Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00618/08.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMI
ALVARÁ DE LOTEAMENTO
EFICÁCIA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
IMPOSSIBILIDADE DE SINDICÂNCIA DO ERRO
Sumário:I – Os lotes de terreno para construção constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará – cfr. artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
II - Com a emissão do alvará de loteamento, o Município coloca na disponibilidade do titular de tal alvará a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística.
III - A emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização para a realização de operação de loteamento e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente – cfr. artigo 74.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
IV - A inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, faz com que o tribunal de recurso fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pelo recorrente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 19/07/2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “R…, Ld.ª”, contribuinte fiscal n.º 5…, com sede em…, Concelho de Cinfães, contra a liquidação do IMI, referente ao ano de 2004, no montante de 4.361,22 euros, bem como contra a decisão da Reclamação Graciosa n.º 0060200604000340.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IMI referente ao ano de 2005, no seguimento do indeferimento de uma reclamação graciosa preteritamente apresentada.
B. A argumentação expendida pela Autora encontra-se devidamente resumida no RELATÓRIO da douta sentença (fls. 1 a 3).
C. A AT defende que a tributação é devida, atendendo a que a sociedade em causa nunca reuniu as condições necessárias para beneficiar da suspensão da tributação em sede de IMI.
D. Face à prova produzida nos autos, entende a recorrente que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto:
D.1) deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “3.° A) A impugnante procedeu ao pagamento em 16/11/2004, em numerário, da factura/recibo n.° 3/3516/5075, de 16/11/2004, no montante de € 90.017,59, referente à concessão de alvará e infraestruturas da operação de loteamento 14/01” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.1 da motivação, para o qual se remete);
D.2) não deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “5.º A publicitação do Alvará era obrigatória como requisito de eficácia da licença concedida pela Câmara Municipal” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.2 da motivação, para o qual se remete);
D.3) o seguinte facto deveria ter sido dado como não provado “6.º A sociedade ora Impugnante não contribuiu para a situação de retardamento da publicitação do Alvará” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.3 da motivação, para o qual se remete);
D.4) deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “7.° A) Na declaração modelo 1 relativa ao loteamento, apresentada pela Impugnante, consta o seguinte: “Data de passagem a urbano: 2004-11-16” (cfr. resulta dos concretos meios probatórias mencionados no ponto 7.4 da motivação, para o qual se remete);
D.5 - o seguinte facto deveria ter sido dado como provado com a redacção que segue: “9.º Em 28 de Fevereiro de 2005, a sociedade Impugnante apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva, subordinado ao “ASSUNTO: ISENÇÃO DE IMI”, no qual requereu a “NÃO SUJEIÇÃO DE IMI RELATIVAMENTE AOS 13 LOTES DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO, PROVINDOS DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO REFERIDO” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionadas na ponto 7.5 da motivação, para o qual se remete);
D.6 - o seguinte facto deveria ter sido dado como provado com a redacção que segue:
“11.º O Chefe do Serviço de Finanças proferiu, em 22 de Fevereiro de 2007, um despacho a conceder a isenção da tributação em IMI apenas para os anos de 2006 e 2007, uma vez que, tendo o Alvará sido emitido em 16 de Novembro de 2004, o pedido de isenção devia ter sido apresentado no prazo de 60 dias a contar daquela data. Decidiu ainda o Chefe do Serviço de Finanças que o pedido da impugnante só poderia ser enquadrado na alínea d) do n.° 1 do artigo 9º do CIMI, de harmonia com os elementos contabilísticos juntos ao pedido, e já não na alínea e). Assim, tendo a comunicação sido apresentada para além do prazo, o imposto era devido por todo o tempo já decorrido, iniciando-se a suspensão da tributação apenas a partir do ano seguinte ao da comunicação” (cfr. resulta dos concretos meios probatórias mencionados no ponto 7.6 da motivação, para o qual se remete);
D.7 - o seguinte facto deveria ter sido dado como provado com a redacção que segue: “12.º A sociedade impugnante apresentou Reclamação Graciosa, em 28 de Dezembro de 2006, contra a liquidação de IMI do ano de 2004, à qual foi atribuída o n.° 006020060400034.0” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.7 da motivação, para o qual se remete);
D.8 - o seguinte facto deveria ter sido dado como provado com a redacção que segue:
“13.º A qual foi indeferida por despacho de 11 de Agosto de 2008, fundado na informação prestada, em sede de projecto de decisão, pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, tendo sido decidido não conceder a suspensão de tributação para o ano de 2005 e revogar o despacho de concessão de tal suspensão para os ano de 2006 e 2007” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.9 da motivação, para o qual se remete);
D.9 - deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “13.º A) A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento em 18 de Agosto de 2008” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.9 da motivação, para o qual se remete);
D.10 - os seguintes factos deveriam ter sido dados como não provados:
“19.º A data do Alvará para as obras do loteamento não corresponde à data do conhecimento do mesmo”,
“20.º A impugnante toma conhecimento do Alvará em 28 de Janeiro” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.10 da motivação, para o qual se remete);
D.11 - o seguinte facto deveria ter sido dado como provado com a redacção que segue:
“22.º Os lotes n.°s 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 foram contabilizados na conta 35 - Produtos e Trabalhos em curso” (cfr. resulta dos concretos meios probatórios mencionados no ponto 7.11 da motivação, para o qual se remete);
D.12 - deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “22° A) A petição inicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 21.10.2008”.
E. O douto tribunal a quo considerou que: o prazo para a impugnante apresentar a comunicação a que alude o nº 4 do artigo 9.° do CIMI deve ser contado da data da publicitação do Alvará e na sua da sua emissão; os lotes foram contabilizados na conta 32 - mercadorias à data de 31.01.2005.
F. Porém, e como se deixou escrito no ponto 7. deste recurso, o prazo para a aludida comunicação não pode ser contado a partir da data da publicação do Alvará, visto que a mesma, além de não ser condição de eficácia da licença, não assume qualquer relevância para efeitos fiscais.
G. Por outro lado, os lotes não foram contabilizados na conta 32-mercadorias, mas sim na conta 35 - Produtos e Trabalhos em curso.
H. Assim, podemos concluir que a impugnação não poderia proceder, visto que a sociedade não reuniu os pressupostos cumulativos para beneficiar da suspensão de tributação para os prédios em causa.
I. Atendendo a que os presentes autos se reportam à liquidação de IMI do ano de 2004, temos que o único fundamento tomado pelo tribunal a quo para anular a liquidação de IMI de 2004 prende-se com a data de início de tributação em sede daquele imposto, entendendo o tribunal recorrido que a mesma só poderia ocorrer a partir de 2005.
J. Porém, na declaração modelo 1 relativa ao loteamento consta o seguinte: “Data de passagem a urbano: 2004-11-16”.
K. Assim, é a partir daquela data (e não da publicitação do Alvará que, como vimos, não assume relevância fiscal nem é condição de eficácia da licença) que o prédio deve ser inscrito na matriz como “terreno para construção” (alínea b) do n.° 1 do artigo 13.° do CIMI), iniciando-se a tributação nesse mesmo ano (2004, cfr. alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do CIMI).
L. Consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito, por violação da alínea e) do n.° 1, bem como dos n.°s 4 e 5, todos do artigo 9°, da alínea b) do n.° 1 do artigo 13.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 9°, todos do Código do IMI.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, no que respeita a não ser devido IMI em 2004 quanto aos lotes em apreço.
III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1.º - A sociedade Impugnante foi constituída em 28 de Novembro de 2002.
2.º - Apresentava como objecto social a construção de edifícios e a compra e venda de propriedades, terrenos e edifícios.
3.º - Em 16 de Novembro de 2004 a Câmara Municipal de Castelo de Paiva emitiu a favor da sociedade impugnante o Alvará de Loteamento Urbano n.º 2/2004.
4.º - Este Alvará foi publicitado em 28 de Janeiro de 2005.
5.º - A publicitação do Alvará era obrigatória como requisito de eficácia da licença concedida pela Câmara Municipal.
6.° - A sociedade ora Impugnante não contribuiu para a situação de retardamento da publicitação do Alvará.
7.° - Em 4 de Fevereiro de 2005 a sociedade Impugnante apresentou no Serviço de Finanças a Declaração Modela 1 relativa ao loteamento.
8.º- A Declaração foi validada em 17 de Fevereiro de 2005.
9.º - Em 2 de Fevereiro de 2005 a sociedade Impugnante requereu a isenção de IMI para os treze lotes de terreno constituídos através do Alvará 2/2004.
10.º - O pedido de isenção da tributação foi requerido nos termos do art.9.º, n°1, alínea e) do CIMI, por os lotes de terreno constarem das respectivas existências e por o imposto só ser devido a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma empresa que tenha por objecto a sua venda.
11.º - O Chefe do Serviço de Finanças proferiu em 22 de Fevereiro de 2007 um despacho a conceder a isenção da tributação em IMI apenas para os anos de 2006 e 2007, uma vez que, tendo o Alvará sido emitido em 16 de Novembro de 2004, o pedido de isenção devia ter sido apresentado no prazo de 60 dias a contar daquela data – art. 9°, n.º4 do CIMI - logo, a comunicação tinha sido apresentada para além do prazo pelo que o imposto era devido por todo o tempo já decorrido, iniciando-se a suspensão da tributação apenas a partir do ano seguinte ao da comunicação.
12.° - A sociedade Impugnante apresentou uma Reclamação Oficiosa em 23 de Dezembro de 2006.
13.° - A qual foi indeferida por despacho de 22 de Fevereiro de 2007 que manteve a isenção de tributação em IMI apenas para os anos de 2006 e 2007.
14.° - A sociedade Impugnante apresentou em 22 de Março de 2007 um recurso hierárquico com os mesmos fundamentos.
15.º - O qual foi indeferido em 30 do Abril de 2008.
16.° - O despacho então proferido entendeu que o Chefe do Serviço de Finanças devia revogar o seu anterior despacho que tinha concedido a isenção de tributação para os anos de 2006 e 2007.
17.° - Na sequência do que o Chefe do Serviço de Finanças revogou em 11 de Agosto de 2008 o seu anterior despacho que tinha concedido a isenção da tributação em IMI para os anos de 2006 e 2007.
18.º - Os lotes de terreno destinavam-se à venda - cfr. depoimento de A….
19.° - A data do Alvará para as obras do loteamento não corresponde à data do conhecimento do mesmo – cfr. depoimento de L….
20.° - A Impugnante toma conhecimento do Alvará em 28 de Janeiro – cfr. depoimento de L….
21.° - Quanto à contabilização dos lotes diz-se na decisão do Recurso Hierárquico que os lotes tinham de ser contabilizados na conta 32 - Mercadorias (bens adquiridos pela empresa com destino a venda) para que pudessem beneficiar da isenção prevista, no art. 9º, n.°1, alínea e) do CIMI.
22.° - Os lotes n,°s 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 11, 12 e 13 foram contabilizados nessa conta – cfr. Balancete datado de 31 de Janeiro de 2005.

B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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2. O Direito

A presente impugnação judicial versa liquidação de IMI, referente ao ano de 2004. A esse respeito, a sentença recorrida julgou que esta liquidação não podia ter tido lugar, uma vez que o alvará de loteamento só produziu os seus efeitos em 28/01/2005, com a respectiva publicitação, pelo que o IMI só é devido a partir de 2005.
Assim, o único fundamento que foi apontado para anular a liquidação de IMI de 2004 prende-se com a data de início de tributação em sede daquele imposto.
A este propósito regula o artigo 9.º do Código do IMI, na redacção aplicável à data:
“Artigo 9.º
Início da tributação
1 - O imposto é devido a partir:
a) Do ano, inclusive, em que a fracção do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio;
b) Do ano seguinte ao do termo da situação de isenção, salvo se, estando o sujeito passivo a beneficiar de isenção, venha a adquirir novo prédio para habitação própria e permanente e continuar titular do direito de propriedade do prédio isento, caso em que o imposto é devido no ano em que o prédio deixou de ser habitado pelo respectivo proprietário;
c) Do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio;
d) Do quarto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;
e) Do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma empresa que tenha por objecto a sua venda.
2 - Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição.
3 - Na situação prevista na alínea e) do n.º 1, o imposto é ainda devido a partir do ano, inclusive, em que a venda do prédio tenha sido retardada por facto imputável ao respectivo sujeito passivo.
4 - Para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1, devem os sujeitos passivos comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afectação dos prédios àqueles fins.
5 - Nas situações a que alude o número anterior, se a comunicação for apresentada para além do prazo referido, o imposto é devido por todo o tempo já decorrido, iniciando-se a suspensão da tributação apenas a partir do ano seguinte ao da comunicação, cessando, todavia, no ano em que findaria caso tivesse sido apresentada em tempo.
6 - Não gozam do regime previsto nas alíneas d) e e) do n.º 1 os sujeitos passivos que tenham adquirido o prédio a entidade que dele já tenha beneficiado.
7 - O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 não é aplicável aos sujeitos passivos que tenham domicílio fiscal em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”
Considerando que a emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização para a realização de operação de loteamento e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente – cfr. artigo 74.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, republicado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06: Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação – a factualidade que o Recorrente pretende aditar à decisão da matéria de facto mostra-se relevante para a decisão da causa. Isto porque, com a emissão do alvará, a licença passa a produzir efeitos jurídicos inter partes (entre a Administração - o Município licenciador - e o particular requerente da operação de loteamento). Salientamos que a publicitação a que se refere o artigo 78.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação se destina a dar a conhecer a terceiros que determinado prédio foi objecto de uma operação urbanística, quer essa publicidade seja promovida pelo titular do alvará (n.º 1), quer seja levada a cabo pela câmara municipal (n.º 2).
O alvará concedido permite o exercício dos direitos nele discriminados a partir do momento em que é passado, ou seja, com a emissão do alvará de loteamento, o Município coloca na disponibilidade do titular de tal alvará a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística – cfr. artigo 80.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e Acórdãos do STA, de 18/06/2009 e de 05/06/2013, proferidos nos recursos n.º 0483/09 e n.º 0876/12, respectivamente.
Efectivamente, os lotes constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará (artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação então vigente) – cfr. Acórdão do STA, de 27/11/2013, proferido no âmbito do recurso n.º 076/13.
Assim, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não residem dúvidas que o alvará de licença da operação de loteamento em causa surge como requisito de efectiva produção de efeitos jurídicos, ou seja, de eficácia do acto administrativo. Não podendo, manifestamente, concluir-se, como o efectuou a sentença recorrida, que, relativamente ao ano de 2004, a liquidação não podia ter tido lugar, uma vez que o alvará só produziu os seus efeitos em 28/01/2005 com a respectiva publicitação. A licença de loteamento produziu os seus efeitos jurídicos com a emissão do Alvará de Loteamento Urbano n.º 2/2004 em 16/11/2004 – artigo 9.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI (cfr. ponto 3.º da decisão da matéria de facto – facto não questionado no presente recurso).
Todavia, a impugnante, na sua petição inicial – cfr. designadamente os seus pontos 9 e 14 – invocou expressamente que sempre os lotes, desse a sua aprovação, foram colocados para venda.
Logo, para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 ao artigo 9.º do CIMI, importa averiguar com detalhe o momento da afectação dos prédios a venda, dado que os sujeitos passivos devem comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, essa afectação.
O Recorrente iniciou as suas alegações e conclusões de recurso considerando que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto; elencando toda a factualidade que considera omitida na decisão da matéria de facto e a que entende incorrectamente julgada, seja, por exemplo, porque alguma deveria ter sido considerada não provada, tendo, ainda, indicado para cada ponto os respectivos meios probatórios.
Defende o Recorrente a relevância do que consta na declaração modelo 1 apresentada pela impugnante relativa ao loteamento – “data de passagem a urbano: 2004-11-16” (e que não está elencado nos factos provados), o que significa que é a partir desta data e não da publicitação do Alvará que o prédio deve ser inscrito na matriz como “terreno para construção”, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do CIMI, iniciando-se a tributação nesse mesmo ano, em 2004, atendendo ao que dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º daquele mesmo Código.
Na verdade, almejando a Recorrente colocar em causa a decisão sobre a matéria de facto, indicou, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios constantes do processo que impõem uma decisão diversa daquela que consta da sentença, em observância do disposto no artigo 685º-B do CPC (actual 640.º), na redacção aplicável in casu.
Sobre a razão desta exigência já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão de 06/01/2011, lavrado in recurso n.º 813/09.8BECBR, que parcialmente se transcreve: “ (….) bem se compreendem estas exigências da lei pois ao tribunal ad quem que tenha competência em matéria de facto não compete reapreciar toda a prova de forma a efectuar um novo julgamento da matéria de facto, como se este não tivesse alguma vez sido efectuado. Quanto ao âmbito do segundo grau de jurisdição em matéria de facto é elucidativo o teor do relatório do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que introduziu a redacção ao art. 690.º-A que acima deixámos referida. Aí se diz: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica, naturalmente, a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e, a título de exemplo, os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferidos em 27/02/2014, proc. n.º 409/06.6BEPNF; em 17/04/2015, proc. n.º 735/09.2BEPNF; em 30/04/2015, proc. n.º 36/05.5BEPNF; em 30/04/2015, proc. n.º 730/09.1BEPNF.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. O tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc. Quer dizer: não basta apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cfr. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto – cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.
No caso dos autos, é manifesto que, desde logo, tal dever de fundamentação não foi observado pelo tribunal recorrido. Por um lado, grande parte dos factos são elencados sem qualquer referência à prova produzida, enquanto outros se limitam à indicação do meio de prova, por outro lado, não foi efectuada qualquer análise crítica das provas.
É impossível saber as eventuais razões por que foram atendidos uns depoimentos testemunhais e não outros meios probatórios e a motivação da sua valoração pelo tribunal para formar a sua convicção.
Num processo em que foram ouvidas testemunhas e produzida outra prova, nomeadamente, documental, é essencial o tribunal proceder ao exame crítico das provas. In casu, tal não se verificou, resultando de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Afirmou-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, desta Sessão, de 27/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 409/06.6BEPNF, “(…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”
No presente caso, o Recorrente assaca erro de julgamento sobre a matéria de facto à sentença recorrida, impugnando a mesma, pretendendo que seja reapreciada a prova produzida e identificando a existência desse erro nos factos provados dos pontos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 11.º, 12.º, 13.º, 19.º, 20.º, 22.º, além de solicitar o aditamento de outros factos.
Contudo, a ausência de fundamentação e exame crítico da matéria de facto impede que este tribunal de recurso possa sindicar qualquer erro de julgamento sobre a matéria de facto. Relativamente aos pontos 19.º e 20.º, por exemplo, que o Recorrente entende deviam os respectivos factos ter sido dados como não provados, a Meritíssima Juíza “a quo” terá firmado a sua convicção no depoimento da testemunha L…, mas sem apontar quaisquer razões para a formação de tal convicção.
A reapreciação da matéria de facto não pode significar a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, objectivo que jamais esteve no horizonte das sucessivas modificações legais, antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida segundo o juízo crítico da Relação (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, pp. 241 e 245 e Acórdão do TCAS n.º 07219/13, de 29/05/2014).
A modificação da decisão de facto não deve atingir uma amplitude tal que implique todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida, a alteração da convicção do julgador a quo e a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação.
Por isso, a possibilidade de apreciação da valoração de um determinado depoimento pressupõe que o tribunal recorrido dê a conhecer a fundamentação e as razões do seu convencimento em detrimento de outros meios probatórios, tanto mais que a testemunha indicada na decisão da matéria de facto é um elemento externo à impugnante – Chefe de Divisão de Planeamento, Urbanismo e Habitação da Câmara Municipal de Castelo de Paiva – sendo essencial motivar a razão de ciência quanto ao conhecimento de um facto que se situa na esfera da impugnante, que respeita ao funcionamento e ao modus operandi da mesma: o momento do conhecimento do teor do alvará de loteamento, que não corresponderá (supostamente) à data do pagamento, em numerário, das taxas devidas pelo mesmo e da sua emissão.
Na verdade, a factualidade que o Recorrente coloca em crise é relevante para efeitos da contagem do prazo previsto no n.º 4 do artigo 9.º do Código do IMI, pois se a comunicação for apresentada para além do prazo referido, o imposto é devido por todo o tempo já decorrido, iniciando-se a suspensão da tributação apenas a partir do ano seguinte ao da comunicação. Acresce que a impugnante invocou expressamente ter solicitado a não sujeição dos lotes a IMI, em virtude de os ter destinado para venda desde a sua aprovação – cfr. os já referidos pontos 9 e 14 da petição inicial.
Por outro lado, o tribunal recorrido não elencou na decisão da matéria de facto factos simples, mas antes, em variados casos, juízos de valor, conclusões de facto e de direito que condicionam irremediavelmente a subsunção ao direito e o desfecho da acção – cfr., a título de exemplo, os pontos 5.º, 6.º, 19.º, 20.º da decisão da matéria de facto.
Atento tudo o que ficou dito, a decisão tem de ser eliminada da ordem jurídica, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para prolação de nova decisão sem os vícios apontados.
O recurso merece, assim, provimento.
Em face do exposto, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Conclusões/Sumário

I – Os lotes de terreno para construção constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará – cfr. artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
II - Com a emissão do alvará de loteamento, o Município coloca na disponibilidade do titular de tal alvará a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística.
III - A emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização para a realização de operação de loteamento e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente – cfr. artigo 74.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
IV - A inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, faz com que o tribunal de recurso fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pelo recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.
Sem custas.
D.N.
Porto, 10 de Novembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves