Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02111/09.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
IVA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III – A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 02/04/2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., NIF 1…, com residência na Rua…, em Vila Nova de Gaia, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos segundo e terceiro trimestres do ano de 2003, com os n.os 07020382 e 07030384, no valor global de €22.445,63.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. A presente impugnação vem interposta contra as liquidações adicionais de IVA dos segundo e terceiro trimestres de 2003, que tiveram por base correcções técnicas à matéria tributável declarada, processadas em sede de acção inspectiva, assentes na desconsideração do IVA dedutível subjacente às facturas emitidas pelo senhor F..., por terem sido reputadas de falsas.
B. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a procedência da impugnação por entender que a AT cumpriu com o seu ónus probatório, concretamente porque há um conjunto relevante de diligências realizadas em inspecção e que constam do capítulo III do RIT e antecedem a súmula transcrita no ponto 4 do probatório que deviam constituir parte integrante do probatório e ser ponderado na douta sentença, que foi omitido, e cuja consideração redundaria em desfecho diferente da presente acção.
C. Impugnam-se os factos dados como provados nos pontos 10, 11, 12 e 13, porque dos autos não resulta provado que tenham ocorrido as compras tituladas pelas facturas aqui em causa, nem o seu pagamento, nem o seu transporte/levantamento/entrega.
D. O emitente de facturas falsas não é testemunha idónea para comprovar as operações questionadas, por ser parte interessada, e as suas palavras – por contraditórias com as produzidas em momentos anteriores –, não podem destruir todas as provas produzidas em sede inspectiva.
E. Os restantes testemunhos foram vagos, não podendo de qualquer deles ou do seu conjunto concluir-se pela existência concreta de nenhuma das transacções tituladas pelas facturas aqui em causa.
F. Termos em que, não se concede que as mercadorias tenham alguma vez existido, nem que tal resulte dos autos.
G. Conclui a douta sentença, contrariando toda a jurisprudência e anulando completamente um esforço sério de fundamentação constante do RIT, que a detecção de facturas falsas é facilmente afastada pela prova testemunhal produzida.
H. Em sede de ónus da prova, vem sendo jurisprudencialmente consagrado que, perante a desconsideração de facturas existentes na escrita do contribuinte, cabe à AT a prova dos pressupostos da sua actuação, mediante a apresentação de indícios sérios e credíveis de que determinadas operações tituladas por facturas não são reais, com vista ao seu enquadramento no n.º 3 do Art.º 19 da CIVA, e ao contribuinte cabe a prova dos pressupostos de que depende o seu direito à dedução, nos termos do Art.º 74º da LGT.
I. No caso dos autos, de liquidação adicional de IVA com o fundamento de as facturas não titularem operações realmente efectuadas, não é a AT que está a afirmar a existência do facto tributário, mas o contribuinte.
J. A AT limita-se a não reconhecer o direito que o contribuinte se arroga, com fundamento na inexistência dos factos que os suportariam. Logo, à AT cabe tão somente o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação.
K. Em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da legitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução que corresponde à regra geral do art. 342º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos.
L. No caso em apreço nos autos, a AT, relativamente às facturas em causa, apurou indícios credíveis e sérios que indicam estarmos perante uma fabricação de facturas falsas, que passamos a enumerar:
a. O emitente não possuía estrutura empresarial para desenvolver a actividade, nomeadamente não dispunha de instalações, pessoal ou transporte;
b. Desrespeito, por parte do emitente, pela ordem cronológica da emissão das facturas, embora coerentes dentro do mesmo cliente (só quando cruzadas com as restantes facturas se detecta a incoerência);
c. Existência, no emitente, de facturas com o mesmo número para clientes diferentes, em datas diferentes, com valores diferentes, com formatos tipográficos diferentes;
d. Facturas do emitente que não estavam na sua contabilidade nem na sua posse, nem eram do seu conhecimento;
e. Grandes quantidades de mercadoria transportadas pelo emitente, que exigiriam vários transportes, sem guias de remessa;
f. Inexactidão no preenchimento das poucas guias de remessa identificadas no emitente, por ausência da indicação do local de saída dos bens;
g. Guias de remessa não devidamente arquivadas, embora constantes da contabilidade do impugnante;
h. Impugnante identificado pelo emitente como seu fornecedor e não como seu cliente;
i. Não exibição dos tickets de pesagem, inerentes à facturação;
j. Identificação de veículo, com a matrícula RL…, que não era propriedade do emitente, como veículo utilizado no transporte subjacente à guia de remessa n.º 3268, constante da contabilidade da impugnante;
k. O emitente não tem documentos que titulem as aquisições por si efectuadas, nem facturas, nem vendas a dinheiro, nem guias de remessa;
l. O emitente alterava a descrição das facturas conforme a conveniência dos clientes;
m. O emitente não tinha o controlo dos movimentos financeiros inerentes às facturas por si emitidas.
M. São razões mais do que suficientes para pôr em dúvida a veracidade das facturas em causa e, ao contrário do referido na douta sentença, houve elementos emanados da contabilidade do impugnante que foram tidos em conta, designadamente as suas facturas e guias de remessa.
N. Assim, impunha-se que o impugnante apresentasse prova precisa e credível da realização das operações e dos pagamentos efectuados (que não cópia da frente dos cheques) de modo a afastar aqueles indícios, nomeadamente elementos documentais, como os elencados na douta sentença, o que não logrou fazer.
O. Não tendo sido efectuada esta prova pelo contribuinte e porque o regime do IVA não se compadece com testemunhas a substituir os meios de prova adequados a demonstrar com precisão o teor das facturas, devia a presente impugnação improceder, por não poder ser conferido ao impugnante o direito de deduzir imposto em violação do n.º 3 do Art.º 19º do CIVA.
P. A simulação aqui em causa é absoluta, como flui do RIT, e não é imperioso que a AT faça prova directa da simulação.
Q. Decorre da experiência que, normalmente, do ponto de vista formal, na contabilidade do utilizador de facturas falsas não ocorrem divergências, dado que tudo é elaborado de modo a dar uma aparência de conformidade.
R. Logo, os indícios sérios e credíveis deverão provir de outras fontes, designadamente da contabilidade e contexto do emitente, que é a origem das facturas questionadas.
S. Tendo a AT satisfeito o seu ónus probatório ao reunir e demonstrar uma miríade de factos que constituem indícios sérios que, interpenetrados e apreciados com recurso às regras da experiência, permitem concluir que às facturas visadas não correspondem operações reais, efectivas, cabia, pois, à impugnante a prova de que suportou o IVA das facturas que contabilizou e que estas titulam e documentam efectivos fornecimentos de matérias primas.
T. Do exposto se infere que a sentença recorrida, fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 74º da LGT e 19º, n.º 3 do CIVA, e incorreu em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto e por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos autos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, relativamente à insuficiência dos indícios de facturação falsa, e se incorreu em erro de julgamento sobre a decisão da matéria de facto, por errada apreciação e valoração da prova, e, consequentemente, em erro de direito.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
II.1 – Factos Provados
É a seguinte a factualidade assente, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. O Impugnante, A..., exerce a actividade de comércio de sucata e metais, tendo instalações em Silvade, na Zona Industrial de Espinho – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas.
2. Entre 13/12/2006 e 15/12/2006, o Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, incidindo sobre IRS e IVA relativamente ao ano de 2003 – cfr. Relatório de inspecção tributária, a fls. 28 do P.A. apenso aos autos.
3. Na sequência da acção inspectiva referida em 2), a AT procedeu a correcções técnicas, designadamente, em sede de IVA, tendo apurado o montante de €23.291,13 de imposto em falta - cfr. Relatório de inspecção tributária, a fls. 28 do P.A. apenso aos autos.
4. De acordo com o relatório da inspecção tributária, o apuramento do imposto em falta, resultante de deduções indevidas de IVA, assentou, designadamente, no seguinte:
«(…) Capítulo II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
(…)
C) Esta acção de inspecção resultou de uma proposta de inspecção datada de 20/11/2006, e teve origem numa acção inspectiva efectuada a “F…”, NIF 1…, fornecedor do s.p., ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI200505085, e abrangeu os anos de 2002, 2003 e 2004.
Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Em suma na acção de inspecção efectuada a “F… " concluiu-se o seguinte:
- “…Ficou provado que o s.p. não possui estrutura empresarial para desenvolver a actividade de comércio de sucatas que as suas facturas emitidas nos anos de 2002, 2003 e 2004 pretendem fazer crer, nomeadamente: instalações, pessoal, camiões;
- Não foi provado que o s.p. tivesse adquirido nos anos de 2002, 2003 e 2004 qualquer tipo de mercadoria;
- Ficou provado pela enumeração exaustiva das incongruências e anormalidades reveladas nos documentos exibidos (Facturas/Recibo e Guias de Remessa dos anos de 2002, 2003 e 2004), como seja:
a) Inobservância da ordem cronológica na sua emissão;
b) Repetição da numeração;
c) Alterações, acréscimos e troca de dados, na descrição dos documentos;
d) Documentos não registados nos destinatários dos mesmos;
e) Referência a viaturas que não existem;
f) Facturas com datas anteriores às respectivas Guias de remessa;
g) Preenchimento incompleto nas guias de remessa, de dados obrigatórios, de acordo com decreto-lei que regula transporte de mercadorias;
h) Referência ao transporte de quantidades de mercadoria, impossível de concretizar de uma só vez por qualquer viatura;
Que a descrição referida nos mesmos não merece qualquer credibilidade, que os mesmos foram postos à disposição dos destinatários utilizadores num sistema "sel(f)-service", para servir os interesses e necessidades dos mesmos;
- As declarações proferidas pelo s.p. em tempos diferentes são contraditórias e não coincidem com os elementos evidenciados nos documentos que produziu para os anos de 2002, 2003 e 2004, como seja:
a) Não é verdade que mencionava sempre a sigla "ap" nos pesos referidos nas suas guias de remessa, pois apenas nas que foram preenchidas para um destinatário é referido tal;
b) Não é verdade que pelo facto de não possuir balança, mencionasse pesos aproximados nas guias de remessa, sendo mencionados os pesos correctos posteriormente nas facturas quando a mercadoria era pesada nos seus clientes, pois que a maior parte das facturas referem os mesmos pesos que as respectivas guias de remessa;
c) Não é verdade que sempre que o seu cliente era simultaneamente seu fornecedor, só emitisse as facturas de vendas na hora de fazer contas, pois que as datas das mesmas não coincidem com as datas dos cheques utilizados como meios de pagamento, até pelo contrário, medeia um numero de meses significativo (5, 6 e até 20) entre as datas dos mesmos;
d) Uma das viaturas referida pelo s.p. como sendo sua, na realidade não lhe pertencia;
e) Não é verdade que nunca tenha carregado para as suas instalações, "papel, plásticos, madeira e derivados, porque se verificou existirem Facturas emitidas para um utilizador específico, que referem como saída da mercadoria "n/ armazém";
f) Tanto eram 2, como eram 3, os funcionários já falecidos;
- As declarações proferidas pelo s.p. revelam a descrição de cenários de ficção, por exemplo, quando afirmou que entregava as facturas aos seus clientes, mas em contrapartida não lhes exigia reciprocamente uma factura, no caso em que os mesmos eram seus fornecedores, e por outro lado aceitava sem oposição as condições impostas por estes;
- O s.p. nas suas declarações revelou grande falta de memória para factos que a serem reais, e como fazendo parte do dia-a-dia duma actividade regular como alegava, seria normal os conhecer de forma precisa, como seja por exemplo: a identificação e demais dados seus funcionários, e o nome das tipografias onde mandou imprimir os seus documentos.
- Aliás até teve tempo suficiente, no período em que decorreu a acção inspectiva, para, se quisesse, fazer prova de que as suas afirmações seriam verdadeiras.
O que só nos levou a concluir, que o que dizia, correspondia a uma "história construída e memorizada" para nos contar.

- O s.p. nunca fez prova da maior parte das declarações que proferiu.
- O s.p. admitiu nas suas declarações reduzidas a escrito, que as descrições mencionadas nas suas facturas (tipo de mercadoria, pesos, preços unitários, local de saída) nem sempre eram reais, sendo escritas a pedido dos utilizadores;
- O s.p. revelou uma grande inércia pelo cumprimento das suas obrigações fiscais, nomeadamente: controlo da numeração dos seus documentos, arquivo das guias de remessa, arquivo de todas as vias dos documentos anulados, reposição de segundas vias dos documentos extraviados, e organização da sua escrita.
- Constatou-se que a escrita do s.p. não estava organizada, pois que na realidade apesar de ter emitido documentos de vendas e prestações de serviços para os anos de 2002,2003 e 2004, o mesmo não exerceu qualquer tipo de actividade de comércio de sucatas nesses anos, limitando-se à "venda de papel";
Tudo o que foi descrito no relatório, constitui prova de que as facturas, emitidas pelo sujeito passivo F…, nos anos de 2002,2003 e 2004, não têm subjacente qualquer relação comercial, tratando-se, portanto, de facturas falsas.”
Portanto, foi, concluído na acção inspectiva realizada a F…” que este não possuía os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucata, efectuando negócios simulados (emitindo facturas falsas), para documentar uma actividade “fictícia”.
(…)
IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 19.0 do Código do IVA, não poderá deduzir-se imposto resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Ora, o sujeito passivo utilizou facturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente relação comercial com o emitente identificado nessas mesmas facturas, uma vez que, e como se demonstrou, o "fornecedor" F… " não tinha naquele período qualquer meios que lhes permitisse desenvolver a actividade que as facturas indiciam.
Portanto, as compras contabilizadas pelo s.p. não corresponderam a efectivas transmissões de bens, tratam-se de operações simuladas, logo o imposto mencionado nas facturas emitidas a propósito de tais operações não é dedutível.
Desta forma, o sujeito passivo em análise deduziu indevidamente o IVA constante das referidas e que constam do campo 22 das declarações periódicas de IVA entregues, conforme se no quadro seguinte, resultando daqui uma correcção aos valores declarados coincidente valor do imposto mencionado nas facturas em questão:
Meses
Mercadoria
IVA
Taxa
Valor
Jun-03Estanho lingote
19%
7.590,39
Jun-03Sucata inox
19%
581,40
Jun-03Sucata ferro
19%
2.115,39
Jun-03Sucata ferro
19%
2.091,90
Jun-03Inox cronio / Inox metal diverso
19%
2.358,97
2.º trimestre
Sub-total
14.738,04
Set-03Ferro, sucata inox, Metal novo, velho, e diverso, limalha metal
19%
2.401,60
Set-03Sucata zinco, alumínio
19%
5.305,99
3.º trimestre
Sub-total
7.707,59
Out-03Lingote de estanho
19%
845,50
4.º trimestre
Sub-total
845,50
TOTAL
23.291,13
Como consequência das correcções propostas referidas, resultam as seguintes alterações às declarações periódicas de IVA entregues pelo s.p.:
Período
Tipo
Campo 22
Valor da DP
Valor declarado
Correcção
Valor corrigido
declarado
Corrigido
0306TP3
38.278,39
14.738,04
23.540,35
13.834,31
28.572,35
0309TP3
23.184,67
7.707,59
15.477,08
-1.972,42
5.735,17
0312TP3
14.066,59
845,50
13.221,09
-1.676,23
-830,73
Quadro 1» - cfr. Relatório de inspecção tributária, a fls. 28-38 do P.A. apenso aos autos.
5. O Impugnante não exerceu o direito de audição prévia - cfr. fls. 39 do P.A. apenso aos autos.
6. No seguimento das correcções efectuadas, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.os 07030382 e 07030384, referentes ao IVA de 0306T e 0309T, nos montantes de €14.738,04 e €7.707,59, respectivamente - cfr. fls. 149 do P.A. apenso aos autos
7. O Impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações adicionais referidas em 6), as quais vieram a ser objecto de indeferimento - cfr. fls. 56 e 123 do P.A. apenso aos autos.
8. O Impugnante interpôs recursos hierárquicos das decisões de indeferimento referidas em 7), os quais vieram a ser objecto de indeferimento - cfr. fls. 146 e 78 do P.A. apenso aos autos
9. Em 04/08/2009, foi deduzida a presente impugnação judicial - cfr. Carimbo aposto na PI.
10. No ano de 2003, o Impugnante adquiriu a F…, entre outros materiais, sucata de ferro e inox, alumínio e lingotes de estanho, os quais foram por este facturados – cfr. cópias das facturas/recibo n.os 2750, 2751, 2754, 2757, 2758, 2815, 2820 e 2831 (documentos 1 a 12 juntos com a petição inicial), corroborados pelos depoimentos das testemunhas inquiridas.
11. O pagamento das aquisições referidas em 10) foi efectuado em cheque e/ou dinheiro – cfr. cópias dos cheques juntos com a petição inicial e depoimentos das testemunhas inquiridas.
12. As mercadorias adquiridas foram levantadas pelo Impugnante nas instalações de F… ou por este último entregues nas instalações do Impugnante - cfr. depoimento das testemunhas.
13. As mercadorias entregues por F… eram pesadas nas instalações do Impugnante - cfr. depoimento das testemunhas.
14. Em Novembro de 2003, o Ministério da Economia – Direcção Regional do Norte determinou a aplicação de coima a F…, por ter instalado e estar em laboração um estabelecimento de fabrico de lingotes de alumínio e metal (fundição), sem que para tal possuísse a prévia autorização legal - cfr. documento junto pelo Impugnante, a fls. 90-93 dos autos.
15. Em 29/11/2010, o Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Medas, do Município de Gondomar, emitiu declaração atestando que «F… (…) exerceu, durante cerca de duas décadas, a actividade de recolector de sucata e fundidor, até 2007, numa área coberta de cerca de 400 m2 e descoberta com aproximadamente 2.000 m2.» e que «estas instalações são acessíveis, por um caminho público, a veículos motorizados pesados» - cfr. documento junto pelo Impugnante, a fls. 81 dos autos.
*
II.2 – Factos Não Provados
Não foi detectada a alegação de factos a dar como não provados, com interesse para a decisão.
*
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados e, ainda, na prova testemunhal produzida.
Assim:
A testemunha F…, emitente das facturas em questão, não obstante o interesse directo na causa, mostrou conhecimento directo e pessoal dos factos e depôs, de forma clara e espontânea, sobre as relações comerciais mantidas com o Impugnante.
Com efeito, a testemunha em questão mostrou conhecimento directo sobre o funcionamento do mercado de sucatas e fundição, tendo o seu depoimento sido bastante esclarecedor e pormenorizado quanto aos tipos e quantidades de mercadoria vendidas, em maior ou menor quantidade, consoante a “saída” comercial do produto e o stock que tinha acumulado, ao modo como as mercadorias eram transportadas e por si entregues ou recolhidas pelo Impugnante, em função do volume e peso da respectiva carga e das viaturas disponíveis, bem como a razão de ser de parte dos pagamentos terem sido efectuados em dinheiro, o que ficou demonstrado ser prática habitual neste sector de actividade de elevada procura e transacções imediatas, permitindo aos fornecedores liquidar de imediato as aquisições efectuadas a montante.
Por seu turno, as testemunhas J… e M…, operadores no mercado das sucatas e J…, a exercer actividade na área de fundição de metais, depuseram de forma clara sobre o modo de funcionamento deste sector de actividade, tendo confirmado ser prática usual o pagamento de avultadas quantias em dinheiro e correrem os riscos do transporte de cargas superiores às previstas para os veículos e mostrado conhecimento directo sobre a capacidade instalada do Impugnante para o exercício da sua actividade, bem como sobre a actividade exercida por F….
Finalmente, a testemunha M…, actualmente gestor de uma empresa de transportes, demonstrou ter recolhido, no ano em questão, sucata de ferro junto das instalações de F…, as quais descreveu como sendo de difícil acesso, tendo, ainda, mostrado conhecimento directo sobre a capacidade instalada do Impugnante para o exercício da sua actividade e confirmado que, neste sector de actividade, os fornecimentos são habitualmente efectuados em dinheiro, por exigência dos fornecedores, sob pena de os negócios não se concretizarem.”
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2. O Direito

Antes de mais, vejamos o teor da sentença recorrida, contra a qual se insurge a Recorrente:
“(…) alega o Impugnante, que a Administração Fiscal se limitou a afirmar que as facturas emitidas pelo fornecedor “F…” são falsas, sem indicar os fundamentos de facto e de direito que conduziram a essa conclusão e sem que tenha averiguado junto do Impugnante a veracidade ou não das ditas transacções.
Vejamos.
Invoca a AT, como fundamento para as correcções efectuadas, o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, segundo o qual «não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
Por seu turno, sustenta o Impugnante que as facturas emitidas pelo fornecedor “F…” correspondem a aquisições de mercadorias efectivamente realizadas, tendo o respectivo transporte sido efectuado, nuns casos em veículo pertencente ao emitente e noutros casos em camiões pertencentes ao Impugnante e o respectivo pagamento sido efectuado através de cheque e/ou numerário, no último caso por exigência expressa do fornecedor.
Como é sabido, quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamenta no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, cabe à AT a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artigo 87.º n.º 1 (anterior artigo 82.º n.º 1) do Código do IVA, segundo o qual «o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nela figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença», de modo que, em caso de subsistir incerteza por falta de prova, deve a AT abster-se de praticar o acto tributário.
Verificando-se tais pressupostos, caberá ao contribuinte, o ónus da prova da existência dos factos tributários que fundamentam o seu direito à dedução do imposto, nos termos do disposto no artigo 19.º do Código do IVA.
Assim, tem a AT o ónus de demonstrar a factualidade que fundamentadamente a levou a desconsiderar a dedutibilidade do IVA liquidado nas facturas contabilizadas pelo Impugnante e tal factualidade tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da sua escrita (atento o princípio da veracidade da escrita do contribuinte e respectivos documentos de suporte, constante no artigo 75.º da Lei Geral Tributária), só então passando a caber ao contribuinte o ónus da prova de que as transacções tituladas pelas facturas se realizaram efectivamente, não aproveitando a este a mera criação de dúvida, ainda que fundada, a esse propósito.
Posto isto, passemos à análise da factualidade vertida no relatório de inspecção tributária, que serviu de base às correcções subjacentes às liquidações impugnadas, cumprindo aferir se a AT recolheu indícios suficientemente sérios e objectivos da simulação invocada.
Sustenta a AT que as facturas registadas na contabilidade do Impugnante emitidas pelo fornecedor F… não correspondem a operações efectivamente realizadas, com base, essencialmente, nos seguintes indícios:
- O sujeito passivo F…r não possui estrutura empresarial (meios humanos, materiais ou financeiros) para desenvolver a actividade de comércio de sucatas que as suas facturas emitidas nos anos de 2002, 2003 e 2004 pretendem fazer crer, nomeadamente instalações, pessoal, camiões, efectuando negócios simulados (emitindo facturas falsas), para documentar uma actividade “fictícia;
- Não foi provado pelo sujeito passivo F… que, nos anos de 2002, 2003 e 2004, tivesse adquirido qualquer tipo de mercadoria;
- Os documentos (Facturas/Recibo e Guias de Remessa dos anos de 2002, 2003 e 2004) exibidos pelo sujeito passivo F... revelam incongruências;
- O sujeito passivo F... revelou uma grande inércia pelo cumprimento das suas obrigações fiscais, nomeadamente, quanto ao controlo da numeração dos seus documentos, arquivo das guias de remessa, arquivo de todas as vias dos documentos anulados, reposição de segundas vias dos documentos extraviados, e organização da sua escrita.
- As declarações proferidas pelo sujeito passivo F... em tempos diferentes são contraditórias e não coincidem com os elementos evidenciados nos documentos que produziu para os anos de 2002, 2003 e 2004;
- O sujeito passivo F... admitiu nas suas declarações reduzidas a escrito, que as descrições mencionadas nas suas facturas (tipo de mercadoria, pesos, preços unitários, local de saída) nem sempre eram reais, sendo escritas a pedido dos utilizadores.
Aponta, assim, a AT para a existência de uma situação de simulação subjectiva (não absoluta), porquanto, em momento algum, põe em causa as vendas registadas na contabilidade do Impugnante, mas apenas o facto de tais aquisições terem sido efectuadas ao emitente em questão, considerando as referidas facturas como sendo “de favor”.
Ora, a suspeição da compra de mercadorias que sustentaram as vendas declaradas na contabilidade do Impugnante a outro fornecedor que as não tenha facturado, situação que, de acordo com as regras de experiência comum, se sabe ser frequente, sobretudo em negócios como o que está em causa, que têm por objecto “sucata”, implicaria, só por si, um esforço instrutório acrescido por parte da AT, no sentido de fundamentar que as aquisições não foram aquelas que as facturas mencionam.
Considera-se, porém, que os factos apurados pela inspecção tributária não são suficientemente indiciadores de que será de questionar a veracidade das operações tituladas por aquelas concretas facturas, uma vez que os mesmos se circunscrevem ao seu emitente, com quem o Impugnante se relacionou comercialmente, pelo que se impunha a realização de diligências de averiguação adicional, na esfera do Impugnante, que não foram efectuadas.
Na verdade, o não cumprimento de obrigações fiscais pelo fornecedor F... e a não comprovação por este das aquisições efectuadas ou o facto de este ter, alegadamente, declarado junto da AT que as descrições nas facturas por si emitidas nem sempre eram reais, isolada ou conjuntamente, não permitem inferir a existência de um acordo simulatório em que o Impugnante tenha intervindo, pois são factos que ocorrem apenas na esfera daquele fornecedor e que, por isso, escapam ao controlo do Impugnante, não podendo este ser pelos mesmos responsabilizada. Relativamente ao Impugnante nada foi apontado pela AT, não tendo esta apurado que aquelas aquisições de mercadorias não tiveram correspondência nas suas existências ou vendas ou sequer que entre si e o emitente existisse uma especial relação, ou qualquer outro facto que, com a certeza jurídica que o caso exige, demonstrasse que as facturas respeitavam a negócio simulado.
E não resulta do relatório de inspecção tributária que a AT não pudesse ter ido mais longe no apuramento da verdadeira situação tributária do Impugnante, até porque do mesmo não consta qualquer falta de colaboração de sua parte na comprovação da realidade das operações.
Para tanto, afigurava-se necessária a análise da contabilidade do Impugnante, designadamente, o cruzamento dos registos referentes às vendas e existências deste, a averiguação da existência de instrumentos de controlo interno da recepção das mercadorias (v.g. tickets de pesagem) associados às facturas em questão e da saída das mesmas, documentos de transporte e meios de transporte utilizados, bem como a análise dos registos contabilísticos de suporte dos pagamentos efectuados. A consideração destes elementos contabilísticos, mesmo que não fornecesse certezas absolutas, poderia permitir aceder a graus de probabilidade razoável da efectivação ou não das transacções em questão, o que não resulta do relatório de inspecção tributária que tenha sido feito.
Ora, os indícios em que se funda a AT não são suficientemente sólidos para desacreditar a veracidade das operações tituladas por aquelas facturas, uma vez que se circunscrevem ao seu emitente, não tendo sido apurado qualquer indício nesse sentido, na esfera do Impugnante.
E não tendo a AT feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade da sua actuação terá de ser resolvida contra ela, não competindo ao tribunal promover diligências para demonstrar a inexistência dos factos tributários subjacentes à dedução de imposto efectuada pelo Impugnante. (…)”
Impõe-se, desde já, afirmar que o enquadramento jurídico assim efectuado pelo tribunal recorrido se nos afigura adequado e correcto.
Contudo, alega a Fazenda Pública não poder conformar-se com a procedência da impugnação, por entender que a Administração Tributária (AT) cumpriu com o seu ónus probatório, concretamente porque há um conjunto relevante de diligências realizadas em inspecção e que constam do capítulo III do RIT e antecedem a súmula transcrita no ponto 4 do probatório que deviam constituir parte integrante do probatório e ser ponderado na douta sentença, que foi omitido, e cuja consideração redundaria em desfecho diferente da presente acção.
Efectivamente, no ponto 4 da decisão da matéria de facto somente se transcreveram os excertos considerados mais pertinentes para a decisão da causa, constando no relatório, antes do resumo acerca do que foi apurado na acção de inspecção efectuada a “F...", alguns detalhes sobre cada ponto dessa súmula.
O facto de o teor do relatório inspectivo não ter sido transcrito integralmente na decisão da matéria de facto, não quer significar que o mesmo não tenha sido considerado na globalidade, tanto mais que o relatório só poderá ser interpretado cabalmente se totalmente lido. Por outro lado, é convicção deste tribunal que a transcrição do relatório, na sua completude e de forma acrítica, espelha uma técnica desadequada de selecção da matéria de facto pertinente para a decisão da causa.
In casu, o teor do relatório de inspecção tributária permite sindicar se a AT reuniu os factos-índice suficientes para efectuar as correcções em causa. Para tanto, a parte do relatório que a Fazenda Pública menciona estar omitida na factualidade apurada não se apresenta com a relevância que esta lhe pretende atribuir, dado que se reporta a remissões e transcrições de factualidade e conclusões constantes da acção de inspecção tributária realizada ao emitente das facturas em apreço nos presentes autos. Saliente-se que da citada parte do relatório omitida se vislumbra uma tentativa de defesa do emitente F... nas menções por ele efectuadas a A…, pois, nas transcrições daquelas que terão sido as suas declarações, o ora Recorrido aparece citado simultaneamente como cliente e fornecedor de F... nos períodos em análise.
Assim, decorre desse Capítulo III, ainda que considerado na sua plenitude, que a inspecção teve somente por base elementos recolhidos junto do emitente das facturas, ou seja, do fornecedor do ora Recorrido, não tendo sido carreado para o relatório qualquer indício relativo ao utilizador das facturas.
Importa esclarecer que a Administração Fiscal procedeu, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI 200605813, a acção inspectiva ao Recorrido, a qual ocorreu entre 13/12/2006 e 15/12/2006, de âmbito parcial, incidindo sobre IRS e IVA, relativamente ao ano de 2003.
No Capítulo II desse relatório refere-se expressamente que esta acção de inspecção resultou de uma proposta de inspecção datada de 20/11/2006, e teve origem numa acção inspectiva efectuada a “F...”, NIF 165 139 889, fornecedor do sujeito passivo, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200505085, e abrangeu os anos de 2002, 2003 e 2004.
Em nenhum momento se efectuou a caracterização da actividade desenvolvida por A…, quais os meios materiais e humanos utilizados na mesma, unicamente decorre do relatório inspectivo que F... era fornecedor do impugnante, omitindo-se a menção a quaisquer outras relações comerciais.
No Capítulo III referiu-se que foi concluída, em 20/11/06, uma acção inspectiva realizada a F..., fornecedor de A…, onde foram detectadas situações relativamente às facturas que esse emitiu para o aqui Recorrido e que, de seguida, se passaram a transcrever utilizando aspas.
Decorre, assim, desse Capitulo III, que a inspecção teve somente por base elementos recolhidos junto desse emitente das facturas, ou seja, do fornecedor do ora Recorrido, não constando do relatório que na inspecção realizada ao ora Recorrido tivessem sido recolhidos quaisquer indícios relativos ao próprio utilizador das facturas.
Na conclusão M. das suas alegações, a Recorrente insurge-se contra o afirmado na sentença recorrida, referindo que houve elementos emanados da contabilidade do impugnante que foram tidos em conta, designadamente, as suas facturas e guias de remessa.
A verdade é que no relatório notificado ao Recorrido não existe qualquer anexo, qualquer documento ou outros elementos que sustentem as conclusões constantes na inspecção efectuada a F..., nem relativamente à inspecção efectuada ao Recorrido A.... De todo o modo, quanto a este, não são indicados quaisquer factos, mas somente conjecturas ou suposições: “(…) o sujeito passivo utilizou facturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente relação comercial com o emitente identificado nessas mesmas facturas, uma vez que, e como se demonstrou, o "fornecedor F… " não tinha naquele período qualquer meio que lhe permitisse desenvolver a actividade que as facturas indiciam.
Portanto, as compras contabilizadas pelo s.p. não corresponderam a efectivas transmissões de bens, tratam-se de operações simuladas, logo o imposto mencionado nas facturas emitidas a propósito de tais operações não é dedutível. (…)”
Realmente, a Administração Tributária poderá lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Contudo, no caso em apreço, reiteramos, não consta junto ao relatório inspectivo relativo ao Recorrido qualquer documento sustentador de factualidade que pudesse estar relacionada com o próprio A....
Salientamos que foi o impugnante que juntou à sua petição de impugnação as facturas em causa, por forma a relacioná-las com os respectivos meios de pagamento (cheques). De igual modo, destacamos que as duas únicas guias de remessa referentes a fornecimentos de F... ao ora Recorrido terão sido obtidas no decurso da inspecção ao emitente das facturas, remetidas por A... através da circularização. Contudo, mais uma vez com o objectivo de concatenação com as facturas, as cópias destas guias de remessa n.º 3267 e n.º 3268, datadas de 28/05/2003, somente foram juntas aos presentes autos pelo impugnante – cfr. fls. 18 do processo físico.
Tendo como ponto de partida os factos alinhados, retirados do relatório da inspecção, para onde remete a sentença recorrida, bem como os elementos referentes ao emitente das facturas, logo ressalta, com a segurança e certeza exigíveis, que a AT não coligiu indícios de que as mercadorias (sucata) não foram recepcionadas pelo Impugnante.
Como vimos, a estrutura do relatório apresenta-se com descrição de situações retiradas de outra inspecção, nada se dizendo quanto à inspecção que terá sido realizada à contabilidade e à actividade do impugnante, sem que se apontem quaisquer características, de molde a estabelecer um fio condutor entre aquela e o emitente das facturas, de modo a ser indiciado que era do conhecimento do Impugnante as situações elencadas pela AT quanto ao emitente das facturas. No fundo, nenhuma ilação é possível retirar de que o Recorrido seria conhecedor, ou não podendo de todo desconhecer, que F... jamais estaria em condições de fornecer a mercadoria identificada nas facturas.
Como vem sendo salientado pela jurisprudência deste TCAN (cfr., a título de exemplo, o Acórdão deste TCAN, de 30/04/2015, proferido no âmbito do processo n.º 599/10.3BEPNF), a falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a AT não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e as concretas operações comerciais estabelecidas com o utilizador em questão, no caso o Recorrido.
Com efeito, não resulta minimamente evidenciada a recolha de qualquer dado objectivo ou indício seguro, credível e consistente com a demais factualidade situada do lado do emitente, de que os fornecimentos constantes das facturas por ele emitidas e contabilizadas pelo Recorrido não correspondiam a operações reais e efectivas.
Como se refere na sentença recorrida, a AT não reuniu factos suficientemente indiciadores de que as mercadorias não foram fornecidas ao Recorrido, pois que bastou-se com a caracterização do emitente, com factos aportados de outra investigação, sem estabelecer a necessária conexão com os concretos fornecimentos ao Recorrido e à actividade desenvolvida por este, quedando-se com a presunção de que, se o emitente está já identificado como emitente de facturação falsa, não houve fornecimentos ao utilizador das facturas.
E não resulta do relatório de inspecção tributária que a AT não pudesse ter ido mais longe no apuramento da verdadeira situação tributária do Impugnante, até porque do mesmo não consta qualquer falta de colaboração de sua parte na comprovação da realidade das operações.
Para tanto, afigurava-se necessária a análise da contabilidade do Impugnante, designadamente, o cruzamento dos registos referentes às vendas e existências deste, a averiguação da existência de instrumentos de controlo interno da recepção das mercadorias (v.g. tickets de pesagem) associados às facturas em questão e da saída das mesmas, documentos de transporte e meios de transporte utilizados, bem como a análise dos registos contabilísticos de suporte dos pagamentos efectuados. A consideração destes elementos contabilísticos, mesmo que não fornecesse certezas absolutas, poderia permitir aceder a graus de probabilidade razoável da efectivação ou não das transacções em questão, o que não resulta do relatório de inspecção tributária que tenha sido feito.
Ora, os indícios em que se funda a AT não são suficientemente sólidos para desacreditar a veracidade das operações tituladas por aquelas facturas, uma vez que se circunscrevem ao seu emitente, não tendo sido apurado qualquer indício nesse sentido, na esfera do Impugnante.
Na verdade, das regras da experiência comum não se pode concluir que facturas provindas de emitentes de facturação falsa correspondem a relações comerciais inexistentes.
Deste modo, o recurso terá de improceder por falta de prova por parte da AT de fortes indicadores que permitam afirmar com segurança que às facturas emitidas não corresponderam os respectivos fornecimentos.
Tal basta para que fique prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente, nomeadamente, as referentes à impugnação da decisão da matéria de facto quanto à factualidade relativa à comprovação das efectivas operações comerciais vertidas nas facturas – cfr. pontos 10, 11, 12 e 13 mencionados na conclusão C das alegações deste recurso.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III – A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 16 de Fevereiro de 2017.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo