Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01851/20.5BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 04/23/2021 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO PROVISÓRIA PARA O EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE RELACIONADA COM A PIROTECNIA/NÃO VERIFICAÇÃO DO FUMUS BONI JURIS - INDEFERIMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR; |
Recorrente: | P., Lda |
Recorrido 1: | Ministério da Administração Interna |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO P., Lda., com sede no Lugar de (…), instaurou processo cautelar contra o Ministério da Administração Interna/Polícia de Segurança Pública, com sede na Praça (…), na sequência do despacho proferido pelo Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública em 30/7/2020, mediante o qual foi revogada a autorização provisória para o exercício da respetiva atividade, relacionada com a pirotecnia. Pediu que seja determinada a suspensão da eficácia do Despacho proferido pelo Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 30 de julho de 2020, que «revoga, com fundamento na falta de preenchimento de requisitos legais de que depende o licenciamento, a autorização provisória do exercício da respetiva atividade de que a sociedade P., Lda. é titular (referente ao caducado Alvará n.º 729) e, consequentemente, a Carta de Estanqueiro n.º 2958», notificado à Requerente em 15 de setembro de 2020, por o procedimento administrativo de que o ato está inerente enfermar de vício (de forma/erro nos pressupostos de facto), passível de gerar a anulabilidade do ato administrativo em sede de ação principal. Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a providência. Desta vem interposto recurso. Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: E. Acontece que, logo após ter sido notificada da proposta de decisão de indeferimento do projeto de licenciamento de obras pela edilidade municipal (facto provado n.º 25), a recorrente tratou de analisar os fundamentos inerentes à mesma e as hipóteses de reversão da situação. F. E tais diligências foram encetadas diretamente pela recorrente junto do Município de (...), sendo que a recorrente verificou junto do pessoal técnico do Município que uma hipótese passaria pela petição de uma revisão do PDM de (...). G. Nesse contexto a recorrente preparou o seu requerimento de revisão do PDM (art.º 23.º da P.I.), o qual configurava, na altura, face às conversações encetadas pela recorrente junto do Município de (...), um verdadeiro direito de audição / resposta ao ofício S/4546/2018/MVV – projeto de indeferimento do licenciamento de obras pela edilidade municipal (facto provado n.º 25). H. O que parece à recorrente ter acontecido é que, pese embora tenha encetado diligências presenciais junto de pessoal técnico da Câmara, tais diretrizes emitidas por esse pessoal técnico não estavam coordenadas com a decisão final que veio a ser notificada – ato do Município que, necessariamente, afeta o ato aqui posto em crise emanado pela PSP atenta a situação de prejudicialidade existente entre ambos. I. Mesmo após a notificação da decisão de indeferimento, o Município informou pessoalmente a recorrente que, face à apresentação do requerimento constante de facto n.º 30 provado, aguardasse pronúncia da edilidade. J. Acontece que, nessa sequência a recorrente foi notificada do projeto, e consequente decisão final, da PSP de proceder à revogação da autorização provisória de exercício da atividade por o procedimento de licenciamento pendente no Município se encontrar extinto – factos provados n.ºs 32 a 35. K. Tem-se assim que “mal” andou o Tribunal recorrido ao ter indeferido, sem mais, a prova testemunhal carreada pela recorrente no seu requerimento inicial, na medida em que, a prova documental não é suficiente, por si só, para assentar, sequer, a matéria de facto e, consequentemente, conseguir a verdade material e boa decisão da causa. L. Os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente no seu requerimento inicial eram essenciais para o preenchimento do pressuposto fumus boni iuris, aqui consubstanciado pela probabilidade de o requerente vir a obter a procedência da pretensão por si formulada no processo principal. N. O deferimento deste meio de prova assumia extrema importância para efeitos de avaliação dos requisitos a que deve obedecer a atribuição da providência cautelar requerida, mormente quanto à verificação do fumus boni iuris. O. A sentença recorrida ao indeferir a produção de prova testemunhal violou o disposto no art.º 118º 1 e 5 do CPTA e, por via disso, é nula nos termos do disposto no art.º 615 n.º 1 alínea d) do CPC. P. A sentença recorrida violou o art.º 120º do CPTA, uma vez que deu prevalência a critérios estritamente legalistas e formais, bem como aos interesses de ordem interna e ordem pública em prejuízo dos interesses do recorrente que jamais colocam em perigo a segurança pública e interna. S. Da análise do Requerimento Inicial resulta que se encontram alegados todos os requisitos essenciais para o decretamento da providência, nomeadamente o periculum in mora (ou seja, o fundado receio de que à data em que vier a ser proferida decisão no processo principal os prejuízos causados pela execução da revogação da autorização provisória de exercício da atividade são de difícil reparação) e o fumus boni iuris (probabilidade do requerente vir a obter a procedência da pretensão por si formulada no processo principal). T. Para efeitos de verificação do requisito do fumus boni iuris o art.º 120º, n.º 1 do CPTA deve ser interpretado no sentido de que basta que não seja manifesta a falta de fundamentação formulada ou a formular no processo principal para que aquele requisito seja preenchido. V. A Recorrente pretende que a PSP não execute a decisão de revogação da autorização provisória até que esta esgote os mecanismos legais à sua disposição no âmbito da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, conservando o direito a permanecer em Portugal, ainda que de forma irregular. W. Apesar de haver alguma probabilidade de a pretensão da Recorrente poder ser indeferida, o certo é que a mesma não tem falta de fundamento desde logo pelo facto de, conforme alegado no Requerimento Inicial, a requerente encontrar-se a aguardar decisão da Câmara nos termos alegados em 23.º e ss da sua p.i., e tal decisão ser prejudicial relativamente à decisão (ou não) de revogação da autorização provisoria para o exercício da atividade. X. Para além do mais, existe nos autos matéria de facto assente suficiente para que o Tribunal recorrido desse por provado que a execução imediata da decisão causa graves e irreparáveis prejuízos à Recorrente pois da prova documental junta aos autos e constante da fundamentação de facto, o Tribunal dá como provado que a Recorrente apresentou o requerimento constante do facto provado n.º 30, não se vislumbrando qualquer resposta por parte do Município ao mesmo, Y. Sendo que, como já se disse, tal requerimento foi elaborado em fase de resposta ao projeto de indeferimento do processo de licenciamento de obras, pois era fulcral para a decisão final do licenciamento a revisão do PDM – e qualquer aparência, insinuação ou conclusão do contrário (como atenta a recorrida e até o Tribunal recorrido não falsas questões e especulações, sem qualquer razão de facto ou de direito). AA. Não existindo no processo camarário, nem nos presentes autos, qualquer referência às reuniões presenciais encetadas pela Recorrente junto do Município de (...) – o que se aferia pela produção de prova indicada pela recorrente no seu requerimento inicial. O Réu não juntou contra-alegações. 3. Alvará, este, que veio a ser convertido na autorização provisória do exercício de atividade n.º 2958, como estanqueiro; 4. Pela PSP foi iniciado procedimento, quanto à ora requerente, no sentido de proceder à conversão daquela autorização provisória em definitiva; nesse âmbito, por ofício de 12.10.2006, a PSP comunicou à requerente o seguinte:
5. Em resposta, a aqui requerente remeteu ao Departamento de Armas e Explosivos [DAE] da PSP documento escrito intitulado “projecto de remodelação/ampliação das instalações da oficina pirotécnica de P. – Alvará n.º 729 – Memória Descritiva” – cf. documento n.º 2 junto com a oposição;
7. Em 15.05.2014, a aqui requerente apresentou junto dos serviços do Município de (...) requerimento escrito, no qual declara pretender com o mesmo a obtenção de licenciamento para a execução de obras de construção, indicando como uso associado à operação urbanística “instalações de pirotecnia”, o que veio a dar origem ao procedimento que correu termos naqueles serviços sob o n.º 01/2014/238 – cf. processo administrativo remetido pelo Município de (...), em concreto fls. 1 a 165; 9. Sendo que sobre este requerimento, e respetivo projeto aletrado, veio a recair parecer favorável por parte do DAE da PSP, o que foi comunicado à requerente por ofício de 28.07.2015, de referência 10270/DEX/2015 – cf. documento n.º 5 junto com a oposição; 10. Em consequência do que, em 29.01.2016, foi remetida à requerente certidão emitida pelo DAE da PSP, na qual se declara que o terreno escolhido permite a implantação do estabelecimento em condições de satisfazer as disposições sobre segurança estabelecidas na regulamentação em vigor, destinando-se essa certidão a ser junta ao processo de licenciamento que a requerente havia iniciado junto do Município de (...) – cf. documento n.º 6 junto com a oposição; 11. Após o que, o requerimento referido no ponto 7 foi objeto de apreciação técnica por parte dos serviços do Município de (...), em 22.03.2016, tendo estes considerado que não existiam condições para aprovar o que era solicitado; nessa informação, pode ler-se o seguinte:
O requerente solicita a aprovação do aditamento em resposta ao ofício n.ºS/8263/2015 datado de 15/09/2015 para suprir as desconformidades detetadas no projeto. No local existem três tipos distintos, Espaço Florestal de proteção, Espaço de actividades económicas e espaço agrícola de conservação. A solução proposta consiste aumentar os edifícios 17,18,19 e 20 em 1,00m no comprimento, a implantação proposta dos referidos edifícios tem uma distância à estrema de 50,00m cumprindo o estipulado no nº3 do artº16º do DL 17/2009 (ver anexo). 14. Na sequência do que, e após nova análise técnica dos serviços municipais em referência, no dia 13.05.2016 o vereador da câmara municipal de (...) proferiu despacho do seguinte teor: “aprovado o projeto de arquitetura nos termos e condições da informação do SAT de 09/05/2016 e conforme parecer do CDUE de 13/05/2016.” – cf. documentos de fls. 227/229 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 15. Do que a requerente foi notificada em 18.05.2016, bem como para, no prazo de seis meses, apresentar requerimento tendo em vista a aprovação dos projetos de especialidades e outros estudos necessários à execução da obra – cf. documento de fls. 230/231 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 16. No dia 07.10.2016 a requerente apresentou, sempre nos mesmos serviços, os ditos projetos de especialidade – cf. documentos de fls. 232 a 265 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 17. Na sequência do que, e após análise dos serviços municipais, em 13.10.2016 o vereador da câmara municipal de (...) proferiu despacho do seguinte teor: “deferido o licenciamento nos termos da informação do SAL de 11/10/2016 e do parecer da CDUE datado de 13/10/2016. (...)”; - cf. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial, e documentos de fls. 270 a 272 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 18. Do que a ora requerente foi notificada em 24.10.2016 – cf. documentos de fls. 273/274 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 26. Pelo que, por ofício de 19.04.2018, de referência S/4546/2018/MVV, expedido mediante correio com aviso de receção, e recebido em 02.05.2018, foi a requerente notificada nos seguintes termos: “(...) Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 04/2015, de 04 de janeiro, no prazo de 30 (trinta) dias, a partir da data de receção da presente notificação, se pronunciar acerca do sentido provável da decisão de indeferimento do pedido ao abrigo da alínea a) nº 1 do art.24º do RJUE face às desconformidades descritas na informação da STA de 19/01/2018 e 10/03/2017. (...)”;
31. Mediante ofício de 10.09.2019, a DAE da PSP solicitou ao Município de (...) informação sobre o estado do processo de licenciamento em causa – cf. documento n.º 8 junto com a oposição, e documento de fls. 362 do processo administrativo remetido pelo Município de (...); 33. Por ofício de 02.12.2019, de referência 7983/DEX/2019, e na sequência da tomada de conhecimento da informação prestada pelo Município de (...), foi a requerente notificada pelo DAE da PSP da intenção de proceder à revogação da autorização provisória de exercício da atividade, mais lhe sendo concedido o prazo de dez dias úteis para, querendo, se pronunciar sobre tal proposta – cf. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial; 34. O que a requerente fez, apresentado requerimento escrito destinado a pronunciar-se sobre tal proposta – cf. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial; 35. Após o que, em 30.07.2020, foi proferido pelo Sr. Diretor Nacional da PSP o seguinte despacho: Vejamos. ** Não verificação do fumus boni iurisComo já dito, a concessão de providências cautelares depende da verificação do requisito do fumus boni iuris, também designado por aparência do direito, exigindo o legislador, como se retira do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA já transcrito, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser procedente. Note-se que, no atual regime do CPTA (portanto, após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214G/2015, de 02.10) o núcleo essencial da análise do preenchimento do requisito reside precisamente na probabilidade de procedência da pretensão do requerente. Trata-se, assim, de um juízo positivo, mas ainda perfunctório (como o impõe a própria natureza da tutela cautelar) sobre o bem fundado da alegação do requerente – neste sentido, cf. AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 451. E ainda sobre o alcance deste requisito, escreve VIEIRA DE ANDRADE que a “referência ao “fumus”, ou seja, à “aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais” – cf. A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 321. Todavia, este requisito não pode dar-se por preenchido no caso concreto, pelas razões que adiante passam a expor-se. Antes disso, impõe-se fazer uma breve anotação ao regime aplicável, de modo a enquadrar a questão. Como indiciariamente provado, a aqui requerente era titular de um alvará que autorizava o exercício da sua atividade. Com a entrada em vigor do DL n.º 87/2005, de 23.05, esse alvará (porque do ano de 1978) foi automaticamente convertido em autorização provisória de exercício da atividade [cf. art.º 1.º, n.º 2, do diploma em causa], cabendo à Direção Nacional da PSP iniciar o procedimento quanto a títulos caducados. Este procedimento tinha em vista a emissão de um novo título, impondo, naturalmente, o respeito pelo Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17.05 [cf. art.º 2.º do DL n.º 87/2005, de 23.05]. Foi neste contexto que se iniciou o procedimento relativamente à ora requerente. Importa também aqui referir o regime do DL n.º 376/84, de 30.11, que aprovou, entre outros, o Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, atribuindo no seu art.º 14.º diversas competências aos órgãos municipais. Além disso, e como é sabido, são também os órgãos municipais os responsáveis pela apreciação e decisão sobre a conformação de operações urbanísticas com os respetivos instrumentos de gestão territorial. Aqui chegados. Como já antes se deixou referido, o presente processo cautelar vem instaurado tendo por objeto o despacho proferido pelo Sr. Diretor Nacional da PSP em 30.07.2020, mediante o qual foi, em síntese, determinada a revogação da autorização provisória do exercício da respetiva atividade da qual a ora requerente era, até à data, titular. O próprio pedido cautelar (textualmente transcrito no relatório da sentença) consiste na determinação da suspensão dos efeitos desse despacho. Todavia, o que se constata é que a requerente não imputa ao despacho cuja suspensão dos efeitos requer qualquer espécie de vício próprio. Explicando. Segundo a requerente [e assim está indiciariamente provado] correu termos nos serviços municipais de (...) um procedimento tendente à obtenção de licença administrativa para execução de obras nas suas instalações. Essas obras visavam, tanto quanto se conclui, fazer o edifício corresponder às exigências inerentes ao exercício da atividade de pirotecnia; de outro modo, pelo menos naquelas instalações não podia a requerente exercer tal atividade. Ainda de acordo com a tese da requerente, esses procedimentos estão inelutavelmente ligados entre si, na medida em que a decisão cuja suspensão pretende assentou na prévia decisão do Município. Neste sentido, a requerente alega no art.' 28.' do requerimento inicial que “a decisão de revogação (ou não) da autorização provisória de exercício da atividade da requerente pela PSP está numa relação de prejudicialidade relativamente à decisão do procedimento de licenciamento da operação urbanística”, mais referindo que a própria PSP reconhece essa relação [cf. art.º 33.º do requerimento inicial]. Sempre na mesma medida, o entendimento da requerente é o de que ocorre uma espécie de comunicabilidade dos vícios do primitivo ato [ou seja, o indeferimento por parte do Município de (...)] para com o ato visado nestes autos, no sentido de as invalidades do primeiro afetarem o segundo (veja-se, por exemplo, o que a requerente diz no art.º 42.º do requerimento inicial). Todavia, não será bem assim. Com efeito, temos também nós por certo que, lendo os fundamentos da decisão visada, esta se baseou no ato proferido no âmbito do procedimento que corria termos no Município de (...). De facto, uma vez que o que estava a impedir a autorização definitiva era (entre outros) a necessidade de executar obras nas instalações da requerente, e que a competência em matéria urbanística está cometida aos Municípios, naturalmente que a PSP teria de aguardar o decurso do primitivo procedimento no sentido de perceber se a requerente poderia ou não executar os trabalhos de construção que permitissem cumprir os requisitos legais quanto ao local de exercício da atividade. A própria requerida assim o constata [cf. art.º 30.º da oposição]. Na verdade, o CPA dispõe de uma norma que versa precisamente sobre as questões prejudiciais; assim, no art.º 38.º, este código estabelece o seguinte: “1 - Se a decisão final depender da decisão de uma questão que tenha de constituir objeto de procedimento próprio ou específico ou que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo, com explicitação dos fundamentos, até que tenha havido pronúncia sobre a questão prejudicial, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos para interesses públicos ou privados. 2 - A suspensão cessa: a) Quando a decisão da questão prejudicial depender da apresentação de pedido pelo interessado e este não o apresentar perante o órgão administrativo ou o tribunal competente nos 30 dias seguintes à notificação da suspensão; b) Quando o procedimento ou o processo instaurado para conhecimento da questão prejudicial estiver parado, por culpa do interessado, por mais de 30 dias; c) Quando, por circunstâncias supervenientes, a falta de resolução imediata do assunto causar graves prejuízos para interesses públicos ou privados. 3 - Se não for declarada a suspensão ou esta cessar, o órgão administrativo conhece das questões prejudiciais, mas a respetiva decisão não produz quaisquer efeitos fora do procedimento em que for proferida.” Como dito, no caso concreto esta norma tinha, e tem, aplicação, porquanto a decisão do procedimento de licenciamento das obras nas instalações da requerente é prejudicial à decisão de revogação da autorização provisória. Acontece que, não obstante essa reconhecida prejudicialidade do procedimento urbanístico em relação a esta decisão, cumpre também assinalar que estamos perante procedimentos autónomos, na medida em que cada um deles visa a tomada de uma decisão com efeitos díspares. O que simplesmente acontece é que a decisão do segundo procedimento estava dependente da decisão a proferir no procedimento de licenciamento. Mas as decisões tomadas em cada um dos procedimentos é autónoma, e em especial a que foi proferida pelo Município, na medida em que esta não estava na dependência de qualquer outra. Isto quer dizer que cada uma das decisões, ainda que relacionadas, padecem dos seus próprios vícios. Ora, o tribunal não pode julgar verificado requisito do fumus boni iuris quando se constata que nenhum vício é apontado ao ato a suspender, mas sim a um ato que lhe foi prévio. E, além disso, o problema maior que se coloca é o de que a decisão final no procedimento urbanístico foi tomada em 07.02.2019 e notificada à requerente em 19.02.2019 [cf. factos provados dos pontos 28 e 29], sem que esta venha alegar que tenha impugnado aquela decisão; e, sendo os vícios imputados conducentes à mera anulabilidade, como a própria requerente expressamente reconhece, temos de concluir que o prazo para instaurar a respetiva ação administrativa de impugnação está esgotado, o mesmo sucedendo com o prazo para instaurar a ação de condenação à prática do ato devido – cf. artigos 58.º, n.º 1, al. b), e 69.º, n.º 2, do CPTA. O mesmo é dizer que, bem ou mal, a decisão proferida pelo vereador da câmara municipal de (...), da qual dependia a decisão do procedimento que correu termos na PSP, se encontra hoje consolidada no ordenamento jurídico e, por isso, impunha-se a esta última entidade na tomada da sua decisão, dado que não lhe compete tomar qualquer decisão em matéria de observância de prescrições urbanísticas. Na realidade, o que a requerente deveria ter feito era, logo que notificada do indeferimento, ter proposto a respetiva ação administrativa contra o ato praticado pelo vereador da câmara municipal de (...) e, se necessário fosse, propor providência cautelar de inibição da prática de qualquer ato administrativo por parte da PSP. Mas nem sequer alega que o tenha feito. Portanto, e em síntese, atendendo a que (i) não se invocam vícios próprios da decisão cuja suspensão se requer, e que (ii) não se alega sequer que a decisão da qual dependia o despacho agora em crise tenha sido impugnada, apenas se invocando vícios que conduzem à anulabilidade daquela primeira decisão, impõe-se concluir que não existe fumus boni iuris. Ainda assim, acautelando a hipótese de a questão poder ser configurada como havendo ilegalidade do ato a suspender por assentar, ele próprio, num outro ato antecedente que é ilegal, sempre se dirá que mesmo assim não se afigura assim razão à requerente. Desde logo, em concreto sobre o vício de preterição de audiência prévia (o qual, como explicado, vem formulado tendo por objeto a decisão do Município de (...) tomada no procedimento que nesses serviços correu termos, e não quanto ao ato cuja suspensão vem requerida), sempre se dirá que, mesmo que fosse de considerar relevante, não parece ter qualquer hipótese de procedência. Mais do que isso, não apenas se afigura que a requerente carece de razão, como se coloca na fronteira da litigância de má-fé; pelo menos, dir-se-á que a alegação é temerária. Explicando. No art.º 23.º do requerimento inicial, a requerente vem dizer que “apresentou a sua resposta escrita/requerimento junto do Município de (...), em 28-02-2019, por via do qual teceu considerações sobre os limites de classificação dos solos e do Plano Diretor Municipal”. E afirma expressamente que este requerimento foi apresentado em resposta ao ofício S/4546/2018/MVV. Bem sabe a requerente (e não havendo outra forma de o dizer) que o que aqui afirma não corresponde à verdade – tal como também nota a entidade requerida em oposição, dado que efetivamente ressalta à vista. Tal como está indiciariamente provado, por despacho do vereador da câmara municipal de (...) de 17.04.2018 foi efetivamente proposto o indeferimento do pedido de licença [cf. facto provado n.º 25]; e, com efeito, a requerente foi notificada pelo ofício que refere [cf. facto provado do ponto 26]. Todavia, aquilo que a requerente já não refere, é que recebeu este ofício em 02.05.2018 [cf. o mesmo facto provado do ponto 26], que mesmo nada tendo dito lhe foi concedido graciosamente o prazo adicional de mais 30 dias para obviar ao indeferimento [cf. facto provado do ponto 27], e ainda que depois disso foi proferido o despacho final de indeferimento em 07.02.2019 [cf. facto provado n.º 28], o qual lhe foi notificado em 19.02.2019 [cf. facto provado do ponto 29]. Ou seja, tendo o requerimento em causa sido apresentado em 28.02.2019 [também assim está provado, como decorre do facto elencado no ponto 30], forçosamente se conclui que tal apenas sucedeu quando a requerente já sabia a decisão final. Portanto, não se trata de qualquer audiência prévia. Sem prejuízo do que já se referiu, importa também dizer o seguinte. Lido o teor deste requerimento que a requerente qualifica como constituindo o exercício do direito de audiência prévia (o que, como dito, não é verdade, porque foi apresentado após a notificação da decisão final do procedimento), dele não resulta sequer qualquer pronúncia sobre o ato de indeferimento (entretanto já praticado); com efeito, o que desta leitura resulta é que a requerente se apresentou a emitir pronúncia no âmbito da discussão pública aberta para efeitos de revisão do PDM de (...), limitando-se, basicamente, a pedir a alteração da qualificação do solo. Ou seja, o requerimento em causa nem sequer diz respeito ao procedimento de licenciamento propriamente dito, nem aí se refere qualquer argumento sobre os concretos fundamentos que levaram ao indeferimento. Por tudo isto, sempre seria de concluir que a requerente só de si própria se pode queixar, dado que nem sequer chegou a exercer o direito de audição prévia – e, além disso, não aproveitou mais um prazo extra de 30 dias para procurar colmatar as deficiências do seu pedido. Mas não deixa de se assinalar como a requerente, nos artigos 23.º a 26.º do requerimento inicial, procura distorcer a cronologia dos acontecimentos e das notificações que lhe foram feitas, chegando a dizer que continua à espera da resposta do Município... Enfim, os factos indiciariamente provados revelam algo bem diferente, e vã se revela a tentativa da requerente em perturbar essa análise, pelo que é quase certo que nunca verá a ação principal proceder com este fundamento. Na mesma medida, e embora o vício também venha imputado ao ato do Município, sempre se diria que o erro nos pressupostos de facto não tem condições para proceder. Nomeadamente porque nenhum erro se alega em concreto. Concretizando. O vício de erro nos pressupostos de facto corresponde a uma das modalidades do vício de violação de lei, tomada no seu sentido estrito (porque, em sentido amplo, qualquer vício corresponde a uma violação da lei, v.g., a uma ilegalidade), e consiste na circunstância de a decisão administrativa se basear numa realidade fáctica que se revela ser falsa ou inexistente; se a realidade for verdadeira, mas não permitir o efeito jurídico pretendido por não se subsumir a determinada norma, aí já estaremos perante um erro de direito. Ora, para que o vício do erro nos pressupostos de facto, com este conteúdo, exista é necessário que o autor/requerente demonstre qual o facto em concreto que é falso. E, perante isto, lendo os artigos 47.º e ss. do requerimento inicial, logo se vê que nenhuma alegação em concreto é feita sobre o assunto. Na verdade, a requerente limita-se à alegação genérica de que “a Administração não considerou os factos e fundamentos da audiência prévia, o que conduz a uma decisão erroneamente apreciada, na medida em que há uma desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu” – fica é sem se saber qual é essa “desconformidade”. Sobretudo quando, lido uma vez mais o requerimento que se pretende corresponder a audiência prévia (mas que, nos termos explicados, não o é sequer) não se aponta aí nenhuma falha, limitando-se a requerente a explicar o contexto do seu surgimento, a importância do investimento que fará e terminando com o pedido de revisão do PDM a seu favor. O que quer dizer que não apenas inexiste qualquer invocação de erro nos pressupostos de facto, como a própria requerente confirma que o PDM existente não permite viabilizar a sua pretensão. Ainda, e sem prescindir do referido, constata-se também que a requerente pretende fazer corresponder a prévia decisão do Município de (...) ao único pressuposto do despacho cuja suspensão vem referida. Também aqui é falso. Comece por dizer-se que, bem ou mal, o despacho de indeferimento existe (e, como já referido, não há notícia de ter sido impugnado, pelo que está consolidado no ordenamento jurídico), e, logo, esse pressuposto da decisão é verdadeiro (ou seja, não competia à PSP aferir do cumprimento da lei urbanística, apenas saber se a entidade competente tinha tomado a decisão final, como se constata ter efetivamente sucedido). Está excluída aqui a ocorrência de qualquer erro nos pressupostos de facto. Em seguida, anote-se igualmente que, lido o teor do despacho cuja suspensão dos efeitos vem requerida, não é sequer verdade que a decisão prévia de indeferimento proferida pelo Município constitua o único fundamento para a decisão. Na verdade, nesse despacho constam pelo menos oito fundamentos de facto que consubstanciam incumprimento do Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e Armazenagem de Produtos Explosivos [cf. facto indiciariamente provado no ponto 35], que o requerimento inicial deixa silentes. E um desses fundamentos é a circunstância de se encontrar uma estrada de acesso a uma habitação, a qual passa dentro do que deveria ser o perímetro de segurança devidamente vedado; a requerente não o contradiz, e também não diz como poderia obviar a esta circunstância, sendo certo que não pode delimitar o domínio público, dele se apropriando (como sucede no caso da estrada). Enfim, razões mais do que suficientes para dizer que não se antevê qualquer sucesso também no que a esta alegação diz respeito. Assim sendo, e como dito ab initio, não é possível afirmar no caso em apreço o preenchimento do pressuposto fumus boni iuris, ou seja, não se mostra viável afirmar que a pretensão a formular pela requerente no processo principal (v.g., a impugnação do despacho cuja suspensão agora se pretende) será provavelmente procedente; pelo contrário, tudo indica que o despacho é legal e conforme ao ordenamento jurídico. Pelo que, e na medida em que, como afirmado, os pressupostos necessários ao decretamento de providências cautelares têm natureza cumulativa, a falta do fumus boni iuris impõe desde já a conclusão no sentido da improcedência do pedido cautelar, com prejuízo para o conhecimento dos demais requisitos. O que, em conformidade, se decide. (sublinhados nossos). X Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso. Assim: Da não produção da prova requerida pela Requerente - A Requerente começa por suscitar a nulidade da sentença pelo facto de não terem sido ouvidas as testemunhas por si indicadas. Como é sabido, atento o disposto no artº 90º/1 do CPTA a realização de uma fase de instrução (e os termos da mesma) é livremente decidida pelo juiz: “No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade”. Como resulta expressamente do preceito, a promoção de tais diligências constitui uma mera possibilidade (um poder/dever), não uma obrigatoriedade ou, em rigor, um poder legal de exercício judicialmente vinculado (neste sentido e dando nota, de modo claro, da faculdade que os tribunais dispõem de se poderem abster de abrir uma fase de instrução ou de realizar diligências suplementares necessárias para a descoberta da verdade material vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. revista, Almedina, 2010, págs. 600/601). Trata-se de uma faculdade probatória típica de um processo em que o princípio do inquisitório é prevalecente, constituindo, pois, uma das manifestações mais marcantes da maior responsabilização e confiança atribuídas ao juiz pelo CPTA (Rui Machete em “Poderes do Tribunal: O Juiz” in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 129/130). O mesmo artigo 90º do CPTA, no nº 2, é elucidativo ao considerar que tal normativo autoriza o juiz a “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”. Pretende-se, deste modo, evitar, nas palavras de Mário Aroso, “que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adoptar em função das especificidades próprias do objecto típico dos processos da acção administrativa especial, que, quando neles não sejam cumulados pedidos que corresponderiam à forma da acção administrativa comum, apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de actos administrativos ou normas regulamentares, e, por isso, na maioria dos casos, são processos em que a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental” (em Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pág. 376). Nesta mesma linha, Carlos Cadilha afirma, por reporte à fase instrutória: “O juiz pode entender, no entanto, que não existem factos controvertidos necessitados de prova (mormente por considerar que a prova documental existente no processo é suficiente para fixar os factos materiais da causa), e remeter o processo directamente para alegações (visto que as partes delas não prescindiram), indeferindo os requerimentos de prova que eventualmente tenham sido deduzidos nos articulados (artigo 90.º, n.º 2)” (in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 288). Querer impor ao Tribunal a quo a selecção de meras realidades de índole conclusiva e querer, inclusivamente, impor a produção de outros meios de prova (para além da prova documental) que, na situação concreta, manifestamente não se justificam, porquanto o que está em causa é apenas aferir da validade de um acto administrativo, é solução juridicamente inadmissível que, desse modo, não pode ser atendida. Por outras palavras, o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua realização. A produção de prova testemunhal (ou outra) está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constitui uma formalidade vinculada e imposta por lei. Está, pois, em causa o princípio do inquisitório na busca da verdade material. O julgador, na averiguação da verdade material, não está limitado aos meios de prova requeridos pelas partes. Isto significa que poderá ordenar diligências de prova que não lhe foram requeridas, desde que as considere necessárias, e também, que poderá recusar diligências probatórias que lhe foram apresentadas, desde que as repute dispensáveis. Na situação presente, o tribunal decidiu, por despacho fundamentado, e no qual não vislumbramos qualquer erro, indeferir a produção de prova, consignando: A requerente arrolou, a final do requerimento inicial, sete testemunhas. Requereu ainda a prestação de declaração de parte, bem como de depoimento de parte do Diretor Nacional da PSP. No entanto, em face dos vícios invocados e dos documentos que se encontram juntos aos autos, estando já cumprida a diligência de junção do processo que correu termos no Município de (...), associados à natureza cumulativa dos requisitos necessários ao decretamento de providências cautelares, o tribunal está em condições de proferir, desde já, decisão sobre os pedidos formulados, sem necessidade de realizar as diligências em causa, que dessa forma se revelariam dilatórias. De acordo com o disposto no art.º 118.º, n.º 5, do CPTA mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios. Assim, pelos fundamentos expostos, e ao abrigo desta disposição, dispenso a realização das referidas diligências de prova indicadas pela requerente, (…). Sucumbe esta argumentação. Do mérito/fundo do recurso - Por despacho de 30 de julho de 2020, o Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, revogou a autorização provisória (referente ao caducado Alvará n.º 729), e consequentemente, a Carta de Estanqueiro n.º 2958, que permitia que a sociedade Requerente exercesse a atividade de fabrico e comércio de explosivos e artigos de pirotecnia. É deste ato administrativo que a Requerente veio pedir a suspensão de eficácia. Como é sabido, os critérios de decisão de que depende a concessão das providências cautelares encontram-se, fundamentalmente, fixados no art.º 120 do CPTA, o qual dispõe: “1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 – Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” (…) São, pois, requisitos do procedimento cautelar: a) Fumus Boni iuris (a aparência de bom Direito), sendo que neste preceito a probabilidade de a pretensão formulada ou a formular no processo principal vir a ser julgada procedente, é essencial para sua concessão. b) Periculum in mora, que se traduz no “(…) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)” c) Critério da Proporcionalidade, ou Ponderação de Interesses consagrado no art.º 120.º/2 do CPTA, o qual se manifesta quando “…devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa…” Passando agora à apreciação do pedido do Requerente, consideramos, desde já, que não se verifica o preenchimento dos requisitos necessários para que possa ocorrer a concessão desta providência cautelar. Vejamos, Do Fumus Boni Iuris - Requisito do fumus boni iuris (aparência do bom direito) e fumus non malus iuris, do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA. Este critério visa aferir da evidência da procedência da ação ou da manifesta falta de fundamento da pretensão do requerente, bastando-se a norma com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e provisório, sobre a bondade da pretensão formulada ou a formular no processo principal (vide Acórdão do STA de 11/09/2012, proc. 437/2012). Relativamente a este requisito entendemos que, não só não é evidente a procedência do pedido a formular na ação principal como, se nos afigura manifesta a completa falta de fundamento dessa, uma vez que o ato posto em crise e que foi produzido no âmbito do procedimento de concessão de novos alvarás e licenças e renovações previstos no DL 87/2005, de 23 de maio, decorreu de forma regular, tendo sido dadas todas as garantias à Requerente, pelo que não se verificam vícios suscetíveis de constituírem quaisquer invalidades. O despacho, de 30 de julho de 2020, do Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, que revogou a autorização provisória de exercício da atividade de que a Requerente era titular (referente ao caducado Alvará n.º 729) e, consequentemente, a Carta de Estanqueiro n.º 2958, foi praticado em plena conformidade com a lei e não enferma de qualquer vício. Porquanto, com a entrada em vigor do DL 87/2005, de 23 de maio, o alvará de que a aqui Recorrente era titular caducou, sendo automaticamente convertido em autorização provisória de exercício de atividade. Cabendo à Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública (DNPSP) iniciar o procedimento referente a títulos caducados, por forma a emitir novos alvarás ou a renovar os entretanto caducados, o que esta fez como se pode aferir pela consulta do Procedimento Administrativo e o Requerimento Inicial confirma no seu n.º 10. Iniciadas as démarches conducentes à tomada de decisão a final foi, em 04/05/2006, efetuada, pelo Gabinete Técnico, do Departamento de Armas e Explosivos (DAE), uma vistoria à oficina pirotécnica da Requerente cujo Relatório de Vistoria n.º 239/GT/2006, de 14/09/2006, concluiu que o estabelecimento não estava em condições de merecer aprovação, pois não cumpria com todos os requisitos previstos no Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, aprovado pelo DL 139/2002, de 17 de maio. Mais concluiu que, para ultrapassar os constrangimentos observados, a Requerente, além de cumprir com outras obrigações, teria que apresentar um projeto onde fosse observado o cumprimento dos requisitos previstos no Regulamento de Segurança. Em 23/11/2006, a Requerente remeteu ao DAE o projeto de remodelação /ampliação. O projeto de remodelação/ampliação foi objeto de análise, tendo-se concluído que o mesmo apenas se mostrava viável se observadas diversas alterações, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e à implementação de remodelações a nível construtivo. Deste facto foi a Requerente informada, bem como das circunstâncias que deveria observar para suprir as irregularidades detetadas. Através de requerimento datado 27/08/2014, a Requerente remeteu alterações a projeto anterior. Em 28/07/2015, foi a Requerente notificada de que o projeto de remodelação apresentado mereceu parecer favorável. A 29/01/2016 foi-lhe remetida a Certidão, comprovando que o terreno escolhido permite a implantação do estabelecimento em condições de satisfazer as disposições sobre segurança estabelecidas na regulamentação em vigor, a fim de ser junta ao processo ao de licenciamento que a Requerente teria que apresentar junto da Câmara Municipal de (...). Em 28/12/2016, na sequência de interpelação da Requerente no sentido de saber se poderia iniciar as obras de remodelação, foi informada que as obras apenas poderiam ter início após despacho ministerial favorável. Desta Informação foi dado conhecimento à Câmara Municipal de (...). Passados vários anos, desde o início do procedimento referido, foi solicitada à Camara Municipal de (...), com conhecimento à Requerente, informação sobre a apresentação, por parte desta, do pedido de licenciamento a que se refere o art.º 14.º do Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos (RLEFAPE), aprovado pelo DL 376/84, de 30 de novembro. Na resposta a Câmara Municipal de (...) informou que o pedido de licenciamento havia sido indeferido, por despacho do Vereador da Qualidade, Ordenamento e Gestão do Território, de 07/02/2019 e que o procedimento administrativo se encontrava extinto. Com efeito, e de acordo com os elementos probatórios que, em 26/11/2019, a Câmara Municipal de (...) remeteu ao DAE, verifica-se que o projeto de remodelação/ampliação da oficina pirotécnica foi indeferido, com o seguinte fundamento “…nas desconformidades apontadas na Informação do SAT de 10/3/2017; pela ausência de apresentação de parecer da APA, nos termos do artigo 14º, nº 7 do RLEFAPE, e nos termos do parecer desfavorável da delegação de saúde pública”. A decisão referida tem direto reflexo no procedimento administrativo iniciado no ano de 2005, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do DL 87/2005, de 23 de maio. Com efeito, inviabilizada a realização da operação urbanística que permitiria concretizar o projeto de remodelação/ampliação da oficina pirotécnica, fica inviabilizada a possibilidade de licenciamento da atividade de fabrico e comércio de explosivos e de artigos de pirotecnia, razão porque não restava à Entidade Administrativa outra possibilidade que não fosse a de proferir despacho de revogação da autorização provisória de exercício da respetiva atividade, de que era titular a Requerente. Esta foi notificada da intenção de revogação da autorização provisória de exercício da respetiva atividade, tendo oferecido resposta que não afastou a convicção formada pela Administração que fundamentou devidamente a decisão final, de facto e de direito, pelo que não se verificam quaisquer vícios na tomada decisão. A Requerente, nos artigos 28.º a 52.º do RI, pretende que se conclua que o Requerido praticou um ato inválido, por ter sido induzido em erro pelo comportamento administrativo da Câmara Municipal de (...). No entanto assim não é. O procedimento administrativo, relativo ao projeto de remodelação/ampliação da oficina pirotécnica e que correu termos na Câmara Municipal de (...), foi declarado extinto. Do exposto, resulta evidente que bem andou o Tribunal a quo ao sentenciar: assim sendo, e como dito ab initio, não é possível afirmar no caso em apreço o preenchimento do pressuposto fumus boni iuris, ou seja, não se mostra viável afirmar que a pretensão a formular pela requerente no processo principal (v.g., a impugnação do despacho cuja suspensão agora se pretende) será provavelmente procedente; pelo contrário, tudo indica que o despacho é legal e conforme ao ordenamento jurídico. Ou seja, é exclusivamente imputável à Requerente a situação em que a mesmo se encontra, ou nos dizeres do Senhor Juiz: sempre seria de concluir que a requerente só de si própria se pode queixar, dado que nem sequer chegou a exercer o direito de audição prévia - e, além disso, não aproveitou mais um prazo extra de 30 dias para procurar colmatar as deficiências do seu pedido. Mas não deixa de se assinalar como a requerente, nos artigos 23.º a 26.º do requerimento inicial, procura distorcer a cronologia dos acontecimentos e das notificações que lhe foram feitas, chegando a dizer que continua à espera da resposta do Município... (….) Mais do que isso, não apenas se afigura que a requerente carece de razão, como se coloca na fronteira da litigância de má-fé; pelo menos, dir-se-á que a alegação é temerária. (…) Pelo que, e na medida em que, como afirmado, os pressupostos necessários ao decretamento de providências cautelares têm natureza cumulativa, a falta do fumus boni iuris impõe desde já a conclusão no sentido da improcedência do pedido cautelar, com prejuízo para o conhecimento dos demais requisitos - ditou-se, e bem. Em suma: Dispõe o artigo 112º/1 do CPTA que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. A redacção deste artigo, na sua parte final, expressa o propósito essencial da tutela cautelar, que se reconduz a assegurar a utilidade da lide principal, ou seja, a salvaguardar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de acção principal, que pela sua cognição plena poderá comportar um período mais longo até ser definitivamente decidida. Tal equivale a dizer que a providência cautelar está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão do requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso. Daí que ao julgador de um processo deste tipo se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto ocorrem ou não. Deste modo, o julgador, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da acção principal, terá de indagar e ajuizar se existem ou não razões para temer que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem à reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença. Na redacção actual, dada pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva (condizente com a formulação que na redacção anterior se encontrava plasmada na al. c) do n° 1 do artº 120° do CPTA). Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos no artigo 120°/1, a análise da verificação da aparência do bom direito assume particular relevância nos presentes autos, na medida em que é necessário que se verifique uma forte probabilidade de procedência da pretensão principal. A “formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redacção do n. ° 1 do artigo 120. ° do CPTA do substantivo “provável”, que imprime uma maior rigidez ao conceito. Assim, do direito convocável para subsumir os factos descritos, tem de ser possível chegar-se à probabilidade do êxito da acção; tem de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa. Na situação dos autos, afastado, e bem, o fumus boni iuris/a aparência do direito, está comprometido o êxito da providência - o tribunal não pode julgar verificado o requisito do fumus boni iuris quando se constata que nenhum vício é apontado ao ato a suspender, mas sim a um ato que lhe foi prévio. Com efeito, não se vislumbra qualquer probabilidade de a pretensão formulada/a formular na acção principal vir a ser julgada procedente. Sucumbem, assim, as conclusões da alegação, com a consequente manutenção na ordem jurídica do aresto recorrido, que, como decorre da sua análise, enfrentou, de forma clara e lógica, as questões colocadas, questões essas que a Recorrente vem aqui repetir. DECISÃO Termos em que se nega provimento ao recurso. Custas pela Apelante. Notifique e DN. Porto, 23/4/2021 Fernanda Brandão Hélder Vieira Helena Canelas |