Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00733/07.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE, PRÉDIOS DE PROPRIEDADE PRIVADA, REGULAMENTO MUNICIPAL, TAXA VS IMPOSTO, (IN)CONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:Caracterizando-se como verdadeiras taxas as quantias cobradas ao abrigo do artigo 16.º do Regulamento Municipal de Publicidade do Concelho de (...) pela emissão ou pela renovação de licença por colocação, em prédios de propriedade privada, de letreiros e anúncios de natureza comercial, não podem tais normas ter-se por organicamente inconstitucionais, apesar de não constarem de diploma emanado da Assembleia da República ou do Governo, por ela autorizado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:MUNICÍPIO (...)
Recorrido 1:V., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

O MUNICÍPIO (...) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 03/11/2008, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V., Unipessoal Limitada, com sede na Rua (…), contra as liquidações de "taxas de publicidade" efectuadas pela Câmara Municipal de (...), referentes aos anos de 2006 e 2007, no montante de €2.222,32 e de €7.198,84, respectivamente.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I. A ora Recorrente não pode conformar-se com a decisão que ora se Recorre no que diz respeito à interpretação da matéria de facto considerada provada e, salvo elevado respeito, à posição e fundamentação defendidas pelo Tribunal a quo, pois este não compreendeu nem interpretou correctamente os documentos referidos como Ofício n.º TL-DP240 e TL-DP241, com o assunto "Publicidade - Vosso Requerimento de 04.01.2007", ambos datados de 14 de Fevereiro de 2007.
II. Como se alcança da análise dos dois ofícios, embora enviados no mesmo dia, tinham um conteúdo completamente distinto, enquanto o Ofício n.º TL-DP240 se referia à reforma do acto de liquidação das taxas do ano de 2006, e portanto, em consequência dessa reforma, iria correr um novo prazo para pagamento voluntário (28 de Fevereiro de 2007), e informava que o requerimento de 04.01.2007 iria ser tratado como reclamação graciosa após o decurso desse mesmo prazo, o Ofício n.º TL-DP241 é a notificação das taxas de licença de publicidade relativamente ao ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário coincidentemente também terminava a 24 de Fevereiro de 2007.
III. Conforme se alcança deste Ofício, até porque constitui um acto que de certa forma inicia o procedimento tributário, não poderia o MUNICÍPIO (...) considerar que o anterior requerimento da Recorrida, de 04.01.2007, - até porque anterior ao próprio acto de liquidação - valeria também como Reclamação Graciosa para a liquidação das taxas do ano de 2007.
IV. Sem mais, só por este motivo, nunca o Tribunal a quo poderia interpretar os factos no sentido de que a Reclamação Graciosa valeria também para a liquidação das taxas de 2007.
V. Da mesma forma, se pode concluir da mera análise do requerimento da recorrida, que deu entrada nos Serviços da Recorrente a 04.01.2007, que refere expressamente que a Recorrida, pelos motivos que invoca, não tem de pagar as "(...) taxas de licenciamento na quantia total de 2.222.32 € (...)", que é nada mais nada menos do que a taxa de publicidade devida para o ano de 2006.
VI. Aliás, qualquer pessoa medianamente conhecedora, nunca poderia entender que o requerimento que apresentou a contestar a taxa de publicidade liquidada para o ano de 2006, valeria também relativamente para um novo acto de liquidação, desta vez, para o ano de 2007, até porque quando apresentou essa reclamação nem sequer as taxas do ano de 2007 haviam sido liquidadas, nem o respectivo procedimento tributário tinha sido iniciado.
VII. Nestes termos, estabelece o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, no que se refere às garantias (artigo 16.°), que os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, sendo a reclamação deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.
VIII. Atentos os factos expostos, conclui-se que a Autora não deduziu a pertinente reclamação junto da Ré relativamente à liquidação da taxa para o ano de 2007, isto porque, a reclamação apresentada em 04 de Janeiro de 2007 apenas dizia respeito à liquidação efectuada para o 4.° trimestre de 2006, pelo que relativamente àquela a Autora apenas deduziu a presente impugnação judicial.
IX. Sucede que, nos termos do n.º 5 do artigo 16.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, "a impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no n.º 2 do presente artigo", pelo que, como a Autora não deduziu a reclamação não podia nunca por nunca impugnar judicialmente os actos de liquidação da taxa de publicidade para o ano de 2007.
X. Face ao exposto e quanto ao acto de liquidação das taxas de publicidade do ano de 2007, deveria o Tribunal a quo ter considerado a impugnação judicial improcedente por preterição de formalidades processuais.
XI. De qualquer modo, estabelece o artigo 3.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que "as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei", em seguimento do que já encontra estatuído no art. 4° da Lei Geral Tributária.
XII. No que respeita ao caso concreto das taxas das autarquias locais, de acordo com o preceituado no artigo 15.° da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, "os municípios podem criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais."
XIII. Nestes termos, estabelece o artigo 3.° do Regulamento Municipal de Publicidade que "a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, carece de licenciamento municipal", competindo, nos termos dos artigos 2.° da Lei n° 97188, de 17 de Agosto, 6.° e 7.° do mesmo Regulamento, à Câmara Municipal deliberar quanto ao pedido de licenciamento da publicidade apresentado pelos interessados.
XIV. Como se suscitou nos Acórdãos para os quais o Tribunal a quo remete, a publicidade - quer implantada em domínio público, quer implantada em domínio ou propriedade privada - não é uma actividade total e plenamente livre, sendo condicionada ao respeito por valores essenciais ao Estado e ao Cidadão, por questões de ordenamento urbano e ambiental cuja salvaguarda cabe em último grau aos municípios, como entidades licenciadoras no âmbito do seu território.
XV. Porquanto, o acto de licenciamento da publicidade, e a consequente verificação dos princípios estabelecidos no Código da Publicidade e na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, consubstancia verdadeiramente a prestação concreta de um serviço público (local), que é dirigido ao particular e do qual ele retira utilidade económica, podendo assim ser individualizada.
XVI. Através do processo de licenciamento vai-se averiguar a conformidade do pedido de publicidade com as regras estabelecidas pelo legislador para tal actividade, sendo que se as mesmas estiverem preenchidas defere-se o pedido, licenciando e autorizando a afixação da publicidade, e prestando-se assim um concreto serviço público, uma contraprestação específica que reside na utilização individualizada que o sujeito passivo retira do mesmo.
XVII. Nesta perspectiva, pode afirmar-se que o pretendente a fazer publicidade na via pública, mesmo que em edifícios privados, mas visíveis dos espaços públicos, ou seja, a exercer uma actividade sujeita a condicionamento, não só pede e obtém a remoção de um limite jurídico a esse exercício, como isso acontece por obra da prestação de um serviço público local pelo Município, serviço esse que se traduz na verificação, em concreto, da convergência das condições em que aquela actividade pode ser exercida, e na emissão da correspondente licença e renovações da mesma, indispensável a tal exercício.
XVIII. Por outro lado, de acordo com a terceira hipótese de contrapartida, os municípios procedem à remoção de um limite jurídico imposto à actividade dos particulares, pois esse limite efectivamente existe, sendo removido pelo acto de concessão da respectiva licença, sendo de excluir que estamos perante um obstáculo erguido artificialmente para, ao removê-lo, os municípios cobrarem uma receita, na medida em que tal obstáculo é real, tendo sido levantado pelo legislador por questões económicas, ambientais, sociais e de planeamento de interesse público geral.
XIX. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 4.° da Lei Geral Tributária e do artigo 3.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, as taxas assentam na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, sem que seja acrescentado ao pressuposto qualquer dado referente à utilização de bens da aludida natureza pública ou semi-pública - a conjunção disjuntiva "ou" introduzida pelo legislador entre as expressões "utilização de um bem do domínio público" e "remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares" impede qualquer tipo de conotação com as demais determinações contidas na hipótese legal do preceito, evidenciando que basta, para que o tributo se qualifique como taxa, que seja cobrado a propósito da remoção de um obstáculo jurídico à actividade do particular, não sendo exigível que a essa remoção acresça outra vantagem.
XX. Deste modo, o artigo 64.°, n.º 7, alínea b) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, atribui, nos termos da lei, competências de administração do domínio público municipal às Câmaras Municipais e o artigo 19.°, alínea c) da Lei das Finanças Locais determina que os municípios podem cobrar taxas por “ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal a aproveitamento de bens de utilidades pública”.
XXI. Segundo decorre do artigo 84.°, n.º 1, al. b), da CRP, pertencem ao domínio público "as camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário" - naquelas situações em que os suportes físicos da publicidade ocupam, também fisicamente, o espaço aéreo daquele primeiro tipo de bens que se deixou enunciado, não pode deixar de entender-se haver aqui uma contraprestação da administração traduzida numa utilidade de fruição de tais bens públicos.
XXII. Assim, terá assim de concluir-se o mesmo relativamente às mensagens publicitárias implantadas em domínio ou propriedade privada, mas que não deixam de fisicamente ocupar ainda o espaço público aéreo das estradas e das vias públicas, incluindo as ruas com os respectivos passeios, os jardins, as pontes e os viadutos e que deles são também visíveis ou, com maior grau de dificuldade, ainda, em relação à publicidade que está fisicamente afixada em bens do domínio particular mas cuja específica utilidade apenas advém essencialmente do facto de poder ser vista dos bens ou espaços afectos ao domínio público, pois estas destinam-se a ser vistas pelo público, e, principalmente, do domínio público, nomeadamente, da rede viária.
XXIII. Nesta óptica, a contraprestação da administração equivale-se à utilidade que é propiciada por um bem que se tem de haver por Público por estar lá para além do conteúdo do direito de edificação da propriedade privada e que se insere no domínio público aéreo.
XXIV. Em todos estes casos estamos, seguramente, perante publicidade na via pública, relativamente à qual valem as razões que levaram o legislador a condicionar o seu exercício, sujeitando-o, desde logo, o licenciamento.
XXV. E o que se disse com atinência ao domínio público de circulação - estradas e arruamentos - vale, igualmente, para o espaço aéreo que integra o domínio público, é pensar nas aeronaves que, aproveitando a aglomeração de público em certas circunstâncias, rebocam faixas com dizeres publicitários, não tendo o seu voo outro sentido que não seja o aproveitamento do espaço aéreo e da visibilidade por ele propiciada para emitir a mensagem publicitária.
XXVI. Assim, independentemente de às mensagens publicitárias servirem de suporte físico bens do domínio público, ou bens da titularidade dos particulares, sempre se pode dizer que há, do domínio aéreo, ou do viário, uma utilização marginal, diferente daquela que a todos é livremente permitida, utilização essa que satisfaz necessidades individuais, mediante procura.
XXVII. E, assim, aos particulares a quem é, mediante licença, autorizada a emissão de mensagens publicitárias no espaço aéreo ou na via pública, seria propiciada a efectiva utilização individualizada de bens semi-públicos, diferente da de todos os cidadãos - mesmo quando a publicidade se faz mediante letreiros afixados em bens dos particulares, ou sons emitidos a partir deles, ou imagens deles e (ou) neles projectadas.
XXVIII. Essa vantagem - expressa no facto de lhe permitir aproveitar a afluência de pessoas, a notoriedade, a visibilidade que é proporcionada somente pelos espaços públicos - representa uma utilidade especial que lhe é oferecida pelo domínio público, e como tal, representa uma utilização individualizada.
XXIX. Nem as coisas são diferentes se se recusar à rede viária (ou ao espaço aéreo) a qualificação de bem semi-público, escolhendo-se, antes, a de bem público.
XXX. Ora, se a regra é que, no domínio público circulatório, bem como no aéreo, a utilidade é indivisível, pela impraticabilidade de determinar a que cada um dele retira, há casos em que assim não acontece, e o mesmo se pode dizer quando alguém usa o mesmo domínio público para dele retirar uma utilidade especial, marginal, secundária (sirvam de exemplos a venda ambulante e a publicidade), em que o agente aproveita a afluência de pessoas, a notoriedade, a visibilidade, que são proporcionadas pelos espaços públicos.
XXXI. Temos, deste modo, que àquele a quem é permitido fazer publicidade na via pública, ou no espaço aéreo, independentemente do meio, ou do suporte, é propiciada a utilização de um bem público, que legitima a exigência de uma taxa, é a contrapartida dessa utilização, pois a Recorrida, ao obter a licença de publicidade para colocação de anúncios visíveis dos espaços públicos da localidade, acedeu à comunicação com os utentes dos espaços públicos, utentes esses que são os eventuais clientes dos bens ou serviços promovidos pelos anúncios.
XXXII. Por outro lado, hoje, não é possível deixar de ver o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, para além de um direito Constitucional, também como um bem público ou uma utilidade comummente procurada e exigida pelos cidadãos, na medida em que este é o produto do ordenamento do território e de outras acções conformadoras do ambiente que o Estado e, maxime, os municípios promovem.
XXXIII. Segundo este ponto de vista, "a afixação ou a inscrição de publicidade para ser vista do espaço público" corresponde a uma utilização individual concreta, ocorrida no domínio de um círculo bem delimitado de pessoas, do bem colectivo "ambiente" para cuja caracterização concorrem e cuja gestão e defesa cabe, em especial, ao Município, enquanto entidade licenciadora.
XXXIV. Basta notar que o anunciante retira de tal bem uma utilidade económica que o comum dos cidadãos dele não retira de forma alguma, satisfazente das suas necessidades económicas individualizadas, para ver que as utilidades de que se compõe o bem "ambiente" são fruídas de forma e grau muitíssimo diferentes por esses diferentes sujeitos, o que faz com que o mesmo se converta num bem económico de elevado valor, sem intervenção de qualquer intuito de por aqueles condicionamentos se virem a cobrar taxas sobre o seu uso.
XXXV. Dada a especial natureza de tal bem público, pois interfere directa e imediatamente com a qualidade de vida de todos aqueles que se inserem nele, e numa relação de grande intensidade e tensão, entendeu a lei, nomeadamente a Constituição da República Portuguesa, que não podia descurar a sua defesa, pelo que cometeu também a sua defesa a todos os cidadãos, membros da comunidade, erigindo-o, assim, à categoria de direito subjectivo público.
XXXVI. Finalmente, nesta mesma linha, há que acentuar que não pode ser em nome das exigências garantísticas, próprias da natureza das taxas, que será necessário ir tão longe, como tem ido o Tribunal Constitucional, pois não existem dúvidas que, na perspectiva do homem médio, do cidadão e contribuinte comuns, estamos perante uma utilização pelo concreto obrigado da taxa de uma utilização perfeitamente sensível das potencialidades físicas relativas a um bem público que é emergente da actuação dos municípios na área do urbanismo, na defesa do sossego, saúde e tranquilidade públicas.
XXXVII. Aliás, não vemos que exista, neste concreto tipo tributário, uma relação de intensidade conectiva entre o pagamento do obrigado tributário e as utilidades que são propiciadas pela contraprestação da administração menos sentível, perceptível e destrinçável, e nessa perspectiva menos garantística, do que aquela que se verifica nas taxas de realização por infra-estruturas urbanísticas ou na tarifa (taxa) de recolha do lixo cuja apreciação foi objecto dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 639/95, 357/99 e n° 22/2000 e em que se considerou estar-se parente uma taxa, ou nas situações em que intercede uma simples possibilidade da utilização dos bens semipúblicos em que, igualmente, se considerou, no Acórdão do mesmo Tribunal n° 354/98 caber ainda no conceito de taxa.
XXXVIII. É que a utilidade essencial e determinante na óptica do utilizador que o obrigado do tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado, mas a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja preservação como ecologicamente sadios Principalmente lhes compete.
XXXIX. Também aqui se poderá dizer que, na perspectiva do homem médio, do cidadão e contribuinte comuns, estamos perante uma utilização pelo concreto obrigado da taxa de uma utilização perfeitamente sentível das potencialidades físicas relativas a um bem público ou comunitário tido por escasso na perspectiva da sua correcta utilização local ou autárquica e cuia defesa de fiscalização de intervenções que intercedem negativamente com ele cabe aos municípios.
XL. A conclusão não poderá ser diferente, qualquer que seja a natureza que se atribua ao direito privado de edificação, naquelas hipóteses em que o suporte físico da publicidade está afixado ou inscrito no prédio particular, mas utiliza o espaço aéreo superior a tais bens para além da dimensão que está consentida como área, espaço de construção ou de edificação privada pelos planos de ordenamento do território, entre os quais se contam os planos municipais, e em que aquele é instalado ou usado para ser visível, essencial ou predominantemente, dos espaços públicos, como acontecerá, normalmente, com os anúncios nos telhados ou nos terraços dos edifícios que sejam propriedade de particulares.
XLI. Assim, como os edifícios só podem ser construídos com a altura determinada pelos planos, os direitos do proprietário privado só vão até aí, sendo que, daí para cima o espaço aéreo é um espaço aéreo público, o qual pode, é certo, ser utilizado pelos particulares que pretendam fazer publicidade, mas esta, no entanto, carece de licença, ou seja, depende de prévia autorização da respectiva câmara municipal, uma vez que está em causa a "salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental".
XLII. O tributo em causa só pode ser qualificado como taxa quando visto pelo critério do artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e do o artigo 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
XLIII. Numa tal perspectiva - e ao contrário do que se infere do Acórdão que ora se recorre - a solução demandada pelo princípio da constitucionalidade será a que postula que se preserve a constitucionalidade do preceito da Lei Geral Tributária que incluiu no conceito de taxa a simples remoção dos obstáculos jurídicos e não a que foi tirada nesse aresto, independentemente de tal preceito da Lei Geral Tributária ser ou não objecto do recurso de constitucionalidade, já que este aspecto apenas contenderá com o pressuposto do recurso de fiscalização da constitucionalidade da norma e não com a sua conformidade constitucional.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos.
Assim, se fará a sã e costumada JUSTIÇA!”
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O Recorrido contra-alegou, tendo pugnado pela manutenção da sentença recorrida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que as normas do artigo 16.º do Regulamento Municipal de Publicidade de (...) e do artigo 51.º do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais de (...), na interpretação de que são devidas as "taxas" aí previstas pela instalação de painéis publicitários em propriedade privada são organicamente inconstitucionais, e, consequentemente, ao eliminar da ordem jurídica os actos de liquidação que nelas se fundaram, nesta impugnação judicial impugnados, por padecerem de ilegalidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
a) “Em 25 de Outubro de 2006, a Impugnante requereu à Câmara Municipal de (...) uma licença para instalação de dois painéis publicitários nas paredes do parque de estacionamento de que é arrendatária.
b) Tal requerimento foi deferido em 2 de Novembro de 2006.
c) Através de ofício com data cite 6 de Novembro de 2006 e recebido em 23 de Novembro do mesmo ano, a Impugnante foi notificada da liquidação respeitante a "taxa de publicidade" no montante de 2.222,32 euros, referente à emissão de licença para afixação de dois painéis publicitários por parte da Impugnante.
d) Através de ofício datado de 14 de Fevereiro de 2007, a Impugnante foi notificada da liquidação respeitante a "taxa de publicidade" no montante 7.198,84 euros, referente à renovação da licença referida na alínea anterior.
e) As referidas "taxas" foram liquidadas ao abrigo das normas dos artigos 8° do Regulamento de Taxas e Licenças, 51° da Tabela de Taxas e Licenças e 16° do Regulamento Municipal de Publicidade.
f) A Impugnante pagou as referidas quantias em 5 de Março de 2007.
g) O prazo de pagamento voluntário da "taxa" referente a 2006 terminou em 7 de Dezembro de 2006.
h) O prazo para pagamento voluntário da "taxa" relativa ao ano de 2007 terminou em 28 de Fevereiro de 2007.
i) Em 4 de Janeiro de 2007, a Impugnante dirigiu ao Senhor Presidente da Câmara de (...), um requerimento cujo teor consta de fls. 12 do apenso e aqui se dá por reproduzido.
j) Em 19 de Fevereiro de 2007, a Impugnante foi notificada através do ofício datado de 14 de Fevereiro de 2007, cujo teor consta de fls. 6 do apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
k) Na parte final desse ofício, pode ler-se: "Face à reforma do acto ora comunicada, vimos por este meio comunicar que os Vossos requerimentos registados sob os n°s 722 e 723 de 25 de Outubro de 2006, após o termo voluntário de pagamento, 28 de Fevereiro de 2007, serão tratados como reclamação graciosa do acto de liquidação de taxas devidas pelo licenciamento".
l) A presente impugnação foi apresentada em 29 de Maio de 2007.

2.2. Matéria de facto não provada
Não há factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados.

2.3. Motivação da decisão de facto
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova documental junta aos autos.”
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2. O Direito

O Recorrente não se conforma por o tribunal recorrido ter julgado improcedente a questão respeitante à alegada falta de esgotamento dos meios graciosos previamente à presente impugnação da liquidação de 2007.

Alega estar presente uma deficiente interpretação e compreensão dos documentos emitidos em 14/02/2007, que se reflecte nas ilações que foram retiradas da decisão da matéria de facto.

Explica o Recorrente que os dois ofícios, embora enviados no mesmo dia, tinham um conteúdo completamente distinto, enquanto o Ofício n.º TL-DP240 se referia à reforma do acto de liquidação das taxas do ano de 2006, e portanto, em consequência dessa reforma, iria correr um novo prazo para pagamento voluntário (28 de Fevereiro de 2007), e informava que o requerimento de 04.01.2007 iria ser tratado como reclamação graciosa após o decurso desse mesmo prazo, o Ofício n.º TL-DP241 é a notificação das taxas de licença de publicidade relativamente ao ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário coincidentemente também terminava a 28 de Fevereiro de 2007.

Sustenta que, qualquer pessoa medianamente conhecedora, nunca poderia entender que o requerimento que apresentou a contestar a taxa de publicidade liquidada para o ano de 2006, valeria também relativamente para um novo acto de liquidação, desta vez, para o ano de 2007, até porque quando apresentou essa reclamação nem sequer as taxas do ano de 2007 haviam sido liquidadas, nem o respectivo procedimento tributário tinha sido iniciado.

Insistindo somente se poder concluir que o impugnante não deduziu a pertinente reclamação junto do Recorrente relativamente à liquidação da taxa para o ano de 2007, isto porque, a reclamação apresentada em 04 de Janeiro de 2007 apenas dizia respeito à liquidação efectuada para o 4.° trimestre de 2006, pelo que relativamente àquela a impugnante apenas deduziu a presente impugnação judicial.

Vejamos as dificuldades detectadas pelo Meritíssimo Juiz “a quo” e o julgamento realizado a propósito desta questão da omissão de reclamação graciosa quanto à liquidação do tributo relativo a 2007:
“(…) Também aqui, salvo o devido respeito, a Câmara Municipal de (...) não tem razão.
Procuraremos explicitar em termos breves a razão de ser deste nosso entendimento.
É certo que na norma do art. 16° n° 5 do RGTAL, se consagra que a impugnação judicial depende de prévia reclamação perante o órgão que efectuou a liquidação.
No caso vertente, a Impugnante apresentou um requerimento em 4 de Janeiro de 2007 que consubstancia uma reclamação graciosa e que, nos seus termos literais, apenas se reporta à liquidação de 2006.
Porém, na sequência desse requerimento, a Câmara Municipal de (...), notificou a Impugnante não só de que o iria tratar como reclamação graciosa mas também que esse tratamento lhe seria dado após o termo do prazo voluntário de pagamento, 28 de Fevereiro de 2007.
Ora, 28 de Fevereiro de 2007, era o termo do prazo de pagamento da "taxa" referente ao ano de 2007.
Desta declaração da Câmara Municipal de (...) só um sentido se pode razoavelmente extrair: o de que o requerimento apresentado pela Impugnante, não obstante se referir literalmente à liquidação de 2006, iria ser tratado como reclamação graciosa também em relação a liquidação de 2007, justamente, após o termo do prazo do pagamento desta.
Não fora assim, e a Câmara podia tratar desde logo o requerimento como reclamação graciosa relativamente a 2006, uma vez que o prazo de pagamento voluntário de tal liquidação já terminara.
Em todo o caso, é de considerar razoável que a Impugnante tenha ficado convencida, após o ofício da Câmara Municipal de (...), de que o requerimento que apresentara, até pelos seus fundamentos genéricos e que não se circunscreviam à liquidação do ano de 2006, iria ser apreciada relativamente à liquidação cujo prazo de pagamento terminava em 28 de Fevereiro de 2007, ou seja, a liquidação da "taxa" relativa a 2007.
Assim, consideramos que o requerimento apresentado pela Impugnante foi enquadrado pela própria Câmara. Municipal de (...) em reclamação graciosa contra ambas as liquidações aqui em causa.
Desta forma, é de concluir que não se verifica o obstáculo ao conhecimento do mérito da impugnação apontado na contestação e no douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público. (…)”

Ora, em face do teor da decisão da matéria de facto, não vislumbramos que a interpretação que foi realizada pelo tribunal recorrido encerre qualquer erro manifesto. A verdade é que os ofícios que foram remetidos prestavam-se a equívoco. E a explicação que foi adiantada no presente recurso também não se apresenta convincente, nem clarificadora.

De facto, os ofícios foram enviados no mesmo dia 14/02/2007, mas se o Ofício n.º TL-DP240 se referia à reforma do acto de liquidação das taxas do ano de 2006, não resulta claro por que motivo iria correr um novo prazo para pagamento voluntário, até 28 de Fevereiro de 2007.

Lembramos que a reforma tem efeito retroactivo (artigo 137.º, n.º 4, do Código de Procedimento Administrativo, então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação, os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira.

Não será, por isso, de estranhar a matéria vertida na alínea g) do probatório: o prazo de pagamento voluntário da "taxa" referente a 2006 terminou em 7 de Dezembro de 2006.
Sendo que o prazo para pagamento voluntário da "taxa" relativa ao ano de 2007 é que terminou em 28 de Fevereiro de 2007 – cfr. alínea h) da decisão da matéria de facto.
Não admira, portanto, que o Recorrido possa ter ficado convencido de que o requerimento que apresentara, até pelos seus fundamentos genéricos e que não se circunscreviam à liquidação do ano de 2006, iria ser apreciado relativamente à liquidação cujo prazo de pagamento terminava em 28 de Fevereiro de 2007, ou seja, a liquidação da "taxa" relativa a 2007.
Não podemos olvidar que esta liquidação referente a 2007 surge na mesma data (14/02/2007) e que é uma renovação (automática) da licença devida pela publicidade relativa ao ano de 2006. Logo, é legítimo salvaguardar a possibilidade de entendimento de que a reclamação graciosa pudesse abranger os dois anos, dado ter subjacente o mesmo facto tributário e duas liquidações com os mesmos fundamentos (sendo a de 2007 pela renovação da licença).

Nesta conformidade, é nossa convicção que o MUNICÍPIO (...) não provou a existência de um facto impeditivo à impugnação judicial da liquidação referente ao ano de 2007, tudo apontando para a existência de reclamação graciosa prévia.

Assim, avançaremos para o objecto primordial deste recurso.

Desta feita, a questão a decidir é a de saber se as liquidações impugnadas relativas a publicidade são uma taxa ou, antes, revestem a natureza de imposto (como sustenta o Recorrido) e, consequentemente, se se verifica a inconstitucionalidade orgânica, que a sentença recorrida veio a acolher, na esteira de jurisprudência existente à data da prolação da mesma, por considerar tratar-se de um imposto e verificar-se a violação dos artigos 103.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Vejamos, nesta parte, a sentença recorrida:
«(…) Neste ponto, como se refere em recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pode dizer-se que "a questão dos autos - a da natureza de imposto do tributo cobrado pela, afixação de publicidade em propriedade privada - pode, hoje, considerar-se esgotada a nível jurisprudencial" - cfr. acórdão STA 30 Abr. 2008, Recurso 206/2008 que cita, por mais recentes, os acórdãos do Tribunal Constitucional, de 30 de Setembro de 2003 - n.º 437/03, de 14 de Outubro de 2003 n.º 453/03, de 14 de Janeiro de 2004 - n.º 34/04 e de 11 de Fevereiro de 2004 - n.º 109/04 e do Supremo Tribunal Administrativo - Pleno, de 18 de Maio de 2005 - recurso n.º 01207/06, e da Secção, de 26 de Janeiro de 2005 - recurso n.º 01167/04 e de 15 de Fevereiro de 2007 - recurso n.º 0739/06.
No fundo, a questão reconduz-se a saber se as chamadas "taxas de publicidade" liquidadas e cobradas pela Câmara Municipal de (...) revestem a natureza de verdadeiras taxas ou antes de impostos.
Vejamos, antes de mais, qual o teor das normas regulamentares em questão.
O art. 16° do Regulamento Municipal de Publicidade de (...), estabelece:
"1. Pelas licenças de publicidade ou sua renovação são devidas as taxas estabelecidas no Regulamento e Tabelas de Taxas Municipais.
(…)”
Por sua vez, o art. 51° do Regulamento e Tabelas de Taxas Municipais estabelece os montantes das taxas quando se trate de painéis, molduras, mupis e semelhantes, fixando-os em 20,23 euros por trimestre, 40,81 euros por ano e 65,28 euros por ano por metro quadrado ou fracção.
Os elementos essenciais do conceito de taxa são, pode dizer-se, os seguintes: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente: pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte.
"Essencialmente, a taxa distingue-se do imposto pela bilateralidade ou unilateralidade do tributo, respectivamente: aquela, ao contrário deste, supõe a existência de correspectividade entre duas prestações; a primeira a pagar pelo utente do serviço e a deste, a prestar pelo Estado ou outra entidade pública. Esta relação tem, por um lado, carácter substancial ou material, que não meramente formal mas não vai tão longe quanto os contratos sinalagmáticos: não há lima equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a pagar, podendo até esta ser bastante superior ao custo daquele; salva sempre a "desproporção intolerável" - continuamos a seguir o acórdão STA 30 Abr. 2008, Recurso 206/2008.
De acordo com o estatuído no art. 4.°, n.º 2, da Lei Geral Tributária, "as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares".
No mesmo sentido aponta o art.º 3° do RGTAL: "As taxas das autarquias locais são tributos que assentam ria prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei".
Isto assente, importa reverter à questão colocada na presente impugnação: serão os tributos aqui em causa verdadeiras taxas?
Seguiremos a argumentação que sustentou o acórdão do Tribunal Constitucional 92/2002 de 26 Fev. 2002 e que é inteiramente transponível para o caso sub judice:
"Não será do simples facto de o licenciamento da actividade publicitária competir, na área dos respectivos, municípios, às câmaras municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de propaganda, haja de ser considerado como uma «taxa».
Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado Acórdão n° 313/92, "mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)", acrescentando-se que, "se este último condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos».
Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da «taxa», o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (cfr. Teixeira Ribeiro, ob. e local citados, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, também ob. e loc. cits.).
Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade - só pode configurar-se como «taxa» se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol. 1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros).
Neste contexto, e não olvidando que a norma "sub specie" se reporta a painéis publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico.
Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez Curso de Derecho Tributário, 1° Tomo, 208), o que é certo é que e a doutrina nacional, quase diríamos, sine discrepante, tem sustentado que tais contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser vistas diferenciadamente dos «impostos».
Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado - perspectivando o tributo em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular ­que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento "sui generis" diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se nos antolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos «impostos»."
Os tributos em causa têm, pois, de qualificar-se como impostos que, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e, 165.°, n.º 1, alínea i), da Constituição, só podem ser criados por acto de natureza legislativa, inserindo-se a sua criação na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, pelo que só por esta podem ser criados (ou pelo Governo com base em autorização legislativa).
Deste modo, pode concluir-se:
- As normas dos artigos 16° do Regulamento Municipal de Publicidade de (...) e do art. 51° Regulamento e Tabelas de Taxas Municipais de (...), na interpretação de que são devidas as "taxas" aí previstas pela instalação de painéis publicitários em propriedade privada são organicamente inconstitucionais,
- Os actos de liquidação que nelas se fundaram e aqui impugnados padecem, portanto, de ilegalidade, a justificar a respectiva anulação.»

O Recorrente discorda do assim decidido, sustentando, em suma, que estamos perante uma taxa, tendo por base o preceito do artigo 4.º da Lei Geral Tributária (LGT), e que a solução demandada pelo princípio da constitucionalidade será a que postula que se preserve a constitucionalidade do preceito da Lei Geral Tributária que incluiu no conceito de taxa a simples remoção dos obstáculos jurídicos e não a que foi tirada no aresto citado na sentença recorrida, independentemente de tal preceito da Lei Geral Tributária ser ou não objecto do recurso de constitucionalidade, já que este aspecto apenas contenderá com o pressuposto do recurso de fiscalização da constitucionalidade da norma e não com a sua conformidade constitucional.

Assim, a questão a decidir resume-se em dilucidar se o tributo liquidado em apreço, relativo à instalação de publicidade em prédio urbano particular, será de qualificar como taxa ou como imposto.

Vejamos.
É consensual na doutrina e na jurisprudência que o traço fundamental que permite, no plano jurídico, fazer a distinção entre o imposto e a taxa é o carácter unilateral do primeiro, por contraposição ao carácter bilateral da taxa: esta assenta num vínculo de carácter sinalagmático, admitindo-se, em geral, que enquanto os impostos «não determinam para o sujeito activo qualquer dever de prestar específico», já «o vínculo jurídico de taxa tem por causa a prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas» - cfr. Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª edição, Coimbra, 1997, pp. 27 e 37.

É sabido que os traços fundamentais que permitem, no plano jurídico, distinguir o imposto e a taxa (cfr. os artigos 4.º da LGT e 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais - RGTAL - constante da Lei n.º 53-E/2006, 29/12) se revelam na circunstância de os impostos assentarem essencialmente na capacidade produtiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, ao passo que as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, sendo que ao conceito de sinalagma não importa a equivalência económica, mas a equivalência jurídica, não obstante a taxa pressupor uma ideia de proporcionalidade entre o montante cobrado e a prestação pública disponibilizada (o valor da taxa terá de aferir-se em razão do custo dos serviços ou actos da administração e não, como acontece nos impostos, em função da capacidade contributiva).

Importa, desde já, referir que se, inicialmente, como resulta da sentença recorrida, a jurisprudência enveredou pela caracterização como imposto do tributo em causa nos autos (“taxa” municipal por afixação de publicidade em propriedade privada), a mesma jurisprudência veio, posteriormente, a firmar-se, reiterada e uniformemente, no sentido da qualificação do tributo em causa como verdadeira taxa, após a prolação do Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 05/05/2010, que operou uma inflexão da anterior jurisprudência, no entendimento de que os parâmetros jurídicos para a solução da questão se tinham alterado após a consagração do conceito jurídico de taxa positivado no n.º 2 do artigo 4.º da LGT e no artigo 3.º da Lei n.º 53-E/2006, 29/12 (regime geral das taxas das autarquias locais), pronunciando-se no sentido de não julgar organicamente inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento de Taxas e Licenças (aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Guimarães de 09/11/2006 e sancionado pela Assembleia Municipal em sessão de 24/11/2006) e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular.

Sendo que a fundamentação do citado acórdão (votado por unanimidade e com a autoridade reforçada resultante da formação alargada que o proferiu) é transponível, mutatis mutandis, para a apreciação da constitucionalidade das normas que configuram o suporte jurídico da taxa controvertida, resultante da licença e da sua renovação para afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em propriedade privada, visíveis do espaço público, acrescendo que a doutrina deste acórdão foi reafirmada posteriormente em outros arestos do Tribunal Constitucional (nºs. 360/2010, de 06/10/2010, 436/2010, de 10/11/2010, 408/11, de 27/09/2011 e na decisão sumária n.º 417/2010, de 11/10), bem como, acolhida nos acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 12/01/2011, proc. n.º 752/10, de 19/01/2011, proc. n.º 33/10, de 06/04/2011, proc. n.º 119/11, de 25/05/2011, proc. n.º 93/11, de 01/06/2011, proc. n.º 135/11, de 08/06/2011, proc. n.º 0278/11, de 13/07/2011, proc. n.º 462/11, de 07/09/2011, proc. n.º 585/11, de 28/09/2011, proc. n.º 15/11, de 02/11/2011, proc. n.º 116/10, de 25/01/2012, proc. n.º 0954/11, de 31/01/2012, proc. n.º 0906/11, de 29/02/2012, proc. n.º 0133/11, de 21/11/2012, proc. n.º 0222/12, de 28/11/2012, proc. n.º 01051/12, de 04/12/2013, proc. n.º 01062/13, de 05/02/2015, proc. n.º 01210/13 ou de 18/05/2016, proc. n.º 01076/15.

Portanto, a jurisprudência veio a firmar-se no sentido da qualificação de tal tributo como verdadeira taxa e da sua conformidade constitucional. Em Acórdão proferido em 27/09/2011, por exemplo, o Tribunal Constitucional decidiu «Não julgar organicamente inconstitucionais as normas constantes dos artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16.336, de 19/03/92, com a redacção dos Editais n.º 42/95, de 25/4 e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12/03/1992, 61, de 25/04/1995)», na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí prevista pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular.

Tal é perfeitamente transponível para os normativos aqui causa e que serviram de base às liquidações impugnadas, dado que os referidos tributos foram liquidados ao abrigo das normas dos artigos 8.° do Regulamento de Taxas e Licenças do MUNICÍPIO (...), 51.º da respectiva Tabela de Taxas e Licenças e 16.º do Regulamento Municipal de Publicidade de (...). Por outro lado, não se vislumbram novos argumentos que decisivamente se possam contrapor, reiterando-se a fundamentação que tem sido acolhida em sucessivos acórdãos, para os quais se remete, havendo, portanto, que concluir pela natureza de taxa, e não de imposto, quanto ao tributo incidente sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, liquidado ao abrigo das normas contidas no artigo 16.º do Regulamento Municipal de Publicidade do concelho de (...) e estabelecidas no artigo 51.º da Tabela de Taxas e Licenças em vigor aquando do mesmo, nos termos do mencionado artigo 8.º do dito Regulamento, não sofrendo, em consequência, as citadas normas regulamentares do vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Ou seja, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República as normas do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de (...), que constituem o suporte jurídico das taxas liquidadas.

Nestes termos, por a questão em apreço ser idêntica à apreciada dos variados arestos que citámos, seguimo-los, considerando, por um lado, uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil) e, por outro lado, não vislumbramos razão para divergir da decisão ali reiteradamente firmada, por serem similares os factos em apreciação e a argumentação invocada.

Resumindo, a doutrina e a jurisprudência mais recentes foram apontando algumas debilidades àquela jurisprudência do Tribunal Constitucional em que se ancorou a sentença recorrida: quer por apreciar de modo igual a exigência de taxa pela emissão inicial da licença e a exigência pela respectiva renovação, na consideração de que, em ambos os casos, se não verifica o uso de qualquer bem público ou semi-público, uma vez que a actividade publicitária licenciada utiliza, para o seu exercício, unicamente bens privados, consideração esta que acaba por esquecer a possibilidade de à taxa corresponder, ainda nessa hipótese, a utilização de um bem semi-público, já não na modalidade de um bem físico, mas na modalidade de um “serviço”; quer por não ter em conta a definição legal que desse tributo é dada pela LGT (no n.º 2 do seu artigo 4.º) e a possibilidade daí decorrente de, quando certa receita pública é exigida para que um particular possa desenvolver determinada actividade ou praticar determinado acto, que sem isso lhe estará vedado, daquele respectivo pagamento derivar sempre, para quem o faz, uma utilidade ou uma vantagem, quer estas se traduzam ou impliquem, ou não, a utilização de um bem semi-público. Assim inflectindo, como vimos, a orientação da jurisprudência em que se fundou a sentença recorrida.

Nesta conformidade, a decisão recorrida não pode confirmar-se, sendo, por isso, de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas relativas a taxas devidas por publicidade.

Conclusão/Sumário

Caracterizando-se como verdadeiras taxas as quantias cobradas ao abrigo do artigo 16.º do Regulamento Municipal de Publicidade do Concelho de (...) pela emissão ou pela renovação de licença por colocação, em prédios de propriedade privada, de letreiros e anúncios de natureza comercial, não podem tais normas ter-se por organicamente inconstitucionais, apesar de não constarem de diploma emanado da Assembleia da República ou do Governo, por ela autorizado.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
*
Custas a cargo do Recorrido em ambas as instâncias.
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Porto, 29 de Abril de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira