Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00270/07.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, CORRECÇÕES TÉCNICAS, REPORTE DE PREJUÍZOS, CAUSA PREJUDICIAL, ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I – Não é nula por omissão de pronuncia, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, a sentença que recusa expressa e fundamentadamente a apreciação de fundo de uma questão de facto e de direito integrante da causa de pedir.

II – A suspensão da Instância, em caso de pender outra causa com objecto parcialmente prejudicial, nos termos do artigo 279º nº 1 do CPC antigo, não é uma necessidade legal, antes depende da ponderação concreta de vantagens e inconvenientes para a boa administração da justiça, designadamente em termos de celeridade da mesma, ponderação na qual pode ser decisivo, no sentido da não suspensão, a diminuta percentagem, no cômputo do valor da acção, da parte do litígio em que ocorre a relação de prejudicialidade.

III – Em caso de prejudicialidade parcial entre impugnações de liquidações adicionais de IRC de diversos exercícios, ocorrendo, concomitantemente, recusa de suspensão da Instância nos termos do artigo 279º nº 1 do CPC e recusa de conhecimento, a título incidental, da questão prejudicial, nem por isso há denegação de justiça quanto a parte do objecto da Impugnação, pois uma decisão favorável ao contribuinte na acção prejudicial implicará a reposição de toda a legalidade que vigoraria se a liquidação prejudicial não tivesse sido emitida, inclusive nos exercícios posteriores.

IV – Não padece de falta de fundamentação (cf. artigo 77º nº 1 da LGT) a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios que sobrevém a e é notificada na sequência de um procedimento de inspecção tributária cujo relatório final, devidamente notificado e em cuja notificação (da liquidação) se menciona que a mesma foi emitida conforme fundamentação anteriormente enviada, sendo claro para qualquer destinatário normal que essa menção não é mais do que uma remissão para aquele relatório, e quando, concomitantemente com a notificação daquela liquidação, é entregue nota de liquidação de juros compensatórios contendo as referências constantes do nº 9 do artigo 35º da LGT.

V – Decorre do artigo 76º nº 1 da LGT, além do mais, que pelo menos os factos directamente percepcionados pela Inspecção e objecto de informação no relatório (já não os juízos de valor) presumem-se verdadeiros, pelo que a sentença recorrida não violou o artigo 74º nº 1 da LGT ao dar como provados factos quejandos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:V., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

V. Lda. interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 27 de Dezembro de 2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial movida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2004, no valor de 4 699,77 € consequente a correcções técnicas da matéria tributável.

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
a) Como reconhecido no próprio libelo de que se recorre, a Recorrente havia sido alvo de liquidações anteriores efectuadas pela AT, e que se encontravam impugnadas, com o recurso a métodos indirectos tornando-se assim óbvio, palmar e evidente que atenta a norma que impede a dedução de prejuízos quando o apuramento do lucro tributável tiver sido efectuado com o recurso à metodologia indirecta o indevido uso daquele método de avaliação tem reflexos, directos ou por rebote, na liquidação que nos presentes autos foi colocada em causa.
b) E assim sendo, como o é, a Recorrente teria que invocar nesta sede os argumentos que, no seu entender, não legitimavam a avaliação indirecta pois que, repita-se, tal tem efeitos na liquidação ora questionada.
d) Isto acaba por ser reconhecido pela sentença recorrida quando nela se refere aos efeitos daquele recurso a métodos indirectos na liquidação de IRC de 2004.
e) Ao assim não ter entendido a sentença incorre em omissão de pronúncia, nulidade essa - artigo 125°, n° 1 do CPPT - que deve levar, desde já por aqui, à sua revogação.
f) E ao assim também não entender a sentença recorrida enferma de nulidade que a Recorrente aqui expressamente invoca.
g) O facto de o valor de imposto questionado nos autos, e com conexão com aquele outro pleito, ser reduzido não pode afectar a possibilidade de suspensão da instância pois que a relação de prejudicialidade exigida pelo artigo 279°, n° 1 do CPC existe e é manifesta.
h) É tanto quanto baste para que a suspensão da instância por existência de causa prejudicial dever ser decretada sendo de salientar que este é um dever legal de suspensão e não um dever em que exista margem de discricionariedade do julgador para decidir como resulta da doutrina e Jurisprudência supra citadas.
i) Se a Recorrente não podia discutir no presente pleito os fundamentos do recurso, pela AT, à avaliação indirecta nos anos de 1999 e 2000 então apenas restaria suspender a presente instância, de outro modo a Recorrente via-se na contingência de não poder usar aqui um argumento em abono da sua posição e, em simultâneo, ficaria, pelo facto de o valor ser diminuto, impedida de ver apreciada a legalidade do acto em relação a esse valor por muito pequeno que o mesmo fosse.
j) Nos termos do artigo 20° da CRP encontra-se consagrado o direito de acesso aos Tribunais para a protecção de direitos e interesses protegidos.
k) Pelo que não só este argumento da sentença não colhe como a interpretação que se a mesma se encontra a fazer do artigo 279°, n° 1 do CPC é materialmente inconstitucional por violar, sem qualquer razão justificada ou pertinente, o direito da Recorrente a aceder aos Tribunais, direito esse com guarida no artigo 20° da Lei Fundamental.
I) Sendo certo que o acto de liquidação é o resultado final de um encadear de actos que levam ao mesmo menos verdade não é que o artigo 77° da LGT impõe um dever de fundamentação para cada um dos actos que sejam praticados no decurso do procedimento, ou seja, para efeitos do dever de fundamentação cada um dos actos é merecedor de uma fundamentação própria, fundamentação essa que é autónoma.
m) E assim sendo o acto final de liquidação strictu (sic) sensu devia estar fundamentado ao invés de ser um mero relambório numérico e sem qualquer base de sustentação.
n) Estriba-se a sentença, para rejeitar este argumento da Recorrente, no facto de que a AT teria notificado a Recorrente de algo com a expressão "de acordo com a fundamentação já remetida” mas o facto de a AT fazer tal afirmação não se pode retirar que o tenha feito, que não fez nem tal resultando provado, por prova necessariamente documental, nos autos.
o) Não se encontrando feita a referida prova, pela AT, então terá que se considerar que tal putativa notificação à Recorrente da fundamentação também putativamente remetida não ocorreu.
p) Os juros compensatórios não são de aplicação automática como a AT o fez e como a sentença, dando cobertura a tal comportamento, pretende fazer crer pois que tais juros dependem de um comportamento culposo imputável à Recorrente, comportamento esse que haja retardado a liquidação do imposto.
r) Ora tal comportamento deveria ter sido alegado e provado pela AT e também não o foi pois que esta se limitou a lançar os mesmos na liquidação notificada pelo que a referida falta de fundamentação dos juros compensatórios existe de facto soçobrando também este argumento da sentença.
s) Diz-se na sentença que havia sido a AT que o artigo 100° do CPPT não teria aplicação uma vez que havia sido a AT que tinha alegado um facto positivo e feito o mesmo constar do Relatório.
t) Incumbe à AT provar os factos que alega, não bastando, de todo, fazer constar os mesmos de um qualquer Relatório para a partir de então se terem as afirmações nele vertidas como imaculadas e verdadeiras.
u) Ora alcandorando-se a sentença numa putativa presunção de verdade por mera referência ao Relatório de Inspecção e sem suporte em qualquer outro meio probatório manifesto se torna que este argumento também se desmorona.
v) Pelo que violou a sentença os artigos 77° e 74°, n° 1 da LGT, 100° e 125° do CPPT, 279° do CPC e 20° da CRP, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por uma decisão que declare totalmente procedente a impugnação apresentada.

Notificada, a AT não respondeu à alegação.

A Digna Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível ao seguinte segmento:
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
A recorrente veio arguir a nulidade da douta sentença recorrida, por invocada omissão de pronúncia, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 660º, n° 2 do CPC, aplicável ex. vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT (cf. conclusão e) das alegações.
A Mma Juíza de Direito do tribunal a quo refutou a argumentação tecida pela recorrente, pronunciando-se no sentido da sua improcedência (cf. fls. 259 do processo fiscal).
Desde já antecipamos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, carece de todo e qualquer fundamento esta alegação.
Assim, sobre esta matéria incidiu, designadamente o TCAN-2ª Secção-Contencioso Tributário, de 4/05/2006, no processo n° 00064/02-Braga, que firmou a doutrina, de restouniforme e pacífica, segundo a qual “As questões a que se alude nos arts. 660° a 668°, m° 1, al. d) do CPC reportam-se aos problemas concretos a decidir, isto é, aos concretos vícios imputados ao acto tributário impugnado, não podendo ser confundidas com os motivos ou argumentos de que a parte se socorre para sustentar a procedência desses vícios.”
E em abono da mesma posição, citamos, a título meramente exemplificativo, o douto Acórdão do TCAN, de 10/04/2008,no processo n° 01097/04.0BEBRG, que veicula o entendimento de que “Questões, para este efeito, são todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre elas, não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões [de facto ou de direito], argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão.”
Ora, munidos destes ensinamentos e uma vez compulsada a douta sentença em crise, constata-se que inexiste, de todo, a alegada omissão de pronúncia.
Assim, além da sentença recorrida ter analisado suficientemente todas as questões suscitadas que assumiam relevo para a decisão final, a recorrente limita-se a invocar a omissão de pronúncia sem indicar concretamente qual o segmento da decisão que padece de tal omissão.
Nesta conformidade, não se descortina a assacada nulidade, razão pela qual o recurso deve improceder quanto a este segmento.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO
Invoca a recorrente a falta de fundamentação do acto tributário impugnado (liquidação do imposto e dos respectivos juros compensatórios) consubstanciada no facto de que a autora da fundamentação não é a entidade que praticou o acto de liquidação, mas sim um ou vários funcionários subalternos e que a notificação do mesmo não vinha acompanhada de qualquer fundamentação.
(…)
Sucede que a questão da falta de fundamentação do acto tributário já foi analisada na sentença recorrida e nenhum reparo se nos oferece fazer, por concordarmos inteiramente com a fundamentação expendida no sentido de que não padecem os actos tributários impugnados de falta ou insuficiência de fundamentação.
N verdade, os argumentos de ordem fáctica ou jurídica que estiveram subjacentes ao entendimento aí vazado, secundam e concretizam as considerações jurisprudenciais, cuja resenha sumária explanámos,
E tanto basta para concluirmos pela improcedência do recurso também quanto a este segmento decisório.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II- Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.

Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal de recurso são as seguintes:

1ª: Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos dos artigos 660º nº 1 alª d) do CPC e 125º nº 1 do CPT, por omissão de pronúncia sobre uma questão relativamente à qual a Mª Juiz a qua estava obrigada a pronunciar-se, uma vez que não se pronunciou sobre a questão do ilegalidade do recurso aos métodos indirectos de determinação da matéria tributável dos exercícios de IRC de 1999 e 2000, uma vez que, embora a liquidação impugnada se refira a 2004, o recurso aos métodos indirectos naqueles anos impediu legalmente o Recorrente de reportar prejuízos daqueles anos para o de 2004?

2ª questão
Errou, de direito, a sentença recorrida, violando o artigo 279º nº 1 do CPC ex vi 2º do CPPT e até o direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º da Constituição) porque, pressuposta a recusa de apreciar a legalidade das liquidações de IRC de 1999 e 2000, atento o valor diminuto da questão prejudicial, não determinou a suspensão da Instância, conforme impunha aquela norma, nesse pressuposto, até haver decisão transitada em julgado no processo de impugnação também pendente e relativo às liquidações adicionais de IRC daqueles anos (P. nº 75/07.1BECBR)?

3ª Questão:
Errou, a sentença recorrida, no julgamento em matéria de direito, violando o artigo 77º da LGT ao julgar suficiente para a fundamentação da liquidação impugnada, quer quanto ao imposto devido quer quanto aos juros, a alusão, na notificação da liquidação, a uma suposta “fundamentação anteriormente remetida”?

4ª Questão:
Errou de direito, a sentença recorrida, por ter dado acriticamente por provado tudo o vertido no relatório, só por aí constar, violando, desta feita, o artigo 74º nº 1 da LGT.

III – Apreciação do Recurso
Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados:
«Factos Provados:
1 - Através da Ordem de Serviço n.° 01200601750, a Impugnante foi alvo de uma inspecção interna ao ano de 2004, através da qual foi detectada a dedução indevida de prejuízos e efectuada correcção à matéria colectável no valor de € 19.605,29 (fls. 5 e ss. e 12 do P.A., em apenso);
2 - Na sequência da acção de inspecção a que se refere o ponto 1. supra, foi elaborado um Relatório de Inspecção, sancionado superiormente pelo Director de Finanças Adjunto de Coimbra, por delegação de competências, o qual tem o seguinte teor: «Em análise interna à declaração mod. 22 do exercício de 2004, NR.DR2005 C0521 16, para verificação da dedução de prejuízos, nos termos do art.° 47.° do CIRC, no apuramento da matéria colectável de IRC daquele exercício constatou-se que a mesma não foi correctamente apurada conforme se passa a expor:
1- 0 sujeito passivo iniciou a actividade em 1966/12/01;
2- Nos exercícios de 1996 e 1997 o S.P. apurou prejuízos fiscais, respectivamente de € 38.330,43 e € 70.199,81.
3- No exercício de 1998 o S.P. apurou o lucro tributável no valor de € 32.427,54, ao qual deduziu prejuízos fiscais de igual montante;
4 - Relativamente aos exercícios de 1999 e 2000 o S.P. foi alvo de inspecção tributária com recurso a métodos indirectos, verificando-se a seguinte situação
ANOVALOR DECLARADOVALOR DEDUZIDOVALOR CORRIGIDODEDUÇÃO CORRIGIDA
199929.629,6129.629,61919.734,460,00
2000-242.66129.444,790,00
5 - Nos exercícios de 2001 e 2002 o S.P. apurou prejuízos fiscais, respectivamente de € 563,99 e € 23.422,85.
6- No exercício de 2003 o S. P. apurou o lucro tributável no valor de € 29.042,71, ao qual deduziu prejuízos fiscais de igual montante. Nesta altura o contribuinte ficou ainda com o valor de prejuízos com direito a reporte para os exercícios seguintes no valor de € 23.986,84 (somatório dos valores indicados no ponto anterior);
7- No exercício de 2004 o S.P. apurou o lucro tributável no valor de € 46.033,01, ao qual deduziu prejuízos fiscais no valor de € 43.592,13. Como o valor máximo que podia deduzir era o valor de € 23.986,84, verifica-se uma dedução em excesso no valor de € 19.605,29.
8 - Não se faz referência aos exercícios anteriores a 1996, dado dos mesmos não resultar alteração à situação aqui exposta.
Assim a matéria colectável do exercício de 2004 deverá ser apurada como se segue:
ANOS2004
1 - Lucro tributável declarado €46.033,01
2 - Prejuízos deduzidos €43.592.13
3 - Matéria colectável apurada (1-2) €2.440,88
4 - Prejuízos que efectivamente tinha direito a deduzir €23.986,84
5- Matéria colectável correctamente apurada (apuramento 1) (1-4)€22.046,17
6 - Correcção proposta à matéria colectável (5-3)€ 19.605,29
9 - Com estes procedimentos o SP infringiu os art.°s 15.° e 47.° do CIRC, penalizáveis pelo art.° 119.° do RGIT.
Direito de Audição
10 - Notificado o sujeito passivo, nos termos do art.° 60.° da LGT e art.° 60.° do RCPIT através do ofício n.° 11266 de 2006-10-30, para em caso de o pretender, exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões de relatório, o mesmo não se pronunciou (fls. 7 do P.A., em apenso);
3 - 0 Relatório a que se refere o ponto 2. supra foi notificado à Impugnante em 27-11-2006, por carta registada com AR, através do ofício n.° 12251, de 21-11-2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que tem, nomeadamente, o seguinte teor: “Fica V. Exa, por este meio notificado, nos termos do artigo 77.° da LGT e do artigo 62.° do RCPIT, das correcções resultantes da acção de inspecção, cujo Relatório/Conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:
Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação (fls. 1 a 3 do P.A. em apenso);
4 - No ano de 1996 a Impugnante apurou prejuízos fiscais no valor de € 38.330,43 (fls. 7 e 14 do PA em apenso);
5 - No ano de 1997 a Impugnante apurou prejuízos fiscais no montante de € 70.199,81 (fls. 7 e 14 do PA em apenso);
6 - No ano de 1998 a Impugnante apurou lucro tributável no montante de € 32.427,54 ao qual deduziu prejuízos fiscais de igual montante (fls. 7 e 14 do PA em apenso);
7 - A Impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização ao IRC e IVA dos exercícios de 1999 e 2000, tendo havido recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável, inspecção da qual resultaram correcções à matéria colectável no montante total de € 919.734,46 e € 129.444,79, respectivamente, o que determinou que o lucro tributável declarado no ano de 1999, no valor de € 29.629,61, fosse alterado para o valor de € 919.734,46 e o prejuízo fiscal declarado no ano de 2000 de € 242,66 fosse alterado para lucro tributável (cf. fls. 7 e mapa de fls. 14 do PA);
8 - No ano de 1999 a Impugnante deduziu prejuízos fiscais no montante de € 29.629,61 (fls. 7 e 14 dos PA);
9 - Os actos tributários de IRC respeitantes aos exercícios de 1999 e 2000 foram objecto de impugnação judicial, a qual corre termos neste Tribunal sob o n.° 75/07.1 BECBR (informação obtida por consulta ao SITAF por parte da signatária);
10 - No âmbito da impugnação judicial a que se refere o ponto 2. supra foi proferida sentença, não transitada em julgado, que a julgou totalmente improcedente (consulta ao SITAF por parte da signatária);
11 - Nos exercícios de 2001 e 2002 a Impugnante apurou prejuízos fiscais no montante de € 563,99 e € 23.422,85, respectivamente (fls. 7 e 14 do PA);
12 - No exercício de 2003 a Impugnante apurou lucro tributável no montante de € 29.042,71, ao qual deduziu prejuízos fiscais de igual montante (fls. 7 e 14 do PA);
13 - No exercício de 2004 a Impugnante apurou lucro tributável no montante de € 46.033,01, ao qual deduziu prejuízos fiscais no montante de € 43.592,13 (fls. 7 e 14do PA);
14 - Em resultado da correcção efectuada a que se refere o ponto 1. supra, foi emitida, em 06-12-2006, a liquidação adicional de IRC n.° 2006 8310040346, relativa ao exercício de 2004, no montante de € 4.699,77, no qual se inclui o valor de € 262,12 de juros compensatórios (fls. 177 dos autos);
15 — Da nota de liquidação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, consta, além do valor da matéria colectável declarado e corrigido e do apuramento do valor a pagar, a seguinte informação: “Fica V. Ex.ª notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137° do CIRC e 70° e 102.° do CPPT.O Director-Geral”. (fls. 177 dos autos);
16 - Em resultado da correcção efectuada a que se refere o ponto 1. supra, foi emitido o documento designado “Demonstração de Liquidação de Juros”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual tem, nomeadamente, o seguinte teor:
Período de Tributação | Liquidação/Documento Base | liquidação Juros | Valor Base | Período de Cálculo | Taxa (%) | Valor
Juros Compensatórios (artigo 94.° do CIRC)
04-01-01 a 2004-12-31 2006 6310040346, IRC 2006 000024320594 437,65 2005-06-01 a 2006-11-21 4,00 262,12
Total 262,12
(fls. 176 dos autos);
17 - As liquidações a que se referem os pontos 14. e 16. supra, bem como a nota de cobrança com o n.° 2006 00001452719, contendo a demonstração de compensação, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, foram notificadas à Impugnante, por carta registada, com a data de 18-12-2006 (fls. 175 a 181 dos autos).
3.2 Factos não Provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada item do probatório.

Posta esta decisão de facto, abordemos as questões acima enunciadas e vejamos quais as consequências da sua solução para a pretensão recursiva.

1ª Questão:
É nula, a sentença recorrida, nos termos dos artigos 660º nº 1 al d) do CPC e 125º nº 1 do CPT, por omissão de pronúncia sobre uma questão relativamente à qual a Mª Juiz a qua estava obrigada a pronunciar-se, designadamente sobre a questão da ilegalidade do recurso aos métodos indirectos de determinação da matéria tributável dos exercícios de IRC de 1999 e 2000, uma vez que, embora a liquidação impugnada se refira a 2004, o recurso aos métodos indirectos naqueles anos impediu legalmente o Recorrente de reportar prejuízos daqueles anos para o de 2004?
As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão taxativamente previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
«1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
Esta norma é auto-suficiente no seu dispositivo, pelo que não carece de ser integrada pela norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil (615º do CPC), a qual não é, sequer subsidiariamente, aqui aplicável.
Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença recorrida por, alegadamente, não abordar uma questão sobre que se devia pronunciar reside no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 669º nº 1 b) do CPC (antigo).
O mesmo já não sucede com a norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença e seus limites (artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT):
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Com efeito este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e à delimitação do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi artigo 2º do CPPT.
Segundo esta norma, o Juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Enfim, é dever do juiz tributário pronunciar-se, na sentença, sobre todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, desde que pertinentes para uma das soluções plausíveis do litígio e sobre quaisquer outas que seja de conhecimento oficioso.
Porém, já é de escola a advertência de que “questão” é uma parte do objecto da acção, em último termo uma autonomamente considerável causa de pedir fáctico-jurídica: não se pode confundir com cada argumento aplicado na apologia da solução que a parte preconiza para a questão.
Por outro lado, a resposta a uma ou à (única) questão de direito suscitada pela parte impugnante pode residir tanto numa resposta directa como na solução dada à causa e sua fundamentação. Por isso, embora não apenas por isso, é que o acima citado artigo 608º do CPC exclui do dever de pronuncia expressa as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Outro dado adquirido da Doutrina e da Jurisprudência é esse de que não há omissão de pronúncia sobre uma questão suscitada pelas partes, quando o Tribunal enfrenta expressamente a pretensão de pronúncia e recusa, fundamentadamente, mesmo que sem razão (vg. por julgar não estarem reunidos os pressupostos processuais para tanto) pronunciar-se sobre ela “Esta só correrá nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6.a ed., 2011, p. 363). Na jurisprudência do STA pode ver-se os os acórdãos do STA de 13.07.2011 e de 20.09.2011, proferidos nos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respectivamente..
Posto isto, voltemo-nos in casu.
Passados em revista o relatório, na sentença recorrida, topamos com o seguinte segmento na exposição do objecto da acção:
Alegou para tanto, em síntese, que:
(…)
b) A DGCI abusou na acção inspectiva levada a cabo à Impugnante, já que todos os cheques que os Serviços de Inspecção referem como tendo sido depositados na conta do gerente da Impugnante foram obtidos de forma ilícita, constando de pastas que não foram postas à disposição da AF, nunca tendo sido dada autorização para aceder aos documentos pessoais do gerente, tendo havido uma derrogação do sigilo bancário do gerente da impugnante sem que a mesma obedecesse aos respectivos ditames legais, nomeadamente, a abertura de um procedimento de inspecção e a concessão de direito de audição;
c) Nada é dito no relatório sobre a impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável, havendo aqui falta absoluta de fundamentação, nem existe qualquer alegação baseada em factos que sustente as razões de tal impossibilidade, competindo à AF tal prova, resultando do relatório, ao contrário, que as correcções a efectuar poderiam tê-lo sido através de avaliação directa;
d) O pedido de revisão da matéria tributável não foi apreciado por a DGCI ter entendido que o mesmo foi apresentado fora do prazo, sendo que a razão para tal ter acontecido foi o facto do único gerente ter sido acometido de doença melindrosa que implicou internamento hospitalar no período coincidente com o prazo para apresentação da reclamação, que o impediu de desempenhar as funções de gerente e a outra sócia, mulher do gerente, no período da doença do marido, ter visto agravar o seu estado de Depressão Recorrente, pelo que ficou também incapacitada da prática de qualquer acto societário, tendo que se entender ter havido justo impedimento na prática atempada do acto processual; ao não ter assim entendido, não tendo havido apreciação do pedido de revisão da matéria tributável, houve preterição de uma formalidade essencial;
Quanto à matéria destas questões da Petição Inicial encontramos, na discussão da matéria de direito da sentença, o que segue:
« Em primeiro lugar, e em ordem à sistematização e delimitação das questões a apreciar, há que dizer o seguinte:
Sob os argumentos resumidos nas alíneas b), c) e d) do relatório desta sentença, a Impugnante pretende atacar a liquidação impugnada, invocando que a correcção aos prejuízos deduzidos no ano de 2004 teve como fundamento o facto de ter havido recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável dos anos de 1999 e 2000. E, por isso, para fundamentar a presente impugnação, alega uma série de situações, todas elas relativas aos anos de 1999 e 2000 e às correcções por métodos indirectos ali efectuadas.
Ora, desde já se diga que tal não é possível. A Impugnante não pode pretender atacar a presente liquidação com fundamentos que se prendem exclusivamente com as correcções efectuadas aos anos de 1999 e 2000, ainda para mais quando, como resulta do probatório (ponto 9. e 10.), impugnou tais liquidações. Ainda que o Tribunal perceba o alcance pretendido pela Impugnante ao contestar uma liquidação de 2004 com base no ataque a correcções efectuadas em 1999 e 2000, por tais correcções se terem repercutido naquele exercício, a verdade é que não o pode fazer nesta sede.
Com efeito, os fundamentos resumidos na alínea b) supra, referem-se a alegadas ocorrências da acção inspectiva aos exercícios de 1999 e 2000, os constantes da alínea c), aos pressupostos e fundamentação do recurso a métodos indirectos relativos a essa mesma acção de inspecção e, finalmente, os da alínea d), ao pedido de revisão da matéria tributável por métodos indirectos dessa mesma acção inspectiva aos exercícios de 1999 e 2000 e sua apreciação.
Quer isto dizer que era em sede de impugnação aos actos resultantes das correcções efectuadas com respeito aos exercícios de 1999 e 2000, como de facto aconteceu na Impugnação n.° 75/07.1 BECBR, que a Impugnante teria que contestar tais situações. É que as mesmas, sem sombra de dúvidas, respeitam aos exercícios de 1999 e 2000 e apenas a esses exercícios, independentemente das suas repercussões ao nível dos prejuízos fiscais declarados e que posteriormente, em 2004, foram utilizados.»
Quer dizer, a Mª Juiz a qua enunciou a questão, em todas as dimensões em que era colocada pela Impugnante na PI, explicitou, até, a relação existente entre essa questão e o objecto da presente Impugnação, mas respondeu dizendo, fundamentadamente, que não a iria apreciar e por quê.
Como assim, improcede a alegação de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

2ª questão
Errou, de direito, a sentença recorrida, violando o artigo 279º nº 1 do CPC (antigo) ex vi 2º do CPPT e até o direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º da Constituição), porque, pressuposta a recusa de apreciar a legalidade das liquidações de IRC de 1999 e 2000, não determinou a suspensão da Instância, conforme impunha aquela norma, até haver decisão transitada em julgado no processo de impugnação nº 75/07.1BECBR, também pendente e relativo às liquidações adicionais de IRC daqueles anos?

A Mª Juiz a qua começa por notar a inexistência de relação de prejudicialidade relativamente à matéria tributável de 1999; e tem razão pois não foram, sequer, declarados prejuízos pela impugnante quanto a esse exercício, mas antes lucros, sendo apenas o maior valor desses que está em causa.
Admite, contudo, e bem, a relação de prejudicialidade, entre a Impugnação da Liquidação adicional do IRC de 2000 e a liquidação adicional do IRC 2004, no valor de 242,66 € em virtude do disposto no artigo 47º nº 1 do CIRC.
Porém, louvando-se em consagrada Doutrina (José Alberto dos Reis) e Jurisprudência recente, ao tempo, do STA, decide não determinar a suspensão da instância, atento o diminuto valor da prejudicialidade entre os objectos dos processos:
«Assim sendo, tratando-se no presente caso do exercício de 2004, os prejuízos declarados nos anos de 1996 e 1997 só poderiam ser reportados até 2002 e 2003, respectivamente, nunca afectando, por isso, o exercício de 2004. Como nos anos de 1998 e 1999 foi declarado (e corrigido) lucro tributável, só os prejuízos declarados nos anos de 2000 e seguintes poderiam afectar o resultado do ano de 2004. Isto significa que, quanto à Impugnação n.° 75/07.1BECBR, a qual abrange apenas os anos de 1999 e 2000, apenas a correcção aos prejuízos declarados no ano de 2000, no valor de € 242,66, tem influência na liquidação de IRC do ano de 2004.
Será que essa influência é relevante em termos quantitativos?
Vejamos.
De acordo com o consignado no Relatório de Inspecção (ponto 2. do probatório), a Impugnante, no ano de 2004, deduziu € 43.592,13. Este valor compreende os € 242, 66 respeitantes ao ano de 2000. Significa isto que, do valor total deduzido e objecto de correcção, o valor dos prejuízos relativos ao ano de 2000 representa apenas 0,56% desse total e 1,24% se se tiver em consideração o valor total corrigido de € 19.605,29.
Ora, no entender do Tribunal tal valor não assume relevância suficiente para justificar a suspensão da presente instância.»
A Recorrente sustenta que a suspensão da instância dita principal, nos termos do invocado artigo 279º nº 1 do CPC (antigo) é uma vinculação legal para o juiz, de tal maneira que o verbo “poder”, ali usado só, pode significar “dever”, sob pena de atentar contra o direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º da Constituição).
Nesta interpretação, a Recorrente força claramente a literalidade da lei, pois a fórmula “o juiz pode” sugere outrossim uma ponderação do caso concreto.
A suspensão da Instância, em caso de pender outra causa com objecto parcialmente prejudicial, nos termos do artigo 279º nº 1 do CPC antigo não é, portanto, uma necessidade legal, antes depende da ponderação concreta de vantagens e inconvenientes para a boa administração da justiça, designadamente em termos de celeridade da mesma, ponderação na qual pode ser determinante, como foi, in casu, no sentido da não suspensão, a diminuta percentagem, no cômputo do valor da acção, da parte do litígio relativamente à qual ocorre a relação de prejudicialidade.
Talvez se possa dizer, em tese geral, que, atento o invocado direito fundamental ao acesso à justiça, contrapartida de não suspensão da Instância tenha de ser o conhecimento da questão prejudicial no processo principal, apenas como meio para a decisão a tomar neste.
Porém, in casu, como, alias, em todo e qualquer processo tributário de impugnação, a não suspensão da instância em circunstâncias quejandas não implica a denegação do acesso à justiça. Isto é assim porque, em primeiro lugar, há um prazo de caducidade da acção de impugnação, a partir do decurso da qual o acto tributário se tem de considerar, em princípio, consolidado na ordem jurídica, depois, para uma reposição do direito em toda a frente em que tiver sido violado, concebeu, o Legislador da LGT, o artigo 100º, justa e oportunamente convocado na sentença recorrida:
“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Podemos, assim, afirmar que, em caso de prejudicialidade parcial entre impugnações de liquidações adicionais de IRC de diversos exercícios, ocorrendo, concomitantemente, recusa de suspensão da Instância nos termos do artigo 279º nº 1 do CPC e recusa de conhecimento, a título incidental, da questão prejudicial, nem por isso há denegação de justiça quanto a parte do objecto da Impugnação, pois uma decisão favorável ao contribuinte na acção prejudicial implicará a reposição de toda a legalidade que vigoraria se a liquidação prejudicial não tivesse sido emitida, inclusive nos exercícios posteriores.
A Mª Juiz a qua, portanto, ao não suspender a instância, louvando-se no diminuto valor da prejudicialidade, sem, concomitantemente, conhecer da legalidade das correcções da matéria colectável do exercício de 2000, objecto do processo de impugnação nº 75/07.1BECBR, não violou o artigo 279º nº 1 do CPC de então nem o direito fundamental da Impugnante ao acesso à justiça.

3ª Questão:
Errou, a sentença recorrida, no julgamento em matéria de direito, violando o artigo 77º da LGT ao julgar suficiente para a fundamentação da liquidação impugnada, quer quanto ao imposto devido quer quanto aos juros compensatórios, a alusão, na notificação da liquidação, a uma suposta, inidentificada e incomprovada “fundamentação já remetida”?

Damos por suposto que a Impugnante teve presentes os termos de todo o nº 1 do artigo 77º da LGT, no sentido da admissão da fundamentação por remissão para informações ou pareceres anteriormente dados no procedimento “incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Segundo o Recorrente, se bem entendemos, uma interpretação do artigo 77º nº 1 da LGT em conformidade com a uma relação de paridade entre AT o contribuinte no processo tributário proscreveria o aproveitamento de tudo o expendido e fundamentado no procedimento pregresso em ordem a uma conclusão pela suficiente fundamentação do acto tributário, antes obrigaria a AT a enunciar uma fundamentação própria e expressa no acto de liquidação ou, ao menos, em caso de remissão para a fundamentação ou para o texto de outro acto no procedimento, identificar e provar ter praticado e comunicado esse acto, sendo certo que, in casu, a sobredita alusão a uma inidentificada fundamentação alegadamente antes recebida, não cumpria com tais requisitos.
Relativamente ao objecto desta questão em concreto respiga-se da discussão de direito da sentença recorrida, o seguinte:
“(…) Com efeito, analisada a notificação da liquidação - ponto 15. supra - verifica-se que que nela é expressamente indicado que a liquidação foi feita de acordo com “fundamentação já remetida" e que da notificação do Relatório de Inspecção que a antecedeu - ponto 3. do probatório - é dito que “A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar". Ou seja, o contribuinte devia saber que iria receber a liquidação de imposto resultante da inspecção efectuada, cujos fundamentos eram, precisamente, os então notificados.
O “iter volitivo que levou a que se chegasse àquele valor” consta do relatório de inspecção, não tendo que constar da notificação da liquidação, já que a mesma é consequência do apuramento dele constante.
E depois, analisado o Relatório de Inspecção, transcrito no ponto 2. do probatório, verifica-se que o mesmo é claro, dele constando os motivos que levaram à correcção dos prejuízos deduzidos, sendo indicados os valores declarados nos anos anteriores, os valores efectivamente deduzidos e os valores que o deviam ter sido, justificando a sua razão de ser, são indicadas as normas legais aplicáveis e são efectuados os cálculos do apuramento da matéria colectável corrigida.
Não tem, assim, razão a Impugnante, com os motivos agora analisados, quando afirma que o acto de liquidação não está fundamentado.
(…)
Quanto à liquidação de juros compensatórios, mais uma vez entende o Tribunal não assistir razão à Impugnante quando afirma que sofre de falta de fundamentação. Na verdade, analisada a mesma - ponto 16. do probatório - verifica-se que dela consta, entre outros elementos, a norma legal com base na qual os juros são cobrados (ou seja, o fundamento da sua cobrança) - art. 94.° do CIRC —, o período de tributação a que se refere - de 01-01-2004 a 31-12- 2004 -, o valor base sobre o qual os juros incidem - € 4.437,65 -, o período de cálculo dos mesmos - 01-06-2005 a 21-11-2006 -, a respectiva taxa - 4% - e o seu valor-€262,12.»
Assim, no que respeita à liquidação do imposto, a Mª Juiz a qua supôs como algo evidente e não carecido de explicitação que a alusão à fundamentação já remetida se referia ao Relatório Final da Inspecção, oportunamente notificado, no que não concluiu mais nem menos do que concluiria um destinatário médio, na circunstância da impugnante.
A própria impugnante entendeu que a remissão se referia ao relatório inspectivo, pois de outro modo limitar-se-ia a suscitar esta indefinição da comunicação do objecto da remissão, quando o certo é que nas questões 2ª e 4ª põe em causa a legalidade da liquidação em termos substantivos, para o que não logra prescindir do relatório.
Ora, se, na circunstância, era evidente, inclusive para a Impugnante, enquanto contribuinte lesada (hoc sensu) pela liquidação do imposto, que a fundamentação “anteriormente remetida” consistia no Relatório da Inspecção, não se vê em que é que a propalada garantia constitucional e legal (artigo 77º nº 1 da LGT) pode ter saído violada.
A evidência de que a “fundamentação anteriormente recebida” consistia no RIT prejudica a questão da prova da comunicação da fundamentação objecto da remissão, pois não está em causa que o RIT foi notificado à Impugnante.
No que respeita à liquidação dos juros compensatórios:
A imputabilidade subjectiva do atraso na liquidação do imposto, essa, é uma consequência lógica do que se concluiu no RIT quanto às correcções técnicas que eram devidas. Com efeito, se eram devidas as correcções é naturalmente imputável a, no mínimo, deficiência na declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte, o correspondente atraso na correcta liquidação do imposto. Quanto ao mais necessário para a representação do iter cognoscitivo e valorativo da decisão da liquidação de juros compensatórios, uma vez que está provado – artigos 14º a 17º – que a Impugnante foi, concomitantemente com a notificação da liquidação do imposto, notificada da nota de liquidação de juros na qual se mencionavam a norma aplicável, a dívida principal, o período de vencimento e a taxa de juro – o que satisfaz plenamente o exigido pelo artigo 35º nº 9 da LGT – está prejudicada a questão da suficiência da remissão para fundamentação anteriormente remetida.
Como assim, improcede a alegação violação do artigo 77º nº 1 da LGT pela sentença recorrida.

4ª Questão:
Errou de direito, a sentença recorrida, por ter dado acriticamente por provados todos os factos vertidos no relatório, só por aí constarem, violando, desta feita, o artigo 74º nº 1 da LGT.

Antes de mais cumpre fazer uma distinção entre duas espécies de factos a ter em conta na abordagem desta questão: a Inspecção, os actos e notificações praticados ao longo do procedimento e a emissão do relatório com determinado teor, por um lado, e os factos de que a AT dá conta, no relatório, ter verificado, por outro.
Damos de barato que a Recorrente se refere apenas à segunda espécie.
Vejamos:
É certo que o artigo 74º nº 1 da LGT dispõe claramente que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Mas o mesmo diploma também dispõe – artigo 76º nº 1 – assim:
“1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.
Quer isto dizer, além do mais, que pelo menos os factos percepcionados pela Inspecção e, como tal, objecto de informação no relatório (já não os juízos de valor) presumem-se verdadeiros, de maneira que é ónus outrossim do Contribuinte alegar e provar o seu contrário ou, ao menos, os pressupostos de dúvida razoável sobre a sua ocorrência.
Tais factos não serão, as mais das vezes, o facto tributário em si mesmo, mas antes os vestígios contabilísticos e outros factos instrumentais para a prova desse facto tributário.
Quanto às ilações ou conclusões de facto a retirar desses factos, em ordem à prova do facto tributário, seja com recurso á logica, seja com recurso a juízos de probabilidade segundo dados da experiência comum, já a AT estará submetida às regras gerais e especiais quanto ao ónus da prova.
In casu, os factos informados no Relatório da Inspecção Tributária (RIT) como percepcionados pela Inspecção estão mencionados no excerto do relatório transcrito no facto provado 3 da sentença, distribuindo-se pelos parágrafos 1 a 7 desse excerto, e são expressamente dados como provados como factos 3º a 8º sentença.
Embora no parágrafo 7 do relatório haja uma afirmação conclusiva (“o valor máximo que podia deduzir era o de € 23 986,64”), consegue-se chegar ao facto subjacente, quer dizer, ao raciocínio mediante o qual a AT operou as correcções ao resultado do exercício de 2004.
A saber:
O artigo 47º nº 1 do CIRC dispõe o limite de seis anos anteriores ao exercício em causa para o reporte de prejuízos de anos anteriores. Em 1998 e 1999 foram declarados lucros, em 2000 prejuízos de 242,66 €, mas não são tidos em conta porque corrigidos, então, para lucros. Em 2001 foram declarados prejuízos de 563,99 €, em 2002 prejuízos de 23 422,85 e em 2003 lucros. Assim, nos seis anos anteriores a 2004 só se perfaziam, de prejuízos atendíveis, 23 984,64 €, pelo que o reporte total de 43 592,13 € de prejuízos (neste valor porque a Impugnante pretendeu reportar prejuízos de 1996 e 1997), foi corrigido para menos até àqueles 23 984,64 €.
Trata-se de puras constatações de facto, tendo por objecto a contabilidade da Impugnante, as suas declarações anuais de rendimentos para efeitos de IRC e um procedimento tributário de inspecção relativo aos IRCs de 1999 e 2000. Aliás, estes são factos cuja veracidade não é sequer posta em causa pela Impugnante. Não se diga que a Impugnante pôs em causa a correcção à matéria tributável declarada para 2000, designadamente mediante a impugnação nº 75/07.1BECBR. Estar-se-á então a confundir o acto da correcção do rendimento tributável de 2000 – um acto administrativo tributário que efectivamente aconteceu na História e que está em vigor na ordem jurídica até trânsito em julgado de uma decisão judicial em contrário – com a realidade, essa, sim, controvertida no sobredito processo 75/07, do resultado do exercício de 2000.
Como assim, temos de concluir que a sentença recorrida não violou o artigo 74º nº 1 da LGT ao dar como provados factos relatados no Relatório de Inspecção, só por o estarem e ao se ter servido deles para tomar a decisão de julgar improcedente a impugnação.

Improcedendo todos os vícios apontados à sentença recorrida, o Recurso tem de improceder.

IV – Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o decaimento nesta instância, considerando o disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente, nos sobreditos termos.
Custas do recurso pela Recorrente.

Porto, 8 de Julho de 2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda, relator, consigno e atesto, nos termos do artigo 15-A do DL nº 10-A/2020 de 13/3, que este acórdão tem voto de conformidade dos restantes membros do colectivo, Desembargadoras:

Ana Patrocínio
e
Cristina Travassos Bento
___________________________________________________

i) “Esta só correrá nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6.a ed., 2011, p. 363). Na jurisprudência do STA pode ver-se os os acórdãos do STA de 13.07.2011 e de 20.09.2011, proferidos nos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respectivamente.