Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01594/06.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, PRESSUPOSTOS, ÓNUS DA PROVA, AUDIÇÃO PRÉVIA, IVA, IRC, COIMAS
Sumário:I - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.

II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

III - Estas presunções legais de culpa só podem ser ilididas com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.

IV - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».

V – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).

VI - Do disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária depreende-se uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.

VII - Contudo, se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. Relatório

J., contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua do (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 23/10/2009, que julgou apenas parcialmente procedente a Oposição aos PEF n.º 0019199801011456, 0019200001014811, 0019199801025635, 0019200401007610, 00192002201018892, 0019199801014420, 0019200301009133, 0019199901004220 e 0019199801013866 apensos, contra si revertidos, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade originária “D., Lda.”, pelo Serviço de Finanças de Águeda, referentes a Contribuições ao CRSS, IVA, IRC e Coimas, no montante global de €268.690,75, sendo que o presente recurso somente abrange dívidas no valor de €219.867.46.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) Vem o presente recurso da douta decisão que julgou o ora recorrente parte legítima no que respeita às dívidas de IVA de 1998 a 2002; IRC de 2002 e 2003 e coimas e despesas de 2002 a 2005.
2) Todavia, entende o recorrente que a recorrida errou no julgamento da questão, quer em matéria de direito quer em matéria de facto.
3) Perscrutando o teor da douta decisão recorrida com referência aos suportes fácticos e respectiva análise crítica do manancial probatório aportado a juízo, concretamente aos pontos 14. e 15. da matéria de facto, afigura-se que a decisão reclamada não permite uma clara apreensão do juízo vertido na definição dos factos provados, maxime no que tange com a fundamentação da decisão que lhe subjaz e com o juízo de valoração judicial aí vertido.
4) Ao omitir os critérios de valoração dos meios de prova, a explicitação circunstanciada - hoc sensu, referenciada aos concretos factos - dos meios valorados e a motivação que levou a dar valor a certos meios de prova em detrimento de outros, redundando numa ausência de fundamentação quanto a esses indefectíveis pontos cardeais, a decisão não logra satisfazer a injunção constitucional corporizada no dever de fundamentação, e nessa dimensão, a douta sentença é nula nos termos do art.º 668°, n.º 1, al. b) do CPC.
5) Como nula continua a ser pois que deixou de conhecer questão que deveria ter conhecido, concretamente, a questão de saber se as liquidações de impostos não retidos tinham ou não sido notificadas e, em caso afirmativo, se na forma legal.
6) Sendo certo que, caso se não entenda pela ocorrência daquela primeira nulidade, devem os referidos pontos da matéria de facto serem eliminados, pois não se estribam em quaisquer provas testemunhais e/ou documentais, impondo-se a devida correcção do julgamento em matéria de facto.
7) E bem assim ser eliminado o facto dado como não provado, pois que a prova produzida vai exactamente em sentido contrário ao que o Tribunal, erradamente, considerou.
8) Não se aplica, o regime de responsabilidade subsidiária previsto no art. 24.° da Lei Geral Tributária a situações em que os factos geradores da responsabilidade ocorreram na vigência do Código de Processo Tributário (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-5-2000, proferido no recurso n.º 24724 publicado em Apêndice ao Diário da República de 23.12.2002).
9) Sendo de aplicação o regime do CPT a algumas das dívidas, não ocorrem os pressupostos legais que determinam a eficácia da obrigação de responsabilidade subsidiária, uma vez que, o património da sociedade originariamente executada não se encontra totalmente excutido em processo de execução singular ou universal (cfr. Ac. S.T.A. de 11.01.95 - Rec. 19.529 e de 14.12.96 - Rec. 20.917).
10) A AF está nos termos da lei obrigada a efectuar todas as diligências que lhe seja possível levar a cabo e também a solicitar aos interessados elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, sendo que, a ausência de tal actividade probatória, constitui vício do procedimento, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada.
11) Razão pela qual, desde logo, deve o recurso ser julgado procedente, por esta razão, quanto às dívidas de IVA de 1998, e a execução extinta em relação ao ora recorrente.
12) Como decorre dos n°s 4 e 6 do artigo 60.º da LGT para o bom exercício do direito de audição deve a AF «comunicar ao sujeito passivo o projecto de decisão e a sua fundamentação como deve igualmente «ter em conta na decisão final na fundamentação da decisão os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes», o que não fez.
13) Veja-se que o despacho do chefe de finanças não se pronuncia e omite a análise da prova apresentada pelo responsável subsidiário, não precisando sequer porque dispensou a inquirição das testemunhas, o que determina uma preterição de formalidade legal que inquina a decisão.
14) A Administração já não tem apenas o dever de fundamentar os actos administrativos invocando as razões pelas quais considera que a lei e o interesse público justificam esta decisão; tem também que acrescentar à sua fundamentação as razões pelas quais não atende as alegações feitas pelo particular na audiência prévia. Só assim se garante seriedade e transparência ao procedimento administrativo.
15) O despacho do chefe de finanças não se pronuncia e omite a análise da prova apresentada pelo responsável subsidiário, não precisando sequer porque dispensou a inquirição das testemunhas, o que determina uma preterição de formalidade legal que inquina a decisão.
16) A notificação para o exercício do direito de audição deveria ser acompanhada do que se considera apurado em termos de facto e de direito, com relevo para a decisão, pelo que, não se mostrando tal feito a notificação é inválida por não permitir ao ora recorrente participar convenientemente na formação da decisão.
17) Como se colhe da matéria de facto dada como provada, apenas foram remetidas ao contribuinte relações anexas das dívidas, que não os títulos executivos que incorporam os respectivos processos e, consequentemente, na notificação para o exercício do direito de audição, não foram fornecidos os necessários elementos factuais para se poder pronunciar de forma completa e efectiva.
18) A insuficiência do património da sociedade executada não foi consequência de o oponente ter violado quaisquer regras legais ou contratuais que, relativas àquele, tenham como fim a protecção dos credores.
19) Para as dívidas provenientes de coimas ou multas aplicadas a sociedades o ónus da prova de que foi por culpa do oponente que o património social se tornou insuficiente para solver a dívida exequenda, cabe à Fazenda Pública e tal não se mostra provado.
20) Acrescendo que a norma do art.° 8° do RGIT é materialmente inconstitucional, por violar o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado no art.° 30° da CRP.
21) Sendo ainda de acrescer que em recente acórdão de 1.7.2009 o STA veio a decidir que as dívidas de coimas não podem ser revertidas em processo de execução fiscal.
22) As liquidações oficiosas de IVA referentes aos anos de 1998 e 1999, nos montantes de 2.418.320$00 e 550.000$00, respectivamente, não foram notificadas atempada e legalmente à originária executada e, por via disso, são inexigíveis.
Termos em que e nos mais de direito, se requer a V.as Exas que, na revogação da douta sentença recorrida, se dignem conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, se julgue a oposição totalmente procedente, com as legais consequências.”

Não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida enferma de nulidade, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, se incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, bem como em erro de julgamento de direito quanto à legalidade do despacho de reversão, estando em causa também a invocada questão da (i)legitimidade do oponente, no que respeita às dívidas de IVA de 1998 a 2002, IRC de 2002 e 2003 e Coimas de 2002 a 2005.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:

“Com pertinência para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Contra a devedora originária correm Processo de Execução Fiscal relativos às seguintes dívidas: €9 305, 77, relativos a Contribuições à Segurança Social dos anos de 1996 e 1997; €69 481, 23, relativos a dívidas de IVA dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2002; €38 079, 22 relativos a Contribuições à Segurança Social dos anos de 1997 e 1998; €30 798, 32 relativos a coimas aplicadas e despesas, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 e de IRC dos anos de 2002 e 2003; €66 073, 93 relativos a IVA dos anos de 2001 e 2002; €7 988, 05 relativos a IVA de 1998; €6 021, 20 relativos a coimas aplicadas no ano de 2003; €18 498, 13 relativos a Contribuições devidas à Segurança Social relativas aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999 e €22 444, 90 relativas a dívidas de IVA do ano de 1998;
2. Os Processo de Execução Fiscal relativos à cobrança de dívidas ao Centro Regional de Segurança Social de Aveiro são:
§ 0019199801011456, que corre por dívidas dos anos de 1996, num montante global de €9 305, 77, foi instaurado em 25.05.1998 e esteve parado entre 17.05.1999 e 29.04.2005;
§ 00191998801025635, que corre por dívidas relativas aos anos de 1997 e 1998, num montante global de €38 079, 22, foi instaurado em 16.12.1998 e esteve parado entre 10.05.1999 e 02.05.2005;
§ 0019199901004220, que corre por dívidas relativas aos anos de 1996 a 1999, pelo valor global de €18 498, foi instaurado em 09.06.1999 e esteve parado entre 23.09.1999 e 02.05.2005 – cfr. fls. 34, 62, 143, 158 e 254.
3. A 14.06.2006 o Serviço de Finanças de Águeda informou que todos os bens conhecidos à executada D., Lda., foram penhorados e vendidos no âmbito de um outro Processo de Execução Fiscal, que esta deixou de laborar em 01.11.2002 e que as instalações onde laborava, que eram arrendadas, se encontram agora ocupadas por outra firma;
4. A 16.06.2006 foi exarado projecto de despacho de reversão determinando-se a notificação para efeito de exercício do direito de audição no prazo de 10 dias;
5. Em anexo à notificação realizada foi enviada cópia do projecto de despacho de reversão;
6. O sócio-gerente, J., na qualidade de responsável subsidiário da Sociedade “D., Lda.” foi notificado a 20.06.2006;
7. Exerceu o direito de audição, por escrito, a 21.07.2006;
8. Por despacho datado de 23 de Agosto de 2006, o Chefe do Serviço de Finanças de Águeda operou a reversão das dívidas identificadas em 1. contra o gerente, responsável subsidiário, J.;
9. O oponente J. exerceu a gerência de facto da sociedade “D., Lda.”, durante o período relativo aos exercícios em causa, entre 1996 e 2002;
10. Durante este período a condução dos destinos da devedora originária compreendia-se no âmbito de decisão do Oponente;
11. A empresa dedicava-se à actividade de cromagem;
12. Os clientes mais importantes foram deixando de pagar o que conduziu à deterioração da saúde financeira da empresa que foi deixando de ter capacidade para fazer face aos seus compromissos;
13. Os trabalhadores recebiam os seus salários com alguns atrasos e por fim, houve alguns que não obtiveram pagamento nos seus créditos salariais;
14. Apesar das incapacidades demonstradas pela empresa e do agravamento da situação financeira, o Oponente manteve o seu funcionamento nos mesmos moldes de sempre;
15. Sem que nada fizesse para evitar, ou travar, o endividamento da devedora originária;
16. No pavilhão da empresa ainda se encontra algum material, uns rectificadores (transformadores de corrente), equipamentos de rápida degradação;
17. Durante o período em que exerceu a gerência nunca o oponente perdoou dívidas aos seus clientes, nem fez retiradas indevidas de dinheiro da empresa em proveito próprio;

Factos não provados:
Que não ficou a dever-se a culpa do Oponente a situação patrimonial da devedora originária, de insuficiência patrimonial, para solver as dívidas da empresa.
Não existem outros factos com pertinência para a decisão. As demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto / direito, meras considerações pessoais do oponente ou são inócuas para a boa decisão da causa.
***

Na sua decisão o Tribunal estribou-se na documentação junta aos autos, designadamente as cópias das citações feitas pelos Serviços de Finanças ao Oponente, onde se encontram arroladas todas as dívidas em execução bem como os períodos/exercícios a que correspondem e ainda a informação trazida aos autos relativa às datas de instauração dos Processos de Execução Fiscal e períodos em que estes se encontraram parados, desde logo pela sua natureza e ainda pelo facto de o próprio oponente ter o seu conteúdo como assente; bem assim como no Processo Administrativo que se encontra apenso.

Em sede de produção de prova, foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo oponente que declararam, em suma o seguinte:
A.: trabalhou na empresa durante 4/5 anos, mais concretamente entre 1998 e 2003 e nessa altura em o Sr. Engenheiro D. quem conduzia a sua sorte, durante este período algumas empresas que deviam à “D.” fecharam. Contou que quando tentava receber o Sr. Engenheiro comentava muitas vezes que também não lhe pagavam a ele acabando mesmo por ficar com montantes a haver, “uns 100/200 contos”. Esclareceu ainda que a empresa C., um cliente forte da “D.” mudou de nome desconhecendo se foi à falência. Disse ainda que o património/equipamento da “D.” se estraga com o tempo.
M.: disse trabalhar com a empresa há uns 8/9 anos, tendo esta a actividade de cromagem. Sabe que certas empresas não pagavam os serviços prestados desconhecendo a razão pela qual deixaram de pagar; por vezes o Senhor Engenheiro comentava ter “apanhado mais uma banhada”; os funcionários também não recebiam a horas mas compreendiam a situação uma vez que nada lhes era escondido, esclareceu que as coisas começaram a correr mal quando os clientes foram deixando de pagar; tanto quanto sabe a empresa ainda tem uns rectificadores que se encontram no pavilhão onde laborava a empresa.
L.: é contabilista da empresa onde trabalha desde a sua fundação até hoje; disse que a razão de ser da situação da empresa é “os calotes que lhe foram pregados”. Foi feito um apanhado dos créditos da empresa que importam numa quantia de 30/40 mil contos, situação que “deu cabo da empresa” (D.) uma vez que esta quantia, na realidade da empresa tem um peso “enormíssimo”. Disse ainda que o Sr. Engenheiro fez um suprimento, explicando que saiu de uma empresa onde trabalhava (FCI) aplicando o dinheiro que então recebeu na “D.”.
Atendendo à forma como estes depoimentos foram prestados, as testemunhas apresentaram-se calmas, falaram calmamente, revelando descomprometimento, as imprecisões temporais e de pormenor que lhes foram pedidas e às quais não lograram responder, atendendo desde logo ao lapso de tempo verificado e às funções que desempenhavam na empresa, serviram para credibilizar o seu depoimento, assim o seu teor foi levado em linha conta no apuramento dos factos dados como provados.”

2. O Direito

Começamos por salientar que o presente recurso somente abrange a parte da sentença desfavorável ao oponente, ou seja, tem por objecto a decisão de primeira instância na parte que julgou o ora Recorrente parte legítima no que respeita às dívidas de IVA de 1998 a 2002, IRC de 2002 e 2003 e Coimas aplicadas nos anos de 2002 a 2005.
Pugna o Recorrente pela declaração de nulidade da sentença recorrida, por força do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que, na sua óptica, não fundamentou o julgamento que realizou dos pontos 14 e 15 do probatório.

Quanto à apontada falta de fundamentação, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação – cfr., entre muitos, o Acórdão do STA, de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10 -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.

Porém, como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.

Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

Ora, a sentença recorrida optou por uma fundamentação global e genérica, o que, manifestamente, não se revela uma boa técnica. À parte a prova documental, o apuramento dos factos dados como provados assentou na convicção formada no julgador através dos depoimentos testemunhais que foram prestados, como resulta da motivação da decisão da matéria de facto.

Esta decisão em apreço apresenta-se bastante deficiente, mas não chega a ser ininteligível. Por isso, considerando a matéria vertida nos ditos pontos 14 e 15, tudo indica que este julgamento poderá enfermar de erro, mas não de nulidade, dado que não estamos perante uma total ausência de motivação da decisão da matéria de facto.

Aponta, ainda, o Recorrente, como vício invalidante da sentença, para a omissão de pronúncia, desta feita nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.

A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.

Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).

Defende o Recorrente que o tribunal recorrido omitiu pronúncia relativamente à existência de notificação da liquidação dos impostos não retidos e, em caso afirmativo, se foi efectuada na forma legal.

Ora, compulsando o teor integral da petição inicial, não resulta que a referida falta de notificação da liquidação relativa a qualquer um dos tributos em execução tivesse sido alegada.

Com efeito, somente se invoca o desconhecimento da existência da notificação – cfr. artigo 103.º da petição de impugnação. Para concluir que, inexistindo as competentes notificações, as dívidas são inexigíveis – cfr. artigo 105.º da petição inicial.

Assim, em rigor, não se encontra colocada, a este propósito, nenhuma questão ao tribunal recorrido, nem a mesma é de conhecimento oficioso, pelo que, por força do princípio do dispositivo, não tinha o tribunal “a quo” que se pronunciar; não se verificando, portanto, nulidade da sentença recorrida e improcedendo também o alegado na conclusão 5.

Assim, a questão, tal como colocada na conclusão 22, consubstancia uma questão nova, não podendo, por isso, ser conhecida em sede recursiva.

Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.

Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial.

Assim, não haverá que tomar conhecimento desta questão, da falta de notificação atempada das liquidações.

O entendimento supra firmado quanto à invocada nulidade, por falta de fundamentação e apreciação crítica dos meios probatórios, surgiu mais pacífico na medida em que não seria necessário sindicar essa matéria vertida nos pontos 14 e 15, caso contrário, poderíamos ser confrontados com uma impossibilidade de sindicância. De facto, o teor destes pontos apresenta-se conclusivo, devendo, desde logo, ser expurgado da decisão da matéria de facto. Tal vai ao encontro das conclusões 6 e 7 das alegações, onde o Recorrente sustenta deverem os referidos pontos da matéria de facto ser eliminados, pois não se estribam em quaisquer provas testemunhais e/ou documentais, impondo-se a devida correcção do julgamento em matéria de facto. O mesmo é válido para a matéria não provada, pugnando pela sua eliminação, pois que a prova produzida vai exactamente em sentido contrário ao que o Tribunal, erradamente, considerou.

Vejamos o probatório:
“14. Apesar das incapacidades demonstradas pela empresa e do agravamento da situação financeira, o Oponente manteve o seu funcionamento nos mesmos moldes de sempre;
15. Sem que nada fizesse para evitar, ou travar, o endividamento da devedora originária;”

E a matéria dada como não provada:
“Que não ficou a dever-se a culpa do Oponente a situação patrimonial da devedora originária, de insuficiência patrimonial, para solver as dívidas da empresa.”

Trata-se, claramente, de matéria conclusiva, que condiciona, inexoravelmente, o desfecho da causa. Além do mais, não deixa de ser demasiado vaga e genérica, tendo subjacente juízos valorativos, sendo, por isso, inadmissível que integre a decisão da matéria de facto.

Nesta conformidade, os pontos 14 e 15 do probatório e o ponto julgado não provado na decisão recorrida nunca poderiam manter-se, tendo-se como não escritos, nos termos do disposto no artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, na redacção aplicável à data.

Pela sua especificidade, abordaremos, desde já, os óbices apontados aos processos de execução fiscal que reverteram contra o aqui Recorrente para cobrança de dívidas referentes a Coimas dos anos de 2002 a 2005 – cfr. conclusões 19, 20 e 21 das alegações do recurso.

É incontornável que a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo se consolidou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

Com efeito, o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 437/2011, prolatado no processo n.º 206/10, julgou não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora». E, na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sofreu uma inevitável alteração, passando igualmente a acolher essa posição, porque adoptada em formação plenária, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 19/04/2012, no proc. n.º 1216/09, em 21/11/2012, no proc. n.º 1176/11, em 09/01/2013, no proc. n.º 1187/12, em 16/01/2013, no proc. n.º 312/12, em 30/1/2013, no proc. n.º 1036/12, em 26/06/2013, no proc. n.º 554/13.

Importa começar por chamar a atenção que é hoje perfeitamente pacífico que a responsabilidade dos gerentes por dívidas provenientes de coimas, enquanto responsabilidade civilística que é, depende da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se a verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora, os quais devem, desde logo, constar do despacho de reversão – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 17/03/2016, proferido no âmbito do processo n.º 09122/15.

Efectivamente, no que respeita à responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas provenientes de coimas rege o já citado artigo 8.º, n.º 1 do RGIT que prescreve o seguinte:
«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».

Tendo presente o teor do artigo 8.º do RGIT, que acima ficou transcrito, deve dizer-se que tal preceito não consagra qualquer presunção de culpa e, portanto, é sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar a culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora de que possa prevalecer-se a AT, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – neste sentido, entre outros, Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 19/12/2001, proc.5568/01; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 11/06/2002, proc.6587/02; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/01/2004, proc.594/03; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/01/2005, proc.304/04, Ac. STA. – 2ª secção, de 16/01/13, proc. 312/12.

Dito de outro modo, e como se enfatiza no acórdão do STA de 09/04/2014 (processo n.º 341/13) “o art. 8.º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» (…). E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Ora, compulsando o teor do respectivo despacho de reversão, verificamos que se limita a aludir que se encontram reunidas as condições referidas no artigo 13.º do Código de Processo Tributário, sendo certo que não se mostra alegada qualquer factualidade que leve a concluir no sentido da culpa do Oponente no facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para o pagamento da dívida de coimas, nem tão-pouco existe, sequer, alusão a essa culpa, limitando-se a formular uma série de questões, no sentido de suscitar um subentendimento de que o revertido não teria efectuado quaisquer diligências para afastar a imputação de culpa; tratando-se, por um lado, de uma alegação incipiente, não circunstanciada e assente em simples interrogações, por outro, nada se afirma, apenas se interroga, não chegando sequer a denotar um cariz conclusivo, sendo toda a abordagem totalmente irrelevante para a apreensão da eventual culpa.

Por conseguinte, entendemos que a Administração Tributária, no caso, não alegou no despacho de reversão quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura ao comportamento do Oponente; não cumprindo o ónus que sobre si impendia, nada de relevante tendo sido alegado quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição.

Quer isto dizer que não existiu qualquer acto de verificação da responsabilidade civil relativamente às dívidas exequendas respeitantes a coimas, cuja responsabilidade pelo respectivo pagamento a AT imputa subsidiariamente ao Recorrente, sendo certo, repete-se, que este ónus recaía sobre a Administração, inexistindo, a este respeito, como já deixámos assinalado, qualquer presunção de culpa que funcione a favor da AT – cfr Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08731/15.

Pelo que, nesta parte, impõe-se revogar o decidido pelo tribunal recorrido que julgou parte legítima o revertido, quanto às dívidas resultantes de coimas.

Nas conclusões 8 a 11, insurge-se o Recorrente contra o desacerto da sentença recorrida, quanto à dívida de IVA de 1998, dado que haveria necessidade de prévia excussão do património da devedora originária para que fosse possível operar a responsabilidade subsidiária do aqui Recorrente.

A sentença recorrida decidiu que, face ao preceituado no artigo 13.º do CPT, basta a comprovada impossibilidade de satisfação da dívida exequenda através de bens da devedora originária. Vejamos esse julgamento “a quo”:
“(…) Da questão do privilégio da excussão prévia
Entende o Oponente que a reversão só se poderia operar após a excussão dos bens do originário devedor o que não se verificou, alegando que ainda havia material no pavilhão onde laborava a empresa o qual deveria responder pelas dívidas em cobrança no Processo de Execução Fiscal, antes do património do responsável subsidiário.
Atentemos no facto de estar ou não verificada a insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, de que o art. 13.º fazia depender a responsabilização do gerente.
Para a efectivação da responsabilidade subsidiária exige-se a comprovada impossibilidade de satisfação da dívida exequenda através dos bens do devedor originário (art. 239.º, n.º 2, do CPT, aplicável à situação)
No caso sub judice, estava demonstrada essa impossibilidade?
A Administração Tributária, como lhe competia, procurou fazer a penhora de bens da sociedade, mas tal não se mostrou possível, como resulta da informação lavrada na execução fiscal e referida no ponto 2. do probatório, onde ficou referido que não havia outros bens para além dos que haviam já sido penhorados e vendidos noutra execução fiscal Segue-se de perto entendimento expresso no Ac. TCAN de 11.05.2006, proferido no âmbito processo 00066/2006 do qual é relator Francisco Rhodes, disponível em www.dgsi.pt..
Alega o oponente a existência de uns rectificadores (adaptadores de corrente) que ainda se encontram no pavilhão onde laborava a empresa, mas não foi feita prova que realmente lhe pertencessem, por um lado aquele pavilhão em 2006 encontrava-se arrendado a outra firma que ali laborava, por outro lado a D. cessou a sua actividade a 01.11.2002, pelo que se entende não haver prova que estes objectos eram propriedade da devedora originária.
Ainda que assim não se entendesse, considerando a hipótese de lhe pertencerem, verifica-se que não foi feita prova que se encontrem livres de ónus podendo estar penhorados à ordem de outro processo ou terem até sido objecto de venda e, por qualquer motivo, não tenham dali sido removidos pelo adquirente.
Ainda que assim não fosse, foi dito e reiterado pelas testemunhas ouvidas que o material se estragava com o tempo, tendo estes objectos um valor diminuto relativamente aos €268 690, 75 em cobrança no Processo de Execução Fiscal cuja responsabilidade subsidiária é imputada ao oponente, sendo irrelevante que previamente se tivesse operado a sua venda.
Entende-se que o Oponente não fez prova alguma da existência de outros bens na titularidade da devedora originária, motivo por que nunca a oposição poderia proceder com esse fundamento. (…)”

De facto, este entendimento mostra-se sufragado pelo Acórdão deste TCAN, de 11/05/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00066/2006, em que se decidiu a mesma questão com contornos fáctico-jurídicos semelhantes.

In casu, a AT demonstrou a impossibilidade de satisfação da dívida exequenda através dos bens da devedora originária, conforme factualidade assente no ponto 3 da decisão da matéria de facto.

No ponto 16 do probatório apurou-se que no pavilhão da empresa ainda se encontra algum material, uns rectificadores (transformadores de corrente), equipamentos de rápida degradação.

Porém, recordamos que a inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, como é jurisprudência pacífica, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre.

Ora, o acto de reversão foi praticado em 23/08/2006, conforme ponto 8 do probatório, enquanto a matéria levada ao ponto 16 da decisão da matéria de facto não está situada no tempo. Observa-se da análise da venda judicial que foi realizada, cujos respectivos documentos comprovativos constam das cópias dos processos de execução fiscal apensos, que aí consta uma verba referente a rectificadores de corrente que foi, efectivamente, alienada após penhora – cfr. fls. 398 a 400. Como, quanto aos bens indicados no ponto 16, não existe qualquer menção temporal, é possível que as testemunhas se tenham referido aos mesmos rectificadores que já tinham sido objecto de penhora noutro processo e vendidos em Abril de 2006; portanto, antes da presente reversão.

Nesta conformidade, como o Recorrente não comprovou a existência de outros bens penhoráveis pertencentes à devedora originária à data do despacho de reversão, não poderia a presente oposição proceder com este fundamento, nem este recurso, nesta parte.

Importa, agora, conhecer os motivos para a sentença recorrida não ter decidido verificar-se a ilegalidade do despacho de reversão por violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT (correspondente ao invocado n.º 6 na versão originária). Com efeito, o Recorrente não se conforma, considerando incorrectamente julgado, com a matéria respeitante à validação do despacho de reversão que, em sede de audição prévia, ignorou a alegada falta de culpa na insuficiência do património societário e dispensou a inquirição das testemunhas arroladas para comprovar a inexistência desse pressuposto legal da responsabilidade subsidiária – cfr. conclusões 12 a 15 das alegações.

Vejamos como analisou a sentença recorrida este vício imputado ao acto de reversão, consubstanciado em violação do artigo 60.º, n.º 7 da LGT: «(…) Da fundamentação do despacho de reversão

Alega o oponente que o despacho que determinou a reversão não levou em consideração o teor do que foi dito em sede de direito de audição, no fundo, entende que não foi considerada a defesa do revertido.

A fundamentação do despacho de reversão, no que respeita ao oponente, depois de fazer a síntese do alegado, tem o seguinte teor: “o sócio gerente J., nas suas alegações confirma que de facto foi sócio gerente da originária devedora, referindo que se existe insuficiência de património para solver os débitos fiscais, a culpa não lhe pode ser imputada, no entanto: que diligências efectuou para não lhe ser atribuída a responsabilidade da insuficiência de património da originária devedora? Que diligências efectuou para que a originária devedora fosse ressarcida dos €150 000 que é credora dos seus clientes? Perdoou as dívidas aos seus clientes? Não deixou de praticar actos que causaram ou determinaram a insuficiência do património da executada para solver os débitos fiscais? Deste modo (…) converto em definitivo o projecto de reversão contra o responsável subsidiário J.”.
(…)
Entende-se assim, tal como alegado pelo Oponente, que o regime aplicável no que respeita à culpa do gerente bem como à regra do ónus da prova da mesma é o fixado no art. 13º do Código de Processo Tributário, competindo ao revertido alegar e provar um conjunto de factos que lhe permita demonstrar não ser por culpa sua que a sociedade se encontra numa situação de facto tal que não lhe permite dar pagamento às suas dívidas.

Atento o exposto entende-se que o despacho de reversão está devidamente fundamentado na medida em que, apesar de o fazer através da forma interrogativa, faz menção ao facto do revertido não ter feito prova de quaisquer factos que permitissem excluir a sua culpa na impossibilidade da empresa poder responder pelas suas dívidas o que determina que se opere a reversão. (…)”

No exercício de audição prévia o Recorrente limitou-se a concluir que não teve culpa na insuficiência do património societário, porque não dissipou o património da devedora originária e que era, ainda, credora de terceiros em montantes que totalizavam €150.000,00.

Tendo a AT procedido à audição prévia, então, impõe-se-lhe que cumpra integralmente as regras que a lei prescreve para tal procedimento, sob pena de se esvaziar o sentido útil da norma constante do citado n.º 7 do artigo 60.º da LGT, da qual se depreende uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.

O disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária pretende efectivar uma real participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, mas para que a AT tenha que ter obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte, esses elementos têm que consubstanciar factos antes desconhecidos, susceptíveis de prova, ou novas perspectivas de direito assentes em factos já conhecidos. Se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.

Efectivamente, o Recorrente, nessa sede, não invocou factos novos, daí ser irrelevante qualquer prova que se tenha proposto produzir, com indicação de testemunhas. Limitou-se a aludir a generalidades, que poderiam ser invocadas em qualquer outra situação, sem individualizar qualquer comportamento positivo, em concreto, que tenha sido adoptado.

Na apreciação do alegado, em sede de audição prévia, a AT aponta para a irrelevância do teor da defesa apresentada, ficando exposto que a culpa pela insuficiência do património societário só seria afastada se o oponente comprovasse a tomada de medidas positivas para preservar o referido património, designadamente, através da atempada cobrança dos créditos existentes a seu favor, não indica, sequer, uma única diligência nesse sentido que tenha encetado.

Assim, apesar de o órgão de execução fiscal ter adoptado um discurso interrogativo, no sentido de afinal questionar que comportamentos positivos foram adoptados, o certo é que o que ficou plasmado no despacho de reversão corresponde à irrelevância das generalidades invocadas para efeitos de impedir que o projecto do despacho de reversão se tornasse definitivo e, consequentemente, a desnecessidade de produzir qualquer prova ou promover quaisquer diligências instrutórias; improcedendo, também, as conclusões 12 a 15.

No concernente às conclusões 16 e 17, o Recorrente insiste que a notificação para o exercício do direito de audição deveria ser acompanhada do que se considera apurado em termos de facto e de direito, com relevo para a decisão, e que não foram fornecidos os necessários elementos factuais para se poder pronunciar de forma completa e efectiva.

Contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, é nossa convicção que o tribunal recorrido julgou bem; além do mais, da seguinte forma:
“(…) Resulta da documentação junta aos autos que, quando notificado o Oponente para o exercício do direito de audição, consagrado no art. 60º da Lei Geral Tributária, o mesmo foi acompanhado de cópia do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Águeda, a 16.06.2006, onde se lê: “(…) verifica-se a inexistência de bens penhoráveis da executada D., Lda., com sede no Lugar (…) e deste Concelho de Águeda, contribuinte com o número (…). Os presentes autos foram instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA (…). Sendo a executada uma sociedade de responsabilidade limitada, nos termos do disposto no art. 13 do DL 103/80 de 9 de Maio e do art. 13 do Código de Processo Tributário, os gerentes das sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas pelas contribuições e impostos relativos ao período da sua gerência. Ao tempo a que as dívidas respeitam foram gerentes da executada: J. (…). Nestes termos, encontrando-se identificados os responsáveis subsidiários e as quantias porque respondem (conforme relações anexas aos presentes despacho e que ficam a fazer parte integrante do mesmo), a execução contra eles prosseguirá, por reversão, se os mesmos, depois de notificados para efeitos de exercício do direito de audição, não apresentarem novos elementos susceptíveis de alterarem os pressupostos da reversão. Notifique-se, devendo o direito de audição ser exercido no prazo de 10 dias”.

Conforme resulta do despacho transcrito, ao sócio-gerente da empresa D., Lda., foi comunicado, tal como legalmente exigível, o texto do despacho que serve de projecto àquele que há-de vir a determinar a reversão, onde constam todos os factos relevantes para a decisão a ser tomada, designadamente a inexistência de bens penhoráveis na titularidade da executada, a identificação das dívidas em execução, a identificação da executada bem como a dos seus sócios-gerentes, a indicação da norma legal que determina que estes são responsáveis subsidiários das sociedades devedoras e a informação de que será operada a reversão caso este, no exercício do seu direito de audição, não apresente qualquer elemento de facto que venha alterar os já verificados e identificados pressupostos da reversão. (…)”

Não encontramos razão para que a notificação do projecto do despacho de reversão seja acompanhada dos títulos executivos. O despacho de reversão é precedido obrigatoriamente de audição prévia e, para efectivação desta, dispõe o artigo 60.º, n.º 4 da LGT que é obrigatoriamente remetido o projecto de decisão e a respectiva fundamentação, sendo que nesta não se incluem, necessariamente, os títulos executivos, desde que ao destinatário se comunique o âmbito da dívida exequenda, como sucedeu no caso em apreço, através da relação discriminada da dívida exequenda, que identifica a origem e os montantes respectivos.

Por último, na conclusão 18 das alegações, o Recorrente reafirma que a insuficiência do património da sociedade executada não foi consequência de o oponente ter violado quaisquer regras legais ou contratuais que, relativas àquele, tenham como fim a protecção dos credores.

Julgamos que o problema da ausência de culpa na insuficiência do património da sociedade principal se localiza ao nível da própria alegação e não a jusante.

Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in “A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais”, Almedina, 2000, pp. 129), esses factos têm de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das (diversas) adversidades a que a actividade ficou exposta.

Na verdade, ao abrigo do disposto no artigo 13.ºdo CPT, bem como nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, a culpa dos gerentes na insuficiência do património da empresa para o pagamento dos créditos fiscais presume-se, pelo que cabe aos gerentes a alegação e a prova de que não foi por culpa sua que a insuficiência do património ocorreu. Cabe-lhes ilidir a presunção de culpa – cfr. artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil e, in casu, a matéria alegada não é suficiente, mesmo que integralmente provada, para se ter por ilidida a presunção de culpa que, nos termos desses normativos, recai sobre o Recorrente.

Na sentença recorrida distinguiu-se devidamente as dívidas exequendas às quais se aplica o artigo 13.º do CPT, das que se aplica o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT; tendo sido efectuado o julgamento segundo a conhecida posição dominante da jurisprudência, que é no sentido de que para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas dos impostos cujo prazo de pagamento ou entrega terminou durante o período da sua gerência, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou entrega do imposto.

Sendo as dívidas provenientes de IVA, o gerente tem que demonstrar que a falta de pagamento atempado não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade devedora originária para efectuar o pagamento e que a falta não se deveu a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

In casu, grande parte dos tributos ainda em discussão respeitam a IVA não entregue, não tendo o Recorrente nada alegado no sentido de excluir a sua responsabilidade por essa falta de entrega. Quanto às dívidas de IRC, não comprovou que diligências positivas tomou, em concreto, para evitar a situação de insuficiência do património societário, sendo que tal situação poderia, pelo menos, ter sido minorada se tivesse atempadamente providenciado pela cobrança dos créditos sobre terceiros de que, alegadamente, seria titular a devedora originária.


Assim, tendo presente esta presunção de culpa, mostra-se forçoso concluir que o Recorrente não cumpriu o ónus de demonstrar o inverso do ali legalmente presumido, pelo que essa presunção de culpa na insuficiência do património da originária devedora para satisfazer os créditos tributários subsiste, tal como foi decidido na sentença recorrida.

Em face do exposto, improcede, igualmente, a conclusão 18 tendente a demonstrar a ilegitimidade do Recorrente com fundamento na falta de culpa naquela insuficiência patrimonial, para satisfação das dívidas tributárias em execução.

Impondo-se, por isso, genericamente, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença na parte recorrida na ordem jurídica, com excepção da parte relativa às dívidas referentes a Coimas aplicadas nos anos de 2002 a 2005, como motivámos supra.

Conclusões/Sumário

I - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.

II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

III - Estas presunções legais de culpa só podem ser ilididas com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.

IV - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».

V – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).

VI - Do disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária depreende-se uma intenção legislativa no sentido de conferir aos contribuintes uma efectiva participação na formação das decisões que lhes digam respeito, impondo-se que a AT tenha obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte.

VII - Contudo, se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença na parte recorrida e julgar a oposição parcialmente procedente, extinguindo quanto ao Recorrente somente os processos de execução fiscal que visam a cobrança coerciva de coimas aplicadas nos anos de 2002 a 2005.
*
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 40% a cargo da Fazenda Pública e 60% a cargo do Recorrente, em ambas as instâncias; sendo que nesta instância, para a Fazenda Pública, as custas não incluem a taxa de justiça, na medida em que não contra-alegou.
*
Porto, 29 de Abril de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira
____________________________________
i) Segue-se de perto entendimento expresso no Ac. TCAN de 11.05.2006, proferido no âmbito processo 00066/2006 do qual é relator Francisco Rhodes, disponível em www.dgsi.pt.