de Basto, “o regime simplificado (...) apura o rendimento líquido aplicando um coeficiente fixo (...) que mais não faz do que presumir que, na actividade de venda de mercadorias e produtos (...) os custos são no valor de 80% dos proveitos, ou seja, a «margem» sobre os custos, é de 20% e que, na actividade de prestação de serviços (e relativamente a outros rendimentos incluídos na categoria) os custos são 30% dos proveitos” {/RS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 183; sublinhados nossos).
Assim sendo, a tributação presuntiva do rendimento, na medida em que estabelece um critério de tributação que poderá não corresponder à capacidade económica do sujeito passivo, poder-se-á traduzir no afastamento do princípio da capacidade contributiva. É por este motivo que a jurisprudência do TC tem considerado, de forma reiterada, que a tributação presuntiva do rendimento só não será incompatível com o princípio constitucional da capacidade contributiva caso se permita ao sujeito passivo ilidir a presunção. Veja-se, neste sentido, o acórdão do TC n° 211/2017 (e demais jurisprudência aí citada), do qual se extrai, com pertinência, o seguinte excerto: “O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria colectável, face ao princípio da capacidade contributiva, tomando por elemento determinante do juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção”.
Sucede que, no caso concreto dos autos, a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção implica que este demonstre não só que a tributação é manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade como também que demonstre que tal tributação não se ficou a dever a um comportamento negligente da sua parte, por serem estes os requisitos cumulativos que, nos termos do n° 4 do art.° 78° da LGT, permitiriam levar a cabo a revisão do acto tributário resultante da aplicação das regras do art.° 76° do CIRS.
Mas se o princípio da capacidade contributiva exige que todos paguem impostos e o façam segundo o mesmo critério, devendo tal critério consistir na capacidade económica ou capacidade de gastar, então não se vislumbra fundamento material bastante para que nos casos em que, por motivo imputável a comportamento negligente do sujeito passivo, a liquidação é efectuada segundo as regras do art.° 76° do CIRS esta não possa, ainda assim, ser revista nos termos do art.° 78°, n° 4, da LGT, já que o eventual comportamento negligente do sujeito passivo é um elemento que, por não ter qualquer relação com a sua capacidade económica, não deverá ser relevado em sede de determinação do montante de imposto a pagar (ainda que possa ser tido em consideração noutros âmbitos, nomeadamente quanto a juros compensatórios ou no âmbito contra-ordenacional).
Queremos com isto dizer que o legislador, ao condicionar a possibilidade de o sujeito passivo ilidir a presunção de rendimento da circunstância de este [o rendimento] não ter sido apurado na sequência de uma actuação negligente do primeiro [o sujeito passivo], está a introduzir no nosso ordenamento jurídico-fiscal um critério de tributação estranho ao princípio da capacidade contributiva, o que não se poderá admitir sob pena de se transformar, em termos práticos, uma presunção ilidível em inilidível, fazendo depender a tributação de um critério - a diligência (ou não negligência) do sujeito passivo - totalmente alheio ao seu único fundamento constitucionalmente legítimo (a capacidade contributiva), conferindo assim à tributação um cariz sancionatório, o que se nos afigura ser constitucionalmente inadmissível.
Procurando sintetizar o exposto diremos o seguinte:
a) A tributação levada a cabo nos termos do art.° 76°, n°s 1, al. b), 2 e 3 do CIRS constitui uma forma de tributação presuntiva do rendimento;
b) A tributação presuntiva do rendimento só não será incompatível com o princípio constitucional da capacidade contributiva caso o sujeito passivo possa ilidir a presunção;
c) A elisão da presunção implica, no caso dos autos, que o sujeito passivo demonstre que a forma como a matéria tributável foi apurada não se ficou a dever ao seu comportamento negligente;
d) A exigência de que o sujeito passivo tenha actuado de forma não negligente poderá tornar impossível a elisão da presunção de rendimento e, nessa medida, constitui a introdução de um critério de tributação alheio ao único critério constitucionalmente legítimo violando, por isso, o princípio da capacidade contributiva.
Em face do exposto conclui-se que a possibilidade de ilidir a presunção consagrada no art.° 76° do CIRS não pode ficar dependente da circunstância de a injustiça grave invocada pelo sujeito passivo não ser imputável ao seu comportamento negligente, o que conduz ao seguinte corolário: na apreciação de um pedido de revisão como aquele que está em causa nos autos dever-se-á desaplicar o segmento final da norma do n° 4 do art.° 78° da LGT {“desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte'), por tal segmento normativo ser violador do princípio constitucional da capacidade contributiva, na medida em que pode tornar impossível a elisão de uma presunção de rendimento, assim se concluindo que o pedido de revisão também não poderia ter sido indeferido com fundamento em comportamento negligente do contribuinte, o que determina a procedência da presente acção, como a final de decidirá.
Das custas
(…)
Do valor da acção
(…)
V. DECISÃO
Termos em que, por violadora do princípio constitucional da capacidade contributiva, desaplico a norma do n° 4 do art.° 78° da LGT, na parte em que exige que a injustiça grave não seja imputável a comportamento negligente do sujeito passivo e, consequentemente, julgo a presente impugnação procedente e anulo o despacho referido na alínea 13) do probatório.
Custas pela Fazenda Pública».
Atentos os segmentos por nós destacados a negro e ou a sublinhado, é inquestionável que ocorre uma solução de continuidade, do ponto de vista literal, entre a fundamentação de direito e o dispositivo final da sentença, pois naquela define-se que o acto padece do vício de violação dos deveres decorrentes, para a AT, dos artigos 58º e 59º nº 1 da LGT, além do de violação de lei por ir desaplicado o nº 4 do artigo 78ºda LGT, enquanto materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da tributação do rendimento segundo a capacidade contributiva, mas o dispositivo da sentença, em termos literais, parece convocar apenas este ultimo vício para motivação da decisão de julgar procedente a impugnação.
Julgamos que, em face de toda a fundamentação de direito, cuja transcrição essencialmente acabámos de rever, a sentença recorrida não pode ser interpretada como literalmente decorreria do seu segmento decisório final, isto é, como tendo como único fundamento ou ratio decidendi o vício de falta de fundamento legal por via da desaplicação, pelo Tribunal, do nº 4 do artigo 78º da LGT.
Com efeito, ante a globalidade e, até, a literalidade do discurso legitimador nos segmentos que destacámos, impõe-se concluir que o julgador considerou, também, como, de per si, suficiente causa de invalidade, os vícios de violação de lei inerentes às sobreditas violações dos deveres inquisitório e de colaboração e boa fé, vícios a que o de violação de lei por ser desaplicada, por inconstitucional, uma norma fundamento do acto impugnado, simplesmente, acresce.
Surpreendendo, como declaratários normais colocados na posição de declaratários reais, a vontade do declarante (o Juiz a quo) diremos que este, ao formular o dispositivo da sentença, embora literalmente tenha reconconvocado apenas o último vício a ser apreciado e imputado ao acto impugnado, não deixou de querer fundar a decisão também nos demais vícios que antes julgara inquinarem o acto e serem fundamento para o mesmo não dever ter sido emitido nos termos em que foi.
Enfim e em suma, interpretamos a sentença recorrida como julgando procedente a impugnação, com fundamento bastante, também, nos vícios procedimentais de violação, pela AT, dos deveres de demanda da verdade material sempre que tal se mostre possível – artigo 58º da LGT – e de colaboração e boa fé com o contribuinte – artigo 59º nºs 1 e 2 do mesmo diploma.

Sucede que, como a delimitação do objecto do recurso que acima começámos por fazer já revela, a Recorrente não pôs em causa, não impugnou, a sentença recorrida na parte em que a mesma se fundou em o acto impugnando padecer da violação dos deveres de colaboração e boa fé e de busca da verdade material.
Tais vícios eram e são bastantes, de per si, como é de regra, para a anulabilidade do acto impugnado.
Visto isto, é inútil, para a sorte do recurso, apreciar quer a questão de inconstitucionalidade inerente à questão acima enunciada, quer a questão em si mesma. Na verdade, qualquer que fosse a sua resposta, sempre a impugnação procederia, com fundamento nas demais razões enunciadas na sentença, pelo que o recurso sempre acabaria por ter de ser julgado improcedente.
Ora os actos inúteis estão proibidos no processo: artigo 130º do CPC.
Como assim, não se discutirá nesta sede recursiva esta segunda questão, acima enunciada.


Conclusão
No mais que dispôs, a sentença recorrida, interpretada como acima expusemos, consolidou-se na ordem jurídica, pelo que o recurso improcede in totum.

IV – Custas
Vencida no recurso, a Recorrente suportará as custas: artigo 527º do CPC

V - Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente: artigo 527º do CPC.
Porto, 22/2/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes