Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01663/16.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE RODOVIÁRIO; VIA MUNICIPAL; MANCHA DE ÓLEO NÃO VISÍVEL NA VIA;
CULPA CASO FORTUITO.
Sumário:Não sendo visível a olho nu uma mancha de gordura existente na via, causa do acidente de viação que o correu nessa via, municipal, não podia o município, ainda que usasse de todas as cautelas exigíveis, remover tal perigo da via, pelo que nesta situação se terá de imputar o acidente a caso fortuito, resultante de uma situação que não podia ser prevista porque não era perceptível o perigo existente, o que basta para afastar a responsabilidade do município demandado, por falta do pressuposto “culpa”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

M. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 13.11.2018, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção administrativa que intentou contra o Município (...) para condenação do demandado a pagar-lhe uma indemnização (em parte e liquidar ulteriormente) pelos prejuízos sofridos em virtude e um acidente que sofreu no dia 07.02.2021, quando um conduzia o seu motociclo na Rua (...),.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo errou no julgamento de um dos pontos dos “factos provados”; errou também no enquadramento jurídico, devendo ter condenado o demandado nos termos peticionado, por se verificarem todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, consignados no artigo 493.º do Código Civil, por parte do Município demandado, ao contrário do decidido.

O Município (...) contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Publico neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 - O Tribunal a quo deu como provado o facto 31 “A mancha gordurosa descrita em 7) apareceu pouco antes do acidente” tendo-o presumido dos factos 2, 7, 29 e 30.

2 - No entanto, os factos 2, 7, 29 e 30 não permitem tal presunção:

a) Uma via com trafego intenso de veículos e peões (facto 2) não pode levar à conclusão que quando se dá um acidente causado por gordura no pavimento, esse acidente aconteça imediatamente após o aparecimento daquela, já que muito embora a existência de manchas gordurosas no pavimento possam ser causa de acidentes, não o são inexoravelmente, sendo necessária a concorrência de vários fatores;
b) O facto de a mancha não ser visível a olho nu e ser de causa desconhecida (facto 7) também não pode levar à presunção de que era recente, pois a esmagadora maioria das manchas de gordura não são visíveis a olho nu, podendo ou não causar acidentes e, na maioria dos casos, desconhece-se se são recentes ou não;
c) O facto de não haver registo ou comunicação de outros acidentes/ocorrências na mesma via (facto 29) também não pode justificar a presunção de que a mancha gordurosa era muito recente, pois com muita frequência, dá-se um único acidente, a mancha de gordura é removida sem que possa concluir-se há quanto tempo estava naquele local;
d) Se no dia e hora do acidente não existia nenhum tipo de sinalização da existência da mancha gordurosa na via (facto 30) não pode levar à conclusão que era por ser recente, mas apenas que não teria sido detetada pela entidade competente para vigiar e cuidar da via, independentemente de como essa vigilância e esse cuidado são levados a cabo.

3 - As presunções judiciais são um meio de prova não proibido por lei, pelo que o julgador pode socorrer-se das regras da experiência para retirar dos factos conhecidos ilações evidentes, razoáveis e comummente aceites como tais, para firmá-las como factos provados, desde que sejam observadas as necessárias cautelas.

4 - Necessário é, portanto, que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, que a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida, não seja posta em causa, e que haja uma relação direta e segura, claramente percetível, sem necessidade de elaboradas conjeturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge.

5 - A Mª Juiz a quo não observou aquelas cautelas, tendo firmado um facto a partir de outros que não podem, segundo as regras da experiência comum e de um raciocínio lógico, sustentá-lo.

6 - Pelo que o facto 31 deve ser eliminado dos factos provados, por violação no disposto no art.º 349.º e 351.º do CPC.

7 - A obrigação de vigilância, conservação e sinalização da via onde ocorreu o acidente motivado pela existência de mancha gordurosa no pavimento incumbia ao Réu Município (...), conforme ficou provado.

8 - O Autor tem a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o art.º 493.º, n.º 1 do Código Civil, cfr. jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo.

9 - De harmonia com aquele regime de presunção de culpa, verifica-se uma inversão do ónus da prova da culpa que passa a onerar, em primeira linha, o lesante.

10 - Na situação dos autos, dada a presunção de culpa do Réu Município (...), ao A. apenas incumbia o ónus da prova da base da presunção, ou seja, o facto conhecido de o acidente ter sido causado pela existência de uma substância gordurosa não sinalizada na via pública, cuja obrigação de vigilância e conservação estava a cargo daquele, ficando dispensado, assim, o A. da prova da culpa concreta ou de serviço por parte do Réu.

11 - Sobre este último impendia a prova da adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

12 - A este respeito o Réu Município (...) nada provou relativamente à efetiva vigilância da via, quais os concretos meios técnicos e humanos utilizados, à regularidade com que é feita e, principalmente, quando havia sido a última vigilância.

13 - Pelo que o Réu recorrido não logrou fazer prova de factos suficientes para ilidir a presunção que sobre si impendia, já que é insuficiente para tal a simples prova, em abstrato, de que “tem implementados planos regulares de manutenção e limpeza dos arruamentos da cidade, dispondo de equipas que inspecionam as vias municipais, de equipas que solucionam as anomalias verificadas, bem como equipas de limpeza dos arruamentos”.

14 - Caso fosse possível afastar a referida presunção, pela mera alegação e prova dos factos 26, 27 e 28, estar-se-ia a subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, que passaria a constituir a um mero requisito formal, facilmente contornável.

15 - Pelo que, ao invés do decidido na sentença recorrida, tem de considerar-se existente um comportamento ilícito e culposo por parte do Réu Município (...), do qual resultaram os danos cujo ressarcimento foi pedido na ação, a que se reportam os pontos 12 a 23, inclusive, da matéria de facto provada.

16 - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no art.º 493.º do Código Civil.
*
II –Matéria de facto.

Defende o Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado, como deu, o facto 31 “A mancha gordurosa descrita em 7) apareceu pouco antes do acidente”, por presunção retirada a partir dos factos 2, 7, 29 e 30.

No essencial tem razão.

Esta matéria não é sequer matéria de facto.

“Pouco antes” é uma afirmação vaga, genérica, uma conjectura que não tem sequer colagem com a prova produzida ou com os restantes factos provados. Pouco antes”, como conceito relativo que é, pode significar uns minutos, umas horas, dias ou semanas.

E, por outro lado, não é possível determinar quando em concreto, apareceu a mancha gordurosa na via. Tanto assim que o Tribunal a quo sentiu a necessidade de se socorrer de um conceito vago e indeterminado, mais adequado a conjecturar, no enquadramento jurídico do caso, do que á fixação da matéria de facto.

Finalmente, como defende o Recorrente, de nenhum dos indicados factos se pode retirar, por ilação natural ou presunção, a conclusão de que “A mancha gordurosa descrita em 7) apareceu pouco antes do acidente”.

As circunstâncias de a Rua (...) ser uma via de tráfico intenso e não haver registo de outros acidentes no local não permite tal conclusão porque neste caso o acidente foi com um motociclo, veículo que é particularmente susceptível de acidentes com manchas de óleo ou similares existentes na via e não se sabe, nem pode saber, quantos motociclos passaram exactamente naquele ponto da via “pouco antes” do acidente.

Quanto à circunstância de não ser visível permite pelo contrário a conclusão inversa, porque as gorduras na via se vão infiltrando e desaparecendo com o tempo. São mais visíveis quanto mais recente forem.

Quanto ao último facto, de não haver sinalização da sua existência, é a que menos permite a conclusão de que a macha de gordura apareceu “pouco antes” do acidente, porque seria presumir que o Município demandado cumpriu o seu dever de vigilância sobre a via, precisamente o que se está a discutir nos autos. Pode ter aparecido “pouco antes” se o Município, como sustenta, cumpriu esses deveres, ou “muito antes” se, como defende o Autor, os não cumpriu.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida, retirando o ponto acabado de referir:

1. No dia 07.02.2014, pelas 08h10, o Autor conduzia o motociclo de matrícula XX-XX-XX, propriedade da Polícia de Segurança Pública, a cerca de 30 km/hora, no sentido Sul/Norte, na hemifaixa de rodagem do lado esquerdo, da Rua de (...), - cf. declarações de parte.

2. A Rua (...) é uma via de tráfego intenso de veículos e peões – cf. declarações de parte e depoimento das testemunhas R., M., A. e A..

3. No sentido Sul/Norte, a rua (...) possui duas hemifaixas de rodagem até ao cruzamento com a rua (..), em piso de paralelepípedos - cf. declarações de parte e depoimento das testemunhas R., M., A. e A..

4. Em frente ao Teatro (...), localizado na Rua de (...), n.º 108, a rua faz uma curva fechada para a esquerda, atento o sentido de trânsito, sendo que, imediatamente a seguir a tal curva, existe uma passadeira de paralelepípedos polidos (espécie de paralelepípedos), uns de cor cinzenta e outros de cor branca – cf. fls. 12 a 14 do suporte físico do processo, 4 a 8 do processo administrativo, declarações de parte e depoimentos das testemunhas R., M., A. e A..

5. Ao terminar de efetuar a curva descrita em 4), o Autor, na data e hora indicados em 1), perdeu o controlo do motociclo que conduzia, começando a deslizar descoordenadamente, tendo embatido num veículo automóvel de passageiros de matrícula XX-XX-XX, que se encontrava, atento o seu sentido de marcha, estacionado no lado esquerdo, em frente ao prédio com o n.º de polícia 107 - cf. fls. 12 a 14 do suporte físico do processo, 4 a 8 do processo administrativo, declarações de parte e depoimento da testemunha R..

6. O estado do tempo no dia e hora descritos em 1) era de chuva - cf. fls. 12 a 14 do suporte físico do processo e 4 a 8 do processo administrativo e depoimento da testemunha R..

7. Após o acidente, as autoridades verificaram a existência no local descrito em 4) de uma mancha gordurosa no pavimento com as dimensões aproximadas de 13,50 m de comprimento e 2,60 m de largura, não visível a olho nu, de causa desconhecida, que começava antes da passadeira descrita em 4) e terminava depois da mesma - cf. fls. 12 a 14 do suporte físico do processo, 4 a 8 do processo administrativo, declarações de parte e depoimento das testemunhas R., A. e A..

8. O acidente descrito em 5) ocorreu em virtude da existência da mancha gordurosa descrita no número anterior, que motivou a perda de aderência do motociclo - cf. facto presumido resultante dos factos 1, 3 a 5 e 7.

9. Os bombeiros espalharam pó de tijolo no pavimento a fim de remover tal mancha gordurosa - cf. fls. 12 a 14 e 14 verso do suporte físico do processo, 4 a 8 do processo administrativo e depoimento das testemunhas R. e A..

10. O Autor, antes do acidente, era polícia de segurança pública e realizava serviços operacionais (motociclista), recebendo os correspondentes suplementos de turno e patrulha, bem como serviços remunerados (serviços requisitados por entidades terceiras à PSP, feitos em horas de folga dos agentes e que, quando realizados, acrescem ao vencimento) - cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas R., M., M. e A..

11. O A. antes do acidente não tinha qualquer defeito físico – cf. depoimento das testemunhas Z. e M..

12. Na sequência do referido em 5), o Autor foi conduzido ao Hospital (…), onde lhe foi diagnosticado fratura do radio distal e fratura in situ da tacícula esquerda, pelo que foi imobilizado com tala gessada e medicado, tendo alta para o domicílio no mesmo dia, com indicação para reavaliação no hospital da sua área de residência - cf. fls. 15 a 17 do suporte físico do processo.

13. O A. andou com tala engessada e braço ao peito cerca de 1 mês – cf. declarações de parte e testemunhas M. e Z..

14. Em 5.3.2014, no hospital da sua área de residência, o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica para colocação de material de osteossíntese no punho esquerdo, realizou 39 sessões de fisioterapia e em 8.4.2015 foi submetido a nova intervenção cirúrgica para extração de tal material - cf. fls.17 verso e 20 do suporte físico do processo, declarações de parte e depoimento das testemunhas M. e Z..

15. O A. teve dores no braço esquerdo durante o período de recuperação, ainda as sentindo quando realiza alguns tipos de movimentos – cf. depoimento das testemunhas M. e Z..

16. O A. esteve de baixa para tratamento, desde a data do acidente até 18.08.2015, data em que foi submetido à Junta Superior de Saúde da Polícia de Segurança Pública (PSP) - cf. fls. 24 verso a 27 verso do suporte físico do processo.

17. No período referido no número anterior o A. recebeu, com caráter de regularidade, suplementos de turno e patrulha - cf. fls. 28 verso do suporte físico do processo.

18. Em 18.08.2015 a Junta Superior de Saúde da PSP atribuiu ao A. 365 dias de serviços moderados com início em 19.08.2015, findos os quais deveria regressar a tal junta, bem como uma IPP de 3%. - cf. fls. 27 verso do suporte físico do processo.

19. Por força da deliberação referida no n.º anterior, o A. foi colocado na secção de serviços administrativos da Divisão de Trânsito, encontrando-se atualmente a exercer funções de atendimento ao público - cf. fls. 131 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha R..

20. Na sequência da deliberação referida em 18) os serviços consideraram o A. curado com IPP de 3%, pelo que entenderam que o mesmo deixou de ter direito a auferir os suplementos que vinha auferindo com caráter permanente, mesmo que lhe sejam prescritos serviços moderados, de acordo com esclarecimento do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP de 16.02.2017 - cf. fls. 131 e 131 verso do suporte físico do processo e depoimento da testemunha M..

21. Em 17.10.2017 o A. foi observado pela Junta Superior de Saúde da PSP que regularizou em Junta Médica o período de 18.08.2016 a 17.10.2017 com atribuição de serviços compatíveis com o seu estado clínico, evitando esforços com o membro superior esquerdo, aguardando chamamento para nova junta médica - cf. fls. 127 do suporte físico do processo e declarações de parte.

22. Apesar de o A. ter retomado o serviço em 19.08.2015, desde essa data e até à data de hoje, o A. está impedido de realizar serviços operacionais e serviços remunerados, uma vez que tais serviços dependem da possibilidade de armamento e o A., em virtude das lesões decorrentes do acidente, está impossibilitado de fazer certificação de arma de fogo – cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas R., M., M. e A..

23. Em consequência do acidente, o A., desde a data do acidente até 31.07.2015, deixou de auferir a quantia de 5.791,58€, relativa a serviços remunerados - cf. fls. 28 do suporte físico do processo e declarações de parte.

24. O local onde ocorreu o acidente estava sob gestão da R. – cf. depoimento das testemunhas E., M. e R..

25. O Departamento Municipal de Mobilidade e Gestão da Via Pública tem como competência a manutenção dos arruamentos, mais concretamente, a manutenção relacionada com o estado de conservação - cf. fls. 48 do suporte físico do processo e depoimento das testemunhas E., M. e R..

26. À data dos factos, a R. dispunha de um serviço de atendimento telefónico (Linha 24), através do qual os munícipes e colaboradores podiam fazer participações relacionadas com anomalias que verificassem nas vias – cf. depoimento das testemunhas E., M. e R..

27. O R. tem implementados planos regulares de manutenção e limpeza dos arruamentos da cidade, dispondo de equipas que inspecionam as vias municipais, de equipas que solucionam as anomalias verificadas, bem como equipas de limpeza dos arruamentos – cf. depoimento das testemunhas E., M. e R..

28. Quando há derrames de óleo normalmente quem faz a limpeza do pavimento é o Batalhão de Sapadores Bombeiros, que é imediatamente informado quando tais casos são detetados e comunicados na via pública - fls. 48 do suporte físico do processo e depoimento das testemunhas E., M. e R..

29. Não houve registo ou comunicação de outros acidentes/ocorrências na mesma via, nas horas que antecederam o acidente – cf. fls. 48 do suporte físico do processo e depoimento das testemunhas R., A., E. e R..

30. No dia e hora do acidente não existia nenhum tipo de sinalização que avisasse sobre a existência da mancha gordurosa da via - cf. depoimento das testemunhas R. e A..

31. (Eliminado).

32. O R., mediante contrato de seguro com as condições gerais e especiais constantes de fls. 49 a 86 do suporte físico do processo, transferiu a responsabilidade civil para a companhia de seguros (...), atualmente, (…) Companhia de Seguros, S.A. – cf. fls. 49 a 86 do suporte físico do processo.

33. O contrato referido no n.º anterior vigora com uma franquia contratual a cargo do Município (...), não oponível a terceiros, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 500€ e máximo de 3.750€ - cf. fls. 79 do suporte físico do processo.

34. A (…) – Companhia de Seguros, S.A., por carta de 12.11.2015, informou o A. que não daria provimento à sua reclamação, uma vez que entendia não estarem preenchidos os pressupostos de responsabilização civil do Município (...) – cf. fls. 18 do processo administrativo.
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III - Enquadramento jurídico.

O Tribunal a quo, para julgar a acção (totalmente) improcedente, teceu as seguintes considerações jurídicas, na decisão recorrida:

“(…)
Como já adiantamos, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o Réu é civilmente responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao A. resultantes da alegada perda de controlo do motociclo que conduzia, motivada pela existência de óleo no pavimento.

Atendendo à factualidade provada, não se conseguiu apurar a natureza da substância existente no pavimento, pelo que nos referiremos à mesma como substância ou mancha gordurosa.

Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. No que respeita à responsabilidade das entidades públicas, o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, por danos causados no exercício das suas funções. Devemos entender aqui abrangidas todas as funções do Estado (a administrativa, a político-legislativa e a jurisdicional), englobando tanto os danos patrimoniais como os não patrimoniais que advenham do exercício dessas funções. Dispõe tal preceito, sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte: “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”.

Ora, este princípio da responsabilidade do Estado é um princípio estruturante do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), que conjugado com o disposto no artigo 202.º, n.º 2 da CRP, que estatui que “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...)”, não pode deixar de fundar a responsabilidade do Estado pelos danos causados por factos ilícitos perpetrados no âmbito do exercício de todos os poderes públicos. Tal responsabilidade tem por escopo uma função reparadora, na medida em que, caso os poderes públicos no exercício das suas atividades (para prossecução das suas atribuições) lesem um direito fundamental, existe um dever de reparação.

No domínio do direito público, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no n.º 1 do artigo 483.º, do Código Civil (CC), a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cf. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed., Almedina, 2001, pp. 510), regendo-se a responsabilidade civil das entidades públicas pelo regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro, em tudo o que não seja previsto em lei especial.

Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

A Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro que, em anexo, aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e revogou o Decreto-Lei n.º 48.051, de 27 de Novembro, dispõe no artigo 1.º, do referido anexo, o seguinte:

“1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. (…)”.

O regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas entidades públicas, definido no anexo à Lei n.º 67/2007 (doravante RRCEEEP), é aplicável ao caso sub iudice.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.

Importa, assim, trazer à colação o princípio consignado no artigo 483.º do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados impende sobre todo aquele que “com dolo ou mera culpa” violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

De acordo com este preceito, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva extracontratual ou aquiliana:

- facto voluntário do agente;
- facto ilícito do agente;
- nexo de imputação subjetivo do facto ao lesante;
- dano resultante da violação do direito ou da lei;
- nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima.

O facto do agente é um comportamento ou conduta humana.

Este facto é, em regra, uma ação (facto positivo) que traduz a violação de um dever geral de não ingerência (abstenção), na esfera de ação do titular de um direito ou interesse alheio, mas também pode constituir uma omissão (facto negativo), sempre que sobre o agente recair o dever jurídico de adotar um comportamento que provavelmente impediria a consumação do facto. Há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes, quer de atos jurídicos, quer da realização de operações materiais. Assim, o facto ilícito ou lícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.

Sobre a responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, de entre os quais, o Município, dispõe o n.º 1 do artigo 7.º do RRCEEEP, com a epígrafe, “Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”, o seguinte: “1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”. A responsabilidade por facto ilícito, por ações ilícitas cometidas no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, refere-se a atos que envolvam o exercício de uma atividade que se encontre regulada por normas de direito administrativo, que corresponderá ao conceito tradicional de ato de gestão pública, mas também a atos funcionais.

A ilicitude, nos termos do art. 9.º do RRCEEEP, “comporta uma lesão antijurídica – traduzida na violação objectiva de normas, princípios jurídicos, regras de ordem técnica ou deveres de cuidado – de que resulta a ofensa de direitos ou interesses protegidos” (cfr. CARLOS FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 179).

Com efeito, tal artigo 9.º estabelece:

“1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.

O regime da responsabilidade civil prevê uma conceção alargada de ilicitude, exigindo uma ilicitude não só da conduta, mas também do resultado, ou seja, a ilicitude é aferida, segundo aquela norma que prevê a “violação de disposições ou de princípios jurídicos, constitucionais, legais, regulamentares, ou pela infracção de regras de ordem técnica e de deveres objectivos de cuidado” – ilicitude da conduta. Mas é necessário que, além disso, “resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” – ilicitude de resultado, neste sentido, J. C. VIEIRA DE ANDRADE, “A responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3951.

O referido conceito de ilicitude comporta, pois, uma lesão antijurídica, traduzida, na violação de normas, princípios jurídicos, regras de ordem técnica ou deveres de cuidado (componente objetiva da ilicitude), de que possa resultar, em abstrato, a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (componente subjetiva da ilicitude).

O legislador apontou a violação de um dever de cuidado como dimensão ineliminável de um comportamento ilícito, pugnando que será no artigo 9.º do RRCEEEP que reside o fundamento da conceção subjetiva da ilicitude.

No que concerne ao pressuposto da culpa, a mesma exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor (VARELA, Antunes, Das Obrigações em geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, p. 559).

Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º do RRCEEEP que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. Para além disso, consagra o n.º 2 do aludido preceito legal uma presunção legal de culpa, já que, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.

Segundo o n.º 3 do artigo 10.º do RRCEEEP, “Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.”.

No que toca ao dano, ele traduz-se na lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Será patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não suscetível de avaliação pecuniária.

O problema do nexo de causalidade entre o facto e o dano traduz-se na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto.

Consagra o artigo 563.º do CC, o nexo de causalidade na obrigação de indemnização, no sentido de a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Esta norma legal, porque contém um elemento de probabilidade que limita a existência de nexo de causalidade aos danos que, em abstrato, são consequência apropriada do facto, é interpretada como consagrando a teoria da causalidade adequada.

Tem a jurisprudência administrativa, com o apoio da doutrina, adotado a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, proposta por EnneccerusLehman, nos termos da qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto. “Nesta formulação, justificada pela ideia que o prejuízo deve recair sobre quem agindo ilicitamente criou a condição do dano, o facto ilícito que, no caso concreto, foi efectivamente condição do resultado danoso, só deixa de ser causa adequada se for de todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano.” (cf. acórdão do STA de 25/09/2007, proferido no processo n.º 0142/07 e publicado em www.dgsi.pt). À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem de assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.

Vigora também o entendimento que subsiste o nexo de causalidade adequada quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto posterior que o produz, se este tiver sido especialmente favorecido pelo primeiro ou for um seu efeito provável segundo o curso normal dos acontecimentos – é vasta a jurisprudência do STA sobre o tema, citando-se a título meramente exemplificativo o acórdão do STA de 27/02/2007, proferido no processo n.º 0969/06 e publicado em www.dgsi.pt. Este entendimento decorre de o nosso ordenamento jurídico aceitar o dever de prevenção de perigo, segundo o qual a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados.

Aplicando o Direito ao caso concreto, verificamos que resulta da factualidade dada como provada que o acidente sofrido pelo A. ocorreu em virtude da existência de uma mancha gordurosa no local do acidente, que motivou a perda de aderência do motociclo – cf. factos provados n.ºs 1, 3 a 5, 7 e 8.

São atribuições das câmaras municipais, entre outras, “criar, construir e gerir instalações, equipamentos, serviços, redes de circulação, (…) integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal” – cf. artigo 33.º, n.º 1, alínea ee) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

Neste pressuposto, compete-lhes tomar todas as medidas necessárias e adequadas à segurança e comodidade do trânsito. O que pressupõe a continuada e sistemática gestão e fiscalização do seu estado de conservação, sinalização (incluindo a temporária) e demarcação, em ordem a evitar eventos danosos, garantindo aos seus utilizadores o mínimo de segurança.

Pelo que, estando o arruamento onde ocorreu o acidente do A. sob a jurisdição do Município [cf. facto provado n.º 24], impendia sobre ele o dever de vigilância e conservação do mesmo, e assim de eliminar ocorrências que interfiram com a normalidade do trânsito.

Para os serviços do R. poderem sinalizar ou para poderem remover, atempadamente, uma ocorrência ocasional existente na via pública, como a existência de uma mancha gordurosa na mesma não visível a olho nú, era necessário que os mesmos soubessem, ou não devessem desconhecer, a existência dessa ocorrência. Para se poder concluir pela existência de ato ilícito era preciso provar que a mancha gordurosa estava há suficiente tempo no local para justificar uma intervenção dos serviços e que a existência da mesma lhe houvesse sido comunicada. Neste sentido, veja-se acórdão do TCA Norte de 21.04.2016, in processo n.º 00013/10.4BEPNF, disponível em www.dgsi.pt.

Não existe nada nos autos que permita concluir que a Ré soubesse ou devesse saber da existência da mancha gordurosa na via pública, para que a pudesse sinalizar ou remover. Mais, não existe qualquer facto provado nos autos que permita concluir pela violação de qualquer regra técnica, legal ou dever objetivo de cuidado por parte dos serviços do Réu, tanto mais que a mancha gordurosa não era visível a olho nu, tinha causa desconhecida e apareceu pouco antes do acidente – cf. factos provados n.ºs 7 e 29 a 31.

Dado que a procedência da ação requer a verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual invocada, a falta de um desses requisitos - ilicitude – faz de per si soçobrar a pretensão do Autor, pelo que não serão analisados os restantes pressupostos da mesma.
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Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar improcedente o pedido do A..
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Desde já se adianta que a acção deve ser julgada totalmente improcedente, como decidido.

Mas não exactamente por estes fundamentos, acabados de transcrever.

Não se discute que tenha ocorrido um facto relevante para efeitos deste tipo de responsabilidade: o acidente de viação.

Também se mostra incontroversa a existência de danos, patrimoniais e não patrimoniais que estão descritos nos pontos 10 a 22 dos factos provados.

Resta apurar se estão verificados os pressupostos “ilicitude” e “culpa”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime de Responsabilidade aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12. e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

Quanto ao pressuposto “ilicitude”, dispõe o artigo 9º da Lei nº 67/2007:

“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”

No caso concreto a ilicitude traduz-se na lesão do direito à integridade física e capacidade para o trabalho do Autor, as lesões que este sofreu no acidente, corrido por virtude da existência de uma substância gordurosa na via pública que fez derrapar e cair o veículo sinistrado com o seu condutor.

Verifica-se, pois, também este pressuposto.

Quanto ao pressuposto “culpa”, determina o artigo 10º da Lei nº 67/2007:

“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.

3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.

4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.”

No caso concreto não foi possível apurar quando e em que circunstâncias apareceu a mancha gordurosa na via, a que deu causa ao acidente.

Precisamente para estas situações em que não existe a possibilidade de reconstituir todos os factos relevantes, são estabelecidas as presunções legais, de forma a permitir alcançar, tanto quanto possível, a justiça no caso concreto.

Vale aqui, contra o Município demandado, a presunção de culpa que resulta do disposto no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Presume-se a culpa do Município demandado dado que, cabendo-lhe vigiar pela segurança da circulação de veículos e pessoas nas estradas municipais.

Mas no caso concreto, afigura-se que o Município logrou afastar essa presunção de culpa.

Sob o ponto 7 ficou provado, de forma pacífica, que:

“Após o acidente, as autoridades verificaram a existência no local descrito em 4) de uma mancha gordurosa no pavimento com as dimensões aproximadas de 13,50 m de comprimento e 2,60 m de largura, não visível a olho nu, de causa desconhecida …”.

Não sendo visível a mancha de gordura a olho nu, não podia o município, ainda que usasse de todas as cautelas exigíveis, remover esse perigo da via.

Terá, portanto, de se imputar o acidente a caso fortuito.

Resultante de uma situação que não podia ser prevista porque não era perceptível o perigo existente (veja-se, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.09.1994, processo 084991, ponto IV do respectivo sumário).

O que basta para afastar a responsabilidade do Município demandado, por falta do pressuposto “culpa”.

Termos em que, por fundamentos não coincidentes, se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 17.12.2021

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira