Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00056/10.8BEVIS
Secção:
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
NULIDADE DA DECISÃO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
PARTILHA
MAIS-VALIAS
VALOR DOS BENS TRANSMITIDOS
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) O facto de não existirem elementos claros sobre os termos da notificação não é decisivo nesta sede, quando se pondera que estando em causa o IRS referente ao ano de 2008, o início da contagem do prazo de caducidade tem lugar em 01.01.2009, esgotando-se tal prazo em 31.12.2012, de modo que, tendo sido apresentada em 20-01-2010 a presente impugnação judicial, tem de concluir-se, sem margem para dúvidas, que a Impugnante tinha conhecimento da liquidação ora impugnada, situação que lhe permitiu intentar o aludido processo judicial, sem qualquer reparo sobre as condições do exercício do seu direito de defesa, o que implica a total percepção do teor e alcance da liquidação impugnada.
IV) Num primeiro momento, o herdeiro, com a abertura da sucessão, aquando do falecimento do de cuius, adquire a título gratuito e, num segundo momento, na data da outorga da partilha, adquire a título oneroso aos demais herdeiros o excesso da quota-parte a que tem direito, ou seja, não obstante a aquisição do quinhão hereditário operar-se com a abertura da herança, por a partilha ter efeitos declarativos, no caso em que o herdeiro tem de pagar tornas para ficar com o prédio na totalidade há duas transmissões, uma a título gratuito relativa ao quinhão hereditário e outra onerosa resultante do pagamento de tornas.
V) Do confronto da disciplina contida nos arts. 79º, nº 6 e 87º do CIMSISD, com o disposto no Dec.Lei nº 287/2003, de 12.11 - designadamente no seu art. 15º - é de concluir que a única diferença que se detecta quanto à possibilidade de determinação do valor real dos bens transmitidos, por via de avaliação, para efeitos de liquidação do imposto sucessório ou do equivalente imposto de selo, reside no facto de, no âmbito do CIMSISD, essa avaliação depender de requerimento do contribuinte, e na vigência do citado Dec.Lei nº 287/2003, tal avaliação decorrer de imposição legal.
VI) Tal significa que a Recorrente podia optar por ser tributada em imposto sucessório com base no valor real dos prédios reportado à data da sua aquisição por sucessão mortis causa, e fixar, também por essa forma, o valor de aquisição desses prédios para efeitos de tributação mais-valias aquando da sua futura alienação, facto que não devia ignorar, já que o critério legal nesta matéria, contido nos nºs. 1 e 2 do art. 45º do CIRS, na versão introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12, não diverge, substancialmente, daquele que foi originariamente consignado no art. 43º do CIRS.
VII) O critério ínsito no art. 45º do CIRS, de natureza geral e abstracta, aplicando-se, por conseguinte, de igual forma a todos os contribuintes que se encontrem em idêntica situação, não viola os princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M..., devidamente identificado nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 29-04-2014, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de IRS n.º 2009 5004857650 relativa ao ano de 2008, no montante de € 94.161,66 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 217-250 e 273-278), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1. A ora Recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto e de direito constantes da sentença recorrida, nos pontos que infra se individualizarão.
2. No que concerne ao direito à liquidação, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter considerado que a Recorrente não fora validamente notificada da nota de liquidação adicional, reconhecendo-se a caducidade do direito à liquidação, conforme perfilhado pelo douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador da República, logo, deveria ter dado como não provado o ponto treze dos factos dados como provados.
3. Levantaram-se, essencialmente, três questões: a caducidade do direito à impugnação, a caducidade do direito à liquidação, e a errónea interpretação e aplicação do direito aos factos.
4. Bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar improcedente a excepção dilatória de caducidade do direito a impugnar.
5. No referente à caducidade do direito à liquidação, dispõe o art. 45º, n.º 1 da L.G.T. que o direito à liquidação de tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos.
6. Não tendo a Fazenda Pública logrado provar a válida notificação à Impugnante, deveria o Meritíssimo Juiz ter dado esse facto como não provado.
7. Impunha-se que o Meritíssimo Juiz tivesse decidido de outra forma, mais concretamente decidindo pela caducidade do direito a liquidar o imposto por parte da Fazenda Pública.
8. No referente à violação dos arts. 10.º e do art. 45.° do C.I.R.S., a Recorrente, por herança aberta por óbito de Maria… e de A…, herdou ½ dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Lamego, sob o art. 62 - C Rústico, 8… Urbano e 3… Urbano.
9. Por ter herdado bens para além da sua quota-ideal, a Recorrente teve de pagar tornas, no valor de €246.341,80.
10. Foi-lhe liquidado e por esta pago I.S., no valor de € 1.970,73, nos termos dos arts. 1.º, n.°1 e 13.°, n.° 1 do Código do I.S. tendo por base o valor total atribuído pelos herdeiros à partilha, que é de € 1.380.542,46.
11. Foi liquidado e por esta pago IMT, no montante de €12.505,13, em obediência ao disposto no n.° 5, al. c) do art. 2.° do Código do IMT, tendo por base o valor das tornas atribuído pelos herdeiros na escritura de partilha.
12. Com base nesse entendimento, e após a venda dos referidos bens por escritura pública, a Recorrente declarou as mais-valias resultantes daquela alienação onerosa na declaração de IRS, modelo 3 que apresentaram no ano de 2009, tendo, em virtude disso, liquidado e pago um imposto de mais-valias.
13. A Administração Tributária, no seguimento de um Procedimento de Inspecção Tributária realizado no ano de 2009, veio a emitir uma nota de liquidação adicional referente à declaração de IRS da Recorrente de 2009, tendo em conta como valor de aquisição o valor dos bens inscrito na matriz à data da abertura da herança.
14. Tal facto gerou uma mais-valia sobejamente superior à que havia sido calculada inicialmente, na medida em que a avaliação dos bens constante da matriz predial já não era actualizada há mais de duas décadas, razão pela qual estes se encontravam inscritos com valores patrimoniais muito baixos.
15. A ora Recorrente impugnou aquela liquidação adicional por não se conformar com a mesma.
16. O valor tido em conta pela Fazenda Pública para a liquidação do Imposto de Selo foi o valor total da herança, atribuído pelos herdeiros na escritura de partilha.
17. A douta decisão, além de integrar uma contradição, é violadora de diversos princípios orientadores do nosso Ordenamento Jurídico, bem como dos artigos 8.°, n.° 2 da L.G.T., 45º, n.° 1 do C.I.R.S., 266.°, n.°2 da CRP, 7.° e 7.°, n.° 2 do CPA, 13.°, n.° 1 do CIS, 13.° da CRP, 104.° da CRP, 138.° do C.I.M.I., 103.°, n.° 3 da CRP, 36.°, n.° 3 da LGT, 12.° do CMIT.
18. Não poderá entender-se que a aquisição de um mesmo bem, uno e ímpar, se efectuou em momentos diversos e temporalmente distantes para, com base nisso, tributar diferentemente o mesmo acto jurídico.
19. Diferente será dizer que, no que ao valor de aquisição respeita, exista uma porção desse mesmo bem cuja aquisição se considera gratuita, porquanto adveio da partilha da herança em que era herdeiro o seu titular, e, outra porção cuja aquisição se considera onerosa por ter sido necessário pagar tornas a outro herdeiro para efectivar a sua aquisição.
20. E, aí sim, com base nessa factualidade, tributar a porção adquirida a título gratuito com um Imposto de Selo, e a porção adquirida a título oneroso, com I.M.T.
21. Esta é razão perfilhada no Acórdão do STJ de 21 de Abril de 2009, proferido no processo 09a0635.
22. A partilha é também, em termos fiscais, constitutiva de direitos.
23. Só com a partilha é que os herdeiros passam a deter o direito de propriedade sobre os bens que lhes couberem.
24. Até esse momento, o herdeiro não actua com verdadeiro animus possidendi face à sua parte na herança.
25. A transmissão, para efeitos tributários e fiscais, só opera com a entrada do bem no património do adquirente.
26. Só a partir da partilha da herança é que o sujeito passivo passa a ver inscrito na sua caderneta predial aquele bem e a ter de declarar para efeitos fiscais e tributários a existência do bem no seu património.
27. Também por esse motivo surge o instituto do Sucessor Tributário como sujeito passivo indirecto na Relação Jurídica Tributária.
28. O espírito do legislador fiscal vai de encontro à posição de que, só após a partilha dos bens, estes integram verdadeiramente o património do sujeito passivo para efeitos fiscais.
29. Existe uma verdadeira constituição de direito naquele momento, precisamente por existir paralelamente uma constituição de deveres, nomeadamente, fiscais.
30. O momento da transmissão de um bem herdado, para efeitos fiscais, terá de ser considerado num momento único e não em vários momentos protelados no tempo.
31. Só a partir do momento em que o bem passou a integrar o património do sujeito passivo é que este responderá por si pelos impostos que daquela aquisição advierem
32. No mesmo sentido, o Acórdão do STA, de 25 de Novembro de 2009.
33. O mesmo entendimento no comentário de E. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, in “Código da Sisa e do imposto Sobre as Sucessões e Doações», anotado e comentado, 2ª edição, pág. 402.
34. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu e bem que, relativamente à aquisição onerosa, se considera valor de aquisição para efeitos de imposto de mais-valias o que tiver servido para efeitos de liquidação do I.M.T.
35. A mesma ordem de razão não foi seguida pelo douto Tribunal na parte da sentença que se refere ao valor, para efeitos de imposto de mais-valias, da aquisição a título gratuito já que aqui não relevou o valor de aquisição tido em conta na liquidação do Imposto de Selo, mas antes, o V.P.T. à data da abertura da herança.
36. Tal actuação é contraditória e, ademais, violadora do Princípio da Legalidade Tributária (cfr. art. 8.°, n.° 2 da L.G.T.).
37. Viola o preceituado no artigo 45.°, n.° 1 do Código do I.R.S..
38. Na liquidação do Imposto de Selo, a Administração Tributária tê-lo tendo como valor base de incidência o valor atribuído pelos herdeiros à herança na escritura de partilha, isto é, o valor de € 1.380.542,46.
39. Assim, o valor de aquisição dos bens para efeitos de Imposto de Selo, também tinha de o ser o mesmo para efeitos de cálculo do imposto de mais-valias, e não outro.
40. A Administração Tributária está vinculada a uma obrigação de actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. art. 266.°, n.° 2 da C.R.P.).
41. A A.T. violou expressamente o Princípio da Colaboração previsto no art. 7.° do Código do Procedimento Administrativo.
42. Foi a A.T. quem considerou como valor base para a incidência do imposto do selo o valor atribuído pelos herdeiros à partilha.
43. Prestou à Contribuinte em causa e a toda a Ordem Jurídica a informação de que fora aquele o valor de aquisição sendo esta responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares (cfr. o n.° 2 do mesmo artigo).
44. Determinando o art. 45.° do CIRS que o valor de aquisição a título gratuito é o valor pelo qual foi liquidado o imposto de selo, esta norma, por ser especial face às restantes, deve prevalecer.
45. Face à natureza dos diversos impostos, não é aceitável que a transmissão se considere efectuada para efeitos tributários e fiscais na data da abertura da herança se, nessa data, o herdeiro ainda nem havia aceitado a sua quota-parte e podendo ainda a ela renunciar, por outro lado, o bem ainda não havia integrado o seu património.
46. Tal foi perfilhado no Acórdão do TCA Norte, de 26 de Abril de 2006, processo n.° 00067/02.
47. É obrigação ex officio da Administração Tributária proceder periodicamente à avaliação dos imóveis, cfr. art. 138.º do C.I.M.I., igualmente preceituado no Acórdão do TCA Norte de 15 de Novembro de 2011, no processo 00516/06.5BEPNF, e defendido igualmente por Casalta Nabais.
48. Só desta forma faz sentido que seja esse o valor a ter em conta como valor de aquisição quando a aquisição é gratuita, sob pena de violação do Princípio da Igualdade em relação ao adquirente por meio de Inventário face ao comprador contratual que tem no Contrato de Compra e Venda, que lhe conferiu o direito de propriedade, o título que indica expressamente qual o verdadeiro valor pelo qual adquiriu o bem em causa (arts. 13.º e 104.° da CRP).
49. A Administração Tributária ao não proceder a actualizações com suficiente periodicidade, como lhe compete, previsto na norma do art. 13.º, n.° 1 do C.I.S. irá gerar ilegalidades e inconstitucionalidades, por violação do Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva.
50. Daqui decorre uma preocupação por parte do legislador de que o Imposto de Selo seja cobrado pelo valor mais concordante com a realidade patrimonial daquele bem.
51.Também é do interesse do legislador que, encontrando-se o Valor Patrimonial Tributário do bem imóvel completamente desfasado da realidade, não pode ser esse o valor a ter em conta para efeitos de liquidação de imposto de selo, sob pena de violação do Princípio da Igualdade quanto aos adquirentes gratuitamente de bens inscritos na matriz, e os adquirentes gratuitamente de bens omissos.
52. A norma do artigo 13.° do Código do Imposto de Selo, foi, certamente, redigida pelo legislador na certeza e na confiança de que a Administração Tributária mantinha os Valores Patrimoniais Tributários actualizados.
53. O art. 13.°, n.° 4, demonstra ser intenção do legislador, que na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis se observem as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.
54. O CIMT prevê precisamente que o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o V.P.T., consoante o que for maior (cfr. art. 12.°, n.°1 do CIMT).
55. Por analogia, e tendo em conta o espírito do legislador, devia-se aplicar quando o V.P.T. seja sobejamente inferior ao valor do contrato, ou da escritura de partilha, por decorrência de inércia da AT na avaliação patrimonial de um imóvel.
56. O mesmo decorre ainda da análise do art. 14.°, o qual se refere aos bens móveis.
57. O mesmo raciocínio tem de, axiologicamente, aplicar-se àquele artigo, sob pena de violação do Princípio da Igualdade face ao adquirente por Inventário de bens móveis e o adquirente por Inventário de bens imóveis.
58. O legislador pretende que o valor tido em conta como valor base para efeitos de • liquidação de Imposto de Selo se assemelhe ao valor real daquele bem, até porque quanto maior for o valor base de incidência, maior imposto resultará, prosseguindo-se, deste modo também, o interesse público - outra das exigências da actuação da AT.
59. Tal actuação da A.T. trata-se, aliás, de uma perspectiva meramente mercantilista, a qual pretendendo maximizar o imposto de mais-valias, em sede de categoria G, vai recuperar um valor que não havia utilizado em nenhuma das actuações anteriores.
60. Acresce que, na axiologia do Imposto de Selo, do I.M.T., do I.R.S. e, de resto, de todos os outros impostos, está o Princípio da Capacidade Contributiva.
61. Como tal, na sujeição da aquisição gratuita de um bem a Imposto de Selo, não havendo um valor efectivamente pago pelo qual o bem entrou na esfera patrimonial do sujeito, a regra terá de ser a do valor real do bem, e o valor real há-de ser aquele que mais se aproximar do valor venal do mesmo.
62. A Capacidade Contributiva do Sujeito Passivo, com a entrada daquele bem na sua esfera jurídica, vai majorar-se precisamente na exacta medida do valor real do bem.
63. E é, afinal, essa nova e majorada capacidade contributiva do sujeito passivo que irá ser tributada.
64. Daí que tenha sido pelo valor atribuído pelos herdeiros à partilha que a A.T. liquidou o imposto de selo, uma vez que era esse valor mais elevado que representava a nova capacidade contributiva dos sujeitos passivos ao terem agora na sua esfera patrimonial bens que valiam cerca de € 644.000,00 e não o valor constante da matriz, que não chegava aos € 14.000,00.
65. O artigo rústico inscrito com o n.° 62 C que à data da abertura da herança por óbito de Maria… estava avaliado em € 47,78 e que foi avaliado pelos herdeiros em escritura de partilha em €614.000,00 foi vendido, no mesmo ano, por €623.497,35.
66. Não foi o montante das tornas em si que, na essência, foi objecto de I.M.T., mas antes a capacidade contributiva demonstrada pelo Sujeito Passivo ao ter procedido ao pagamento das tornas.
67. As mais-valias têm de ser calculadas tendo como princípio que a Capacidade Contributiva dos Sujeitos Passivos em causa era aquela, que foi tida em conta na liquidação do Imposto de Selo e do I.M.T. e não outra.
68. A actuação da A.T. viola ainda o Princípio da não Retroactividade dos Impostos, o qual se encontra consagrado no art. 103.°, n.° 3 da CRP, na medida em que está a retroagir o pagamento do imposto de mais-valias a um valor que nunca foi representativo da Capacidade Contributiva da ora Recorrente.
69. O ordenamento jurídico português proíbe igualmente a Transmissibilidade das Obrigações Tributárias por Acto de Vontade, cfr. art. 36.°, n.° 3 da LGT, permitindo unicamente que esta aconteça por sucessão mortis causa, nos limites da herança.
70. Se através deste instituto o legislador está a tributar não o herdeiro mas o de cujos, pois era deste a obrigação tributária, não há-de querer nas mais-valias da categoria G do IRS tributar o ganho que o de cujos obteria se fosse ela a vender o bem, mas sim a mais-valia que o seu herdeiro obteve com aquela venda.
71. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos 8.°, n.°2 da L.G.T., 45.°, n.°1 do C.I.R.S., 266.°, n.° 2 da C.R.P., 7.º e 7.°, n.°2 do C.P.A., 13.°, n.° 1 do C.I.S., 13.º da C.R.P., 104.° da C.R.P., 138.° do C.I.M.I., 103.°, n.°3 da C.R.P., 36.°, n.°3 da L.G.T. e 12.° C.I.M.T.
NESTES TERMOS:
Deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma que julgue totalmente procedente a Impugnação Judicial intentada pelos ora Recorrentes e condene a Administração Tributária a anular a nota de liquidação n.° 2009 5004857650 e a restituir o montante pago pelos ora Recorrentes com base nessa liquidação, acrescido de juros de mora.
Ao Julgardes assim, estareis, Venerandos Julgadores, a fazer, uma vez mais a boa e aclamada JUSTIÇA !!!”

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 281/285 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia bem como apreciar o suscitado erro de julgamento de facto e ainda indagar da reclamada caducidade do direito à liquidação e da errónea interpretação e aplicação do direito aos factos.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. No dia 14.04.2008, no Cartório Notarial de Lamego, foi celebrada a escritura pública de partilha em que intervieram como primeiro outorgante, Maria T…, segundos outorgantes V… e Maria de F…, intervindo aquele, por si, e em representação de M..., aqui Impugnante, D…, como terceiro outorgante, intervindo por si e em representação de A… e, como quarto outorgante, António…. – Fls. 10 e sgs..
2. Da referida escritura pública consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]
E PELOS, PRIMEIRA, SEGUNDOS, por si e na referida qualidade, TERCEIRO, na referida qualidade FOI DITO:
Que no dia um de Abril de mil novecentos e noventa e cinco, na freguesia de Almacave, concelho de Lamego, onde teve a sua última residência habitual na Quinta…, faleceu, MARIA… que também usava, Maria…, natural da freguesia de Barqueiros, concelho de Mesão Frio, no estado de casada em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral com A….
Que a falecida não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, para além do referido marido, A…, os filhos, Ad…, Maria T… e M..., ao tempo casada com V… sob o regime da comunhão geral, todos antes identificados, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros, outorgada no Cartório Notarial de Peso da Régua em cinco de Junho de dois mil, exarada de folhas quarenta e duas, do Livro de Notas para Escrituras Diversas numero Cento e nove - A.
Que, posteriormente, no dia vinte e dois de Dezembro de dois mil e um, na freguesia de Almacave, concelho de Lamego, faleceu o referido V…, natural da freguesia e concelho de Resende, com última residência habitual na Rua…, freguesia da Sé, concelho de Lamego, no estado de casado em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral com M....
Que o falecido fez testamento outorgado no Cartório Notarial de Resende em dois de Setembro de mil novecentos e noventa e dois, exarado de folhas vinte e uma, do respectivo Livro número Vinte, no qual instituiu herdeira da quota disponível, sua referida mulher, sucedendo-lhe ainda como herdeiras legitimárias, para além da referida mulher. M..., a filha, Maria de F…, ambas antes identificadas, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros outorgada no Cartório Notarial de Peso da Régua no dia seis de Maio de dois mil e dois, exarada a folhas trinta e cinco e seguintes, do Livro de Notas para Escrituras Diversas número Cento e trinta e sets- A.
Que, posteriormente, no dia dez de Junho de dois mil e quatro, na freguesia de Almacave, concelho de Lamego, de onde era natural e onde teve a sua última residência habitual na dita Quinta…, faleceu o referido A…– no estado de viúvo de Maria… ou Maria….
Que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-me sucedido como únicos herdeiros os seus três filhos, Ad…, Maria T… e M... antes identificados, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros outorgada neste Canário Notarial no dia dezoito de Outubro de dois mil e cinco, exarada a folhas trinta, do Livro de Notas para escrituras Diversas número Catorze -E.
Que achando-se de perfeito acordo, resolvem, pela presente escritura proceder à partilha dos seguintes bens pertencentes à herança dos referidos Maria… e marido A…, com o NIF 7…:
A) Prédios sitos na freguesia de Almacave, concelho de Lamego:
UM – RÚSTICO – Quinta…– descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número mil…, da mesma freguesia, aí registada a aquisição a favor dos partilhantes pela inscrição G-Ap. Dois, de vinte e um de Maio de dois mil e um, inscrito na matriz sob o artigo 62-C, com o valor patrimonial de € 382,24 (IMI) e atribuído de um milhão e duzentos e vinte e oito mil euros.
[…]
DOIS Urbano – N… – casa de habitação com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número dois mil…, da mesma freguesia, aí registada a aquisição a favor dos partilhantes, pela inscrição G.Ap. dois, de vinte e um de Maio de dois mil e um, inscrito na matriz sob o artigo 8…, com o valor patrimonial de € 69.512.50 e atribuído de oitenta e dois mil euros.
TRÊS – Urbano – F…– casa de um pavimento destinada a armazém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número mil… da mesma freguesia, aí registada a aquisição a favor dos partilhantes pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o artigo 8…, com o valor patrimonial de € 21.185,75 e atribuído de vinte e dois mil euros.
QUATRO Urbano – F…, armazéns e actividade industrial, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número dois mil…, da mesma freguesa, aí registada a aquisição a favor dos partilhantes pela inscrição G-Ap. Dezasseis, de sete de Novembro de dois mil e cinco, inscrito na matriz sob o artigo 3…, com o valor patrimonial de € 37.235,88 e atribuído de trinta e oito mil euros.
CINCO – Rústico – P…– Pinhal e cultura arvense de sequeiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil…, aí registado a favor dos partilhantes pela inscrição G-Um, inscrito na matriz sob o artigo 72-C, com o valor patrimonial e atribuído de quinhentos e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos.
B) Prédios na freguesia de Penajóia, concelho de Lamego:
SEIS – Rústico – Lugar…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número quarenta… e quarenta…, do Livro B-cento e dezoito, folhas setenta, da mesma freguesia, aí registada a aquisição a favor do dissolvido casal pela inscrição, dezanove mil oitocentos e quarenta e oito, do Livro G-dezasseis, folhas cento e catorze, inscrito na matriz sob parte do artigo 246-A, com o valor patrimonial de € 72,40 (IMI) e atribuído de cinco mil euros.
SETE – Urbano – R…– por armazém, com área de setenta e sete vírgula sessenta metros quadrados, a confrontar do norte com caminho público, do sul e poente com herdeiros de Maria… e A… e do nascente com estrada municipal, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego, inscrito na matriz sob o artigo 1…, com o valor patrimonial de € 4.590,00 e atribuído de cinco mil euros.
Somam os prédios antes identificados o valor atribuído global de UM MILHÃO TREZENTOS E OITENTA MIL QUINHENTOS E QUARENTA E DOIS EUROS E QUARENTA CÊNTIMOS.
Que deste modo e tendo em consideração que à autora da herança Maria…, sucederam como herdeiros, para além do marido, três filhos, há-de dividir-se em duas partes iguais aquele valor, constituindo uma a meação que cabe ao viúvo e a outra' a herança propriamente dita que, por sua vez, se divide em quatro partes iguais, cabendo cada uma a título de quinhão ao mesmo viúvo e aos três filhos.
Assim, compete ao viúvo, A…, a título de meação e quinhão hereditário, o valor de oitocentos e sessenta e dois mil oitocentos e trinta e nove euros e a cada um dos filhos o quinhão hereditário no valor de cento e setenta e dois mil quinhentos e sessenta e sete euros e oitenta cêntimos.
Que porém dado o falecimento do herdeiro, V… e por força do testamento que este deixou, o seu quinhão hereditário terá de ser partilhada entre a sua viúva e a filha, cabendo à viúva, o quinhão hereditário no valor de cento e quinze mil quarenta e cinco euros e vinte cêntimos e á filha o quinhão hereditário no valor de cinquenta e sete mil quinhentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos.
Que por sua vez, dado o falecimento do autor da herança, A…, sucederam-lhe como únicos herdeiros os seus três filhos, cabendo a cada um deles a título de quinhão hereditário o valor de duzentos e oitenta e sete mil seiscentos e treze euros.
Que deste modo a cada um dos herdeiros, Maria T… e Ad… cabe o quinhão hereditário no valor global de quatrocentos e sessenta mil cento e oitenta cêntimos, à herdeira, M..., o quinhão hereditário no valor de quatrocentos e dois mil seiscentos e cinquenta e oito euros e vinte cêntimos e à herdeira, Maria de F…, o quinhão hereditário no valor de cinquenta e sete mil quinhentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos.
Que procedem à partilha do seguinte modo:
ADJUDICAM:
À primeira outorgante, Maria T…, metade dos prédios antes identificados sob as verbas um, três, quatro, seis e sete e a totalidade da cinco, no valor global correspondente de seiscentos e quarenta e nove mil quinhentos e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos, pelo que leva a mais do que lhe pertence a quantia de cento e oitenta e nove mil trezentos e sessenta e um euros e sessenta e seis cêntimos, que declara ter pago de tornas aos demais interessados.
[…]”.
(realces e sublinhados originais).
3. A título de Imposto do Selo, pagaram os herdeiros a quantia de € 4.064,97 euros. – Fls. 21.
4. Pelo excesso da quota-parte, pagou a Impugnante de IMT a quantia de € 12.505,13 euros. – Fls. 22.
5. Por escritura pública, celebrada em 14 de abril de 2008, Maria T… e M..., aqui Impugnante, na qualidade de donas e legítimas possuidoras, na proporção de metade para a primeira e metade para a segunda, declararam vender a José…, que, por sua vez, declarou aceitar essa venda, pelo preço global de € 1.496.393,70 euros, os seguintes prédios:
- prédio rústico – Quinta…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o número 1…, da mesma freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 62-C, com o valor patrimonial de € 382,24 euros (IMI) e € 7.929,96 euros de IMT e atribuído de € 1.246.994,70 euros;
- prédio urbano – F…– casa de um pavimento destinada a armazém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o n.º 1…, inscrito na matriz sob o artigo 8…, com o valor patrimonial de € 21.185,75 euros (IMI e IMT) a atribuído de € 199.519,16 euros;
- prédio urbano – F…– armazém e atividade industrial, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o n.º 2…, da mesma freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 3…, com o valor patrimonial de € 37.235,88 euros (IMI e IMT) e atribuído de € 49.879,80 euros. – Fls 23.
6. Com base na Ordem de Serviço n.º OI200900681, a Impugnante foi sujeita a uma ação inspetiva, de âmbito parcial (IRS) orientada para o ano de 2008, que decorreu entre 06.07.2009 e 24.08.2009. – Fls. 25 e sgs. do PA.
7. No âmbito da ação inspetiva, no dia 23.07.2009, foi elaborado o projeto de correções, que se dá aqui por reproduzido, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES
III.1.1 - EXERCÍCIO DE 2008
III.1.1.1 - Rendimentos obtidos
Compulsados os elementos existentes nesta Direcção de Finanças, verificou-se que, no ano de 2008, o SP auferiu rendimentos prediais (Categoria F), incrementos patrimoniais (Cat. G), assim como pensões (Cat. H).
(…)
III.1.1.1.3 - Rendimentos da categoria G
Mais-valias e outros incrementos patrimoniais
Através da consulta ao sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos e da análise à declaração de rendimentos modelo,3 apresentada para o ano de 2008, verificámos a existência de divergências entre:
A) As datas e os valores relativos à aquisição dos prédios alienados, inscritos no quadro 4 [Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens a actividade empresarial e profissional – Art.º 10.°, n.º 1, alínea a), do CIRS] do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3, prevista no art.º 57.° do CIRS:
(…)
B) As datas e os valores relativos à aquisição dos prédios alienados, determinados da seguinte forma:
1. Em 1995/04/01, por óbito de Maria…, coube-lhe em herança 12/96 dos prédios alienados:
(…)
2. Em 2004/06/10, por óbito de A…, coube-lhe em herança 20/96 dos prédios alienados:
(…)
3. Em 2008/04/14, por escritura de partilha lavrada no Cartório Notarial de Fernando…, adquiriu 16/96;
(…)
Estas divergências advêm do facto do SP considerar que a posse dos artigos alienados se efectivou na data da escritura de partilhas (2008/04/14) e que o valor de aquisição dos mesmos é o valor atribuído nesse acto à sua quota-parte nesses bens (€ 644.000,00).
Nos termos do art.º 10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem, entre outros, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Esse ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, corrigido pelos coeficientes de desvalorização (os quais são aprovados anualmente por portaria do Ministro das Finanças) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data de alienação.
Em termos de rendimentos qualificados como mais-valias, sujeitos às taxas gerais do IRS, o seu valor é o correspondente ao saldo apurado entre as mais e as menos-valias realizadas no mesmo ano, sendo que o referido saldo, positivo ou negativo, respeitante às transmissões de direitos reais sobre bens imóveis, efectuadas por residentes, apenas é considerado em 50% do seu valor.
Importa, pois, verificar o respectivo valor de aquisição e de realização para efeitos de cálculo do valor da mais-valia sujeita a tributação.
Ora, estabelece o n.º1 do art.º 45.º do CIRS, na redacção dada pelo art.º 46.º da Lei n.º 53-N2006 de 29/12, que "Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos do imposto do selo. ".
No caso dos bens imóveis adquiridos a título oneroso, estabelece o n.º 1 do art.º 46.º do IRS que “… considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa.". O n.º 2 do mesmo artigo determina que "Não havendo lugar à liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto."
É de referir que, nos termos do n.º 2 do art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, “Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao
imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.".
No caso em apreço, o SP adquiriu os imóveis alienados em diversos momentos, conforme se passa a discriminar:
Ø Aquisição a título gratuito
ü 06/96 em 1995/04/01, por óbito de Maria…;
ü 03/96 em 2001/12/22, por óbito de V…;
ü 20/96 em 2004/06/10, por óbito de A…;
Ø Aquisição a título oneroso
ü 16/96 em 2008/04/14, por escritura de partilha lavrada no Cartório Notarial de Fernando….
Relativamente a cada um dos herdeiros e à respectiva quota ideal (e só a esta) considera-se a mesma adquirida na data de abertura da sucessão, a saber, em 1995/04/01, 2001/12/22 e em 2004/06/10.
Antes da partilha, ou seja, quando a herança está indivisa, há um único património que é propriedade conjunta de todos os herdeiros, os quais não têm, por enquanto, senão direito a uma quota ou fracção ideal e abstrata a que não correspondem quaisquer bens, concretamente determinados ou individualizados.
Após a partilha, a herança é dividida em tantos patrimónios quantos os herdeiros, sendo adjudicado a cada um determinados bens, devidamente identificados.
Se os bens adjudicados em partilha, forem imóveis e excederem a quota-parte que ao herdeiro pertencer, obriga ao pagamento de tornas, verificando-se neste caso uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, através da qual o herdeiro "vende" a parte "ali-quota". Neste caso, a quota-parte dos bens adquirida através do pagamento de tornas, considera-se adquirida no momento do facto jurídico (partilha), que legitima a titularidade do excedente doa quota-parte que ao adquirente pertencer.
No que concerne ao valor de realização, estabelece a alínea f) do n.º 1 do art.º 48.º do CIRS que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização o valor da respectiva contraprestação explicitado, neste caso, na respectiva escritura de compra e venda. Contudo, importa a este propósito referir que, nos termos do n.º 2 do referido art.º 48.º do CIRS, "Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.".
Assim, face aos elementos e valores referidos, a mais-valia resultante da alienação corresponde à apurada no quadro que se segue, ponderando ainda o coeficiente de desvalorização da moeda, nos termos do artigo 50.º do CIRS:
(…)
No entanto, nos termos do n.º 2 do art.º 43 do CIRS, apenas 50% destas mais valias são consideradas para efeitos de englobamento.
Face à legislação e factos mencionados, no caso em apreço, o rendimento da categoria G importa em € 229.144,93, pelo que se propõe a respectiva correcção.
(…)”. – Fls. 25 do PA.
8. Para notificação do direito de audição foi remetido, por carta registada, com o registo “RM317397920PT”, o ofício n.º 008642, de 28.07.2009. – Fls. 22 do PA e 124.
9. A Impugnante não exerceu o direito de audição. – Fls. 10 e sgs. do PA.
10. As alterações dos rendimentos declarados pela Impugnante foram mantidas no relatório final, tendo sido sancionadas superiormente. – Fls. 10 e sgs. do PA.
11. Por carta registada com aviso de receção, foi a Impugnante notificada da alteração ao rendimento declarado, no montante de € 239.649,54 euros, bem como do relatório final de inspecção. – Fls 23 e 24 do PA.
12. Foi emitida a liquidação de IRS n.º 2009 5004857650, relativa ao ano de 2008, no montante de € 94.161,66 euros. – Facto confessado.
13. A Impugnante foi notificada da liquidação ora impugnada. - Facto confessado.

A) FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
B) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil). Aplicou-se o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente refere que não tendo a Fazenda Pública logrado provar a válida notificação à Impugnante, deveria o Meritíssimo Juiz ter dado esse facto como não provado e não poderia o Meritíssimo Juiz a quo ignorar o facto de quando foram validamente notificada os aqui Recorrente da Nota de Liquidação adicional, o que significa que ao não se pronunciar sobre tal facto, incorre numa omissão de pronuncia.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Nesta medida, é manifesto que a Recorrente não tem qualquer razão nesta sede, dado que, a sentença contemplou expressamente no probatório a matéria acima descrita e apreciou a questão da caducidade do direito à liquidação, referindo que “a Impugnante foi notificada da liquidação ora impugnada (facto confessado) e, embora não tenha sido possível apurar a data em que ocorreu tal notificação, a mesma terá tido lugar necessariamente em momento anterior a 20.01.2010, data de entrada da petição inicial da impugnação”, o que equivale a dizer que a situação descrita pela Recorrente apenas poderá relevar ao nível do erro de julgamento mas é insusceptível de suportar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Nessa sequência, diga-se que a Recorrente defende que, no que concerne ao direito à liquidação, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter considerado que a Recorrente não fora validamente notificada da nota de liquidação adicional, reconhecendo-se a caducidade do direito à liquidação, conforme perfilhado pelo douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador da República, logo, deveria ter dado como não provado o ponto treze dos factos dados como provados.
Além disso, no referente à caducidade do direito à liquidação, dispõe o art. 45º, n.° 1 da L.G.T. que o direito à liquidação de tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos e não tendo a Fazenda Pública logrado provar a válida notificação à Impugnante, deveria o Meritíssimo Juiz ter dado esse facto como não provado.

Neste âmbito, constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da AT, quando o valor dessa determinação não for notificado ao contribuinte no prazo fixado na lei, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário.

Assim, a caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré - fixados, caracterizados pela peremptoriedade e, no ensinamento de Aníbal de Castro, A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, pág. 41, visa «limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de exercer-se o direito...», havendo sido invocada logo na petição inicial como fundamento da impugnação.

De acordo com o disposto no art. 45º n°s l e 4 da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

Pois bem, na situação em apreço, o Tribunal a quo considerou que a Impugnante foi notificada da liquidação ora impugnada enquanto facto confessado.

E diga-se que não poderia fazer outra coisa, embora a formulação utilizada pudesse ser mais elaborada e incidindo sobretudo naquilo que é incontornável, ou seja, o facto de a Recorrente ter conhecimento da liquidação em causa.

Na verdade, seria algo prodigioso o facto de a ora Recorrente ter conseguido deduzir a presente impugnação judicial sem ter conhecimento da mesma, sendo que não se alcança da petição inicial qualquer reserva sobre os contornos da liquidação impugnada, nem a alusão a alguma situação capaz de comprometer o direito de defesa da ora Recorrente.

Isto para dizer que a Recorrente poderia apresentar uma impugnação judicial discutindo precisamente esta questão, caso em que seria necessário indagar dos termos em que teria sido feita a notificação.

Ora, quando se percorre a petição inicial, não se alcança resto da aludida questão, a qual emerge no desenvolvimento dos autos e como que por arrasto com referência à questão da caducidade do direito de acção suscitada nos autos, que motivou a realização de diligências para apurar dos factos ligados à notificação da liquidação, originando este novo elemento que acabou por ser ponderado na decisão recorrida.

No entanto, o facto de não existirem elementos claros sobre os termos da notificação não é decisivo nesta sede, quando se pondera que estando em causa o IRS referente ao ano de 2008, o início da contagem do prazo de caducidade tem lugar em 01.01.2009, ocorrendo o seu terminus em 31.12.2012, de modo que, tendo sido apresentada em 20-01-2010 a presente impugnação judicial, tem de concluir-se, sem margem para dúvidas, que a Impugnante tinha conhecimento da liquidação ora impugnada, situação que lhe permitiu intentar o aludido processo judicial, sem qualquer reparo sobre as condições do exercício do seu direito de defesa, o que implica a total percepção do teor e alcance da liquidação impugnada, realidade que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente neste domínio e que justifica porventura o esforço mínimo da Recorrente na sua alegação e a sua pouca convicção no que concerne ao exposto.

A partir daqui, e com referência à questão essencial em apreciação nos autos, a decisão recorrida ponderou que:

“…
De acordo com o preceituado no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
A tributação das mais-valias surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo alienante, em relação ao qual o princípio da capacidade contributiva reclama a existência de normas de incidência objetiva.
Segundo o preceituado no artigo 10.º, n.º 4 do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição [alínea a)].
Assim, a mais-valia resulta da diferença entre o valor pelo qual um ativo entrou no património individual de um sujeito e o valor por que dele saiu, por força de um ato de disposição ou de outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais-valia, (XAVIER DE BASTOS, IRS – Incidência Real de Determinação dos Rendimentos Líquidos).
Quanto ao valor de aquisição, importa saber se a aquisição foi a título gratuito ou oneroso.
O CIRS não fornece diretamente um conceito próprio de transmissão gratuita de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias. Porém, o artigo 45.º, n.º 1 do CIRS preceitua que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre sucessões e que, não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de acordo com as regras próprias daquele imposto.
Assim, depreende-se que o legislador pretendeu sintonizar o conceito de transmissão gratuita, para efeitos de tributação, a título de mais-valias, em sede de IRS, com o que resulta do CIMSISD, agora CIS, devendo considerar-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a Imposto do Selo, independentemente de o imposto ser, no caso, devido.
Neste sentido vide o Acórdão do STA de 06.06.2007, P. 155/07. A herança constitui uma transmissão de bens a título gratuito, inserida no âmbito de incidência do Imposto do Selo (artigo 1.º, n.º 3 do CIS).
Segundo o preceituado no artigo 2031.º do CC a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e os efeitos da aceitação da herança retrotraem ao momento da abertura (artigo 2050.º). Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe forem atribuídos (artigo 2119.º do CC). Assim, os atos que se referem ao facto sucessório como a aceitação da herança e a partilha, produzem efeitos que retroagem àquele momento da abertura da herança.
Nestes termos, a partilha tem caráter declarativo e não constitutivo. “A partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tomar certa uma situação anterior. Cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha, através da partilha, esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados. Mas, no fundo, o direito a bens determinados que existe depois da partilha, é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto”. “Como consequência ou em conexa com esta construção doutrinal o Código estabelece o princípio da retroactividade da partilha, que está expresso no art.º 2119.º”, (PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, 2.ª Edição, pp. 247 e sgs.).
Neste sentido vide também o acórdão do STA de 8 de maio de 1996, P. 17 839. Não é a partilha a revelar como facto aquisitivo da propriedade dos bens partilhados, é-o o facto sucessório que gerou a comunhão a que aquela pôs termo – abertura da sucessão (artigo 1317.º, alínea b) do CC), mas a abertura da sucessão que fez ingressar o titular do ganho obtido na titularidade da comunhão a que deu causa e que veio a cessar com a partilha, porquanto é esse o evento que a lei civil considero para efeito da aquisição do domínio, (Acórdão do STA de 16.03.1994, P. 017417, AP DR de 28.11.1996, p. 162 e sgs.).
Regressando ao caso em apreço, na partilha efetuada, a Impugnante recebeu bens em valor superior ao da quota-parte a que tinham direito, tendo entregue aos demais herdeiros a quantia correspondente à quota de cada um.
Ora, neste caso, a aquisição dos bens pelo herdeiro que recebe em excesso é efetuada a título simultaneamente oneroso e a título gratuito e em dois momentos distintos.
Assim, num primeiro momento, com a abertura da sucessão, aquando do falecimento do de cuius, adquire a título gratuito e, num segundo momento, na data da outorga da partilha, adquire a título oneroso aos demais herdeiros o excesso da quota-parte a que tem direito.
Neste sentido vide o Acórdão do STA de 25.11.1992, recurso n.º 014555, no qual se decidiu que, não obstante a aquisição do quinhão hereditário operar-se com a abertura da herança, por a partilha ter efeitos declarativos, no caso em que o herdeiro tem de pagar tornas para ficar com o prédio na totalidade há duas transmissões, uma a título gratuito relativa ao quinhão hereditário e outra onerosa resultante do pagamento de tornas.
Para efeitos de IMT, haverá transmissão onerosa de imóveis relativamente ao excesso de quota-parte de imóveis em partilha ou divisão de coisa comum (artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do CIMT). Ou seja, haverá sujeição a IMT, quando, em resultado da partilha, determinado herdeiro recebe bens imóveis de valor superior à sua quota-parte na herança.
Isto porque, como refere JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2.ª Edição, Almedina, 2013, pp. 280 e sgs., “(…) Na verdade, a função da partilha é proceder à distribuição dos bens em função da quota ideal de cada um dos herdeiros, pelo que se essa distribuição respeitar aquela proporção, não haverá IMT a pagar. Nesses casos não ocorre qualquer transmissão no ato de partilha porque, como estabelece o Código Civil no artigo 2119.º, a aquisição por via sucessória retroage à data da abertura da herança. Porém, nos casos em que dessas partilhas resulte que determinado herdeiro recebe bens imóveis de valor superior à sua quota na herança, haverá sujeição a IMT, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2º do CMIT. Nesses casos a parte do valor dos prédios que excede a quota do herdeiro é adquirida por efeito da partilha e não por mero efeito da sucessão. Por essa razão haverá sujeição a IMT na data da sua outorga, mas o imposto só incide sobre a parte do valor do imóvel recebido pelo herdeiro que excede a sua quota ideal.”
“É este excesso de valor relativamente à quota que o adquirente já dispõe nos bens imóveis, que constitui e dá a onerosidade da aquisição”, (SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, apud. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, op. cit.).
Recuperando novamente o caso sub judice, no que tange ao valor de aquisição dos bens, na aquisição gratuita, o artigo 45.º, n.º 1 do CIRS, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, dispõe que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do Imposto do Selo. Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto (n.º 2).
E qual o valor considerado para efeitos de imposto de selo?
Segundo o disposto no artigo 13.º, n.º 1 do CIS é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão. Nestes termos, os valores considerados pela Administração Tributária estão corretos.
Relativamente à aquisição onerosa, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1 do CIRS, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação de SISA (atualmente, IMT, por força do artigo 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro). O n.º 2 determina que não havendo lugar à determinação de SISA, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto (atualmente, IMT, por força do artigo 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).
O valor tributável sujeito a imposto é constituído pelo excesso do valor de imóveis recebidos sobre a quota-parte do adquirente (artigo 12.º, n.º 4, regra 11 do CIMT), o excesso é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha.
Pelo que, também aqui, os valores de aquisição considerados pela Administração Tributária estão corretos. …”

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a AT, no seguimento de um Procedimento de Inspecção Tributária realizado no ano de 2009, veio a emitir uma nota de liquidação adicional referente à declaração de IRS da Recorrente de 2009, tendo em conta como valor de aquisição o valor dos bens inscrito na matriz à data da abertura da herança, o que gerou uma mais-valia sobejamente superior à que havia sido calculada inicialmente, na medida em que a avaliação dos bens constante da matriz predial já não era actualizada há mais de duas décadas, razão pela qual estes se encontravam inscritos com valores patrimoniais muito baixos.
Além disso, não poderá entender-se que a aquisição de um mesmo bem, uno e ímpar, se efectuou em momentos diversos e temporalmente distantes para, com base nisso, tributar diferentemente o mesmo acto jurídico, sendo que diferente será dizer que, no que ao valor de aquisição respeita, exista uma porção desse mesmo bem cuja aquisição se considera gratuita, porquanto adveio da partilha da herança em que era herdeiro o seu titular, e, outra porção cuja aquisição se considera onerosa por ter sido necessário pagar tornas a outro herdeiro para efectivar a sua aquisição e, aí sim, com base nessa factualidade, tributar a porção adquirida a título gratuito com um Imposto de Selo, e a porção adquirida a título oneroso, com I.M.T.
A partilha é também, em termos fiscais, constitutiva de direitos e só com a partilha é que os herdeiros passam a deter o direito de propriedade sobre os bens que lhes couberem, verificando-se que até esse momento, o herdeiro não actua com verdadeiro animus possidendi face à sua parte na herança e a transmissão, para efeitos tributários e fiscais, só opera com a entrada do bem no património do adquirente, só a partir da partilha da herança é que o sujeito passivo passa a ver inscrito na sua caderneta predial aquele bem e a ter de declarar para efeitos fiscais e tributários a existência do bem no seu património.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu e bem que, relativamente à aquisição onerosa, se considera valor de aquisição para efeitos de imposto de mais-valias o que tiver servido para efeitos de liquidação do I.M.T., sendo que a mesma ordem de razão não foi seguida pelo douto Tribunal na parte da sentença que se refere ao valor, para efeitos de imposto de mais-valias, da aquisição a título gratuito já que aqui não relevou o valor de aquisição tido em conta na liquidação do Imposto de Selo, mas antes, o V.P.T. à data da abertura da herança, verificando-se que tal actuação é contraditória e, ademais, violadora do Princípio da Legalidade Tributária (cfr. art. 8.°, n.° 2 da L.G.T.) e viola o preceituado no artigo 45.°, n.° 1 do Código do I.R.S..
Na liquidação do Imposto de Selo, a Administração Tributária tê-lo tendo como valor base de incidência o valor atribuído pelos herdeiros à herança na escritura de partilha, isto é, o valor de € 1.380.542,46, pelo que o valor de aquisição dos bens para efeitos de Imposto de Selo, também tinha de o ser o mesmo para efeitos de cálculo do imposto de mais-valias, e não outro.
A Administração Tributária está vinculada a uma obrigação de actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. art. 266.°, n.° 2 da C.R.P.), sendo que a A.T. violou expressamente o Princípio da Colaboração previsto no art. 7.° do Código do Procedimento Administrativo, pois foi a A.T. quem considerou como valor base para a incidência do imposto do selo o valor atribuído pelos herdeiros à partilha e prestou à Contribuinte em causa e a toda a Ordem Jurídica a informação de que fora aquele o valor de aquisição sendo esta responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares.
Determinando o art. 45.° do CIRS que o valor de aquisição a título gratuito é o valor pelo qual foi liquidado o imposto de selo, esta norma, por ser especial face às restantes, deve prevalecer e face à natureza dos diversos impostos, não é aceitável que a transmissão se considere efectuada para efeitos tributários e fiscais na data da abertura da herança se, nessa data, o herdeiro ainda nem havia aceitado a sua quota-parte e podendo ainda a ela renunciar, por outro lado, o bem ainda não havia integrado o seu património.
Por outro lado, é obrigação ex officio da Administração Tributária proceder periodicamente à avaliação dos imóveis, cfr. art. 138.° do C.I.M.I., na medida em que só desta forma faz sentido que seja esse o valor a ter em conta como valor de aquisição quando a aquisição é gratuita, sob pena de violação do Princípio da Igualdade em relação ao adquirente por meio de Inventário face ao comprador contratual que tem no Contrato de Compra e Venda, que lhe conferiu o direito de propriedade, o título que indica expressamente qual o verdadeiro valor pelo qual adquiriu o bem em causa (arts. 13.º e 104.° da CRP), sendo que a Administração Tributária ao não proceder a actualizações com suficiente periodicidade, como lhe compete, previsto na norma do art. 13.º, n.° 1 do C.I.S. irá gerar ilegalidades e inconstitucionalidades, por violação do Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva
Daqui decorre uma preocupação por parte do legislador de que o Imposto de Selo seja cobrado pelo valor mais concordante com a realidade patrimonial daquele bem e também é do interesse do legislador que, encontrando-se o Valor Patrimonial Tributário do bem imóvel completamente desfasado da realidade, não pode ser esse o valor a ter em conta para efeitos de liquidação de imposto de selo, sob pena de violação do Princípio da Igualdade quanto aos adquirentes gratuitamente de bens inscritos na matriz, e os adquirentes gratuitamente de bens omissos, sendo que a norma do artigo 13.° do Código do Imposto de Selo, foi, certamente, redigida pelo legislador na certeza e na confiança de que a Administração Tributária mantinha os Valores Patrimoniais Tributários actualizados e o art. 13.º, n.º 4, demonstra ser intenção do legislador, que na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis se observem as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.
O CIMT prevê precisamente que o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o V.P.T., consoante o que for maior (cfr. art. 12.º, n.º 1 do CIMT) e por analogia, e tendo em conta o espírito do legislador, devia-se aplicar quando o V.P.T. seja sobejamente inferior ao valor do contrato, ou da escritura de partilha, por decorrência de inércia da AT na avaliação patrimonial de um imóvel, o mesmo emergindo ainda da análise do art. 14.º, o qual se refere aos bens móveis.
O mesmo raciocínio tem de, axiologicamente, aplicar-se àquele artigo, sob pena de violação do Princípio da Igualdade face ao adquirente por Inventário de bens móveis e o adquirente por Inventário de bens imóveis e o legislador pretende que o valor tido em conta como valor base para efeitos de liquidação de Imposto de Selo se assemelhe ao valor real daquele bem, até porque quanto maior for o valor base de incidência, maior imposto resultará, prosseguindo-se, deste modo também, o interesse público - outra das exigências da actuação da AT.
Tal actuação da A.T. trata-se, aliás, de uma perspectiva meramente mercantilista, a qual pretendendo maximizar o imposto de mais-valias, em sede de categoria G, vai recuperar um valor que não havia utilizado em nenhuma das actuações anteriores.
Acresce que, na axiologia do Imposto de Selo, do I.M.T., do I.R.S. e, de resto, de todos os outros impostos, está o Princípio da Capacidade Contributiva e como tal, na sujeição da aquisição gratuita de um bem a Imposto de Selo, não havendo um valor efectivamente pago pelo qual o bem entrou na esfera patrimonial do sujeito, a regra terá de ser a do valor real do bem, e o valor real há-de ser aquele que mais se aproximar do valor venal do mesmo.
A Capacidade Contributiva do Sujeito Passivo, com a entrada daquele bem na sua esfera jurídica, vai majorar-se precisamente na exacta medida do valor real do bem e é, afinal, essa nova e majorada capacidade contributiva do sujeito passivo que irá ser tributada, daí que tenha sido pelo valor atribuído pelos herdeiros à partilha que a A.T. liquidou o imposto de selo, uma vez que era esse valor mais elevado que representava a nova capacidade contributiva dos sujeitos passivos ao terem agora na sua esfera patrimonial bens que valiam cerca de € 644.000,00 e não o valor constante da matriz, que não chegava aos € 14.000,00.
O artigo rústico inscrito com o n.° 62 C que à data da abertura da herança por óbito de Maria… estava avaliado em € 47,78 e que foi avaliado pelos herdeiros em escritura de partilha em €614.000,00 foi vendido, no mesmo ano, por €623.497,35 e não foi o montante das tornas em si que, na essência, foi objecto de I.M.T., mas antes a capacidade contributiva demonstrada pelo Sujeito Passivo ao ter procedido ao pagamento das tornas, o que significa que as mais-valias têm de ser calculadas tendo como princípio que a Capacidade Contributiva dos Sujeitos Passivos em causa era aquela, que foi tida em conta na liquidação do Imposto de Selo e do I.M.T. e não outra.
A actuação da A.T. viola ainda o Princípio da não Retroactividade dos Impostos, o qual se encontra consagrado no art. 103.°, n.° 3 da CRP, na medida em que está a retroagir o pagamento do imposto de mais-valias a um valor que nunca foi representativo da Capacidade Contributiva da ora Recorrente, sendo que o ordenamento jurídico português proíbe igualmente a Transmissibilidade das Obrigações Tributárias por Acto de Vontade, cfr. art. 36.°, n.° 3 da LGT, permitindo unicamente que esta aconteça por sucessão mortis causa, nos limites da herança e se através deste instituto o legislador está a tributar não o herdeiro mas o de cujos, pois era deste a obrigação tributária, não há-de querer nas mais-valias da categoria G do IRS tributar o ganho que o de cujos obteria se fosse ela a vender o bem, mas sim a mais-valia que o seu herdeiro obteve com aquela venda.

Que dizer?
Como é sabido, nos termos do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
A norma em apreço, sistematicamente inserida na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação da incidência, na medida em que o preceito consagra um facto gerador de imposto (norma de incidência tributária) relativo às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis que tenham sido originadas fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, visto que só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto, um rendimento inserido na categoria B.

Nesta matéria, é ponto assente enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram, sendo que só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem e, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.
A partir daqui, tal como se defende no Ac. do T.C.A. Sul de 17-04-2012, Proc. nº 5359/12, ao que se crê ainda inédito, “… Muito embora os efeitos da aceitação da herança retroajam ao momento de abertura da sucessão, a qual se verifica no preciso momento em que o autor da sucessão morre (cfr. art. 2119.º e 2050.º do Código Civil), tal efeito só é verdade quanto à quota ideal e à deixa testamentária e não havendo no caso em apreço testamento, só se verifica, portanto, a retroactividade quanto à quota ideal …, sendo a restante quota-parte adquirida pelo impugnante …”, ou seja, em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto.

Assim sendo, não merece censura o exposto na decisão recorrida quando refere que na partilha efectuada, a Impugnante recebeu bens em valor superior ao da quota-parte a que tinham direito, tendo entregue aos demais herdeiros a quantia correspondente à quota de cada um e neste caso, a aquisição dos bens pelo herdeiro que recebe em excesso é efectuada a título simultaneamente oneroso e a título gratuito e em dois momentos distintos.
Assim, num primeiro momento, com a abertura da sucessão, aquando do falecimento do de cuius, adquire a título gratuito e, num segundo momento, na data da outorga da partilha, adquire a título oneroso aos demais herdeiros o excesso da quota-parte a que tem direito, ou seja, não obstante a aquisição do quinhão hereditário operar-se com a abertura da herança, por a partilha ter efeitos declarativos, no caso em que o herdeiro tem de pagar tornas para ficar com o prédio na totalidade há duas transmissões, uma a título gratuito relativa ao quinhão hereditário e outra onerosa resultante do pagamento de tornas.

Avançando, diga-se ainda que não existe dissídio quando se aponta que para efeitos de IMT, haverá transmissão onerosa de imóveis relativamente ao excesso de quota-parte de imóveis em partilha ou divisão de coisa comum (artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do CIMT), ou seja, haverá sujeição a IMT, quando, em resultado da partilha, determinado herdeiro recebe bens imóveis de valor superior à sua quota-parte na herança.
Isto porque, como refere JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2.ª Edição, Almedina, 2013, pp. 280 e sgs., “(…) Na verdade, a função da partilha é proceder à distribuição dos bens em função da quota ideal de cada um dos herdeiros, pelo que se essa distribuição respeitar aquela proporção, não haverá IMT a pagar. Nesses casos não ocorre qualquer transmissão no ato de partilha porque, como estabelece o Código Civil no artigo 2119.º, a aquisição por via sucessória retroage à data da abertura da herança. Porém, nos casos em que dessas partilhas resulte que determinado herdeiro recebe bens imóveis de valor superior à sua quota na herança, haverá sujeição a IMT, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2º do CMIT. Nesses casos a parte do valor dos prédios que excede a quota do herdeiro é adquirida por efeito da partilha e não por mero efeito da sucessão. Por essa razão haverá sujeição a IMT na data da sua outorga, mas o imposto só incide sobre a parte do valor do imóvel recebido pelo herdeiro que excede a sua quota ideal.”

Nesta sequência, a matéria essencial prende-se com o valor de aquisição dos bens, na aquisição gratuita, sendo que o artigo 45º nº 1 do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, dispõe que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do Imposto do Selo. Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto (n.º 2), verificando-se que de acordo com o disposto no artigo 13º nº 1 do CIS é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão.

A partir daqui, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. de 23-04-2013, Proc. nº 0442/12, www.dgsi.pt, onde se pondera que “… O Dec. Lei nº 287/2003, de 12/11, com o expresso objectivo de proceder à reforma da tributação do património, procedeu à aprovação do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), bem como do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), introduzindo as necessárias alterações na legislação conexa, designadamente, nos Códigos que disciplinam a tributação do rendimento, bem como no Código do Imposto de Selo, normativos legais que, no essencial, entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (cfr. arts. 1º a 12º e 32º, do referido diploma legal ).
Concomitantemente, o citado Dec.Lei inseriu, no seu capítulo III, um conjunto de normas provisórias que, como se refere no seu preâmbulo, «(…) se prendem, nomeadamente, com a fixação de um prazo máximo para promover a avaliação geral dos prédios urbanos e, enquanto essa avaliação não for efectuada, com as regras de actualização transitória dos seus valores patrimoniais tributários, com soluções diferenciadas para os que estão arrendados e para os que o não estão, com a determinação da avaliação dos prédios que entretanto forem transmitidos (…)», e que entraram em vigor também em 1 de Janeiro de 2004.

Do conjunto dessas normas provisórias destaca-se, por revestir interesse no caso em apreço, o que vinha disposto no originário art. 15º, onde se exarava o seguinte:

Artigo 15.º

Avaliação de prédios já inscritos na matriz

1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.º.
2 - O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.

3 - O disposto no presente artigo aplica-se também às primeiras transmissões de partes sociais de sociedades sujeitas a IMT, ou de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas de cujo activo façam parte prédios urbanos, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.

4 - Será promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos, no prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do CIMI.

5 - Quando se proceder à avaliação geral dos prédios urbanos ou rústicos, será afectada para despesas do serviço de avaliações uma percentagem até 5, a fixar e regulamentar por portaria do Ministro das Finanças, do IMI cobrado nos anos em que se realizar aquela avaliação.

É, assim, incontroverso que nas transmissões gratuitas de bens, maxime por sucessão hereditária, ocorridas após a entrada em vigor do Dec. Lei nº 287/2003, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2004, inclusive, o Imposto de Selo incidia sobre o valor dos bens transmitidos, revelado à data da transmissão, por via da avaliação imposta pelo nº 2 do seu art. 15º.

É também certo que, à luz do que dispunha o art. 20º, § 2º, do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD), o imposto sucessório, relativamente aos imóveis inscritos na matriz predial, incidia sobre o valor que dessa matriz constasse, ou sobre o valor que, sendo superior, lhes fosse atribuído em inventário ou outro título de partilhas, sendo vedado, nestas circunstâncias, à Fazenda Pública proceder à sua avaliação para o efeito de liquidar este imposto, como resulta do disposto no art. 79º, 6º, 1ª parte, do referido diploma legal.

Porém, a limitação assim imposta à Fazenda Pública, era claramente arredada quanto ao sujeito passivo do imposto que, em face da notificação da liquidação do imposto, e discordando desta, podia requerer a avaliação dos bens transmitidos, nos termos do art. 87º do mesmo diploma legal, que dispunha o seguinte:

Artigo 87º

No prazo de oito dias a contar da notificação, os contribuintes que não se conformarem com os valores sobre que foi liquidado o imposto poderão contestá-los, por si, seus representantes legais ou mandatários, requerendo avaliação dos bens ainda não avaliados no processo, salvo tratando-se dos seguintes:

1º - Bens móveis ou imobiliários cujo valor tenha sido o atribuído em inventário, título de partilhas ou liquidação de estabelecimento comercial ou industrial;

2º - Quotas ou partes em sociedades que não sejam por acções e continuem com o contribuinte, quando o seu valor tenha sido o atribuído em partilha;

3º - Bens mencionados no nº 7º e última parte do nº 4º do artigo 79º e no nº 1º deste artigo, quando não tenha sido aplicada a fórmula constante da alínea a) da regra 5ª do parágrafo 3º do artigo 20º.

Parágrafo 1º - Em relação aos bens que forem objecto de pedido de avaliação, suspender-se-ão todas as diligências ulteriores à liquidação, devendo reformar-se esta, de acordo com os valores que lhes vierem a ser atribuídos, e notificar-se de novo aos interessados nos termos do artigo anterior.

Parágrafo 2º - Se os contribuintes não quiserem requerer avaliação, poderão eles próprios, ou as pessoas notificadas em sua vez, declarar por termo no processo, dentro do mesmo prazo de oito dias, que preferem pagar o imposto de pronto, pedir o seu pagamento em maior número de prestações do que as indicadas na parte inicial do parágrafo 1º do artigo 120º ou ainda requerer a dação em cumprimento nos termos do artigo 129º-A.

Ora, do confronto das citadas normas do CIMSISD – maxime do seu art. 87º -, com o que vem disposto no Dec. Lei nº 287/2003, designadamente no seu art. 15º, haverá que concluir que a única diferença que se detecta quanto à possibilidade de determinação do valor real dos bens transmitidos, por via de avaliação, para o efeito da liquidação do imposto sucessório ou do equivalente imposto de selo, reside no facto de, no âmbito do CIMSISD, a avaliação depender de requerimento do contribuinte, e na vigência do citado Decreto Lei essa mesma avaliação decorrer de imposição legal (Refira-se que o art. 96º, da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, alterou o art. 15º, com a introdução de um número onde se prescreve que essa imposição legal de avaliação «(…) não se aplica ao cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões por morte de que forem beneficiários, salvo vontade expressa pelos próprios.».).

Significa isto, desde logo, que a determinação do valor real dos prédios com referência à data da aquisição gratuita, por avaliação, podia e devia, de igual forma, ocorrer tanto antes como depois de 1 de Janeiro de 2004, já que, como se disse, o Dec.Lei nº 287/2003, limitou-se a impor uma avaliação que, antes da sua vigência, era meramente facultativa, dependendo de vontade manifestada pelo contribuinte.

Neste enquadramento, torna-se claro que em 2001 estava nas mãos do Recorrente fazer a justiça que propugna, de «respeitar o valor real dos prédios reportado à data da aquisição por sucessão mortis causa» para efeitos de tributação, desde logo no que se refere ao imposto sucessório, que seria, decerto, superior àquele que pagou, como também, consequentemente, quanto à Contribuição Autárquica e posterior IMI incidentes sobre esses prédios, que viriam a ser, necessariamente, calculados com base nesse valor real.

É também fora de dúvida que, nesse conspecto, e tal como todos os demais contribuintes que foram tributados em imposto de selo, ou mesmo em imposto sucessório, com base no valor real dos bens determinado em avaliação, o Recorrente pagaria as mais-valias resultantes da diferença entre esse valor real dos bens, determinado em avaliação à data da aquisição – então base de liquidação do imposto sucessório - e o que derivasse do preço na venda, já que o carácter geral e abstracto do art. 45º do CIRS assim o determina.

Todavia, o Recorrente optou, deliberadamente, por ser tributado em imposto sucessório com base no valor matricial dos prédios - não obstante afirmar, peremptoriamente, que esse valor estava profundamente subestimado relativamente ao valor real dos bens à data da aquisição -, apesar de não dever ignorar que seria aquele o valor a considerar como de aquisição na eventualidade de tributação de mais-valias, já que o critério legal nessa matéria, contido nos nºs. 1 e 2 do art. 45º do CIRS, na versão introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12, aplicável in casu, não diverge, substancialmente, daquele que foi originariamente consignado no art. 43º daquele diploma legal (Artigo 43.º - Valor de aquisição a título gratuito

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.).

E, desta forma, o Recorrente foi tributado em mais-valias nos mesmos moldes em que o foram todos os contribuintes que, como ele, optaram pela tributação em imposto sucessório determinado com base no mero valor matricial dos bens transmitidos.

Ora, conforme se diz no acórdão nº 306/10, proferido pelo Tribunal Constitucional em 14/7/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 186, de 23/9/2010, «(…) o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cf. Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, ob. cit., p. 974).».

Impõe-se, assim, concluir que o critério ínsito no art. 45º do CIRS, de natureza geral e abstracta, aplicando-se, por conseguinte, de igual forma a todos os contribuintes que se encontrem em idêntica situação, jamais poderia violar os princípios elencados pelo Recorrente.

Ao contrário, é na tese defendida pelo Recorrente que se detecta, indubitavelmente, a violação dos princípios em que se fundamenta, desde logo, por redundar em discriminação entre os contribuintes totalmente destituída de fundamento racional, motivo pelo qual, fatalmente, a sua pretensão terá de improceder.

Ademais, a impugnação sempre estaria votada ao insucesso, já que, atento o princípio da auto-revisibilidade das leis e a inerente legitimidade do legislador para definir um novo regime legal em função de justificadas opções político-legislativas, as normas contidas no Dec.Lei nº 287/2003 também nunca poderiam contender com os princípios invocados pelo recorrente, desde logo porque a questão do princípio da igualdade só se coloca perante situações idênticas e sincrónicas e, por outro lado, como se refere no citado acórdão nº 306/10, do Tribunal Constitucional, «(…) o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04).». …”.

Perante a bondade do que fica exposto, quanto enquadramento da matéria em apreço, resulta claro que não pode proceder o exposto pela Recorrente quanto à violação dos princípios da não retroactividade, da igualdade e da capacidade contributiva nos termos descritos que são a grande aposta das presentes alegações de recurso, não se vislumbrando no exposto pela Recorrente matéria capaz de afastar a matéria descrito no aresto acima identificado.

Por outro lado, ao contrário do que defende a Recorrente, esta só pode queixar-se de si mesma no que concerne ao facto de a avaliação dos bens constante da matriz predial estar desactualizada, não existindo qualquer contradição ao nível da decisão quando aponta que a Impugnante recebeu bens em valor superior ao da quota-parte a que tinham direito, tendo entregue aos demais herdeiros a quantia correspondente à quota de cada um e neste caso, a aquisição dos bens pelo herdeiro que recebe em excesso é efectuada a título simultaneamente oneroso e a título gratuito e em dois momentos distintos.

Quanto ao imposto de selo liquidado, é preciso notar que o valor liquidado teve por base o valor das tornas e foi considerado em termos de Tabela Geral do Imposto de Selo a verba 1.1 relacionada com a aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos - sobre o valor (0,8%), não se colhendo neste ponto qualquer ponto de apoio para a tese da Recorrente e seu desenvolvimento posterior no que concerne à violação dos princípios apontados.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova