Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02357/18.8BEBRG-R1-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA; REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS:
CASO JULGADO
Sumário:1 - Dispõe o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos Tribunais administrativos, e que o princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende entre o mais o direito de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.

2 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 – Tendo subjacente o disposto no artigo 621.º do CPC, os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela Sentença [versando os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo], ao que deve ainda focar-se a atenção nos termos dessa definição estatuída na Sentença, a qual tem a autoridade do caso julgado para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

CC... [devidamente identificado nos autos], Requerente no Processo cautelar que intentou contra a Ordem dos Advogados [também devidamente identificada nos autos], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada 17 de fevereiro de 2022, pela qual julgou totalmente improcedente o Requerimento inicial apresentado e, em consequência, não decretou as providências cautelares por si requeridas.

*


No âmbito das Alegações por si apresentadas, o ora Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
II. CONCLUSÂO
17. Todos os quatro requisitos exigidos para o decretamento da providência requerida se mostram preenchidos.
18, Consequentemente, deverá a providência requerida ser superior e competentemente decretada.”
**

A Requerida ora Recorrida, Ordem dos Advogados, apresentou Contra alegações, tendo a final elencado as conclusões que ora se reproduzem:
“[…]
CONCLUSÕES:
I – O recurso jurisdicional interposto pelo ora Recorrente deve, desde logo, ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, por preterição das formalidades impostas no disposto no artigo 144º, nº 2, in fine do CPTA e artigo 641º, nº 2, b) do CPC.
II – Compulsado o teor do recurso jurisdicional apresentado pelo Recorrente, constata-se à evidência que os últimos dois artigos que inseriu num capítulo designado de “Conclusão” não satisfazem, minimamente, os pressupostos referentes à obrigatoriedade de formular conclusões, ínsitos naquelas disposições legais.
III – Não se permitindo, efectivamente, em absoluto, retirar do articulado, de forma sumária, quais os fundamentos, de facto e de direito, que foram aduzidos pelo Recorrente nas suas alegações, deve o recurso ser rejeitado, sem mais, sem convite ao aperfeiçoamento.
IV – Por outro lado, e caso assim não se entenda – facto que apenas se cogita, sem, no entanto, conceder – sempre se diga, desde logo, que os documentos apresentados pelo Recorrente devem ser desentranhados, por legalmente inadmissíveis, uma vez que não são de conhecimento superveniente e a decisão de primeira instância, ora sindicada, não aduz nenhum facto novo que torne necessária a produção de prova adicional.
V – Refira-se ainda, no que tange à questão de mérito, que bem andou o Tribunal a quo ao recusar a adopção da providência cautelar requerida, por falta dos pressupostos do periculum in mora e fumus boni iuris.
VI – No que diz respeito ao requisito do periculum in mora, constata-se, desde logo, do requerimento apresentado pelo ora Recorrente, que o mesmo não logrou provar, de forma precisa e concreta, a verificação do alegado consumado e os pretensos prejuízos de difícil reparação.
VII – A propósito de tal matéria, remete-se para o entendimento perfilhado no douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Central Administrativo, datado de 17-04-2015, no Proc. 02410/13.4BEPRT, oportunamente mencionado na Oposição apresentada pela ora Recorrida, através do qual se menciona o seguinte:
“I — A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, [na antiga redacção do CPTA], assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essências que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.”
VIII – Por outro lado, e no que diz respeito ao preenchimento do fumus boni iuris, verifica-se, de forma clarividente, dos elementos careados para os autos, que não assiste razão ao Recorrente quando defende que a pena que lhe foi aplicada e objecto de impugnação nos autos principais se encontra extinta, pelo cumprimento,
IX – Reiterando, para o efeito, a ora Recorrente, a fundamentação, de facto e de direito, oportunamente aduzida, quer nos requerimentos apresentados em sede de acção principal, quer na Oposição apresentada nos presentes autos.
X – Ademais, e conforme se menciona na douta decisão recorrida, tal circunstância nunca acarretaria, naturalmente, a extinção dos autos principais.
XI – Ao concluir pelo não preenchimento dos requisitos ínsitos no disposto no artigo 120º do CPTA, mormente o periculum in mora e o fumus boni iuris, bem andou o douto Tribunal a quo ao recusar a providencia cautelar em apreço, devendo, porquanto, tal decisão manter-se na ordem jurídica, com as devidas consequências legais.
Pelo exposto,
Deve o presente recurso jurisdicional ser considerado improcedente, por não provado, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.”
*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos, e modo de subida.
**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do recurso jurisdicional, no sentido de que a Sentença recorrida não merece censura e de que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, em torno das questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas na decorrência das Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por não ter o Tribunal a quo julgado preenchidos os pressupostos determinantes do decretamento da providência por si requerida, atinente à intimação da Ordem dos Advogados para não promover a publicação oficial da sanção estipulada no acórdão de 29 de abril de 2015 do seu Conselho Superior, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir sobre o requerimento para a declaração da extinção da instância em pendência nestes autos.
**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
I – Factos Provados
Com relevo para a decisão a proferir, considera-se indiciariamente provado que:

1. Mediante deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 10.11.1995, foi suspensa a inscrição do ora Requerente naquela Ordem, com fundamento em exercer as funções de revisor oficial de contas – cf. Edital n.º ____/2000, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 26.06.2000;

2. Situação de suspensão que se manteve até 18.04.2016 – cf. Edital n.º ___/2016 publicado na 2.ª Série do Diário da República de 21.11.2016;

3. Por acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia do Porto em 06.06.1998, confirmado por acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados proferido em 26.10.2001, foi aplicada ao ora Requerente sanção disciplinar de suspensão, graduada em dois anos – cf. Edital n.º 1000/2016, publicado na 2.ª Série do DR de 21.11.2016;

4. Mediante acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia do Porto em 23.05.2014, constante do Edital n.º 567/2015, datado de 06.05.2015, e publicado em DR, II Série, n.º 122, de 25.06.2015, foi aplicada ao Requerente a pena disciplinar de suspensão, pelo período de seis meses – cf. o referido edital e respetiva publicação;

5. Já antes disso, por acórdão do Conselho de Deontologia do Porto, este de 22.02.2013, foi aplicada ao aqui Requerente pena disciplinar de suspensão, graduada em sete anos – cf. documento de fls. 199/201 do processo disciplinar integrado nos autos;

6. Na sequência de ter tomado conhecimento dessa decisão, o ora Requerente apresentou alegações de recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o qual, em 29.04.2015, proferiu acórdão no sentido de confirmar a aplicação da sanção disciplinar de suspensão da respetiva inscrição, pelo período de sete anos – cf. documento de fls. 336 do processo administrativo integrado nos autos;

7. Por mensagem de correio eletrónico de 14.05.2019, o ora Requerente remeteu à secretaria deste TAF requerimento inicial que deu origem ao processo número 2357/18.8BEBRG-A, aí declarando instaurar “providência cautelar de suspensão da eficácia do Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados”, referindo àquele acórdão de 29.04.2015; a final desse requerimento, pediu o seguinte:
(…)
Fundados termos por que, em harmonia com a lei, REQUERIDO é se digne esse Tribunal, fazendo no caso sã e inteira justiça:
I) Ordenar a citação do requerido Conselho Superior da Ordem dos Advogados ("CSOA") para a providência cautelar sub judice,
II) desde logo intimando o Requerido para, se tiver já iniciado o procedimento para a publicitação oficial da deliberação impugnanda, proceder de imediato à competente anulação;
III) Decrete, a final, a suspensão da eficácia da deliberação administrativa em causa.
(…)”;
Cf. requerimento inicial junto ao processo 2357/18.8BEBRG-A sob a ref.ª 005952202;

8. Por decisão de 16.05.2019, aquele requerimento foi liminarmente indeferido – cf. ato registado como sentença sob o n.º 005953911, junto ao processo n.º 2357/18.8BEBRG-A;

9. Por acórdão do TCA Norte de 01.08.2019, a decisão referida no número anterior foi revogada, mas, em sua substituição, foi indeferida a pretensão cautelar formulada – cf. acórdão registado no processo n.º 2357/18.8-A sob o número 006169476;

10. Mediante acórdão do STA de 12.12.2019, em formação de apreciação preliminar, foi decidido não admitir o recurso de revista interposto daquele acórdão do TCA Norte – cf. acórdão registado no processo n.º 2357/18.8-A sob o número 006169518;

11. Por douta decisão sumária n.º 253/2020, de 30.04.2020, o venerando Tribunal Constitucional indeferiu o recurso apresentado pelo aqui Requerente quanto àquele acórdão do TCA Norte – cf. Decisão Sumária registada sob o n.º 006169549 no processo n.º 2357/18.8BEBRG-A;

12. Por mensagem de correio eletrónico de 11.03.2021, o aqui Requerente dirigiu requerimento ao Ex.mo Sr. Desembargador Relator do processo n.º 2357/18.8BEBRG-R1, em que solicita o seguinte:
(…)
Termos em que, ao abrigo do preceituado no artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Requer:
A) Seja declarada a extinção, pelo cumprimento, da sanção disciplinar sob impugnação nos presentes autos;
B) Subsequente e consequentemente, seja decretada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
(…)”;
Cf. requerimento de ref.ª 007319781 junto aos autos do processo n.º 2357/18.8BEBRG-R1;

13. Sobre este requerimento recaiu despacho do Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Relator em 08.06.2021, do seguinte teor: “oportunamente me pronunciarei” – cf. despacho de ref.ª 007382712 junto aos autos do processo n.º 2357/18.8BEBRG-R1;
Mais se considera indiciariamente provado que:

14. Correram termos neste TAF os processos n.º 3118/15.1BEBRG-A e 1894/18.9BEBRG, em que o Requerente também pediu a suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 29.04.2016, tendo sido proferida decisão de absolvição da instância e de indeferimento liminar, respetivamente, dessas pretensões – cf. processos referidos, em suporte informático no SITAF.
*
II – Factos Não Provados
Que assumam relevo para a decisão a proferir, não subsistem factos que tenham sido considerados não provados, ainda que indiciariamente, pelo tribunal.
*
III – Motivação
Atendendo a que estamos perante um processo cautelar, o conhecimento a fazer pelo Tribunal é meramente perfunctório ou superficial, não havendo necessidade de sustentar um juízo definitivo sobre os factos pertinentes para a decisão.
Assim sendo, e à luz desse pressuposto, para firmar a sua convicção, o Tribunal considerou os documentos que constam dos autos, bem como dos processos apensos, e aqueles que constam do processo administrativo, e ainda os editais publicados em Diário da República e a informação processual que consta do SITAF [facto 14], em relação aos quais não se levanta motivo que faça questionar a sua genuinidade ou a fidedignidade do seu conteúdo, razão pela qual foram merecedores de crédito suficiente para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação, ficou identificado, a propósito de cada facto elencado, o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do Tribunal.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal que com referência ao pedido deduzido pelo Requerente a final do Requerimento inicial por si apesentado e que motiva os autos, veio a julgar totalmente improcedente o pedido, não tendo por isso sido adoptada requerido a providência cautelar por si requerida, e pela qual visava a intimação da Ordem dos Advogados para não promover a publicação oficial da sanção estipulada no acórdão de 29 de abril de 2015 do seu Conselho Superior, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir sobre o requerimento para a declaração da extinção da instância em pendência nestes autos.

Mas preliminarmente, cumpre apreciar uma questão prévia.

No Parecer emitido pelo Ministério Público, foi suscitada a ocorrência de caso julgado, quanto ao que julgamos pela sua inatendibilidade, porquanto o pedido deduzido em ambos os processos, embora visando o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, datado de 29 de abril de 2015, é diverso.

Efectivamente, tendo subjacente o disposto no artigo 621.º do CPC, os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença [versando os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo], ao que deve ainda focar-se a atenção nos termos dessa definição estatuída na Sentença, a qual tem a autoridade do caso julgado para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo.

O que foi apreciado e decidido no âmbito do Processo n.º 2357/18.8BEBRG-A, adquiriu força de caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo e efeitos jurídicos estabilizados e vinculativos, mas nos precisos limites e termos em que se julgou.

Com efeito, no Processo n.º 2357/18.8BEBRG-A foi requerida a suspensão da eficácia desse Acórdão e a intimação da OA para a sua anulação caso já tivesse sido iniciado o procedimento para a sua publicação, e no que se aprecia nos presentes autos, é o pedido de intimação da OA para não promover a publicação da sanção a que se reporta aquele acórdão até que ocorra o trânsito em julgado da decisão a proferir sobre o requerimento para a declaração a extinção da instância, como formulado nestes autos, o que consubstancia pedido diverso.

Prosseguindo.

No que é atinente à providência peticionada, a mesma tem subjacente, em suma, a alegação por parte do Requerente, de que no Requerimento inicial expôs como era seu ónus, no sentido de estarem verificados todos os pressupostos que são determinantes para o decretamento da providência requerida, e desde logo, o periculum in mora, e o fumus iuris.

Vejamos.

Como resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo identificou as questões a decidir, nos seguintes termos: “Nos presentes autos de processo cautelar, cumpre ao Tribunal saber se estão preenchidos os pressupostos legais de que depende o decretamento da providência requerida, i. e., a intimação da Requerida a não promover a publicação oficial da sanção estipulada no acórdão de 29-04-2015 do seu Conselho Superior, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir sobre o requerimento para a declaração da extinção da instância em pendência nestes autos.

E depois de ter fixado a matéria de facto que segundo o seu julgamento era a relevante para conhecer do mérito da pretensão cautelar do Requerente segundo as várias soluções plausíveis em direito, o Tribunal a quo veio a julgar totalmente improcedente a sua pretensão, tendo para tanto e em suma julgado não verificados, num primeiro momento, o periculum in mora, e depois o fumus iuris.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como deflui das Alegações apresentadas pelo Recorrente, e a final, das respectivas conclusões, sustenta o mesmo que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido, ao ter julgado pela não verificação dos requisitos determinantes do decretamento das providências cautelares a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, e desta feita, que a providência cautelar por si requerida deve ser decretada por este Tribunal de recurso.

Daí que não assista razão à Recorrida como por si vertido sob as conclusões I, II e III das suas Contra alegações, pois que se apreende a suficiência da motivação recursiva do Recorrido.

Neste conspecto, e em torno do julgamento daqueles dois requisitos, a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Desde logo, não é configurada no requerimento inicial qualquer situação que possa gerar o risco de constituir um facto consumado, ou prejuízos de difícil reparação para os interesses do requerente.
Com efeito, o periculum in mora considera-se verificado quando exista receio fundado de que, com a demora do processo principal, se venha a constituir uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa salvaguardar naquele processo.
Trata-se, assim, da necessidade de formular um juízo de prognose de acordo com as circunstâncias concretas do caso, a fim de averiguar sobre a utilidade da sentença a proferir no processo principal [neste sentido, cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 317/318]. Esse juízo, porém, não exige a certeza na produção dos danos ou da verificação do facto consumado; como diz AROSO DE ALMEIDA, “(…) também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor consoante as circunstâncias específicas de cada caso.” – cf. Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 450.
Ora, percorrendo o teor do requerimento inicial, verificamos que o Requerente apenas invoca que a publicação oficial da deliberação sancionatória impugnada no processo principal constituirá a consumação do facto antijurídico.
Tese que não nos convence, desde logo porque parece assentar numa contradição intrínseca. I. e., por um lado alega-se que a pena de suspensão (cuja legalidade é discutida nos autos do processo principal) já está cumprida, o que leva a considerar que, se assim é, o facto já está consumado; por outro, afirma-se que é necessário proibir a publicação como forma de evitar que o facto se consome. Ora, se fosse verdade que a pena de suspensão estava cumprida, então, nesse caso, o facto antijurídico (na conceptualização do Requerente) já se consumou, e nenhum efeito adicional trará a publicação oficial da sanção.
Noutros termos: o eventual facto consumado reside no cumprimento da sanção, e não na mera publicação da sua aplicação (isto - claro está - seguindo apenas a tese em que assenta o requerimento inicial).
Por outro lado, não se alega qualquer facto concreto em matéria de consequências que podem derivar daquela publicação. Aliás, se a pena [como defende o Requerente] já está cumprida, a publicação não passará de uma mera formalidade, sem impacto algum. Tanto mais que se constata que o Requerente tem outras penas de suspensão já publicadas, pelo que, mesmo do ponto de vista pessoal, a publicação desta sanção nem sequer configura uma novidade para o respetivo currículo disciplinar.
Assim sendo, forçoso é concluir que não existe qualquer risco de constituição de um facto consumado, ou prejuízos de difícil reparação, que justifiquem a concessão da tutela cautelar concedida.
**
Decorrendo do acima exposto que não se encontra verificado o periculum in mora, e sendo cumulativos os pressupostos necessários ao decretamento de providências cautelares, tal seria suficiente para, sem mais, julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente.
Ainda assim, sempre se poderá dizer que tal pedido soçobraria por não preenchimento do requisito do fumus boni iuris, que constitui outro dos requisitos essenciais à concessão de providências cautelares, exigindo o legislador, como se retira do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA já transcrito, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser procedente.
Note-se que, no atual regime do CPTA (portanto, após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10) o núcleo essencial da análise do preenchimento do requisito reside precisamente na probabilidade de procedência da pretensão do requerente. Trata-se, assim, de um juízo positivo, mas ainda perfunctório (como o impõe a própria natureza da tutela cautelar) sobre o bem fundado da alegação do requerente – neste sentido, cf. AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 451.
E ainda sobre o alcance deste requisito, escreve VIEIRA DE ANDRADE que a “referência ao “fumus”, ou seja, à “aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais” – cf. A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 321.
Com efeito, desde aquela alteração legal que o preenchimento deste requisito assumiu redobrada importância, precisamente pela exigência de um juízo positivo sobre o bem fundado da pretensão a deduzir no processo de que a ação cautelar depende. E é por isso que, neste conspecto, optamos por dele conhecer em primeira linha.
Pois bem.
A respeito deste requisito, aquilo que se retira do requerimento inicial, no essencial, é o seguinte: “o apontado cariz antijurídico, a ofensa flagrante, desde logo, ao princípio jusfundamental da justiça, assenta no facto, bastantemente documentado nos autos, de a sanção disciplinar ter por objecto punir o advogado signatário por ter intervindo como advogado em causa própria quando se encontrava com a inscrição suspensa devido, alegadamente, a uma incompatibilidade funcional, porém, legalmente: na realidade, uma “incompatibilidade” ficta, de destinatário único.
Importa começar por assinalar que o Requerente instaurou três processos cautelares (como decorre dos factos provados, o processo n.º 2357/18.8BEBRG-A, apenso destes autos; e os processos n.º 3118/15.1BEBRG-A e 1894/18.9BEBRG sobre o assunto, e obteve sempre decisão desfavorável -seja de mérito, seja por não preenchimento dos pressupostos processuais, nomeadamente em matéria de tempestividade). Por esta via se pode afirmar, desde logo, que não se antevê hipótese de sucesso naquela sua alegação, dada a uniformidade de várias pronúncias judiciais que já recaíram sobre o mesmo pedido de suspensão de eficácia.
Por outro lado, como se assinala em sede de oposição, tendo o Requerente estado suspenso até 18.04.2016 (não por motivos disciplinares, mas por incompatibilidade), e tendo para cumprir três suspensões (de seis meses, de dois anos e de sete anos), também não se afigura que a pena disciplinar esteja cumprida. Muito pelo contrário. Sem prejuízo de se dizer que, apesar de “em cumprimento” daquela sanção, o Requerente continua a advogar (v.g., a praticar atos próprios do advogado), como se pode colher da simples apresentação do requerimento inicial que deu origem aos presentes autos.
Além disso, também não nos parece que o eventual cumprimento da sanção de suspensão possa ter como efeito a extinção da instância no processo n.º 2357/18.8BEBRG-R1. Na verdade, mesmo que a sanção esteja cumprida (e não parece estar) a lide manterá a sua utilidade, dado que a alegada invalidade da decisão disciplinar não fica sanada pelo cumprimento; a única forma de a decisão disciplinar ser excluída do ordenamento jurídico é mediante decisão que recaia sobre a mesma, e reponha a esfera jurídica do Requerente, pelo menos no sentido de não lhe ser averbada aquela falta disciplinar. Caso contrário, a mesma ficará sempre a constar do respetivo registo disciplinar. E daí que, em princípio, o requerimento pendente de apreciação não deverá ser deferido.
Desta forma, pode também dizer-se que não está preenchido o requisito do fumus boni iuris, em particular no que respeita aos efeitos da eventual decisão que recaia sobre o requerimento a que o Requerente se refere.
Porquanto se constata que são já dois os pressupostos inerentes ao decretamento de providências cautelares que se encontram em falta, conduzindo inelutavelmente à improcedência da ação cautelar, o Tribunal considera prejudicado, por desnecessidade, o conhecimento das restantes questões colocadas, v.g., a ponderação dos interesses em presença e a falta de instrumentalidade das providências requeridas.
[…]”
Fim da transcrição

Para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2 do CPTA, o pedido de providências cautelares e a sua adopção regem-se pela tramitação e segundo os critérios enunciados no Título IV do CPTA, que compreende os artigos 112.º a 134.º deste Código, sendo que sob o artigo 120.º vêm dispostos os critérios para a concessão de tutela cautelar.

E aí se dispõe sob o n.º 1 desse normativo, que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção da providência ou das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que num primeiro momento o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e depois, que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerente, no sentido de aferir sobre se é provavel que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente.


Sopesadas as conclusões em apreço visando o julgamento do Tribunal a quo em torno da verificação da totalidade dos requisitos subjacentes ao decretamento das providências cautelares, julgamos assim que não pode assistir razão ao Recorrente.

Atenta as conclusões em referência, o que se constata é que o Recorrente continua a esgrimir, agora neste Tribunal de recurso, argumentos que são eles de provimento da pretensão por si deduzida em 1.ª instância, que não têm o alcance de poder colocar agora em causa o julgamento tirado pelo Tribunal recorrido.

E foi porque não o fez, que o Tribunal a quo, em julgamento que não merece censura, que acolhemos e que aqui reiteramos, julgou pela improcedência da pretensão cautelar, por falta dos dois identificados requisitos, sendo certo que a não verificação de apenas um deles era fundamento para a negação do pedido de concessão da requerida tutela cautelar.

Atenta a natureza da providência cautelar requerida, o tribunal leva a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a violação das normas invocadas e a posição do Requerente, e o confronto entre os seus interesses e os interesses públicos, avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte.

Conforme refere Ana Gouveia Martins, in A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, página 505: ”Será necessário mas suficiente que a produção dos danos seja credível e razoavelmente fundada, com base num juízo de séria probabilidade. Ao tribunal compete proceder a um juízo de “dupla prognose, fáctica e normativa: factos prováveis de que a execução seja causa adequada”.

Por seu lado, José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, sustenta que “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

De maneira que face à factualidade indiciariamente assente e respectiva subsunção ao direito, o Tribunal recorrido julgou assim corretamente quando, em juízo sumário, concluiu pela não verificação de dois dos requisitos determinantes da concessão da requerida tutela cautelar, pelo que tem assim de improceder a pretensão recursiva do Recorrente.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Tutela jurisdicional efectiva; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Caso julgado.

1 - Dispõe o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos Tribunais administrativos, e que o princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende entre o mais o direito de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.

2 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 – Tendo subjacente o disposto no artigo 621.º do CPC, os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela Sentença [versando os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo], ao que deve ainda focar-se a atenção nos termos dessa definição estatuída na Sentença, a qual tem a autoridade do caso julgado para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Requerente, e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 29 de abril de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro