Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01045/06.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC;
FACTURAS FALSAS;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
I - Feita a prova, pela AT, de factos que suscitem fundados indícios, isto é, razões objectivas para se suspeitar fortemente de que determinadas facturas, devidamente contabilizadas e emitidas de um ponto de vista formal, não correspondem à realidade, passa a ser do sujeito passivo de IVA, conforme os artigos 74º nº 1 e 75º nº 2 alª a) da LGT, o ónus de provar a realidade do negócio facturado.

II – Esta inversão, contra o contribuinte, do ónus da prova, afasta a aplicação do artigo 100º nº 1 do CPPT quanto ao facto da simulação do negócio facturado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...], Lda., NIPC n° ..., com sede na Rua ..., ... ..., apresenta recurso de apelação relativamente à sentença do TAF de Porto, de 14/10/2011, que julgou improcedente a sua impugnação judicial das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas dos anos 2001, 2002 e 2003, nos valores de 62.492,00€, 67.498,96€ e 67.809,61€ respectivamente.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
Iª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” exarada a fls... que entre o mais julgou a impugnação apresentada pelo ora recorrente improcedente e, em consequência decidiu:
Nos termos e fundamentos expostos decide-se:
c) Absolver a Fazenda Pública da Instância, quanto à liquidação relativa ao ano de 2001;
d) Julgar improcedente a impugnação no que respeita às liquidações dos exercícios de 2002 e 2003, mantendo-se as liquidações de IRC.
2ª - O tribunal “a quo” deu como provada a matéria constante na epígrafe “Factos Provados” que aqui se dá por integralmente reproduzidos.
3A — Foram inquiridas as testemunhas AA (cassete n° 1 lado A e B e cassete n° 2 lado A 000-866), BB (cassete n° 3 lado A, 000-2289), CC (cassete n° 3 lado A 2289-2525 e lado B 000-938), DD (cassete n° 3, lado B, 938-1552) e EE (cassetes de 23 de Outubro de 2009, lado A 000-2389 e B 000-1621 e de 15 de Dezembro de 2009, lado A 000-1721 e lado B 000-1420), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
4ª - No RIT são postas em causa todas as facturas emitidas por FF e [SCom02...], Limitada com base nos seguintes pressupostos:
A inexistência de uma estrutura empresarial que pudesse suportar as transmissões facturadas, refira-se ela a instalações, a equipamento ou a pessoal;
- A inexistência de documentos de transporte relativos às entregas de mercadorias que a entidade inspeccionada afirma terem acontecido;
- As incongruências detectadas na articulação entre a numeração e a dotação das facturas emitidas pelo senhor FF e pela Sociedade [SCom02...], Limitada;
- A inverosimilhança do modo de pagamento adoptado para os fornecimentos do senhor FF e pela sociedade [SCom02...], Limitada;
- A incongruência dos esclarecimentos prestados pela entidade inspeccionada, concretamente no que diz respeito à descrição do relacionamento comercial entre as entidades intervenientes;
- A flagrante contradição entre a aceitação passiva por parte da entidade inspeccionada dos alarmantes contornos do relacionamento comercial e o conhecimento da entidade inspeccionada do contexto sectorial caracterizado por uma substancial evasão fiscal;
- A implementação de procedimentos ao nível do circuito documental dos quais resulta a impossibilidade prática de identificar as entidades que efectivamente procedem à entrega dos bens ao cliente final;
5ª - Relativamente ao GG o RIT apresenta como pressupostos a “ ...emissão de facturas sem obediência à sequência cronológica, a aquisição de material que não justifica as vendas efectuadas para a firma [SCom01...], Limitada, a não identificação dos fornecedores de sucata que justificam as elevadas quantias vendidas para a firma [SCom01...], Limitada, a não existência de qualquer elemento de escrita e a entrega de declarações de rendimento sem qualquer suporte documental... "
6a - Salvo o devido respeito e melhor opinião, do depoimento da testemunha, EE, facilmente se percebe que a A.T. não segue um raciocínio acrítico na sua análise dos factos, porquanto se constata que os juízos efectuados sobre determinados factos são subvertidos em função dos “interesses” da A.T., tendo a Meritíssima Juiz “a quo” deixado obnubilar-se por tal facto.
7a - Os factos-índice invocados, que a Meritíssima Juiz “a quo” subscreveu, valem tanto para os fornecedores “in casu” como para a Impugnante, mas como uns vivem à margem da A.T. são tratados de forma diferente, basearem esta forma distinta de tratamento fazem análises perniciosas dos factos. : I) invocam que a Impugnante tem outros fornecedores que sustentam as suas vendas, ignorando que sem as quantidades compradas aos fornecedores “in casu” não poderia ter vendido as quantidades que vendeu; II) invocam que a Impugnante tem outros fornecedores conhecidos, enquanto os fornecedores “in casu” não têm, mas este raciocínio não sofrerá de uma petição de princípio?! uma vez que se a A.T. reconhece que eles vivem à margem do fisco, como poderia a A.T. conhecer os seus fornecedores se eles não os indicam, e reconhecem mesmo, que compram sem factura?; III) por um lado insinua-se que a Impugnante constituiria uma interposição de uma figura jurídica desprovida de actividade económica efectiva, mas por outro lado reconhece-se que o negócio da Impugnante é perfeitamente licito, as suas vendas não são colocadas em causa e os seus impostos são “bem-vindos”; IV) afirmar que a Impugnante deveria ter especial prudência nas suas compras, porque são conhecidos os casos de evasão fiscal no sector, quando esses mesmos fornecedores se encontram colectados e cadastrados é impor um ónus à Impugnante que nem a própria A.T. consegue materializar com todos os recursos de que dispõe; V) entender que os talões da Siderurgia Nacional reflectem as vendas e que as compras não correspondem a vendas de outros é um raciocínio falacioso e desprovido de lógica, uma vez que se a A.T. aceita que as vendas da Impugnante têm por base os talões emitidos pela Siderurgia Nacional, também teria que aceitar que as compras, que por sua vez serão as vendas de outros, também poderão estar baseadas nos mesmos talões (facto que todas as testemunhas inquiridas reconhecem).
8a - A A.T. não pode usar dois pesos e duas medidas, valorizando determinados factos quando faz determinados juízos de valor sobre a Impugnante e desvalorizando os mesmos factos quando os juízos de valor recaem sobre os fornecedores da Impugnante.
9a - E, salvo o devido respeito e melhor opinião, menos ainda poderia o Tribunal “a quo” subscrever tal raciocínio, em clara violação do principio da igualdade consagrado no art. 13° da CRP.
10a - Salvo o devido respeito e melhor opinião, face à prova produzida, não poderia a Meritíssima Juiz “a quo” inverter o ónus da prova partindo dos factos índice recolhidos pela Administração Tributária, uma vez que ficou provado que esses factos índice são tão válidos para os fornecedores da Impugnante como para a própria impugnante. O único que não é válido é a sequência cronológica das facturas, que na Impugnante não é posto em causa, mas que só por si não chega para inverter o ónus da prova.
11a - Salvo o devido respeito e melhor opinião a meritíssima Juiz “a quo” deveria ter ponderado outra questão que resulta, também, da prova produzida: “D - A Impugnante não possui instalações físicas e trabalhadores ou meios de transporte (...) ”
12a - Face a este facto, o Tribunal, deveria ter apreciado a prova produzida tendo em atenção as limitações que uma sociedade que tem como único “trabalhador” o seu sócio gerente, que não pode ser testemunha nem pode requerer o seu depoimento de parte, e em que os negócios passam exclusivamente por aquela pessoa, tem na produção de prova.
13a - Face a estes constrangimentos, que transformam a defesa da Impugnante numa verdadeira prova leonina, a exigência do Tribunal na precisão dos factos tem que ser especialmente atenuada e tida em conta, ainda mais quando as testemunhas relatam factos passados entre 2001 e 2003, em 2009.
14a - Como ficou expresso pela prova produzida a Impugnante não precisava verificar as cargas “in loco”, porquanto os pagamentos aos seus fornecedores assentam nos talões da Siderurgia Nacional, que são a garantia de que a mercadoria foi entregue.
15a - Quem estiver na posse dos talões é presumivelmente o proprietário da mercadoria que foi entregue. Onde está o descuido da Impugnante? Que dever especial de cuidado lhe deve ser imposto? A verificação da estrutura? As instalações? Os veículos? Os trabalhadores? Mas como, se a própria Impugnante não tem nada disso e movimenta 23.000 toneladas em 2002 e 29.000 toneladas em 2003.
16a - Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação da prova e consequente aplicação do direito, violando entre o mais o artigo 75° da LGT e as orientações jurisprudenciais dominantes, uma vez que os factos coligidos pela A.T. não constituem indícios sérios da inexistência das operações.
17a - sendo assim, cumpria à A.T. esse ónus, que manifestamente não cumpriu.
18a - Impor à Impugnante, face à prova produzida, o ónus de comprovar as entregas na SN por parte daqueles concretos fornecedores é leonino e fere os mais elementares direitos de defesa da Impugnante.
19a - Veja-se que face à prova produzida o que é válido para as com Impugnante é válido para as compras do [SCom03...](?) Ilegível na digitalização originalà Impugnante e as compras da Siderurgia Nacional ao [SCom03...].
20a - A Siderurgia Nacional compra ao [SCom03...] mercadoria que o [SCom03...] comprou à [SCom01...], Lda, que por sua vez comprou a um dos seus fornecedores.
21a - É um típico negócio em que há vários intermediários e a mercadoria vai mudando de proprietário mesmo depois de já entregue no cliente final.
22a - Qual é o problema neste tipo de negócio? Nenhum.
23a - Qual a diferença entre os negócios celebrados entre a SN, o [SCom03...] e a Impugnante e os negócios celebrados entre a Impugnante e os sujeitos passivos em causa? Nenhuma. Ou melhor, uma que sustenta toda a construção da AT que o Tribunal “a quo” sufragou, no primeiro caso são todos declarantes, no segundo caso os sujeitos passivos em causa não são declarantes.
24a - Que responsabilidade tem a Impugnante por esse facto? Nenhuma.
25a - Até porque a Impugnante funciona da mesma forma com os 93% restantes fornecedores, que nenhum foi posto em causa desde que declarante.
26a - O juízo de valor efectuado pelo Tribunal “a quo” viola os mais elementares princípios constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade e da proporcionalidade ínsitos na C.R.P. nos artigos 13° e 266°.
27a - O Tribunal “a quo” deu como provado na alínea UH) A Impugnante não tem inventários.
28a - Face à prova produzida, vide docs. juntos a fls. 460 a 467 dos autos e depoimento da testemunha HH (cassete n° 1, lado A e B e cassete n° 2 Lado A, 000-866), impunha-se uma resposta positiva a este quesito, porquanto não só a testemunha disse que efectuava os inventários como foram juntos cópias dos mesmos.
29a - Ao ter dado como provado que a Impugnante não fazia inventários o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova que incumbe a este Tribunal Superior corrigir.
30a - Veja-se, ainda, que na alínea A) dos factos provados, transcreve-se a declaração do sujeito passivo GG “...as facturas emitidas ao sujeito passivo “[SCom01...], Lda” correspondem a venda de sucata, sendo este o seu principal cliente. "
31a - O próprio sujeito passivo confirma que vendeu, confirma que era não declarante, confirma que comprava sem factura, etc., ou seja, confirma que o “problema” está nele e não na Impugnante.
32a - Donde, face à prova produzida, ainda que o Tribunal “a quo” tivesse ficado com dúvidas sobre a prova da materialidade das operações reflectidas nas facturas “in casu”, não poderia nunca inverter o ónus da prova desses factos como fez.
33a - E se dúvidas houvesse quanto à identidade dos sujeitos passivos, o que não se concede, essas dúvidas teriam que ser ponderadas a favor da Impugnante, como prescreve o n° 1 do art. 101 do C.P.P.T..
34a - O Tribunal “a quo” ao ter interpretação diferente não fez uma correcta subsunção dos factos ao direito violando o prescrito naquela norma.
35a - Face à matéria de facto dada como provada, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podia o Tribunal “a quo” validar os factos índice invocados pela AT e inverter o ónus da prova impondo à Impugnante um ónus que não lhe cabe e sobre o qual não tem responsabilidade, nomeadamente quando se tratam de actos de terceiros.
36a - A Impugnante, na sua actuação não obliterou qualquer norma fiscal, nem qualquer dever de prudência, não podendo o Tribunal imputar-lhe falhas de terceiros.
37a - Vossas Excelências ao não validarem os factos índice invocados pela AT, que como vimos são tão válidos para os sujeitos passivos em causa como para a Impugnante, farão justiça substituindo a sentença em causa por outra que julgue a Impugnação procedente por a AT não ter logrado provar que as facturas em causa não suportam verdadeiras transacções.
38a - Competia, assim, à AT “...demonstrar factos que, interpenetrados e apreciados com recurso às regras da experiência, permitam concluir que às facturas visadas não correspondem operações reais, efectivas.” (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24-10-2007, em que foi relator o Exmo. Senhor Desembargador Aníbal Ferraz, in dgsi.pt)
39a - E, “...à AT cabe provar o preenchimento dos pressupostos legais que conferem legitimidade à sua actuação, ou seja, coligir e comprovar “factos- índice” da falsidade das facturas que suportam tais custos,” (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24-10-2007, em que foi relator o Exmo. Senhor Desembargador Aníbal Ferraz, in dgsi.pt).
40a - O que não aconteceu “in casu”.
Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e provado anulando-se as liquidações adicionais com as legais consequências como é de JUSTIÇA.»


Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível aos seguintes excertos:
«(…)
Entendemos que a pretensão da recorrente deve improceder na totalidade não sendo válida toda a argumentação expendida nas alegações de recurso constantes de fls 646 e seguintes.
A sentença posta em causa fez uma correcta apreciação e valoração da prova constante dos autos e bem como fez uma correcta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam, não sendo passível de qualquer critica ou reparo.
A mesma não padece dos vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações.
O M. Juiz “a quo” decidiu correcta e legalmente ao absolver a FP da instância, quanto a liquidação relativa ao ano de 2001 e julgar improcedente a impugnação no que respeita às liquidações dos exercícios de 2002 e 2003, mantendo-se as liquidações de IRC.
O MP subscreve a decisão recorrida na totalidade; a mesma está correcta e é legal.
Não havia maneira de julgar de outro modo a presente impugnação.
Razão pela qual o MP entende que deve ser negado provimento ao presente recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.
Porto, 2012.05.18.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Feito um trabalho de ordenação e síntese, verificamos o seguinte.
Antes de mais, a sentença não vem impugnada na parte em que absolveu a AT da instância (liquidações relativas a 2001).
Depois, a questão suscitada no recurso é apenas uma. Trata-se de apreciar se a Mª Juiz a qua incorreu em erro de direito ao julgar que a AT obteve e invocou indícios suficientes de a escrita da Impugnante não espelhar, antes ocultar a realidade da sua matéria Tributável nos exercícios de 2002 e 2003, para, atento o disposto no artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, ficar a ser ónus da Impugnante provar a realidade das compras de sucata objecto das facturas emitidas em 2002 e 2003 à Impugnante por FF, contribuinte n.° ..., nos valores totais de 45 929,28 e 91 491,57 €, respectivamente, por [SCom02...], Limitada, contribuinte n.° ..., nos valores totais de56 054,00 e 48 722,00 €, respectivamente, e por GG, contribuinte n.° ..., nos valores totais de 83, 973,83 e 76 045,15, respectivamente.

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte:
«IV. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos para além da elencada supra:
A). As correcções à matéria colectável fundamentaram-se, conforme relatório de inspecção tributária, a fls. 225 a 267 do P.A. junto aos autos, designadamente, no seguinte:
3. Dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
3.1.1. Por infracção ao disposto no n.°1 do artigo 23° do Código do IRC 3.1.1.10perações contabilizadas
Em resultado dos procedimentos inspectivos adoptados verificou-se que a entidade inspeccionada contabilizou facturas emitidas pelos seguintes sujeitos passivos de IVA:
- FF, contribuinte n.° ...
- [SCom02...], Limitada, contribuinte n.° ...
- GG, contribuinte n.° ...
(...)
3.1.1.2 Suporte documental
As compras contabilizadas têm como suporte documental facturas, umas impressas tipograficamente (GG) e outras através de computador (FF e [SCom02...], Limitada). Dispõe o n.° 5 do artigo 35° do Código do IVA que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados e numerados sequencialmente. Analisada a articulação entre a numeração e a datação das facturas emitidas verificaram-se incongruências que se passa a dar conta.
FF
- Tendo indicado na factura n.° ...29 a data de 19-01-01, na factura n.° ...36 foi indicada a data de 16-1-01;
- Tendo indicado na factura n.° ...77 a data de 17-9-01, na factura n.° ...78 foi indicada a data de 13-9-01;
- Tendo indicado na factura n.° ...88 a data de 16-10-01, na factura n.° ...93 foi indicada a data de 4-10-01;
- Tendo indicado na factura n.° ...07 a data de 27-11-01, na factura n.° ...13 foi indicada a data de 14-11-01;
- Tendo indicado na factura n.° ...15 a data de 4-12-01, na factura n.° ...21 foi indicada a data de 30-11-01;
- Tendo indicado na factura n.° ...39 a data de 28-12-01, na factura n.° ...43 foi indicada a data de 23-12-01;
(...)
3.1.1.2.2 [SCom02...], Limitada
- Tendo indicado na factura n.° ...21 a data de 17-10-003, nas facturas n° ...22 e ...35 foram indicadas as datas de 4-9-03 e 29-9-03 respectivamente;
- Tendo indicado na factura n.° ...46 a data de 19-10-04, na factura n° ...51 foi indicada a data de 30-9-04;
3.1.1.2.3 GG
Acerca da articulação entre a numeração e a datação das facturas emitidas pelo Sr. GG tenha-se em consideração o testemunho do referido senhor, informando que a datação das facturas era feita de acordo com a solicitação dos clientes. Esta situação é corroborada pelo facto de a entidade inspeccionada ter contabilizado a factura n° ...54 que ostenta a data de 13-7-04, quando os cinco livros de facturação cujos números vão de 1.450 a 1.600 só foram impressos a 14-7-04.
3.1.1.3 Elementos recolhidos junto dos emitentes das facturas
3.1.1.3.1 FF
3.1.3.1.1Contactos e tentativas de contacto
Ao subscritor do presente documento foi determinada a realização em simultâneo de duas acções inspectivas tendo elas por objecto o senhor FF (NIF:...) e a empresa [SCom02...], Limitada (NIF: ...), entidade [de] que o referido senhor é sócio e gerente. Os contados e as tentativas de contacto realizadas tiveram como alvo uma destas duas entidades. Realizaram-se assim os seguintes contados ou tentativas de contacto com o senhor FF:
-11/5/05 - Deslocação ao domicílio fiscal do senhor FF e sede da empresa [SCom02...], Limitada, não se tendo obtido qualquer resposta (tentativa de contacto preparatório).
(...)
3.1.1.3.1.2 Situação tributária da entidade inspeccionada
(...)
Relativamente às obrigações emergentes da emissão das facturas identificadas no anexo n.° 1, refira-se que o respectivo emitente não deu cumprimento a nenhuma delas, sejam elas de índole declarativa ou de pagamento.
3.1.1.3.1.3 Indicadores do efectivo exercício de actividade
De acordo com o cadastro dos sujeitos passivos, o senhor FF dedica-se à fabricação de mobiliário de madeira para outros fins. O exercício, não desta actividade mas antes o da fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques, foi constatado pelos Serviços de Inspecção Tributária, numa acção inspectiva que decorreu no ano de 1997, tendo-se então verificado que a entidade inspeccionada laborava normalmente numas instalações sitas na Rua ..., ..., .... Estas instalações correspondem a um prédio de rés-do-chão destinado a armazém, amplo com uma casa-de-banho (artigo ...36 da freguesia ..., concelho ...). O senhor FF foi proprietário deste prédio, entretanto vendido ao senhor II (NIF: ...). A venda atrás referida realizou-se por negociação particular (...).
Visitado o local, para além de constatar-mos que o senhor FF já aí não desenvolve qualquer actividade, foi-nos informado verbalmente que cerca há de cinco anos esse armazém está afecto à actividade desenvolvida pelo senhor II e pela empresa de que é sócio gerente ([SCom04...], Limitada): ouvido em auto de declarações, o senhor II, proprietário e único ocupante de imóvel, informou que, passa-se a citar:
(...)
"... só no ano de dois mil e dois desenvolveu nesse armazém uma actividade industrial, concretamente, a reparação de máquinas industriais. Durante este período, ou seja, desde o final do ano de dois mil até ao início do ano de dois mil e quatro, partilhou esse armazém com o senhor FF...”
(...)
“... conhece de há muitos anos a actividade desenvolvida pelo referido senhor FF uma vez que desde mil novecentos e oitenta trabalhava nas proximidades do armazém atrás identificado...”
(...)
"... para além da reparação de carroçarias, não foi exercida qualquer outra actividade...” (Nota: Em resposta à pergunta: “Se o senhor FF no armazém em questão desenvolveu qualquer outro tipo de actividade que não fosse a reparação de carroçarias, nomeadamente a execução de trabalhos de serralharia que consistam na construção ou montagem de estruturas metálicas”).
(...)
Informou ainda o senhor II que:
- No armazém atrás identificado, nunca o senhor FF procedeu à armazenagem de mercadorias, nomeadamente desperdícios ou resíduos metálicos (sucata), nem pelo mesmo armazém transitaram quaisquer mercadorias, nem nunca se apercebeu que no mesmo armazém se concentrassem quaisquer trabalhadores que o senhor FF afectasse à actividade por si desenvolvida, antes pelo contrário, o senhor II reiterou o que antes havia declarado, ou seja, que, tanto quanto se pôde aperceber, o senhor FF apenas se socorria do trabalho de um dos seus filhos.
- Ainda no armazém atrás identificado o senhor FF apenas guardava, por vezes, uma carrinha de marca Hanomag, não guardando portanto quaisquer outras viaturas, nomeadamente retroescavadoras.
(...)
Tendo sido perguntado ao Centro Distrital da Segurança Social se o senhor FF aí se encontrava inscrito como entidade patronal, foi-nos informado que o referido senhor está aí registado como trabalhador independente, com o último desconto efectuado em 30-6-92 (Nota: O mesmo Centro Distrital de Segurança Social informou que não existia nenhum contribuinte da Segurança Social com a designação de [SCom02...], limitada).

3.1.1.3.1.4 Inverosimilhança da facturação emitida
Por recolha efectuada junto de alguns dos clientes do senhor FF (aqueles que foi possível identificar), deduz-se que o referido senhor emitiu mais de 600 facturas nos anos que vão de 2001 a 2004 (Nota: em 21-1-01 foi emitida a factura n.° ...09 e em 28-12- 04 foi emitida a factura n.° ...47). Destas facturas apenas foi possível recolher cópias de 161. Analisada a descrição dos bens e serviços arrolados nestas facturas constata-se a enorme variabilidade desses bens e serviços, concretamente: fabricação e reparação de carroçarias, venda de quantidades substanciais de sucatas, disponibilização de mão-de-obra a empresas de construção civil, serviços de chaparia, serviços de pintura de viaturas e de máquinas, serviços de mecânica, serviços de montagem e desmontagem de peças e máquinas e de viaturas, serviços de serralharia e de construção civil. A variabilidade dos bens e serviços facturados, por si só, é reveladora quanto à efectiva ocorrência das transmissões facturadas, na medida em que essa mesma variabilidade exigiria do senhor FF uma capacidade de direcção, um conhecimento de diversos mercados e uma disponibilidade física para acompanhar o desenrolar da actividade (nas instalações que supostamente utilizaria como suas, nas frentes de obra, nos mercados abastecedores,...) que se transformaria numa tarefa desmesurada.

3.1.1.3.2 [SCom02...], Limitada
(...)
3.1.1.3.2.2. Situação tributária da entidade inspeccionada
Relativamente às obrigações emergentes da emissão das facturas identificadas no anexo n.° 2, refira-se que a sociedade emitente não deu cumprimento a nenhuma delas, sejam elas de índole declarativa ou de pagamento.

3.1.3.2.3 Indicadores do efectivo exercício da actividade
De acordo com o cadastro dos sujeitos passivos, a sociedade [SCom02...], Limitada dedica-se à fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques. Todos aqueles que foram chamados a pronunciar-se sobre a actividade eventualmente desenvolvida pelo senhor FF e pela empresa [SCom02...], Limitada, sejam os adquirentes identificados nas facturas (clientes), sejam aqueles que prestaram os dois testemunhos antes citados, não distinguiram a actividade eventualmente desenvolvida pelas duas entidades, do que resultou a recolha de esclarecimento e de testemunhos prestados como se os mesmos se referissem a uma única entidade. Por consulta a processos de contra-ordenação abertos em nome senhor FF, tivemos ocasião de verificar que o referido senhor usou papel timbrado em algumas petições que fez, constando do timbre além do nome do referido senhor a expressão “[SCom02...]”
(...)
Tendo sido perguntado ao Centro Distrital de Segurança Social se a sociedade [SCom02...], Limitada aí se encontrava inscrita como entidade patronal, foi-nos informado que não existia nenhum contribuinte da Segurança Social com tal designação.

3.1.1.3.3 GG
O senhor GG (NIF ...), com domicilio fiscal na Rua ..., ..., na cidade ..., sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, tributado em Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares pelo exercício da actividade de “comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, Código de Actividade Económica 51.571, no Serviço de Finanças ... - 1, foi objecto de uma acção inspectiva (início: 12/1/05 - termo: 15/2/05) através da qual se recolheu a informação que se passa a dar conta.
i) Por visita ao local onde o senhor GG armazena sucata, verificou-se que se trata de “uma pequena parcela de terreno, onde se amontoam electrodomésticos velhos (frigoríficos, máquinas de lavar roupa, fogões), sucata diversa e três viaturas velhas nas traseiras”.
ii) O senhor GG não apresentou os livros de registo que está obrigado a escriturar nem, depois de notificado para o efeito, organizou esses mesmos livros tendo declarado a este propósito que “...os seus livros de facturas e recibos foram roubados aquando dos assaltos efectuados às suas instalações e conforme participação à GNR. Não conseguiu organizar a contabilidade pois não sabe dos “restos dos papeis"... *
iii) Em nome do senhor GG foram impressas tipograficamente as seguintes facturas:
- Em 2/6/99 cinco livros de facturas cujos números vão de 1.001 a 1.250
- Em 7/2/03 cinco livros de facturas cujos números vão de 1.251 a 1.450
- Em 14/7/04 cinco livros de facturas cujos números vão de. 1451 a 1.600
iv) Tendo sido ouvido em auto de declarações, o senhor GG declarou que:
-“...as facturas emitidas ao sujeito passivo “[SCom01...] Lda” correspondem à venda de sucata, sendo este o seu principal cliente...”
-“... o seu local onde tem a sucata foi assaltado várias vezes, sendo a última em Setembro de 2004. Neste assalto roubaram os livros das facturas...
-“...Nunca teve livros de registos, tendo preenchido as declarações de rendimentos dos anos de 2001, 2002 e 2003 com valores que inventou não existindo facturas de compra porque compra sem factura...”;
-“...normalmente eram feitos por cheque mas que eram levantados ao balcão porque precisava de pagar aos seus fornecedores...” (Nota: Em resposta à pergunta: "Qual a forma de pagamento do seu cliente [SCom01...] Lda”);
-“...comprava sem factura, pois estes não queriam as passar, não conseguiu identificar os fornecedores da sucata, sendo estes fornecedores particulares e empresas que forneceram mais sucata...” (Nota: Em resposta à pergunta: “Quem eram os fornecedores da sucata vendida a [SCom01...] Lda”)
“-...procedia dessa maneira porque o cliente é que pedia a data que queria (Nota: Resposta à proferida após ter sido questionado acerca do facto da emissão das facturas não obedecer à ordem cronológica);
Antes desta acção inspectiva foi realizada uma outra acção, tendo esta decorrido no ano de 1996, no âmbito do qual se verificou que:
- O senhor GG dedicava-se à compra e venda de sucata, possuindo para o efeito instalações que consistiam num barraco sem condições de trabalho e num pequeno logradouro onde se amontoava toda a sucata, não possuindo trabalhadores a seu cargo;
(...)
Tendo em consideração a informação recolhida, nomeadamente, a emissão de facturas sem obediência à sequência cronológica, a aquisição de material que não justifica as vendas efectuadas para a firma [SCom01...], Limitada, a não existência de qualquer elemento de escrita e a entrega de declarações de rendimento sem qualquer suporte documental, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... concluíram que não era possível comprovar a veracidade das transacções tituladas pelas facturas emitidas para a firma [SCom01...], Limitada.

3.1.1.4Elementos recolhidos junto da entidade inspeccionada
No âmbito de acções inspectivas que tiveram como objecto as entidades FF e [SCom02...], Limitada foi solicitada à entidade agora inspeccionada a remessa de vários elementos, nomeadamente fotocópias de facturas, dos documentos de transporte e dos recibos de quitação, bem como a identificação, para cada uma das facturas contabilizadas, do meio utilizado para o respectivo pagamento. Na eventualidade de terem sido utilizados cheques para os pagamentos atrás referidos, solicitou-se a remessa de fotocópias dos mesmos, frente e verso. Analisados os documentos disponibilizados pela sociedade [SCom01...], Limitada, verifica-se que a totalidade das facturas emitidas por FF e [SCom02...], Limitada, diz respeito à venda de sucata de ferro, actividade que não tem qualquer proximidade com aquela que estas entidades, em tempo, exerceram. Relativamente aos documentos cuja remessa foi solicitada, a sociedade [SCom01...], Limitada, informou que a sucata que adquiriu às entidades atrás referidas tinha sido entregue directamente por estas à Siderurgia Nacional, destinatário último de tais mercadorias, razão pela qual não existiam documentos de transporte relativos à entrega das mercadorias à sociedade [SCom01...], Limitada por parte de tais entidades. O que existiam eram notas de pesagem, emitidas pela Siderurgia Nacional, notas essas que teriam sustentado a facturação. Essas mesmas mercadorias não foram, no entanto, facturadas pela sociedade [SCom01...], Limitada à Siderurgia Nacional uma vez que teriam sido vendidos à sociedade [SCom03...], S.A. (NIPC:...) e, esta sim, teria vendido tais mercadorias à Siderurgia Nacional. Ainda de acordo com o esclarecimento prestado pela referida sociedade, as aludidas notas de pesagem teriam sido remetidas em conjunto com as facturas que emitiu, razão pela qual também não as podia disponibilizar. Foi então solicitado à sociedade [SCom01...], Limitada a remessa de fotocópias das facturas emitidas correspondentes à venda das mercadorias adquiridas ao senhor FF e à sociedade [SCom02...], limitada, por forma a solicitar aos clientes da referida sociedade cópia dos documentos de entrada das mercadorias na Siderurgia Nacional. A sociedade [SCom01...], Limitada, enviou cópias de várias facturas, mas informou não ser capaz de identificar nessas facturas as mercadorias que adquiriu às entidades atrás citadas, porque a elaboração de tais facturas assentaria um trabalho prévio de agregação por classe de sucata. (...)
(...)
Quanto aos meios de pagamento utilizados, a sociedade [SCom01...], Limitada remeteu uma relação de cheques e autorizou a Administração Tributária a solicitar fotocópias desses mesmos cheques junto das instituições financeiras e intervenientes. Confrontada esta relação com as fotocópias das facturas também remetidas verifica-se que existem cheques correspondentes à quase totalidade das facturas, excepcionando-se os casos das facturas n°s ...77 e ...81.
No âmbito da acção inspectiva que agora se informa foi solicitado ao senhor [SCom01...], sócio e gerente da entidade inspeccionada, a prestação de vários esclarecimentos, recolhendo-se assim, entre outras, as declarações que se passam a transcrever.
(...)
ii) acerca das condições especificas em [que] desenvolve a actividade
- “...Tendo o declarante trabalhado na Siderurgia Nacional e conhecendo uma série de operadores, entendeu que se abria para si uma oportunidade de negócio que se traduzia no essencial, em estabelecer a ligação entre a ligação entre os detentores da mercadoria e os fornecedores acreditados junto Siderurgia nacional...” (auto lavrado a 12/10/05);
(...)
- "... Tratando-se de uma actividade que quase se assemelha a uma intermediação, para o desenvolvimento desta actividade o declarante não dispõe, nem necessita, de instalações para armazenagem de mercadorias ou qualquer equipamento, seja ele de transporte ou de outra natureza...” (auto lavrado a 12/10/05);
(...)
iii) Acerca dos fornecimentos de FF e de [SCom02...], Limitada
"... o referido senhor o procurou informando-o que, com facilidade, lhe disponibilizaria sucata de ferro, prontificando-se a entregá-la [na] Siderurgia Nacional (Nota: Em resposta à pergunta: “De que forma o senhor FF passou a fazer parte da sua carteira de fornecedores) - auto lavrado a 12/10/05);
"... desconhece a origem das mercadorias oferecidas pelo referido senhor (JJ). Quanto à capacidade de armazenagem, o declarante visitou em duas ou três ocasiões as instalações do senhor FF sitas em ..., nas traseiras da sua habitação... “(auto lavrado a 12/10/05);
"... Nessas ocasiões o declarante teve oportunidade de verificar a existência de pequenas quantidades de sucata, resultantes do desmantelamento de carroçarias, vulgarmente designadas por “sucata grossa”. Tais quantidades ficam muito aquém daquelas que o senhor FF acabou por fornecer..." (auto lavrado a 12/10/05).
"... na maior parte das vezes (mais de 90% das vezes), foi o senhor FF que contactou com o declarante para combinar com ele o pagamento das entregas que antes já havia feito na Siderurgia Nacional, sem o conhecimento portanto do declarante. Nas restantes vezes não havia propriamente um acordo detalhado de compra, antes sim, uma comunicação de entrega...” (auto lavrado a 17/10/05).
"... se encontrava, por regra, uma ou duas vezes por mês, quando o senhor FF o solicitava com o intuito de receber do declarante o preço das mercadorias que lhe vendeu, nomeadamente, num café nas proximidades das instalações do senhor FF o solicitava com o intuito de receber do declarante o preço das mercadorias que lhe vendeu. Tais encontros aconteceram em locais diversos previamente combinados, nomeadamente, num café nas proximidades das instalações do senhor FF, em vários locais de vias públicas, previamente combinados. Nesses encontros o declarante e o senhor FF, na maior parte das vezes, limitavam-se a trocar documentos, o senhor FF entregava as suas facturas acompanhadas dos talões de “Entrada de sucatas” e dos talões de “Classificação de sucatas” emitidos pela Siderurgia Nacional, ao passo que o declarante entregava ao referido senhor um cheque para pagar o preço das mercadorias que emitia depois de recepcionados os documentos atrás referidos. Nessas ocasiões o declarante fazia uma conferência das facturas, confrontando-as com os talões. Nessa conferência verificava-se a qualidade, a quantidade, através de um calculo mental ou socorrendo-se de uma calculadora, e o preço das mercadorias... ” (auto lavrado a 11/10/05);
“...não, nem o senhor FF alguma vez sugeriu que se encontrassem nessas instalações, antes pelo contrário, o senhor FF prontificou-se sempre a deslocar-se ao encontro do declarante...” (Nota: Em resposta à pergunta: Se alguma vez o declarante solicitou ou sugeriu ao senhor FF que se encontrassem nas instalações deste último senhor para efectuar o pagamento das mercadorias” - auto lavrado a 17/10/05)
iv) Acerca dos fornecimentos de GG
"... o senhor GG lhe foi indicado pelo seu cliente KK. O declarante visitou o parque de sucatas do senhor GG, um terreno vedado em ..., ..., que entretanto foi ocupado, em grande parte pelos acessos à auto-estrada. Que fossem do conhecimento do declarante, o Senhor GG dispunha de duas viaturas (carrinhas) que, conforme já antes declarou, não poderiam ser utilizadas para fazer entregas na Siderurgia Nacional porque não eram basculantes. Ao contrário do senhor FF, nem todas as mercadorias adquiridas ao senhor GG foram entregues à Siderurgia Nacional. A maior parte delas foram revendidas às sucatas [SCom05...] Limitada”. Estas mercadorias foram adquiridas a granel, sendo depois enfardadas no parque do senhor GG, ou noutro local, recorrendo a uma enfardadeira móvel pertencente às “[SCom05...] Limitada" e que antes havia sido pertença da empresa “[SCom01...], limitada” (...).
(...)
"... nas mercadorias em que houvesse necessidade de enfardar, essas mercadorias eram examinadas antes que fossem enfardadas, deslocando-se o declarante ao parque do senhor GG. Verificada a conformidade da qualidade das mercadorias em relação ao que havia sido oferecido, o declarante providenciava para que a enfardadeira móvel antes referida se deslocasse ao parque do senhor GG...” (nota: Em resposta à pergunta: “Se alguma vez examinou ou sequer visualizou as mercadorias que lhe foram facturadas pelo senhor GG” - auto lavrado em 19/10/05);
"... uma parte destes serviços foram prestados pela empresa “ [SCom05...], Limitada", não se recordando no presente momento dos demais operadores. (...) As cópias destas guias, acompanhadas dos talões de “Entrada de sucatas” e dos talões de “Classificação de sucatas”, eram entregues ao declarante pelos citados operadores, na maior parte das vezes acompanhadas de outras guias correspondentes a fornecimentos destes operadores...” (Nota: Em resposta à pergunta: “Quem foram os operadores que efectuaram os transportes que atrás referiu”- auto lavrado a 19/10/05;
"... (...) Assim sendo, muitas vezes era o declarante que, por sua iniciativa, se deslocava ao parque do senhor GG para efectuar os pagamentos e recolher as correspondentes facturas. Demorando o declarante a deslocar-se ao parque do senhor GG era este que lhe telefonava a solicitar-lhe o pagamento que se efectivava sempre no referido parque..." (auto lavrado a 19/10/05).
(...)
3.1.1.5 Elementos recolhidos junto de outras entidades
(...)
3.1.1.5.2 Conservatória do Registo de Automóveis
Tendo-se solicitado à Conservatória do Registo de Automóveis a indicação das viaturas registadas nos anos de 2001 a 2004 em nome de FF ou de [SCom02...], limitada, foram-nos indicadas as viaturas de matricula NR-..-.., PX- ..-.. e QS-..-.., todas elas registadas em nome de [SCom02...], Limitada. As duas primeiras viaturas são ligeiros de mercadorias com um peso máximo autorizado a deslocar de 3.500 e 1.300 quilogramas, respectivamente. A terceira viatura é um ligeiro de passageiros. Qualquer uma das três viaturas não tem características que permitam um transporte racionalmente económico de mercadorias como é o caso da sucata de ferro, principalmente tendo em consideração as quantidades que foram facturadas à entidade inspeccionada, discriminadas no quadro que se segue.
(...)
3.1.1.6.1.5 Pagamento de mercadorias
Relativamente aos meios de pagamento utilizados pela sociedade [SCom01...], Limitada, já se deu conta no presente documento que a quase totalidade das facturas foi paga através de cheque. Analisadas as fotocópias dos cheques e recolhidos esclarecimentos adicionais junto das instituições financeiras intervenientes (ver anexo n.°5), constata-se que todos os 21 cheques, sacados sobre dois bancos diferentes (Banco 1... ou Banco 2... e Banco 3...), teriam sido pagos ao balcão, querendo isto dizer que, na prática, tais cheques foram pagos em numerário ou os respectivos valores foram transferidos para uma outra conta aberta no mesmo banco, no momento em que foram apresentados para pagamento, assumindo a instituição financeira que teria existido um levantamento e um depósito no mesmo valor mas em contas diferentes. Em qualquer uma das hipóteses, tal procedimento contraria uma prática comercial generalizadamente adoptada que consiste no recurso à movimentação de contas bancárias para pagamento das transacções comerciais, particularmente quando estas assumem valores significativos como é o caso. Por movimentação entenda-se a emissão dos cheques por aqueles que estão obrigados a entregar o preço e o depósito também em conta bancária desses mesmos cheques pelos respectivos beneficiários, evitando-se assim a deslocação aos bancos sacados e as demoras resultantes do pagamento de tais cheques (por exemplo: a conferência de assinaturas).
(...)
3.1.6.1.6 Peculiaridade do relacionamento comercial
(...)
A peculiaridade deste relacionamento ganha contornos ainda mais extremos quando se procede ao respectivo enquadramento num sector económico onde são conhecidos os problemas de fraude fiscal, problemas estes que são do conhecimento da entidade inspeccionada. É o Sr. LL que reclama para si o conhecimento do mercado a que teria chegado em consequência do seu anterior vínculo à Siderurgia Nacional. Mais, foi o próprio senhor LL que fez questão de juntar ao auto de declarações lavrado a 14/10/05 uma cópia do “Relatório de Gestão” relativo ao ano de 2004, através do qual pretendeu chamara atenção para a problemática da tributação indirecta no sector em que se integra. Nesse relatório pode ler- se:” Houvesse a coragem para acabar com o IVA nas transacções intermediárias de sucata, e as burlas desapareceriam de imediato (...).

3.1.1.1 Conclusão
Procurando fazer a síntese do que atrás ficou escrito, no presente documento ficou expresso:
i) Relativamente às aquisições a FF e [SCom02...], Limitada
- A inexistência de uma estrutura empresarial que pudesse suportar as transmissões facturadas, refira-se ela a instalações, equipamento ou a pessoal;
- A inexistência de documentos de transporte relativos às entregas de mercadorias que a entidade inspeccionada afirma terem acontecido;
- As incongruências detectadas na articulação entre a numeração e a datação das facturas emitidas pelo senhor FF e pela sociedade [SCom02...], Limitada;
- A inverosimilhança do modo de pagamento adoptado para os fornecimentos do senhor FF e pela sociedade [SCom02...], Limitada;
- A incongruência dos esclarecimentos prestados pela entidade inspeccionada, concretamente no que diz respeito à descrição do relacionamento comercial entre as entidades intervenientes;
- A flagrante contradição entre a aceitação passiva por parte da entidade inspeccionada dos alarmantes contornos do relacionamento comercial e o conhecimento da entidade inspeccionada do contexto sectorial caracterizado por uma substancial evasão fiscal;
- A implementação de procedimentos ao nível do circuito documental dos quais resulta a impossibilidade prática de identificar as entidades que efectivamente procedem à entrega dos bens ao cliente final.
(...)
ii) Relativamente às aquisições a GG.
Conforme já se conta no presente documento, tendo em consideração a informação recolhida nomeadamente, a emissão de facturas sem obediência à sequência cronológica, a aquisição de material que não justifica as vendas efectuadas para a firma [SCom01...], Limitada, a não identificação dos fornecedores de sucata que justificam as elevadas quantidades vendidas para a firma [SCom01...], Limitada, a não existência de qualquer elemento de escrita e a entrega de declarações de rendimento sem qualquer suporte documental, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... concluíram que não era possível comprovar a veracidade das transacções tituladas pelas facturas emitidas para a firma [SCom01...], Limitada,

iii) Conclui-se assim que as vendas facturadas pelo senhor FF, pela sociedade [SCom02...], limitada e pelo senhor GG, vendas estas contabilizadas como compras pela entidade inspeccionada, não corresponderam a efectivas transmissões de bens, logo não poderiam ter sido consideradas como custo fiscal, uma vez que, de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 23° do Código do IRC, apenas se consideram como custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”

B) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia no decurso da acção inspectiva - cfr. relatório a fls. 165 do p.a. junto aos autos.

C) A impugnante exerce a actividade de “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, CAE 51171.

D) A Impugnante não possui instalações físicas, trabalhadores ou meios de transporte - cfr. depoimento de AA.

E) A Impugnante movimenta milhões de euros de sucata - cfr. depoimento de AA.

F) A Impugnante factura sucata ferrosa ao [SCom03...], SA - cfr. doc. juntos aos autos, a fls. 111 a 127.

G) As vendas da impugnante ao [SCom03...], SA correspondem a 90% do volume global das vendas daquela - cfr. depoimento de AA.

H A Impugnante não tem inventários - cfr. depoimento de AA.

I) Os fornecedores da Impugnante recebem contra a entrega dos talões da Siderurgia Nacional - cfr. depoimento de AA.

J). A Impugnante emite uma ou duas facturas por mês ao [SCom03...] - cfr. depoimento de AA

L) A Administração Tributária desconsiderou 7% das facturas de compra da Impugnante - cfr. depoimento do inspector EE e de AA.

M) A Impugnante raramente requisita o serviço de empresas transportadoras - cfr. depoimento de AA.

N) Quando a sucata dá entrada na Siderurgia Nacional, vai acompanhada de uma guia de remessa em duplicado, sendo a sucata confirmada ou corrigida pela Siderurgia Nacional - cfr. depoimento de BB e doc. juntos aos autos a fls. 391 a 459.

O) As guias de entrega que acompanham a mercadoria à entrada na Siderurgia Nacional, identificam sempre os fornecedores creditados - cfr. depoimento de BB.

P) O talão de pesagem entregue pela Siderurgia Nacional, indica a quantidade de sucata recebida - cfr. depoimento de BB, e doc. juntos aos autos a fls. 391 a 459

Q) A guia de remessa que acompanha a sucata identifica a qualidade da sucata - cfr. depoimento do senhor engenheiro BB.

R) 0 duplicado da guia de remessa e o talão de pesagem permitem ao fornecedor fazer-se pagar pela mercadoria entregue - cfr. depoimento de BB.
S) O talão de pesagem, designado de "entrada de sucatas” identifica o fornecedor creditado, a sucata e o peso e a matrícula dos veículos - fls. 391 a 459 dos autos.
T) Os talões de entrada das sucatas e as guias de remessa, identificam os veículos com as matrículas: ..-..-DH, OM-..-..,..-..-EQ, OQ-..-..,..-..-OJ, NI-..-.., ..-..-TQ, ..-..-TV, ..-..-UI, ..-..-UB, ..-..-UB, ..-..-DH, ..-..- FN - fls. 391 a 459 dos autos.
U) As guias de remessa n.° ...13, ...15, ...16, ...19, designam como local de carga “...” e identificam os veículos de matrícula ..-..-TV - fls. 391 a 459 dos autos.
V) A mercadoria que entra na Siderurgia Nacional tem que estar preparada, em conformidade com as normas da Siderurgia Nacional - cfr. depoimento de BB.
X). Mais de 90% da sucata que dá entrada na Siderurgia Nacional tem que passar por empresas capazes de a preparar e de a recolher - cfr. depoimento de BB.
Z). A preparação e entrega da sucata na Siderurgia Nacional é feita, na maior parte das vezes, por empresas industriais e não pelos recolectores. - Cfr. depoimento de BB.
AA). A maior parte dos recolectores entregam a sucata nos parques dos fornecedores e não directamente à Siderurgia Nacional - cfr. depoimento de BB

BB). Quando os fornecedores já têm a sucata preparada entregam directamente na Siderurgia Nacional - cf. depoimento de BB.

CC). A Impugnante pagou a FF e a [SCom02...], Lda. através de cheque - fls. 78 a 95 dos autos.

DD). Os pagamentos efectuados a GG foram feitos através de cheque - a fls. 96 a 106 dos autos.

EE). Os cheques referidos em CC) e DD) foram levantados ao balcão - cf. informação inclusa no relatório dos Serviços da Administração Tributária e doc. a fls. 78 a 106 dos autos.
V. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se mostram provados outros factos, além dos supra-referidos, designadamente não se provaram os factos vertidos nos artigos 31°, último segmento, 46°, 51°, 63°, 159°, 172°, 175° e 182° da petição inicial.
As demais asserções da douta petição constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)
»

Vistos o decidido em matéria de facto, há condições para nos debruçarmos sobre a questão acima enunciada:

Incorreu, a Mª Juiz a qua, em erro de julgamento, ao julgar que a AT obteve e invocou indícios suficientes de a escrita da Impugnante não espelhar, antes ocultar a realidade da sua matéria Tributável nos exercícios de 2002 e 2003, para, atento o disposto no artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, ficar a ser ónus da Impugnante provar a realidade das compras de sucata objecto das facturas emitidas em 2002 e 2003 à Impugnante por FF, contribuinte n.° ..., nos valores totais de 45 929,28 e 91 491,57 €, respectivamente, por [SCom02...], Limitada, contribuinte n.° ..., nos valores totais de56 054,00 e 48 722,00 €, respectivamente, e por GG, contribuinte n.° ..., nos valores totais de 83, 973,83 e 76 045,15, respectivamente?
Fique claro, antes de mais, o seguinte.
Nesta questão não está em causa o acerto do julgamento no sentido de que a Impugnante não logrou fazer prova da realidade das compras objecto das facturas dos sobreditos “fornecedores”. Nessa parte a Recorrente conforma-se com o julgamento da 1ª Instância. Com o que ela não se conforma é outrossim com o julgamento, a montante deste outro, de que a AT obteve indícios fundados de esses negócios não terem ocorrido.
É apenas este juízo que está em questão.
A sentença recorrida, no que para tal crítica releva, é redutível aos seguintes excertos:
“As correcções aqui em crise decorrem da desconsideração dos custos das compras efectuadas pela Impugnante aos seus fornecedores FF, Limitada e GG.
Os Serviços da Inspecção Tributária consideraram que tais compras não corresponderam a efectivas transmissões de bens, e, nessa ordem, não podem ser aceites como custos ou perdas que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do aqui enunciado artigo 23° do CIRC, atendendo à forma de determinação do lucro tributável.
Considerando que a AT actuou no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, incumbe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos fáctico - jurídicos fundamentadores da sua actuação.
Recai sobre a AT o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar os custos contabilizados pela impugnante, in casu, a falta de materialidade das facturas em causa.
Face ao que determina o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75° da LGT, a factualidade coligida pela AT tem de ser capaz de abalar a presunção de veracidade das operações constantes na escrita do sujeito passivo de imposto.
Assim e no que concerne ao ónus da prova, é entendimento jurisprudencial pacífico, reiterado e sólido, que, nos casos como o vertente, em que esteja em causa a desconsideração de custos, no pressuposto de que as operações tituladas pelas facturas não têm aderência à realidade, em termos correspondentes ao disposto no artigo 342° do CC, a AT tem que recolher indícios sérios da inexistência de operações tituladas por facturas - ver, por todos o acórdão do STA de 14.01.2004, rec. 01480/03 e acórdão do TCA Norte de 18.11.2010, rec. 00144/02.TFPRT.12.
No entanto, não é necessário que a AT faça prova dos pressupostos da simulação, previstos no artigo 240° do CC, sendo suficiente a prova de indícios sérios, objectivos e firmes, que vertam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais - neste sentido veja-se o entendimento perfilhado pelo acórdão do TCA Norte de 24.1.2008, rec. 02877/04.
Realizada a prova por parte da AT dos pressupostos fáctico - jurídicos, recai sobre o sujeito passivo de imposto, o ónus da prova da veracidade das referidas facturas, de forma a serem considerados negativamente na determinação do lucro tributável, conforme preceitua o artigo 23° do CIRC (cfr. acórdão do STA de 24.10.2007, rec. 0479/07 e por similitude o acórdão da Secção do Pleno do STA de 7 Maio de 2003, rec. 01026/02).
Por seu turno, estabelece o artigo 100° do CPPT que, em caso de dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o acto impugnado deverá ser anulado, traduzindo assim a “aplicação no processo de impugnação da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74° n.° Io, da LGT em que estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” cfr. anotações e comentários do ilustre conselheiro Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 6a edição, pag. 133.
No entanto, não aproveita ao sujeito passivo de imposto, o determinado neste normativo legal, quando, é sobre este que recai o ónus de demonstrar a existência do facto tributário fundamentador do seu direito. O disposto no artigo 100° do CPPT só aproveita ao contribuinte, quando seja a AT a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (com este entendimento veja-se o Acórdão do TCA Norte de 18.11.2010, rec. 00144/02.TFPRT.12, que aqui vai alimentando a nossa linha de pensamento).
Efectuado o devido enquadramento jurídico, vejamos, em face da materialidade vertida no probatório e que constitui a declaração formal fundamentadora dos actos de liquidação impugnados, se o juízo formulado pela AT no que concerne à falsidade das facturas se pode considerar como pertinente e adequado, isto é, se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes àquelas facturas.
Respeitando as correcções aqui em crise, a facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas por três dos seus fornecedores, iremos fazer a análise conjunta de FF e [SCom02...], Limitada, face à similitude das situações e atendendo a que FF é sócio gerente da mesma, sendo individualizada a apreciação do fornecedor GG.
QUANTO AOS EMITENTES FF E [SCom02...], LIMITADA
Do conspecto da factualidade subjacente ao relatório dos SIT, decorrente das diligências realizadas junto da Impugnante, em sede dos emitentes das facturas, assim como desenvolvidas junto de outras entidades e parcialmente reproduzidas no probatório, facto B), extraem-se os seguintes indícios de simulação:
• Incongruências entre a numeração e a datação das facturas emitidas;
• Não cumprimento por parte dos emitentes das facturas, das obrigações tributárias, designadamente diante da AT e da Segurança Social;
• Inexistência de estrutura empresarial, em sede dos fornecedores, designadamente instalações, equipamento, meios de transporte e pessoal, capaz de sustentar as transmissões decorrentes das facturas emitidas;
• Inverosimilhança da facturação emitida pelos fornecedores, decorrente dos inúmeros serviços identificados, tais como, fabricação e reparação de carroçarias, venda de sucata, disponibilização de mão-de-obra, serviços de chaparia, de pintura, mecânica, montagem e desmontagem de peças de máquinas e de viaturas, serviços de serralharia e construção civil;
• Inexistência de documentos de transporte relativos à entrega das mercadorias;
• Inexistência de documentos comprovativos das entidades que procedem à entrega das mercadorias na Siderurgia Nacional;
• Inverosimilhança do modo de pagamento, decorrente da passagem de cheques e consequente levantamento ao balcão, ou, depósito em outra conta bancária, precedido de levantamento do cheque;
• Inconsistência do relacionamento comercial estabelecido entre os fornecedores e a Impugnante, designadamente, a forma ligeira como eram efectuados os pagamentos e a correspondente entrega das facturas;
• A manifesta antinomia entre a aceitação da Impugnante dos contornos do relacionamento comercial estabelecido entre si e os fornecedores e o conhecimento que evidencia do contexto sectorial propenso à fraude e à evasão fiscal.
Embora de forma isolada, os elementos reunidos pela AT, não lograssem traduzir por si só, indícios da falta de materialidade das transacções tituladas pelas facturas, conexos, à luz das regras da experiência comum, representam indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela AT.
Igualmente, as diligências encetadas, pela AT, quer em sede dos emitentes das facturas, quer junto de outras entidades, revelam-se como essenciais na apreciação global da materialidade subjacente às facturas emitidas.
Na esteira do sentido aqui prosseguido, o acórdão do TCA Norte de 01-03- 2007, proc.00027/00 considerou que:
“Obviamente, em casos do género, situando-se a origem da emissão das questionadas facturas nesse outrem, com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, o objectivo dos serviços de inspecção tem, necessária e primeiramente, que direccionar-se para os concretos moldes em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade, a realidade, das operações que este inscreveu em tais documentos. A génese destas situações não pode ser outra que não o comportamento assumido por este, mas, sempre e necessariamente, com a complacência do receptor da facturação.”
Os elementos coligidos pela AT configuram elementos probatórios objectivos, que permitem a sustentação de que poderemos estar perante a emissão de facturas às quais não correspondeu qualquer transacção de mercadorias.
(…)
Face aos factos apurados pela AT, que representam indícios da falta de materialidade subjacente às facturas emitidas, impende sobre a Impugnante a prova do contrário, isto é, que efectivamente e, não obstante esses factos, as transacções de mercadorias foram concretizadas e reais.
À Impugnante cabe o ónus de demonstrar a existência dos factos que invoca, como esteio do seu direito à anulação das correcções efectuadas.
Mas, tal como aqui já exposto, não basta criar a dúvida relativamente à actuação da administração, a Impugnante tem de provar que verdadeiramente foram efectuadas as transacções de mercadorias a que correspondem os documentos contabilísticos.
Para o efeito a Impugnante juntou prova documental e produziu prova testemunhal.
A Impugnante juntou aos autos facturas emitidas por si ao [SCom03...], respeitantes à venda de sucata ferrosa.
No entanto, tais documentos não logram comprovar o circuito físico da mercadoria, não identificam os fornecedores da aqui Impugnante, não identificam o transportador ou as viaturas utilizadas.
Por outro lado, e conforme coligido no probatório, nem as guias de remessa nem os talões de pesagem identificam os fornecedores da Impugnante. A única informação capaz de elucidar algo, é a referência ao veículo que procede ao transporte das sucatas.
Porém, tal informação não se revela esclarecedora quanto aos aqui emitentes de facturas, isto é, analisando as guias de remessa e a informação lá aposta, não consegue o Tribunal retirar qualquer ilação.
Exemplificando, as guias de remessa n.° ...13, ...15, ...16, ...19, designam como local de carga “...”, assim, atendendo a que a sede dos aqui fornecedores se localiza em ..., ... (cfr. probatório, facto b), ponto 3.1.1.3.1.3 do relatório dos serviços da inspecção), seria de antever que estas guias de remessa respeitariam a fornecimentos de FF ou [SCom02...], Limitada.
No entanto, e conforme diligências encetadas pela AT junto da Conservatória do Registo de Automóveis (facto b) do probatório, ponto 3.1.5.2. do relatório dos serviços da inspecção), não consta em nome dos fornecedores qualquer veículo com a matricula ..-..-TV, ou com qualquer outra das matrículas identificadas nas guias de remessa ou talões de entrega (cfr. à contrario facto x) e z) do probatório).
Quanto ao meio de pagamento utilizado nas transacções entre a Impugnante e os aqui fornecedores - o cheque - apesar de verter alguma formalidade, a especificidade de terem sido pagos ao balcão ou os valores transferidos para outra conta aberta na mesma instituição bancária (cfr. facto b) do probatório, ponto 3.1.1.6.1.5. do relatório dos serviços da inspecção) manifesta uma prática não generalizada ou comum, ou seja, o pagamento em numerário de avultadas quantias.
Outrossim, o TCA Norte, no seu acórdão de 01-03-2007, rec. 00027/00, considerou que: “a utilização do meio de pagamento utilizado pela impugnante e considerado pela sua contabilidade, que consiste no recurso ao cheque capaz de documentar cabalmente e sem margem para recusa das autoridades, consubstancia uma actuação típica de facturação falsa.”
Conforme decorre do probatório, quer as guias de remessa, quer os talões de entrada de sucata na Siderurgia Nacional ao indicarem sempre os fornecedores creditados, nunca poderiam identificar a Impugnante ou os seus fornecedores.
(…).
Invoca a Impugnante, que não podem ser questionadas as aquisições aos seus fornecedores uma vez que não foram controvertidas as transacções com o [SCom03...].
Este argumento não colhe, na medida em que, se por um lado, a percentagem de compras desconsideradas face ao volume de negócios da Impugnante é insignificante, por outro e como é do senso comum, a emissão de facturas falsas, serve o propósito de documentar aquisições (custos) não documentadas a outros fornecedores.
No que respeita aos emitentes, afirmou não conhecer nenhum dos fornecedores da Impugnante, nem nunca ter presenciado os negócios realizados, sabendo tão só, que é usual os fornecedores contactarem por telefone para a realização de negócios.
Esclareceu também que se tornava impossível identificar os fornecimentos que deram lugar a cada uma das facturas da Impugnante, porque:
• Os fornecedores da Impugnante recebem contra a entrega dos talões da Siderurgia Nacional, enquanto que a Impugnante emite uma ou duas facturas por mês ao [SCom03...].
• Já não possuem os inventários, de forma a puder fazer-se a conciliação.
No que respeita à falta de sequência cronológica das facturas emitidas, a Impugnante também não conseguiu justificar a razão das incoerências verificadas, uma vez que, para além do TOC ter referenciado que é um procedimento incomum e errado, o pagamento imediato em dinheiro ou as especificidades do mercado das sucatas, não legitimam as incorrecções.
(…)
Relembre-se que, conforme estatui o artigo 23.° do Código do IRC, somente os custos ou perdas indispensáveis, que forem devidamente comprovados, relevam para efeitos fiscais.
À luz do que dispõe o artigo 35° n° 5 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (actual artigo 36°, com a renumeração sobrevinda do DL n° 102/2008, de 20,06), as facturas devem ser datadas e numeradas sequencialmente, não sendo válidas as facturas sem ordem sequencial, por constituírem também um indício de que não representam operações económicas reais.
Tal indício, desacompanhado de prova testemunhal idónea que infirme a desconsideração como custo fiscal dessas facturas, não pode aproveitar ao sujeito passivo.
(..).
QUANTO AO EMITENTE GG
No que respeita às facturas emitidas por GG, reuniram os Serviços da inspecção tributária os seguintes indícios:
• Emissão de facturas sem obediência a sequência cronológica;
• Aquisição de material por parte do emitente, que não justifica as vendas à Impugnante;
• Falta de identificação dos fornecedores do emitente das facturas, por forma a justificar as elevadas quantidades vendidas à Impugnante;
• Inexistência de qualquer elemento de escrita em sede do emitente;
• O emitente não possuía trabalhadores a seu cargo e as viaturas que possuía não podiam ser utilizadas para fazer entregas na Siderurgia nacional, porque não eram basculantes;
• O emitente possuía instalações que consistiam numa pequena parcela de terreno, designadamente um barraco sem condições e um pequeno logradouro onde se amontoavam electrodomésticos velhos (frigoríficos, máquinas de lavar roupa, fogões), sucata diversa e três viaturas velhas nas traseiras, que entretanto foi ocupado, em grande parte pelos acessos à auto-estrada;
• Entrega por parte do emitente das facturas, de declarações de rendimento sem qualquer suporte documental;
• Impossibilidade por parte dos Serviços de Inspecção de ... de comprovar as transacções tituladas pelas facturas emitidas à Impugnante;
• Inexistência de documentos de transporte relativos à entrega das mercadorias;
• Inexistência de documentos comprovativos das entidades que procedem à entrega das mercadorias na Siderurgia Nacional;
• Inverosimilhança do modo de pagamento, decorrente da passagem de cheques e consequente levantamento ao balcão;
Conforme supra exposto, os indícios recolhidos pela AT configuram elementos probatórios objectivos, tendo a AT cumprido o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto e que a lei exige para legitimar a correcção da matéria tributável declarada.
(…)
Quanto aos demais elementos comuns e respectiva apreciação, remete-se para o já aqui expendido em sede dos emitentes FF e [SCom02...], Limitada.
Desta forma e conforme o exposto improcede o vício invocado de errada qualificação dos factos tributários»
Desde já adiantamos que se nos afigura válido e é de secundar o juízo feito pela Mª Juiz a qua.
Na verdade, se é certo que em termos absolutos ou até em comparação como o que seria normal ou tipicamente de exigir, os factos-índice acima elencados não conformam um exemplo paradigmático de abundância, também o é que num juízo económico, quer dizer, de administração de bens escassos, sempre se terá, in casu, de concluir pela sua suficiência.
No conjunto dos factos-índice avulta um que se nos afigura, no contexto, decisivo para este juízo de suficiência dos indícios da simulação, pelo menos (desde logo, mas não apenas) quanto à identidade dos sujeitos fornecedores.
Como bem assinala a Mª Juiz a qua, “Conforme decorre do probatório, quer as guias de remessa, quer os talões de entrada de sucata na Siderurgia Nacional ao indicarem sempre os fornecedores creditados, nunca poderiam identificar a Impugnante ou os seus fornecedores.
A actividade da Recorrente mostra-se inserida numa teia fornecedores e fornecedores de fornecedores, muitos deles não colectados no CAE correspondente, que não só lhe fornecem a sucata como a entregam no seu cliente final sem que ela “mexa uma palha”. Deste modo, é sempre impossível seguir o rasto das reais transacções. Há, assim, fortes razões para suspeitar da existência de muitas transacções indocumentadas e de que pelo menos alguma facturação integrante da contabilidade se destina a dar suporte contabilístico à parte dos respectivos custos que se pretende registar.
Aquela comprovada realidade, em conjugação com os demais factos provados e elencados no RIT e na sentença recorrida, tanto os atinentes aos emitentes das sobreditas facturas como os atinentes à recorrente, sua utilizadora, resulta em indícios fundados, porque objectivos e suficientes, de que os sobreditos emitentes não lhe forneceram sucata nas datas, quantidades e pelos preços facturados.
Diz, a recorrente, que não há dúvida alguma sobre a identidade dos fornecedores da sucata cujas facturas estão em causa, pois estes assumiram os fornecimentos.
Já vimos que não é possível confirmar ou infirmar que falam verdade. No entanto, a comprovada falta de meios humanos e logísticos por parte dos emissores das facturas faz suspeitar seriamente de que eles não forneceram nem transportaram as quantidades facturada.
A Recorrente diz, ainda, que “se dúvidas houvesse quanto à identidade dos sujeitos passivos, o que não se concede, essas dúvidas teriam que ser ponderadas a favor da Impugnante, como prescreve o n° 1 do art. 101 do C.P.P.T.” Terá querido referir-se outrossim ao nº 1 do artigo 100º.
Porém conforme já vinha exposto na sentença recorrida, não é caso de aplicar tal artigo. Como é da mais elementar metodologia do Direito, o artigo 100º nº 1 do CPPT não pode ser interpretado isoladamente, mas sim no contexto do sistema que integra.
Designadamente têm de conjugar-se com as demais regras do ónus da prova convocáveis in casu.
Ora a conjugação dos artigos 74º nº 1, 75º nº 2 alª a) da LGT impõe efectivamente a inversão do ónus da prova contra o contribuinte, quanto à veracidade do documentado na sua contabilidade, uma vez que estejam provados pela AT os factos geradores de indícios fundados de que o facto documentado na contabilidade não ocorreu.
Note-se, continua a ser da AT o ónus de provar cabalmente os factos de que decorrem os fundados indícios de a contabilidade não corresponder à verdade. E quanto a esses, vale plenamente o disposto no nº 1 do artigo 100º do CPPT. O que a AT não tem é de provar absolutamente essa simulação do negócio documentado nas facturas tidas por falsas com base naqueles factos indiciantes.
Conclusão:
De tudo o exposto resulta que o recurso improcede, indo a sentença recorrida totalmente confirmada.

IV – Custas
As custas do presente recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527º do CPC).

V- Dispositivo
Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas, pela Recorrente.

Porto, 26/10/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Margarida Reis
José António Oliveira Coelho