Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00355/10.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FATURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Resulta da conjunção dos artigos 712.º e 685º-B.º do CPC, (atuais art.ºs 662.º e 640.º) que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
II.No caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 685.º B do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte, sem possibilidade de ser proferido despacho de aperfeiçoamento.
III.Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, P…, Ld.ª, pessoa coletiva n.º 5…, interpôs recurso da sentença emitida em 14.03.2013, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2006, nos montantes de € 108 805,44.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1– Deve na prova produzida ser dado como provado que:

a) As faturas emitidas pela “T…, Lda.”, abreviadamente designada pela T..., à recorrente e contabilizadas por si correspondem a trabalho efetivamente prestado pela T...;
b) A recorrente efetuou contratos escritos com a T...;
c) Esta dispunha pessoal para o efeito;
d) Antes de efetuar os trabalhos contratados, a T... recorreu a exames de aptidão médica ao seu pessoal, conforme contrato outorgado com a empresa “M…, Lda.”;
e) Efetuou o contrato constante do contrato escrito;
f) Os serviços foram efetuados, em Espanha – Troço Autopista – Eibar/Vitória, na colocação de cofragem e descofragem, colocação de betão e picagem, foram medidos e foram pagos;
g) Os serviços foram pagos em dinheiro, por exigência da T...;
h) A T... emitiu os competentes recibos, para dar quitação ao negócio.
2. – Deve a sentença ser revista, por erro de julgamento, pois a recorrente demonstrou por provas documental e testemunhal, que os custos registados na contabilidade correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela T....
3. - Da prova produzida nos autos, a recorrente demonstrou que a T... prestou-lhe os serviços correspondentes aos custos registados na sua contabilidade, como também fez prova do suporte documental desses custos.
4. – Não obstante, deve reconhecer-se que a Autoridade Tributária não se desonerou do encargo que sobre si recaía de demonstrar que os custos registados na contabilidade da recorrente não correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela T....
5. – Devem os custos serem considerados como dedutíveis para efeitos fiscais, cf. Art.º 23º do CIRC e Art.º104º, n.º 2, da CRP.

Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA...(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorre em: (i) erro de julgamento de matéria de facto (conclusões 1 a 3); (ii) erro de julgamento de matéria de direito e de facto ao concluir que a Administração Tributária logrou fazer prova de que os custos registados na contabilidade não correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela sociedade T… Lda., (T...) e (iii) erro de julgamento de matéria de direito e de facto ao considerar que a Recorrente não demonstrou que os custos registados na contabilidade correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela T…, Lda.


3. JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) “(…)A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao IVA e IRC de 2006 (relatório de inspecção tributária (RIT) junto de fls. 36 a 46 do PA).
B) A acção inspectiva foi motivada pela informação remetida pela Direcção de Finanças de Braga, a qual menciona que as facturas emitidas pelo sujeito passivo “T…, Ld.ª”, pessoa colectiva n.º 5…, abreviadamente designada T..., são consideradas como mero suportes de operações simuladas (RIT e fls. 62 a 125 do PA).
C) A impugnante não tem falta de entrega de declarações de IVA e IRC (RIT).
D) No exercício de 2006, a impugnante tinha registado na sua contabilidade, em Outubro e Dezembro de 2006, na conta 62114 – “Isento (Subcontratos), por contrapartida da conta do respectivo fornecedor “22110007 – T…, Ld.ª”, as seguintes facturas emitidas pela T... no valor global de €201.265,00 (RIT):
Factura
Data do registo
Total
657
31/10/2006
€49.590,00
658
31/10/2006
€50.250,00
660
31/10/2006
€51.425,00
44
31/12/2006
€18.490,00
45
31/12/2006
€19.000,00
48
31/12/2006
€12.510,00
Total de 2006
€201.265,00
E) A impugnante não possuía e não exibiu nenhum documento de suporte dos registos efectuados no diário de operações diversas de Outubro a Dezembro de 2006 (RIT).
F) Por esse motivo os serviços de inspecção tributária (SIT) consideraram que os valores lançados na conta de Fornecimento e Serviços Externos, na subconta de 621114 – “Isento (Subcontratos)” e declarados à Administração Fiscal, na Declaração de Rendimento de IRC, do ano de 2006 que totalizam € 201.265,00 respeitantes aos registos atribuídos à empresa “T…, Ld.ª”, sem suporte documental, não são susceptíveis de serem considerados custos, à luz do estabelecido no artigo 23.º do CIRC (RIT).
G) Os SIT desconsideraram os referidos custos ainda porque consideraram que os custos registados relativos às facturas das T... não correspondiam a operações económicas reais, pelos fundamentos constantes do RIT de fls. 36 a 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
H) Estes custos não aceites fiscalmente originaram a correcção meramente aritmética da matéria tributável no valor de €201.265,00, tendo a matéria tributável declarada de €74.885,05, sido corrigida para €276.150,05 (RIT).
I) Os SIT procederem ainda à correcção da tributação autónoma declarada no campo 365, do quadro 10 da declaração de rendimentos de IRC – Modelo 22 de 2006, no valor de €8.480,64, para €27.578,72, tendo apurado a falta de declaração de imposto no valor de €19.098,08 (RIT).
J) Estas correcções deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2009 8310016657, no valor a pagar de €108.805,44, que consta de fls. 65, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que originou a demonstração de acerto de contas de fls. 66, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que apurou um, saldo a pagar de €80.557,53 (fls. 65 e 66).
K) A liquidação de juros compensatórios consta de fls. 67, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
L) Os SIT remeteram para a impugnante o projecto de RIT que consta de fls. 25 a 35 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pelo ofício de fls. 23 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por carta registada em 31/7/2009, enviada em nome da impugnante e para o seu domicílio fiscal (fls. 23 e seguintes).
M) Esta notificação foi recepcionada pela destinatária (fls. 45).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) As facturas emitidas pela T... à impugnante e contabilizadas por si correspondem a trabalho efectivamente prestado pela T....
2) A impugnante efectuou contratos escritos com a T....
3) Esta dispunha pessoal para o efeito.
4) Antes de efectuar os trabalhos contratados, a T... recorreu a exames de aptidão médica ao seu pessoal, conforme contrato outorgado com a empresa “M…, Ld.ª”.
5) Efectuou o trabalho constante do contrato escrito.
6) Os serviços foram efectuados, em Espanha – Troço Autopista – Eibar/Vitória, na colocação de cofragem e descofragem, colocação de betão e picagem, foram medidos e foram pagos.
7) Os serviços foram pagos em dinheiro, por exigência da T....
8) A T... emitiu os competentes recibos, para dar quitação ao negócio.. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
Considera que os factos dados como não provados na sentença recorrida devem ser dados como provados
Vejamos:
O n.º 1 do artigo 712.º (atual art.º 662.°) do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Por sua vez, o art.º 685º-B.º do CPC, (atual art.º 640.º) do mesmo diploma impõe que “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento em erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no número n.º2 do artigo 522.º C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere á impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa proceder à respectiva transcrição.
3- (...)
4 – Quando a gravação da audiência for efetuada através de meios que não permita a identificação precisa e em separadas dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores. (…).”
Por sua vez, estabelece o n.º 2 do artigo 522.º-C do CPC, o seguinte:
Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.”
Resulta da conjunção dos artigos 712.º e 685º-B.º do CPC, (atuais art.ºs 662.º e 640.º) que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
No caso em apreço a Recorrente impugna à matéria de facto julgada não provada na sentença recorrida.
Consta na sentença recorrida que:”Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) As facturas emitidas pela T... à impugnante e contabilizadas por si correspondem a trabalho efectivamente prestado pela T....
2) A impugnante efectuou contratos escritos com a T....
3) Esta dispunha pessoal para o efeito.
4) Antes de efectuar os trabalhos contratados, a T... recorreu a exames de aptidão médica ao seu pessoal, conforme contrato outorgado com a empresa “M…, Ld.ª”.
5) Efectuou o trabalho constante do contrato escrito.
6) Os serviços foram efectuados, em Espanha – Troço Autopista – Eibar/Vitória, na colocação de cofragem e descofragem, colocação de betão e picagem, foram medidos e foram pagos.
7) Os serviços foram pagos em dinheiro, por exigência da T....
8) A T... emitiu os competentes recibos, para dar quitação ao negócio.(…)”
Nas conclusões de recurso a Recorrente limita-se a referir que os factos dados como não provados devem ser considerados provados (conclusão 1) .
Entendemos que não foi dado cumprimento ao art.º 685º-B.º do CPC senão vejamos.
O Recorrente na motivação das alegações limita-se a transcrever os depoimentos das testemunhas: Alberto…, Armando…, F…, A…, Augusto…, e a retirar daí as suas conclusões de que os referidos factos deveriam ser dados como provados.
Como refere António Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil – Novo Regime. Almedina, 2008, pp. 141 e segs. “(…) Procurando sintetizar o sistema que agora passou a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão de facto:
a) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões;
b) Quando o recorrente funde a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que dele tenham sido registados, deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova, há que distinguir duas situações:
I) se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que não permite a identificação precisa e separada dos depoimentos recai sobre a parte o ónus de transcrição dos depoimentos, ao menos na parte relativa aos segmentos que, em seu entender, influam na decisão (n.º4);
II) Se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que permite a identificação precisa e separada dos depoimentos, o que monitoriza a gravação (art. 4.º do Dec-Lei n.º 39/95) e que está presente na audiência deve assinalar “na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível a identificação precisa e separadas dos mesmos.”, como determina o art.º 522.º-C n.º 2 .
Assim, se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a ata, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, cumpre-se mediante a indicação exactas das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respectiva transcrição. O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento (…)”
Em suma, no caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 685.º B do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.
O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte, sem possibilidade de ser proferido despacho de aperfeiçoamento.
No caso em apreço a Recorrente fundamenta o seu recurso em prova testemunhal gravada e não indica as passagens da gravação em que se funda limitando-se a transcrever excertos dos depoimentos.
A ata da inquirição de testemunhas, constante de fls. 150/153 identifica cada uma das testemunhas, refere as advertências, indica os factos a que foram inquiridas, refere o confronto com documentos e ainda o registo em sistema digital, com a indicação das horas minutos e segundos.
Assim, a Recorrente era-lhe permitido identificar com precisão as horas e minutos e segundo, onde se encontrava o depoimento.
Para além disso, impunha-se que a Recorrente referisse o “(…) porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exactamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida».
Repare-se na letra da lei: «Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida»!
Com efeito, trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o Recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto,
indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório(…)” Cfr Acórdão do STJ de 15.09.2011 no proc 1079/07.0 OTVPRT.P1.51 por referencia ainda ao artº 690º-A do CPC (destacado nosso).
Sintetizando, a Recorrente tem de concretizar quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal, o que no caso em apreço ocorreu.
Tem que indicar, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente. Considerando que se sustentou em prova testemunhal gravada, teria de indicar os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522.º-C do CPC, ou seja, de indicar o cd em que o depoimento se encontra gravado e o local onde começa e acaba a gravação de cada um dos depoimentos por ele invocados, sem prejuízo das transcrições.
No caso em apreço, a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si recaia. Limita-se proceder às transcrição dos depoimentos das testemunhas, sem a identificar o cd, local, onde se encontra gravado cada um bem como não refere as divergências concretas entre o decidido e o que consta dos depoimentos ou parte deles limitando-se a concluir que os factos deveriam ser dados como provados.
Assim, não tendo dado cabal cumprimento aos ónus de especificação da sua dissidência quanto à decisão de facto, como é imposto pelas alíneas a) e b) do nº 1, 2 e 4 do artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, é de rejeitar o recurso no que concerne à decisão da matéria de facto.

4.2. A Recorrente nas conclusões – 4ª e 5ª - imputa à sentença recorrida erro de julgamento, uma vez que a Autoridade Tributária não se desonerou do encargo que sobre si recaía de demonstrar que os custos registados na sua contabilidade não correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela T....
E que devem os custos serem considerados como dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do art.º 23.º do CIRC e Art.º104º, n.º 2, da CRP.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Por sua vez, a alínea a) do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos n.º 1 do art.º 17.º e alínea a) do art.º 23.º ambos do CIRC resulta que na determinação dos rendimentos o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os custos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Neste sentido, vide jurisprudência acórdãos do STA n.º 01483/02 de 20.11.2002, 1026/02 de 07.05.2003 e 0241/03 de 30.04.2003 bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte n.º 01834/04 Viseu, de 24.01.2008, 04871/04 – Viseu de 28.01.2010, 1026/02 de 24.01.2008, 2887/04 Viseu de 24.01.2008 in www.dgsi.pt.
E aqui chegado deparámo-nos com a questão, de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório.
Tem-se entendido “(…) de forma pacífica e uniforme pela jurisprudência, não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal.. (Acórdão do TCAN no processo n.º 2887/04-Viseu de 24.01.2008).
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.
Importará agora analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios sérios, objetivos e consistentes que permitam concluir que as faturas contabilizadas pela impugnante eram farturas que não tinham subjacentes prestações de serviços.
Relativamente a esta questão refere a sentença recorrida que: “(…) Em síntese, salienta-se, relativamente à emitente das facturas a falta de exercício da actividade e a ausência de uma estrutura empresarial para exercer a actividade de fornecimento de mão-de-obra, sobretudo atendendo ao volume de negócios de facturas emitidas pela T..., sendo do conhecimento da administração tributária a emissão de facturas no valor de €3.018.382,00, só no ano de 2006; o desconhecimento do paradeiro dos seus sócios e gerentes; o incumprimento das suas obrigações tributárias; a ausência de contabilidade; não ter habilitação legal para o exercício da actividade; não ter actividade nos locais da sua sede / escritório; a não emissão de facturas por ordem cronológica; e a requisição em tipografias, por pessoas desconhecidas, de impressão de facturas em nome da T..., a emissão de facturas / recibos por meios informáticos.
Quanto à impugnante, (…), ressalta ainda a falta de prova da movimentação de meios financeiros para o pagamento dos serviços a que se reportam as facturas registadas na contabilidade (a explicação dos pagamentos em dinheiro é inconsistente tanto mais que os pagamentos nem sequer coincidiam com a periodicidade das facturas e recibos emitidos pela T..., o que significa que o impugnante não tinha prova dos pagamentos realizados à T... e não havendo uma relação de proximidade e de confiança entre o impugnante e o responsável da T..., não é verosímil que os pagamentos em dinheiro fossem feitos sem um recibo ou um documento comprovativo dos pagamentos realizados, não se compreendendo também que sendo a impugnante e a T... de Portugal fossem realizar os pagamentos em dinheiro a Espanha, no local da obra, ainda por cima com dinheiro uma vez levado por um funcionário e outras vezes pelo alegado colaborador Augusto Vieira que até pagava a suas expensas a uma pessoa para o acompanhar por levar tanto dinheiro); a falta de prova objectiva da contratualização dos serviços prestados e da prestação efectiva desses serviços (inexistência de prova documental coerente e verosímil de contratos e autos de medição ou outros documentos comprovativos da efectiva prestação dos serviços aquando da realização da acção inspectiva, e a forma inusitada como surgiram parte desses documentos posteriormente, sem uma explicação coerente verosímil).
Estando feita prova consistente da existência de indícios sérios que os custos que correspondem ao valor das facturas alegadamente emitidas em nome da T..., registadas na contabilidade da impugnante não titulavam operações económicas reais, está afastada a presunção de veracidade da sua escrita (…) e formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa da não aceitação como custo fiscal do valor dessas facturas (art. 23.º, n.º 1, do CIRC
Para além disso, a impugnante até à dedução da petição inicial da impugnação judicial da liquidação impugnada nunca exibiu o suporte documental dos registos efectuados no diário de operações diversas relativos às facturas da T... no período de Outubro a Dezembro de 2006, período em que foram contabilizadas as referidas facturas, designadamente facturas ou documento equivalente ou qualquer documento de substituição, contratos, autos de medição, recibos ou qualquer outro, pelo que o custo registado não estava devidamente comprovado pela impugnante e como tal não podia relevar como custo fiscal (art. 23.º, n.º 1, do CPPT). (…)”
Desde já se diz que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, uma vez que fez uma correta apreciação dos indícios carreados para o processo pela Administração Fiscal.
O relatório de inspeção, datado de 25.08.2009, sustenta-se em indícios recolhidos junto do emitente das faturas e indícios recolhidos no utilizador aqui Recorrente.
Relativamente aos indícios recolhidos junto do emitente, a Administração Fiscal sustentada em inspeção ocorrida pela Direção de Finanças de Braga, apurou:
- ausência de uma estrutura empresarial para exercer a atividade de fornecimento de mão de obra,
- desconhecimento do paradeiro dos seus sócios e gerentes;
- o incumprimento das suas obrigações tributárias; a ausência de contabilidade;
- não estar habilitada legalmente para a construção civil, uma vez que foi requerida a certificado de Classificação de Empreitadas de Obras Públicas e certificado de Certificação Industrial de Construção Civil - ICC - classe I, para essa sociedade ao INCI- Instituto de Construção e de Imobiliário, tendo sido concluído por falta de participação da sociedade interessada;
- Existem faturas impressas em duas tipografias diferentes e ainda emitidas informaticamente, todas utilizadas em simultâneo;
- Não são identificáveis os requisitantes das faturas;
- O TOC desvinculou-se da empresa em 05.02.2003;
- Das declarações da Segurança Social a última folha de remuneração foi apresentada em janeiro de 2003;
- O local da sede encontra-se encerrado e sem indícios de existir qualquer atividade;
- Não existe coerência lógica entre ordem numérica e a data cronológica das faturas emitidas.
Quantos aos indícios apurados junto do utilizador, a Administração Fiscal verificou que:
- a existência em 2006, entre o mês de outubro e dezembro da contabilização de seis faturas no valor total de € 201 265.00,
- Inexistência de pagamentos;
- Em 31.12.2006, através de registo interno número 1200058, o valor de € 201 265.00 da conta – 22110007 T…– é debitada, por contrapartida da conta do fornecedor 22110005 P…– Sociedade de Construção S.A. ficando a conta da sociedade T… saldada.
- A P…– Sociedade de Construção S.A. tem por sócia a Recorrente e por Administrador J…, gerente da Recorrente.
- A Recorrente não possui suportes documentais das faturas em crise, não sendo possível analisar os documentos e tipos de descritivo.
E assim, teremos de concluir que a administração tributária recolheu indícios sérios da inexistência das operações tituladas pelas faturas em causa.
Tendo a Administração Tributária recolhido indício sérios da inexistência das operações tituladas pelas faturas emitidas pela referida sociedade à Recorrente, cumpriu o ónus a que estava obrigada.
Nesta conformidade, a sentença recorrida efetuou um correto julgamento de direito, pelo que terão de improceder as conclusões das alegações de recurso.

4.3. Por fim nas conclusões – 2ª e 3ª - a Recorrente alega que demonstrou por prova documental e testemunhal, que os custos registados na contabilidade correspondem a operações económicas reais efetivamente realizadas pela T…, Lda.
Alega que da prova produzida nos autos, a Recorrente demonstrou que a T…, Lda. prestou-lhe os serviços correspondentes aos custos registados na sua contabilidade, como também fez prova do suporte documental desses custos.
Vejamos:
Importa agora verificar se houve erro de julgamento, por se ter considerado que a Recorrente não provou que as faturas correspondiam a operações económicas reais.
Como supra se disse compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Uma vez que, a impugnação da matéria de facto, com base na prova testemunhal gravada não logrou por ter sido rejeitada, como supra se decidiu, importa agora perante a prova levada ao probatório verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e facto.
A Administração Fiscal na inspeção efetuada à Recorrente, desconsiderou as faturas emitidas por Sociedade T…, Lda., no ano de 2006.
Sendo que as faturas do ano de 2006, foram as faturas n.º 657-, 658, 660, 44, 45 e 48 no valor de 201 265,00 €, como decorre do ponto D dos factos provados bem como ficou provado que não possuía e não exibiu nenhum documento de suporte dos registos nos diários de operações diversas de outubro a dezembro. [ponto E) e F)]
Assim, ter-se-á que concluir, contrariamente à pretensão da Recorrente, que a prova produzida não é suficiente para comprovar que os trabalhos faturados nas supra identificadas faturas foram efetivamente prestados, pela sociedade T… Lda.
Desprotegida a Recorrente do escudo protetor da presunção da veracidade das suas declarações, teria que demonstrar a ocorrência do facto tributário, a efetiva existência das operações tituladas nas faturas que suportaram o direito à dedução dos custos.
Ou seja, competia à Recorrente o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Não tendo a Recorrente cumprido o ónus que sobre si impendia, terá de ser contra si valorado pelo que improcedem as conclusões de recurso.

E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I. Resulta da conjunção dos artigos 712.º e 685º-B.º do CPC, (atuais art.ºs 662.º e 640.º) que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
II.No caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 685.º B do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte, sem possibilidade de ser proferido despacho de aperfeiçoamento.
III.Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Ministério Público de Marco de Canavezes.
Custas pela Recorrente.

Porto, 02 de fevereiro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento