Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00368/04.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RENDIMENTOS DE PROVENIÊNCIA ILÍCITA, ÓNUS DA PROVA, CATEGORIA B, IRS
Sumário:I - O ónus da prova do direito de liquidar adicionalmente IRS, com base em correcções aritméticas à matéria tributável, cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

II - Para efeitos de IRS (Categoria B), na redacção do artigo 3.º, n.º 6 do Código de IRS anterior à redacção introduzida pelo n.º 2 do artigo 26.º do Orçamento de Estado para 2003 – Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro - “Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código de IRC para os rendimentos determinados com base na contabilidade”, o momento a atender para determinar a obtenção do rendimento e a consequente sujeição a imposto, corresponde ao do recebimento do valor respectivo, relativamente aos sujeitos passivos enquadrados no regime simplificado de tributação.

III – Estando em causa omissões nas declarações anuais de rendimentos de 1999, 2000 e 2001, não basta a Administração Tributária afirmar que os rendimentos foram auferidos nesses anos pelo Recorrente, sem qualquer elemento probatório que o comprove. Falta fundamentação ao acto tributário para operar as referidas correcções aritméticas e sustentar as liquidações adicionais de IRS, por não estar demonstrado concretamente em que data e quais os proveitos que foram pagos.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

C., NIF (…), residente na Urbanização (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 30/10/2007, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS, relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001 (esta impugnada no processo apenso n.º 1364/04.2BEBRG), e respectivos juros compensatórios, nos valores de €1.843,73, de €3.975,90 e de €2.273,13, respectivamente.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“I - Nos processos executivos mandados instaurar, contra o Agravante, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2, em consequência da falta de pagamento dos valores constantes dos documentos de cobrança do IRS 2003- 5234102002 e 2003-5324147641, de €1.843,73 e €3.975,90, que correm termos sob os números 3590200401028146 e 3590200401021052, foi prestada garantia, através de Fiança, nos termos do art° 199° do CPPT, in fine, aplicável ex vi do art° 169.º do mesmo diploma legal, o que determina a suspensão da execução, in casu, até à decisão do recurso judicial.
II - Pelo que o douto despacho que atribuiu, ao recurso, efeito meramente devolutivo, enferma, nessa parte, de vício de violação de Lei, sendo nulo e de nenhum efeito, nulidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos, maxime o da atribuição de efeito suspensivo ao procedimento judiciai em curso, em sintonia, aliás, com a suspensão da própria execução, porque o interesse do Estado/Administração Fiscal, à efectiva cobrança do Imposto, continua garantido, nos termos da Código de Processo e Procedimento Administrativo!
III- O Tribunal a quo deu como assente prova meramente indiciária recolhida em sede do Inquérito n.º 3127/00.5JAPRT-F, que correu termos no DIAP/PORTO, (cfr. os nºs. 1 e 2 do art° 283° do CPP) convertida, assim, desta forma tão simples e redutora, em insofismável verdade!
IV - E com base nessa prova, a única que sustenta a decisão, declarou a improcedência das Impugnações Judiciais das liquidações de IRS correspondentes aos exercícios de 1999 e 2000, condenando o Impugnante, ora Recorrente, em custas.
V - De uma só penada, o Tribunal a quo pôs em crise o facto do Inquérito se limitar à recolha de indícios, susceptíveis de legitimar a dedução de Acusação, pelo Ministério Público, quando sejam suficientes e adequados a criar a convicção de que, ao Arguido, poderá vir a ser aplicada uma pena, se e quando submetido a julgamento, não curando, sequer, de atender ao facto dessa mesma Acusação poder vir a ser objecto de apreciação crítica, através de recurso à Abertura de Instrução, que pode conduzir à sua rejeição total ou parcial, pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal!
VI - A prova, na ordem jurídica portuguesa, pelo menos enquanto integrarmos o núcleo de Países ditos Democráticos e de Direito, só é possível através de confissão, integral e sem reservas, que neste caso específico determinaria o pagamento voluntário do imposto, pelo total reclamado, o que não foi manifestamente o caso, de documentos autênticos e em Julgamento!
VII - Extraordinário o facto do Meritíssimo Juiz titular do Processo Judicial de Impugnação, que se pronunciou pela respectiva improcedência, desconhecer que o Inquérito é uma fase processual vinculada ao princípio constitucional da presunção de Inocência, pelo que a decisão recorrida é inconstitucional por violação clara do art° 32° da Lei Fundamental do Estado Português, inconstitucionalidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
VIII - “… o princípio da presunção de inocência… não é privativo do processo penal porque, uma vez que teve acolhimento constitucional, elevado à categoria de direito fundamental, e pese embora o facto de se encontrar localizado dentro das garantias do processo penal, terá de estar presente em qualquer tomada de decisão administrativa ou jurisdicionai relacionada com a conduta dos cidadãos e de cuja aplicação se faça derivar um resultado sancionatório ou limitador de direitos” ( in Alexandra Vilela “Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Processo Penal” Coimbra Editora, 2000, pág. 11).
IX - No mesmo sentido os Acórdãos do Tribunal Constitucional n°s. 439/87 de 4 de Novembro e 198/90 de 7 de Junho.
X - Por outro lado, a decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no art° 125.º do CPPT, porque foram dados como provados factos puramente indiciários constantes da Acusação do Ministério Público, que o Meritíssimo Juiz da Tribunal a quo reproduziu, ipsis verbis, assumindo-os como a única prova produzida em sede do Processo Judicial de Impugnação das liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 1999 e 2000, pronunciando-se sobre matéria que não podia nem devia conhecer!
XI - Também andou mal a Administração Tributária quando, ao invés de levar a cabo uma Inspecção nos termos dos art°s 5.º a 11.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, como devia e estava obrigada, também se bastou com o facilitismo da adesão acrítica, o que resulta evidenciado, à saciedade, do próprio Relatório Final, ele também uma reprodução redutora e fiel da Acusação do Ministério Público!
XII - Contrariamente ao que aconteceu, in casu, a Administração Fiscal quando verifica o preenchimento dos pressupostos da tributação, especialmente a existência de rendimentos tributáveis na esfera jurídica dos sujeitos passivos, está vinculada a actuar de forma idónea, rigorosa e fundamentada, na identificação de situações susceptíveis de serem subsumidas no âmbito de incidência da norma tributária, não o fazendo, como efectivamente não fez, actuou em clara violação do princípio da neutralidade fiscal e da Justiça Material, plasmados nos artigos 10.º e 5.º, n°2 da Lei Geral Tributária.
XIII - Mas fez pior, quando ignorou que o objectivo principal da sua actuação, é a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, cfr. o art° 266° da Constituição da República Portuguesa.
XIV - Retomando a decisão recorrida, sempre se dirá que deverá a ser primeira, na História da Jurisprudência Nacional, a guindar à natureza de prestação de serviços, para efeitos de tributação, o exercício, a pedido de terceiros, e contra o pagamento de um preço, de pressão sobre os Senhores Magistrados Judiciais, levando-os a praticar actos de que resultariam benefícios financeiros ilícitos, travestidos de comissões, repartidas entre o funcionário judicial, que pressionava os Juízes, o liquidatário nomeado por força e em consequência dessa pressão e pela Leiloeira que procedia à venda dos activos, especialmente das falências com maior património!!!
XV - Para o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo os valores pecuniários assim recebidos, apesar de ilícitos são objecto de tributação ao abrigo do art° 3° do CIRS! O que se nos afigura uma lamentável heresia!
XVI - À cautela sempre se dirá, que a ter havido inspecção interna, e não houve, a Administração Fiscal sempre podia ter verificado, como estava obrigada, que não só o depósito que consta do mapa reproduzido em sede de sentença, na parte que se refere ao ano de 1999, foi feito em numerário, e que o segundo, corresponde, efectivamente, a um cheque só que não só não foi passado à ordem do Agravante como também nunca foi por ele descontado!
XVII - E mais, o Agravante não conhece a classe de Magistrados Judiciais a que se refere o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo porque, enquanto Secretário Judicial, sempre teve o subido privilégio de colaborar com Juízes de Direito, competentes, esclarecidos e que nunca se sujeitaram, nem sujeitam, a pressões que não sejam as das suas próprias consciências!
XVIII - Que não teriam, certamente, grande dificuldade, em concluir, que a palavra “comissões” utilizada, na Acusação do Ministério Público à qual o Tribunal aderiu, sem reservas, no que se refere aos senhores funcionários judiciais, remonta ao termo latino “gratificare” que, em português, significa gratificação, prémio, reconhecimento, recompensa!
XIX - Pelo que sempre haverá que concluir pela inaplicabilidade, ao caso concreto, da norma na qual a decisão recorrida estribou a conformidade legal das liquidações impugnadas!
XX - Aliás, é absolutamente falso que tenha ficado provado, nos Autos de Inquérito, que o Agravante tenha recebido comissões de quem quer que seja, pelo que se lastima que seja precisamente um Juiz de Direito a confundir indícios com prova consolidada, em matéria tão sensível como a tributação de rendimentos!
XXI - Aquilo a que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo chama matéria de facto tida como provada, são meras presunções irrefutavelmente inatendíveis à luz da Constituição, seja em processo penal seja em processo tributário, pelo que haverá que concluir pela inconstitucionalidade da decisão recorrida, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
XXII - Afigura-se-nos oportuno referir a obrigatoriedade legal, imputada à administração tributária de provar, ela própria, e não o sujeito passivo, os factos constitutivos do direito de proceder à liquidação de impostos, cfr. o n°1 do art° 70° da LGT.
XXIII - E essa prova terá que ser o meio adequado e suficiente a estabelecer, de forma exacta e segura, quais os rendimentos auferidos pelos contribuintes.
XXIV - No que se refere à fundamentação jurídica da decisão recorrida, vulgo Enquadramento Jurídico, sempre se dirá que, contrariamente ao alegado o facto tributário pura e simplesmente não existe!
XXV - Em momento algum, primeiro a inspecção tributária, em seguida o Tribunal a quo, sucederam em provar, de forma clara e inequívoca, que o Agravante auferiu rendimentos com intenção de os fazer seus, tão pouco cuidou de conhecer da existência de qualquer pedido indemnizatório no qual possa vir a ser condenado e, finalmente, identificar o demandante e quantificar o valor peticionado, pelo que a decisão recorrida enferma do vício de falta de fundamentação, sendo nula e de nenhum efeito, nulidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
XXVI - Para concluir, e no que se refere à distribuição do ónus da prova, é inconcebível que se pretenda aplicar retroactivamente, como fez, e mal, o Meritíssimo Juiz que proferiu a decisão recorrida, a Lei 32-8/ 2002, de 30 de Dezembro, uma vez que o direito à cobrança de impostos se rege pelo princípio constitucional e legal da não retroactividade!
XXVII - O n°3 do art° 103° da Constituição da República Portuguesa, tem por destinatários os operadores jurídicos concretos, maxime os Senhores Magistrados Judiciais, sendo inequívoco relativamente ao facto de, em Direito Fiscal, o princípio da aplicação imediata da lei nova, aos procedimentos e processos em curso, comporta duas excepções, uma vez que se não aplica se afectar garantias, direitos ou interesses legítimos anteriormente constituídos, dos contribuintes, e, por outro, se se tratar de normas que, embora respeitantes ao procedimento de determinação de matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento de normas de incidência tributária.
XXIX - Pelo que, salvo melhor opinião, a decisão recorrida enferma de erro notório na aplicação da Lei, o que constitui nulidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
São pois os termos, os melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., Meritíssimos Juízes, em que deve ser dado provimento ao Recurso e, em consequência:
a) Ser declarado o efeito suspensivo de que beneficia, pelas razões aduzidas, maxime por se encontrarem suspensos os processos executivos em consequência da prestação de garantia de bom pagamento, nos termos da Lei Tributária, in casu o art° 199° aplicável ex vi do art° 169.º, ambos do C.P.P.T..
b) Serem conhecidas as invocadas nulidades da decisão recorrida e a respectiva inconstitucionalidade, por violação, clara, de princípios e normas de natureza constitucional.
c) Serem anuladas, por manifesta ilegalidade, as liquidações impugnadas.
Tudo isto o Agravante requer em nome da sempre desejada e melhor JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por se ter pronunciado sobre matéria (de facto) que não podia nem devia conhecer e por falta de fundamentação, se padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da presunção da inocência, e se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que as correcções efectuadas estão fundadas na existência de norma de incidência e de rendimentos empresariais ou profissionais, irrelevando o eventual carácter ilícito dos mesmos para efeitos de incidência.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“1. O impugnante é funcionário judicial, tendo exercido as funções de Secretário Judicial do Tribunal (...).
2. O impugnante foi submetido a uma inspecção em sede de IRS relativamente aos anos de 99 a 2001, na sequência de despacho do Ex.mo Senhor Director-Geral dos Impostos, de 2003.07.18, exarado no Ofício n.º 374/F de 2003.07.03, dos Serviços do Ministério Público dos Juízos Criminais, do Tribunal de Instrução Criminal e DIAP - Porto. FIs. 13 ss do PA apenso.
3. Na referida inspecção, e com base na análise dos elementos constantes do extracto da certidão emitida pelo DIAP/Porto, do inquérito n° 3127/00.5JAPRT-F apurou-se designadamente o seguinte:
“...O sujeito passivo, no exercício das funções de Secretário Judicial do Tribunal de (…), “mancomunado com diversos liquidatários, exercia forte, mas dissimulada, influência nos magistrados Judiciais a quem incumbia nomear liquidatários judiciais, com vista a que os Processos de Falência de empresas com maior património e por isso mais lucrativos, fossem confiados aos liquidatários das suas relações, já integrados no esquema de pagamentos de comissões orientados pelas leiloeiras, com o objectivo de vir a receber uma parte dos benefícios auferidos com essa actividade,” O sujeito passivo recebeu quantias monetárias por contrapartida destes serviços prestados como consta e está provado no Inquérito n.º 3127/00.5 JAPRT - F.
As importâncias assim recebidas são as indicadas no Mapa Anexo ao Projecto Relatório
IV - DETERMINAÇAO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL
O sujeito passivo não mencionou as importâncias recebidas nas declarações de rendimentos para os exercícios de 1999, 2000 e 2001 (Anexo B), pelo que deverão ser agora corrigidas assumindo os seguintes valores:
Ano Importâncias Recebidas
1999 4.987,98
2000 9.975,96
2001 9.975,96
TOTAL 24.939,90
VI-CONCLUSÕES – IRS
(valores em euros)

Rendimentos Cat. B 1999 2000 2001
Valores Declarados 0,00 0,00 0,00
Correcções 4.987,98 9.975,96 9.975,96
Total Corrigido 4.987,98 9.975,96 9.975,96
(…)”
4. As importâncias recebidas e constantes do mapa referenciado são as seguintes:

Ano Histórico Escudos Euros Pag.
1999 B.S.- Ch. Conta de A. (S.N.L) 1.000.000$ 4.987,98 12304
2000 B.S.- Ch. Conta de A. (S.N.L) 2.000.000$ 9.975,96 12304
2001 Numerário -A.(S.N.L) 1.000.000$ 4.98798 12304
2001 Numerário - A.(S.N.L) 1.000.000$ 4.98798 12305

5. Notificado do projecto de correcções, conforme fls 12 ss do PA apenso, o impugnante exerceu o direito de audição prévia.
6. Por carta registada com AR foi o impugnante notificado das correcções efectuados e do relatório final nos termos de fls 16 ss do PA apenso.
7. O impugnante foi notificado dos documentos de cobrança de fls 9 e 10 (1999 e 2000), respeitantes às liquidações de 14/11/03 e 22/12/03, para proceder o pagamento das quantias respectivamente de € 1843,73 e € 3.975,90, com termo de pagamento a 31/12/03 e 9/2/04.
8. O impugnante foi notificado da demonstração de liquidação de fls. 8 do processo apenso (2001), respeitantes à liquidação de 26/6/04, para proceder ao pagamento da quantia de € 2.133,93, referenciando-se como data de compensação 18/8/2004.
9. O impugnante foi notificado da demonstração de compensação e documento de cobrança de fls. 90 do processo apenso, para proceder ao pagamento da quantia de € 2.273,12 até ao dia 27/9/04.
Não se provaram quaisquer outros factos, ou não têm interesse para a causa. Quanto aos factos provados, a convicção do tribunal alicerçou-se no teor dos elementos juntos aos autos, designadamente os referidos na matéria de facto, aceites ou não abalados na sua credibilidade. Quanto aos recebimentos o referenciado a fls. 26ss, descontos de cheques, as entradas em numerário na conta do impugnante e as demais referências constantes do PA apenso.”
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Pela sua pertinência e por constar dos autos o respectivo documento comprovativo, adita-se à decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a seguinte superveniente factualidade apurada:

10. O arguido, C., aqui Recorrente, foi absolvido, no âmbito do processo n.º 736/03.4TOPRT, que correu trâmites na 4.ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 16/01/2009, que transitou em julgado em 06/09/2010, após confirmação do Tribunal da Relação do Porto – cfr. fls. 191 do processo físico.
O julgamento neste processo criminal teve subjacente a acusação e os elementos recolhidos pelo DIAP do Porto no âmbito do Inquérito n.º 3127/00.5JAPRT.
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2. O Direito

Antes de mais, importa apreciar se ao presente recurso deve ser fixado efeito suspensivo.

O Recorrente, nas alegações, como questão prévia, questiona o efeito fixado ao recurso, referindo que ao mesmo deve ser atribuído efeito suspensivo e não devolutivo, pela circunstância de nos autos se encontrar prestada garantia, de acordo com o disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e o Recorrente subscrever entendimento no sentido de que a garantia prestada para efeitos de fixação de efeito suspensivo se estende até ao trânsito em julgado da decisão, in casu, com a decisão final que recair sobre o presente recurso jurisdicional.

O n.º 2 do artigo 286.º do CPPT preceitua que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.

Determina ainda o n.º 5 do artigo 685.º - C do Código de Processo Civil (CPC), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, vigente à data, que a decisão que admita o recurso e fixe o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior.

A fls. 108 do processo físico, a Meritíssima Juíza do tribunal a quo fixou efeito devolutivo ao recurso interposto.
A este efeito contrapõe-se o efeito suspensivo, que consiste em o recurso, para além de ter o efeito de atribuir ao tribunal para onde se recorre o poder de rever a decisão recorrida, impedir que se dê execução imediata à decisão.

Como referimos, está prevista a atribuição de efeito suspensivo também quando tenha sido prestada garantia nos termos previstos no CPPT.
No processo administrativo apenso ao processo n.º 1364/04.2BEBRG existem elementos, extraídos do sistema informático da base de dados da Direcção-Geral dos Impostos, que revelam que os processos de execução fiscal, que visam a cobrança coerciva das liquidações objecto das presentes impugnações judiciais (apensas), estavam suspensos, pelo menos desde 28/03/2006, tudo indicando que tal suspensão será consentânea com a apresentação destas impugnações judiciais; pelo que se mostra ajustado fixar efeito suspensivo ao recurso – cfr. fls. 41 do mencionado processo administrativo.

Face ao exposto, defere-se a pretensão do Recorrente alterando-se o efeito do recurso fixado no despacho de fls. 108 dos autos, que passará a ter efeito suspensivo – cfr. artigo 703.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/6.

Entrando na análise do objecto do recurso, resulta claro que o Recorrente imputa o vício de nulidade à sentença recorrida, por enfermar de falta de fundamentação. Na óptica do Recorrente, esse vício também mancha a decisão recorrida, porque foram dados como provados factos puramente indiciários constantes da Acusação do Ministério Público, que o Meritíssimo Juiz da Tribunal a quo reproduziu, ipsis verbis, assumindo-os como a única prova produzida em sede do Processo Judicial de Impugnação das liquidações adicionais de IRS, pronunciando-se sobre matéria que não podia nem devia conhecer. Alega, também, que, em momento algum, primeiro a inspecção tributária, em seguida o Tribunal a quo, sucederam em provar, de forma clara e inequívoca, que o Agravante auferiu rendimentos com intenção de os fazer seus, tão pouco cuidou de conhecer da existência de qualquer pedido indemnizatório no qual possa vir a ser condenado e, finalmente, identificar o demandante e quantificar o valor peticionado, pelo que a decisão recorrida enferma do vício de falta de fundamentação, sendo nula e de nenhum efeito.

Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto impugnado/reclamado.

No caso concreto, é notório que a factualidade seleccionada e considerada apurada pelo tribunal recorrido não é uma “questão” para os efeitos em análise. Não podendo dizer-se que o tribunal “a quo” se tenha pronunciando sobre matéria que não podia nem devia conhecer, dado que se trata da matéria de facto utilizada pela AT para proceder às liquidações em apreço. Compulsando a decisão da matéria de facto, verificamos que o tribunal se limitou a transcrever a motivação que consta do relatório inspectivo – cfr. ponto 3.

Ora, é manifesto que o invocado, a verificar-se, nunca poderia constituir excesso de pronúncia, pois não se trata de “questão” para efeitos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e do artigo 660.º, n.º 2 do CPC, mas de matéria de facto relativamente à qual se discute se deveria ou não ter sido dada como provada.
Dito de outro modo, o que está em causa não é uma “questão” que cumprisse conhecer, mas antes matéria de facto que foi dada como provada pela Meritíssima Juíza do TAF de Braga e que o Recorrente entende que não o podia ter sido, por se tratar de meros factos indiciários, pelo que estamos no âmbito do erro de julgamento da matéria de facto e não do excesso de pronúncia.

Por outro lado, em termos da apontada falta de fundamentação, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação – cfr., entre muitos, o Acórdão do STA, de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10 -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.

Porém, como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.

Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

Ora, na sentença recorrida compreende-se perfeitamente as razões do decisório: por um lado, acolheu a factualidade apropriada pela inspecção tributária, fundada em extracto de certidão do processo de inquérito n.º 3127/00.5JAPRT-F, considerando apurados os recebimentos no âmbito de actividade alegadamente ilícita; por outro, entendendo que tais recebimentos não seriam oriundos do exercício da actividade profissional de “Secretário Judicial”, mas de actividade não enquadrada em tais funções de funcionário judicial, sancionou o enquadramento legal realizado pela AT, por consubstanciarem rendimentos empresariais ou profissionais, pois que percepcionados no exercício de actividade por conta própria – artigo 3.º do Código de IRS, ficando claro que o tribunal recorrido considerou comprovado que o sujeito passivo auferiu os rendimentos e que os mesmos teriam, eventualmente, carácter ilícito, não obstando tal natureza à incidência, como resulta dos artigos 1.º, n.º 1 do Código de IRS e 10.º da LGT. Em consequência, foram julgadas improcedentes as impugnações em apreço.

Nesta conformidade, mais uma vez, quando muito, este julgamento poderá enfermar de erro, mas não de nulidade, dado que a fundamentação da sentença se mostra inteligível e consentânea com o segmento decisório.

Prosseguindo na apreciação do objecto do recurso, alerta o Recorrente para a obrigatoriedade legal, imputada à administração tributária de provar, ela própria, e não o sujeito passivo, os factos constitutivos do direito de proceder à liquidação de impostos. Acentuando que essa prova terá que ser o meio adequado e suficiente a estabelecer, de forma exacta e segura, quais os rendimentos auferidos pelos contribuintes – cfr. conclusões XXII e XXIII das alegações do recurso.
Assim sendo, impõe-se, desde já, que a nossa análise se baseie na motivação dos actos impugnados, que espelha os factos em que assentaram - na fundamentação constante do relatório de inspecção tributária.

Os actos de liquidação que foram impugnados, de acordo com a fundamentação externada pela administração tributária, basearam-se no pressuposto de que o Recorrente exerceu a actividade de “comissionista”, a qual consistiu, conluiado com diversos liquidatários judiciais, no exercício de influência, dissimulada, enquanto secretário judicial, nos magistrados judiciais a quem incumbia nomear liquidatários judiciais, com vista a que os Processos de Falência de empresas com maior património e, por isso, mais lucrativos, fossem confiados aos liquidatários das suas relações, já integrados no esquema de pagamentos de comissões orientados pelas leiloeiras, com o objectivo de vir a receber uma parte dos benefícios auferidos com essa actividade; como contrapartida dos serviços que prestou, em 1999, 2000 e 2001, recebeu o montante de €24.939,90.

A sentença recorrida, como já adiantámos, considerou que a administração tributária provou os pressupostos da sua actuação e que, por isso, os actos de liquidação de imposto que vêm impugnados deveriam manter-se na ordem jurídica. É nossa convicção que este entendimento merece censura, como veremos.

Nos termos decorrentes do disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) - “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, é à administração tributária que, em sede de procedimento tributário tendente à liquidação de imposto e, no caso de impugnação contenciosa dessa liquidação, em sede de processo judicial tributário, incumbe a prova de que se verificam os pressupostos da sua actuação, sendo igualmente certo que, se da prova produzida resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, a administração tributária deve abster-se de praticar o acto ou, não se abstendo e vindo o mesmo a ser contenciosamente atacado, deverá o mesmo ser anulado (cfr. artigo 100.º, n.º 1 do CPPT).
Esta regra impositiva da anulação do acto em caso de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do acto tributário consubstancia, como assinala a boa doutrina, “uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaia sobre quem os invoque” – cfr., nestes termos, Jorge Lopes de Sonsa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume 1, 2006, pág. 719.
Em geral, as regras de distribuição do ónus da prova destinam-se a evitar que, quem tem a obrigação de decidir (no âmbito do procedimento tributário, a administração, e, em sede de processo judicial, o tribunal), seja colocado numa situação de non liquet perante determinado facto, implicando que aquele non liquet se transforme num liquet contra quem está onerado com a prova.
Dito de outra forma, “a incerteza sobre a realidade dos factos tributários revert[e], em regra, contra a administração tributária, que deve abster-se de efectuar a liquidação se não existirem elementos concretos e consistentes reveladores da existência dos factos tributários, não sendo suficiente a afirmação do seu convencimento sobre a existência do facto tributário com apoio em meras suspeitas ou aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos de prova” – cfr., entre muitos outros, o Acórdão do TCA Sul, de 16/03/2005, recurso n.º 01344/03.

Mesmo quando recorre a provas indirectas ou como diz Alberto Xavier, a «factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados», o certo é que tais indícios devem ser, como acrescenta, «suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade» - cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário», pág. 154.

Ora, no caso em apreço, analisada a matéria de facto provada, não se vislumbra que a administração tributária tenha carreado prova de qualquer facto que seja susceptível de integrar a previsão abstracta da norma de incidência tributária que serviu de fundamento jurídico aos actos de liquidação de imposto aqui impugnados.

Aliás, o Relatório de Inspecção Tributária não descreve, ele próprio, factos integradores da norma de incidência que a administração tributária considerou aplicável. Limita-se a afirmações que são o resultado de juízos conclusivos e não, como a lei impõe, a explanação descritiva de factos subsumíveis a uma ou mais normas de incidência. Na verdade, a exigência de explicitação dos factos que constituem os pressupostos da respectiva actuação não se mostra minimamente satisfeita quando a administração tributária se limitou a referir no Relatório Inspectivo, que serve de fundamentação aos actos tributários, que o Recorrente realizou, nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, a actividade “comissionista”, de pressão dissimulada sobre magistrados judiciais, a quem incumbia nomear liquidatários judiciais, com vista a que os Processos de Falência de empresas com maior património fossem confiados aos liquidatários das suas relações, já integrados no esquema de pagamentos de comissões orientados pelas leiloeiras, tendo vindo a receber benefícios auferidos com essa actividade, como contrapartida dos serviços que prestou, no montante de €24.939,90, e que tais rendimentos era tributáveis em IRS categoria B, de acordo com o artigo 3.º do Código do IRS.

Com efeito, não se descreve factualmente em que é que consistia a dita actividade de “influência sobre magistrados judiciais”, que magistrados terão sido pressionados a nomear determinados liquidatários judiciais, que liquidatários foram nomeados nessas condições, em que processos, de que empresas, que negócios foram realizados nessa sequência, que concretas “comissões” foram cobradas, quais os respectivos montantes e em que datas concretas foram pagos, por exemplo.

Recordamos que, mesmo que se admitisse estar demonstrada uma actuação ilícita do Recorrente, isso não seria suficiente para justificar a tributação. Com efeito, nos termos do artigo 10.º da LGT, a tributação depende de a obtenção ou disposição dos bens, enquanto tal, ser subsumível num quadro legal, independentemente do seu carácter lícito ou ilícito, não se tratando de uma sanção para a ilicitude da obtenção dos rendimentos – cfr., nestes termos, Diogo Leite de Campos - Benjamim Silva Rodrigues - Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, edição, revista e aumentada, 2000, pág. 67.

A isto acresce, colocando-nos, agora, ao nível da análise crítica da prova colhida no âmbito do procedimento tributário, que a administração tributária, no rigor dos termos, não desenvolveu qualquer actividade instrutória. Limitou-se a elaborar o seu Relatório com base na acusação proferida pelo Ministério Público no âmbito do Inquérito n.º 3127/oo.5JAPRT-F, tomando, ao que parece, os factos aí descritos como factos provados, confundindo, portanto, essa acusação com uma sentença, o que constitui óbvio erro – cfr., em situações idênticas, os Acórdãos do TCA Norte, de 14/06/2012 e de 12/07/2012, proferidos no âmbito dos processos n.º 547/05.2BEPNF e n.º 552/05.9BEPNF, não publicados.

Ora, estando em causa liquidações de IRS importava que, logo em sede de procedimento tributário, a administração tributária tivesse desenvolvido e concretizado as diligências tendentes à prova dos factos subsumíveis às normas de incidência em que fundou a sua actuação, nomeadamente, dos factos que consubstanciassem rendimentos empresariais ou profissionais (ainda que ilícitos) tributáveis em sede de IRS, pois só deste modo estariam reunidos os pressupostos legais da sua actuação. Manifestamente, não o fez.

Salientamos que, perante a total omissão de elementos comprovativos nos autos, reveladores que, de facto, tenham sido auferidos rendimentos de categoria B, o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promoveu que se solicitasse à Direcção de Finanças cópia dos documentos relativos aos depósitos nas contas bancárias do aqui Recorrente e outros que ilustrassem os recebimentos indevidos – cfr. fls. 29 do processo físico. Tal promoção ganhou efectividade nos autos a fls. 30 e 34, mas a Fazenda Pública limitou a informar e juntar os únicos elementos que já constavam do procedimento de fiscalização ao impugnante, isto é, o ofício remetido pelos Serviços do Ministério Público dos Juízos Criminais do Tribunal de Instrução Criminal e DIAP à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, a participar, para efeitos fiscais, os factos constantes do despacho de acusação exarado no processo de inquérito n.º 3127/00.5JAPRT-F e o documento que o acompanhou, que é o mero quadro dos “movimentos financeiros a favor do arguido”, que se mostra reproduzido no ponto 4 do probatório. Note-se que a tal mapa descritivo de movimentos financeiros não foi anexado ou remetido qualquer documento comprovativo de tais importâncias. Mais, no que tange a esses documentos concretamente solicitados pelo Ministério Público, a Fazenda Pública informou encontrarem-se anexados ao processo-crime, que resultou do processo de inquérito n.º 3127/00.5JAPRT-F e que se encontrava, em 07/09/2006, a correr na 1.ª Vara Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – cfr. fls. 37 do processo físico.

Nesta conformidade, não só a inspecção tributária nunca realizou quaisquer diligências tendentes a comprovar que o Recorrente obteve rendimentos da categoria B de IRS, não incluídos nas declarações que apresentou, e que o sujeito passivo nega ter obtido, como não foram enviados com o extracto da certidão da acusação quaisquer documentos comprovativos dos factos aí descritos. Sendo que os actos tributários se basearam apenas nos indícios constantes do Processo- crime n.º 736/03.4TOPRT, que tramitou na 4.ª Vara Criminal do Porto, que, entretanto, já foi objecto de acórdão, transitado em julgado, de absolvição do Recorrente – cfr. ponto 10 aditado ao probatório.

Para efeitos de IRS (categoria B), na redacção do artigo 3.º, n.º 6 do Código de IRS anterior à redacção introduzida pelo n.º 2 do artigo 26.º do Orçamento de Estado para 2003 – Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro - “Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código de IRC para os rendimentos determinados com base na contabilidade”, o momento a atender para determinar a obtenção do rendimento e a consequente sujeição a imposto, corresponde ao do recebimento do valor respectivo (relativamente aos sujeitos passivos enquadrados no regime simplificado de tributação).

Estando em causa omissões nas declarações anuais de rendimentos de 1999, 2000 e 2001, não basta a AT afirmar que os rendimentos foram auferidos nesses anos pelo Recorrente, sem qualquer elemento probatório que o comprove. Falta fundamentação ao acto tributário para operar as referidas correcções e sustentar as liquidações adicionais de IRS, por não estar demonstrado concretamente em que data e quais os proveitos que foram pagos.

Concluindo, a administração tributária não logrou alegar nem provar, de modo minimamente sustentado, aqueles pressupostos de facto que lhe permitiriam fundar os actos de liquidação impugnados, pelo que não poderão essas liquidações deixar de ser anuladas.

Pelo exposto, urge eliminar a sentença recorrida da ordem jurídica, concedendo provimento ao recurso, julgando-se a impugnação judicial procedente, com a anulação das liquidações impugnadas, assim ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo Recorrente.

Conclusões/Sumário

I - O ónus da prova do direito de liquidar adicionalmente IRS, com base em correcções aritméticas à matéria tributável, cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

II - Para efeitos de IRS (Categoria B), na redacção do artigo 3.º, n.º 6 do Código de IRS anterior à redacção introduzida pelo n.º 2 do artigo 26.º do Orçamento de Estado para 2003 – Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro - “Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código de IRC para os rendimentos determinados com base na contabilidade”, o momento a atender para determinar a obtenção do rendimento e a consequente sujeição a imposto, corresponde ao do recebimento do valor respectivo, relativamente aos sujeitos passivos enquadrados no regime simplificado de tributação.

III – Estando em causa omissões nas declarações anuais de rendimentos de 1999, 2000 e 2001, não basta a Administração Tributária afirmar que os rendimentos foram auferidos nesses anos pelo Recorrente, sem qualquer elemento probatório que o comprove. Falta fundamentação ao acto tributário para operar as referidas correcções aritméticas e sustentar as liquidações adicionais de IRS, por não estar demonstrado concretamente em que data e quais os proveitos que foram pagos.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações de IRS impugnadas.
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Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 29 de Abril de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira