Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00080/03 - Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA
EMITENTE “CESSADO”
Sumário:1. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial para o direito à dedução.
2. Tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artigo 31.º/1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade.
3. A condição de sujeito passivo de IVA pode-se definir em função de cada operação tributável que realiza, como resulta do disposto na alínea a) e c) do nº 1 do artigo 2º do CIVA. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública veio apresentar recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1996 por “S…, Ldaª.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I - A douta sentença ad quo entende que a decisão da Administração Tributaria pecou por falta de fundamentação sem recorrer a outros elementos de prova, pelo que o acto de liquidação é manifestamente ilegal.

II - Concluiu que “A Administração Fiscal limitou-se a retirar de circunstâncias relacionadas com a qualidade ou situação tributária dos emitentes, mecanicamente, que a impugnante não teria o direito à dedução, o que é manifestamente insuficiente para afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da impugnante, Nesta conformidade, em face dos normativos referenciados, não se mostram fundamentadas as correcções efectuadas, não estando legitimada essa actuação, pelo que deve ser anulada a liquidação impugnada.”
III - Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com este entendimento já que depreende que a questão em apreciação nos autos é a decisão do Indeferimento dos pedidos de reembolso solicitados nos períodos de imposto de Dezembro de 1996 e Fevereiro de 1997, no valor total de €9.156,33 que em data anterior, haviam sido pagos à impugnante.

IV - Na decisão de indeferimento dos pedido de reembolsos, que deu azo à reclamação graciosa e à impugnação em apreciação, a Administração Tributária fez aplicação do disposto no n° 11 do art.° 22 do CIVA que estabelece “Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com o número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.”

V - Ora no caso decidido pela sentença de que se recorre, o reembolso peticionado foi indeferido porque o IVA que a impugnante pretendia deduzir provinha não só de IVA suportado em facturas cujo emitente tinha cessado a sua actividade anos antes da data de emissão constante das facturas, mas também de facturas cujo emitente se encontrava num regime de isenção ao abrigo do art° 53° do CIVA.

VI -Estes factos resultam do probatório mas não constam da douta sentença como “factos provados”.

VI - A resolução de indeferir o pedido de reembolso foi vinculada à lei porquanto se verificavam em concreto as circunstâncias que a lei prevê como causas de indeferimento da pretensão do sujeito passivo.

VII- Razões pelos quais entende a Fazenda Publica que a actuação da Administração Tributária nos autos se encontra suficientemente fundamentada.

VIII - A Administração Tributária foi mais longe na sua investigação tendo recorrido ao serviços de inspecção Tributária, cujas conclusões apontaram no sentido de que os documentos de suporte às operações económicas não seriam formalmente idóneos a comprovar tais operações e como tal a conferir o direito à dedução do imposto neles mencionado.

IX- Este entendimento tem sido defendido pelo TCA Norte, designadamente no acórdão 216/04 de 25/11/2004 e pelo STA no acórdão 0943/09.


X - Com o assim decidido fez inadequada subsunção dos factos à lei violando o disposto nos artigos 19º e 22° do CIVA.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso e, consequentemente, declarar o nulidade da douta sentença recorrida, com as legais consequências.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Após a subida dos autos a este TCAN, foi emitido parecer pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público, de folhas 155 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.


I.I Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as seguintes: (i) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a liquidação de IVA de 1996 não se encontrava fundamentada e que incorria em erro nos pressupostos de facto e de direito

II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos, procedendo-se à enumeração dos factos fixados, para que se possa apreciar, de forma clara o peticionado no presente recurso:

“Factos provados:

1. Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital do Porto elaboraram nota de fundamentação de correcções técnicas, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 19º, 21º, 81º e 82º do CPT relativamente à impugnante, sujeita a acção inspectiva, nos seguintes termos:
“Na análise dos períodos de reembolso 96/12 e 97/02 e conforme prevê o n.º 11 do art.º 22º do CIVA, indeferiram-se os montantes 815.000$00 e 1.020.679$00, respectivamente, relativos aos seguintes fornecedores: “I…, LDA” - encontra-se cessada desde 31/12/1994 – Iva liquidado 1.020.679$00; “R…” – encontra-se cadastrado como sujeito passivo isento ao abrigo do art.º 53º do CIVA – IVA liquidado 815.000$00”.
Cfr. fls. 14 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Na sequência da mencionada correcção, em 25/09/1997, foi elaborada Nota de Apuramento Mod. 382, respeitante ao período de 96/01 a 96/12, no valor de Esc. 1.835.679.00, nos termos do art.º 22º, n.º 11 do CIVA - Cfr. fls. 13 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. Em 30/09/1997 foi emitida a nota de liquidação n.º 97272809, referente a IVA do ano de 1996, no valor de Esc. 1.835.679,00, com data limite de pagamento de 30/11/1997 – Cfr. fls. 9 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Em 25/11/1997, a impugnante reclamou graciosamente da mencionada liquidação – Cfr. fls. 2 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Por despacho de 26/06/2003, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação - Cfr. fls. 71 e 72 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Em 15/07/2003 foi a impugnante notificada do despacho a que se alude no ponto anterior - Cfr. fls. 72 e seguintes do processo de reclamação graciosa apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. O sujeito passivo “I…, Lda”, NIPC 5…0, emitiu as seguintes facturas em nome da impugnante:
¨ Factura n.º 131, datada de 17/04/1996, no valor global de Esc. 1.879.710.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 273.120.00 – Cfr. fls. 7 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Factura n.º 123, datada de 20/03/1996, no valor global de Esc. 1.394.958.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 202.686.00 - Cfr. fls. 9 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Factura n.º 119, datada de 28/02/1996, no valor global de Esc. 1.950.000.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 283.334.00 - Cfr. fls. 11 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Factura n.º 115, datada de 31/01/1996, no valor global de Esc. 1.800.000.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 261.539.00 - Cfr. fls. 13 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. O sujeito passivo R…o, NIF 1…, emitiu os seguintes recibos em nome da impugnante:
¨ Recibo n.º 0022, datado de 29/11/1996, no valor global de Esc. 2.340.000.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 340.000.00 - Cfr. fls. 15 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Recibo n.º 0024, datado de 30/12/1996, no valor global de Esc. 3.275.000.00, com IVA liquidado a 17% no valor de Esc. 475.000.00 - Cfr. fls. 17 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em 03/12/1997, a impugnante pagou o imposto liquidado no valor de Esc. 1.835.679.00, acrescido de juros compensatórios no valor de Esc. 250.147.00, no montante total de Esc.2.085.826.00 - Cfr. fls. 110 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, bem como fls. 8, 9, 21, 22 e 23 do processo de reclamação apenso aos autos.
10. A presente impugnação deu entrada no Extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto em 30/07/2003 - Cfr. fls. 2 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa.

Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos juntos aos presentes autos e dos ínsitos no processo de reclamação apenso aos mesmos.


II.2. O Direito


II.2.1 Vem a recorrente alegar que não foi levado ao probatório as causas do reembolso peticionado ter sido indeferido, pois o IVA que a impugnante pretendia deduzir provinha, não só de IVA suportado em facturas cujo emitente tinha cessado a sua actividade anos antes da data de emissão das facturas, mas também de facturas cujo emitente se encontrava num regime de isenção ao abrigo do artigo 53º do CIVA. Estes factos não constam da sentença como factos provados. (Conclusões V e VI).

Antecipe-se que não tem a Recorrente razão quanto ao erro de julgamento da matéria de facto fixada.
Mesmo considerando que a Recorrente cumpriu, apesar de forma deficiente os requisitos contidos no artigo 685ºBº do Código de Processo Civil, quanto à impugnação da matéria de facto que pretende ver fixada, sempre se diga que a sentença recorrida contemplou no probatório o que agora se lhe imputa como erro de julgamento de facto.
Atente-se no ponto 1 dos “Factos Provados”: Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital do Porto elaboraram nota de fundamentação de correcções técnicas (…) relativamente à impugnante, sujeita a acção inspectiva, nos seguintes termos:
Na análise dos períodos de reembolso 96/12 e 97/02 e conforme prevê o n.º 11 do art.º 22º do CIVA, indeferiram-se os montantes 815.000$00 e 1.020.679$00, respectivamente, relativos aos seguintes fornecedores: “I…M, LDA” - encontra-se cessada desde 31/12/1994 – Iva liquidado 1.020.679$00; “R…” – encontra-se cadastrado como sujeito passivo isento ao abrigo do art.º 53º do CIVA – IVA liquidado 815.000$00”. (sublinhado nosso).
Decorre do transcrito que a M Juiz levou ao probatório os factos que a agora Recorrente considerava em falta. Improcedem, por isso, as conclusões de recurso, quanto ao presente segmento.

II.2.2 A Recorrente insurge-se ainda contra a sentença por entender que sempre esteve em causa, nos presentes autos, foi o indeferimento dos pedidos de reembolsos solicitados nos períodos de imposto de Dezembro de 1997 e Fevereiro de 1997.
E que a sentença errou ao considerar que a Administração Fiscal se limitou a retirar de circunstâncias relacionadas com a qualidade ou situação tributária dos emitentes mecanicamente que a impugnante não teria direito à dedução. Alega que o que está em causa é a decisão de indeferimento dos pedidos de reembolso que em data anterior haviam sido pagos à impugnante, aqui Recorrida. E que a resolução de indeferir o pedido de reembolso fez a aplicação do nº 11 do artigo 22º do CIVA, dado se verificarem em concreto as circunstâncias que a lei prevê como causas de indeferimento da pretensão do sujeito passivo. Razões pelas quais é de entender que a actuação se encontra suficientemente fundamentada. (Conclusões I a IV e VI a VII)
Imposta relembrar que, na petição inicial, a impugnante, aqui Recorrida invocara o erro nos pressupostos de facto e de direito, sustentando que os serviços contratados com os aludidos fornecedores foram efectivamente prestados, tendo sido pagas as quantias constantes das facturas, havendo correspondência entre estas e os cheques entregues pela impugnante. E ainda que não tinha a obrigação de conhecer ou duvidar da legalidade da empresa emitente da factura, tendo cumprido o estatuído no art.º 22º, n.º 11 do CIVA por estar demonstrado que lhe não pode ser assacada qualquer responsabilidade por eventual ou eventuais incumprimentos de terceiros contribuintes.

O discurso fundamentador da sentença, agora em recurso, foi, como agora se transcreve:”(…) Está em causa nos presentes autos uma liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante ao exercício de 1996, resultante de correcções técnicas levadas a cabo pela Administração Fiscal traduzidas na desconsideração de diversas facturas e recibos emitidas à impugnante por sujeito passivo que cessou a actividade no período a que se refere o documento e por sujeito passivo abrangido pelo regime de isenção ao abrigo do art.º 53º do CIVA.
Com efeito, resulta do probatório que a Administração Fiscal sustentou as correcções efectuadas na desconsideração de diversas facturas e recibos, porquanto:
- O sujeito passivo emitente das facturas cessou a actividade em 1994, sendo que as facturas foram emitidas em 1996, data em que a actividade já havia sido cessada;
- O sujeito passivo emitente dos recibos encontra-se abrangido pelo regime de isenção de IVA nos termos do art.º 53º do CIVA.
(…)
A fundamentação do acto tributário só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando permite àquele conhecer as razões de facto e de direito por que o autor do acto decidiu de determinada forma, para poder accionar os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
A obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação, sendo que a falta de fundamentação inquina o acto de vício de forma acarretando a anulabilidade.
À data dos factos, vigorava o Código de Processo Tributário (CPT) que consagrava no seu art.º 76º, n.º 1 e 2 o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, segundo o qual o mesmo é efectuado com base nos elementos fornecidos pelos contribuintes.
(…)
Face à presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, deve competir à Administração Fiscal o ónus da prova dos pressupostos que legitimam as correcções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar uma rubrica contabilizada.
Com efeito, perante factos índice sérios, objectivos, credíveis e seguros de que os serviços a que se reportam facturas ou recibos não foram prestados, caberá, então, ao sujeito alegar e demonstrar que esses serviços são reais, sendo que, para tanto, são admissíveis todos os meios de prova.
Voltando ao caso dos autos, os factos reportados pela Administração Fiscal e que fundamentaram as correcções – cessação da actividade do sujeito passivo emitente da factura e regime de isenção do sujeito passivo emitente do recibo – não constituem factos bastantes para sustentar as correcções e conduzirem à perda do direito de dedução por parte da impugnante.
Refira-se que o que está em causa nos presentes autos é a dedução, ou não, do IVA por parte da impugnante(…).
O art.º 22º, n.º 11, do CIVA, na redacção dada pelo D.L. n.º 100/95, de 19/05, vigente à data dos factos, estatuía que os pedidos de reembolso seriam indeferidos quando não fossem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitissem aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível fosse referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tivesse suspenso ou cessado a actividade no período a que se referia o reembolso.
Nesta conformidade, e tal como resulta do probatório, a Administração Fiscal indeferiu os reembolsos respeitantes às facturas em relação às quais se verificavam aquelas condições.
Contudo, a questão que importa apreciar é se as circunstâncias de as facturas terem sido emitidas por sujeito passivo com actividade cessada ou abrangido por regime de isenção importam a extinção do direito à dedução e constitui facto bastante para sustentar a desconsideração desses documentos.
O exercício do direito à dedução é efectuado nos termos do art.º 19º e seguintes do CIVA, sendo que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto que lhe foi facturado na aquisição de bens ou serviços por outros sujeitos passivos: Cfr. art.º 19º, n.º 1, a), do CIVA.
Acresce que só confere o direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal: Cfr. art.º 19º, n.º 2, do CIVA, na redacção dada pelo D.L. n.º 122/88 de 20/04, vigente à data dos factos, e art.º 35º do CIVA.
Ora, a Administração Fiscal não questionou se os documentos haviam sido emitidos na forma legal, pelo que deve considerar-se que o foram e que os mesmos obedecem aos requisitos vertidos no art.º 35º do CIVA, já que o Tribunal apenas poderá atender à fundamentação externada no acto praticado pela Administração Fiscal e sindicado nos presentes autos, sendo inadmissível fundamentação “a posteriori”, não podendo, também, debruçar-se sobre questões não suscitadas: Cfr. art.º 125º, n.º 1 do CPPT e art.º 668º, n.º 1, d) do CPC.
Assim sendo, a impugnante tinha o direito à dedução do imposto mencionado nas facturas e recibos resultantes do probatório, sendo que o indeferimento do pedido de reembolso, com os fundamentos já enunciados, não podia, só por si, sustentar a perda do direito à dedução do IVA, as correcções realizadas e, consequentemente, a liquidação adicional de IVA.
Ora, no caso dos autos, a Administração Fiscal fundamentou as correcções tão só em dois factos:
- Cessação da actividade por parte do emitente da factura;
- Regime de isenção de IVA por parte do emitente do recibo.
(…)Ora, como vimos, essas circunstâncias são fundamento de indeferimento do pedido de reembolso, não sendo, contudo, de extinção do direito à dedução (1), e mantendo a impugnante este direito cabia à Administração invocar outros factos ou promover diligências instrutórias, em momento anterior à liquidação, tendentes a reunir elementos suficientes e seguros de que as operações tituladas por aqueles documentos legais não correspondiam à verdade, o que não aconteceu.
(…)resulta uma total inércia da Administração Fiscal que não desenvolveu uma actividade instrutória em termos adequados, não tendo esgotado os meios de averiguação da verdade que permitiriam apurar os factos atinentes à veracidade das operações referenciadas nos documentos de suporte.
O ónus da prova dos pressupostos do direito da Administração Fiscal a proceder às correcções compete à própria Administração, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar os documentos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, por força do princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que essas operações são reais, ónus que, in casu, a Administração não cumpriu.
A Administração Fiscal limitou-se a retirar de circunstâncias relacionadas com a qualidade ou situação tributária dos emitentes, mecanicamente, que a impugnante não teria o direito à dedução, o que é manifestamente insuficiente para afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da impugnante, sem recorrer a outros elementos de prova, pelo que o acto de liquidação é manifestamente ilegal.
Nesta conformidade, em face dos normativos referenciados, não se mostram fundamentadas as correcções efectuadas, não estando legitimada essa actuação, pelo que deve ser anulada a liquidação impugnada.
(…)
Mas mesmo que assim não se entendesse, ou seja, se considerasse que as correcções se mostram devidamente fundamentadas, por a Administração ter dado a conhecer os motivos que determinaram a sua decisão, ou seja, as razões em que fundou a sua actuação, sempre se teria que concluir que tais razões não são suficientes para legitimar a concreta actuação da Administração.
Com efeito, não tendo a Administração recolhido a prova necessária, não estava legitimada a actuar como actuou, sem necessidade de uma mais aprofundada actividade instrutória, nos termos e fundamentos supra explanados que aqui se reiteram e reproduzem, não tendo demonstrado a “existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo” (2), questão situada no âmbito da validade substancial do acto, gerador do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. “

Desde já se sublinhe como afirma a sentença que: ”a Administração Fiscal indeferiu os reembolsos respeitantes às facturas em relação às quais se verificavam aquelas condições.
Contudo, a questão que importa apreciar é se as circunstâncias de as facturas terem sido emitidas por sujeito passivo com actividade cessada ou abrangido por regime de isenção importam a extinção do direito à dedução e constitui facto bastante para sustentar a desconsideração desses documentos.
O exercício do direito à dedução é efectuado nos termos do art.º 19º e seguintes do CIVA, sendo que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto que lhe foi facturado na aquisição de bens ou serviços por outros sujeitos passivos: Cfr. art.º 19º, n.º 1, a), do CIVA.” (sublinhado nosso)

E é quanto a esta questão que a sentença considerou verificar-se a falta de fundamentação quer formal quer substancial.
Expliquemos.
Haverá, antes de prosseguirmos, que destrinçar o que distingue o procedimento de reembolso do IVA e o direito ao crédito do mesmo, pois uma coisa é o direito ao crédito do IVA, cujo exercício se encontra regulado pelos artigos 19º a 22º do CIVA e outra, é o procedimento de reembolso, previsto no nº5 e seguintes do artigo 22º do CIVA. Como se afirmou no acórdão do STA de 09.09.2009, proc 0383/09, secundado pela sentença aqui recorrida (…)a importância da neutralidade do sistema tributário do IVA, defendida quer na jurisprudência do TJCE quer na doutrina portuguesa citadas, traduz-se na essencialidade do direito à dedução no sistema tributário do IVA, o que faz com que as exigências formais do pedido de reembolso do IVA não constituam requisitos substantivos da verificação do direito de crédito, mas tão só da efectivação do reembolso
E, a ser assim, é evidente que o indeferimento do pedido de reembolso do IVA por falta de requisitos formais (neste caso, a não apresentação dos elementos de controle solicitados para análise dos créditos) [no presente caso, o imposto dedutível é referente a um sujeito passivo que cessou a actividade no período a que se refere o reembolso e sujeito passivo em regime de isenção], não determina, só por si, a extinção do direito de crédito alegado, o qual por se manter pode sempre originar novo pedido de reembolso.
O alcance de tal indeferimento não vai além da impossibilidade de o contribuinte realizar o reembolso pretendido, por não ter sido efectuada a comprovação do direito ao mesmo, não se reconhecendo, nem deixando de se reconhecer, o eventual direito de crédito subjacente, o qual só se extinguirá depois de decorrido o prazo em que pode ser exercido, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.”


Está em causa, nos presentes autos, o direito à dedução do imposto, e não apenas o mero indeferimento do pedido de reembolso, desde logo, por o que se impugna é a liquidação adicional de IVA, não considerado dedutível, e não o despacho de indeferimento do pedido de reembolso.
Importa, por isso apreciar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao decidir que fundamentação apresentada pela AT, não era suficiente.
Importará sublinhar que o direito à fundamentação, e o correspectivo dever por parte da Administração decorre do n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa:”Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Por sua vez, também nos termos do disposto no n.º1 do artigo 77º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito qua a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório de fiscalização tributária”.
Como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o regime jurídico da fundamentação dos actos administrativos visa, entre outros objectivos que ora não importa considerar (Referimo-nos às finalidades endógenas, que visam garantir de que os agentes ponderaram de forma cuidada toda a problemática envolvente, incluindo as próprias definições legais.), o do perfeito esclarecimento dos administrados sobre o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, dando-lhes a saber quais os motivos, as razões por que se pratica um acto, em ordem a permitir-lhes optar entre a aceitação da sua legalidade ou a reacção graciosa ou contenciosa contra o mesmo. Assim, para aferir do cumprimento do dever de fundamentação, costuma usar-se um critério prático, que consiste em saber se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo externado como fundamentação do acto em causa, fica em condições de conhecer o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, de modo a, em consciência, poder optar entre a aceitação do acto e a sua impugnação.
Importa não esquecer que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar directamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da AT e a do contribuinte. (Veja-se, entre outros, nestes precisos termos o Acórdão do STA de 19.11.2014, proferido no processo 0407/12)
A fundamentação pode, no entanto, assumir duas modalidades: a fundamentação em sentido formal, traduzida na exigência de indicação de factos que levaram a Administração a decidir em determinado sentido e que deve ser suficiente, clara e congruente de modo a poder ser entendida pelo administrado de modo a que este se possa defender; e a fundamentação em sentido substancial que tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade "stricto sensu" do próprio acto.
Voltando ao caso dos autos e relendo a sentença recorrida concatenada com as questões colocadas pelo aqui Recorrido na petição inicial, é de concluir que a fundamentação a que a sentença se refere é tanto a fundamentação formal como a substancial.
Ao contrário do decidido, em face do exposto e debruçando-nos apenas sobre a fundamentação formal do acto, teremos de concluir que o acto se encontra formalmente fundamentado. Ou seja, do exposto na fundamentação da AT percebe-se qual a razão que a levou a considerar que a impugnante não tinha direito à dedução do imposto liquidado nas operações efectuadas com aqueles fornecedores.
O que podia levar numa primeira análise a concluir pela procedência do recurso.
Todavia, a Fazenda Pública pugna, também, no presente recurso pela fundamentação material da liquidação, ou seja pela demonstração dos pressupostos de facto e de direito da liquidação, alegando mesmo, que da sua investigação apurou que os documentos de suporte não seriam formalmente idóneos a comprovar as operações, no que respeitava ao fornecedor, sujeito passivo em regime de isenção. E que, confrontadas as declarações periódicas apresentadas pelo fornecedor cessado, juntamente com a declaração de reinício de actividade, e as declarações apresentadas pela impugnante, resulta que o imposto que a fornecedora declarava ter liquidado, era inferior ao imposto que a impugnante declarava ter suportado no ano de 1996.
Todavia, sem razão, pois, a Fazenda Pública não fundamentou a não dedutibilidade do IVA de 1996, como decidiu a sentença.
Por um lado, e como naquela sentença se afirmou, a liquidação adicional de IVA, com a desconsideração das deduções declaradas pelo contribuinte, só poderá fundamentar-se na demonstração de que o imposto resultou de operação simulada ou em que foi simulado o preço constante da factura ou documento equivalente: Cfr. art.º 19º, n.º 3, do CIVA.
Para tanto, devia a Administração Fiscal formular um juízo sério, seguro, objectivo, razoável e lógico de que as facturas não titulam operações realmente efectuadas, demonstrando a existência de indícios sérios (factos índice) de que as mesmas foram simuladas, passando, então, a caber ao sujeito passivo provar que essas operações tiveram efectivamente lugar.
E assim sendo, a Administração Fiscal ao fundamentar as correcções tão só na cessação da actividade por parte do emitente de facturas, como no regime de isenção de IVA por parte do emitente do recibo, apenas fundamentou o indeferimento do pedido de reembolso, que não se traduz, contudo, na extinção do direito à dedução, e mantendo a impugnante este direito cabia à Administração invocar outros factos ou promover diligências instrutórias, em momento anterior à liquidação, tendentes a reunir elementos suficientes e seguros de que as operações tituladas por aqueles documentos legais não correspondiam à verdade, o que não aconteceu.
Por outro lado, o trazido ao presente recurso, apenas apresentado como fundamentação, em sede de reclamação graciosa, ao ter considerado que as facturas apresentadas pelo sujeito passivo, em regime de isenção, não respeitavam os elementos ínsitos no artigo 35º do CIVA, e a falta de coincidência de valores de imposto entre o declarado pelo fornecedor cessado e a impugnante, afigura-se-nos tratar-se de fundamentação sucessiva ou à posteriori. É que tal fundamentação, para o que aqui nos importa, como explica lapidarmente o Cons. Jorge Lopes de Sousa, na anotação (4) ao artigo 77º do CPPT, in Código de Procedimento e de Processo tributário, 2011, anotado e comentado, “(…) não pode o autor do acto, após a sua prática, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.(…)só se poderá aceitar a fundamentação sucessiva se, por um lado, os elementos nela invocados não sejam posteriores à prática do acto e não sejam elementos que não tenham sido considerados pelo seu autor ao praticá-los(…)”.
Como resulta do exposto, os elementos com que agora se pretende que a liquidação seja considerada fundamentada (violação do artigo 35º do CIVA e falta de coincidência entre valores declarados e liquidados), são posteriores à liquidação e não foram tidos em conta para a liquidação do imposto, razão pela qual terá de ser considerado como fundamentação à posteriori.

Uma última palavra quanto ao estatuto do sujeito passivo cessado, fornecedor da impugnante. Sempre diremos que o estatuto de sujeito passivo de IVA não se adquire por força da declaração do início (ou cessação) de actividade, mas sim por força das operações que pratica, como resulta do disposto na alínea a) e c) do art. 2º do CIVA.

A questão não é nova, foi já tratada no acórdão do STA de 20.01.2010, processo 0974/09, de 13.09.2017, proc 01923/13 e no acórdão deste TCANorte de 25.01.2018, processo 369/11.1BEVIS, que fundamentou o direito à dedução de IVA contido em fatura de emitente cessado e cuja doutrina aqui se segue de perto.
Ali se apreciou….”Com efeito, o direito à dedução do IVA suportado a montante constitui uma característica fundamental do sistema comum desse imposto, essencial para garantia da neutralidade do mesmo e “peça chave” do seu funcionamento — cf. Acórdão de 8/07/09, no recurso n.º 199/09 e o aí citado estudo de Clotilde Celorico Palma «IVA — Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução», in Estudos de Imposto sobre Valor Acrescentado, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 139/161).

Daí que a desconsideração ou exclusão da dedução do montante do IVA suportado pelo adquirente de bens e serviços, deva constituir uma resultante iniludível da aplicação da legislação aplicável.

Ora, assim não acontece no caso em apreço em que o fornecedor (…) que apesar ter cessado a sua atividade em data anterior à respetiva faturação, processou esta acrescida de IVA, imposto este suportado pelo adquirente e reportando-se a serviços que não foram colocados em crise pela Administração Fiscal (que o mesmo é dizer que não foi arguida a sua falsidade).

De facto, se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de atividade nos termos do artigo 31.º/1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de atividade ao abrigo do sequente artigo 33.º.

Pelo contrário, a condição de sujeito passivo pode-se definir em função de cada operação tributável.

É o que resulta do disposto no artigo 2.º alínea a) do CIVA (redação dada pelo artigo 2.º do DL n.º 290/92, de 28/12) ao prever que são sujeitos passivos do imposto – “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.”

E estabelece a alínea c) do mesmo normativo que são ainda sujeitos passivos do imposto “As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, prevendo-se ainda nestes casos a obrigatoriedade da entrega do imposto cobrado nos cofres do Estado (artigo 26.º/2 do CIVA – atual 27º/2).

Por outro lado, o artigo 42.º do CIVA (revogado pelo art. 199º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, substituído pelo actual art. 27º/2 na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/12, de 24/8) regula expressamente o prazo dentro do qual os sujeitos passivos deverão fazer a declaração na repartição de finanças da ocorrência de uma só operação tributável.

Em face do exposto, deve concluir-se que não obstante a declaração de cessação de atividade, o contribuinte prestador de serviços e bens se define como sujeito passivo na exata medida em que processa uma fatura com IVA do serviço prestado..”

Por todo o exposto, sucumbem as conclusões da Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes, em conferência, da Secção de Contencioso Tributário, deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 26 de Abril de 2018.
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves

(1) Neste sentido, Acórdão do STA de 09/09/2009, Proc. n.º 0383/09.
(2) Prof. Vieira de Andrade, inO Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, Almedina, 1991, pág. 231