Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00239/04.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
IRC
PRESSUPOSTOS DOS MÉTODOS INDIRETOS
ERRO DE JULGAMENTO DE MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo do métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Transportes..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Fazenda Pública, não se conformou com a sentença emitida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por Transportes…, N.I.P.C. 5…, com sede em …, Macedo de Cavaleiros, visando as liquidações relativas a IVA, dos anos de 2000 e de 2001, bem como associadas liquidações de juros compensatórios, no valor global de € 44.837,91.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…)1ª - Do confronto e análise dos valores declarados pela impugnante com as correcções aritméticas efectuadas, pela Inspecção, a essas declarações, relativamente à evolução dos resultados líquidos, das margens brutas de lucro, de lucro tributável e dos custos operacionais versus prestação de serviços dos exercícios de 2000, 2001 e 2003, resultaram as inconsistências, acima melhor discriminadas. Tais inconsistências constituem indícios fundados da desconformidade da real situação contributiva da impugnante com os valores declarados pela mesma, que não permitem calcular correctamente a matéria tributável destes exercícios, e justificam a determinação da matéria tributável para efeitos de IRC e de IVA, através da aplicação de métodos indirectos, nos termos da alínea b) do artigo 87° alínea b) e artigo 88° alínea d) da Lei Geral Tributária.
2ª - A estes indícios acrescem as evidentes insuficiências contabilísticas reveladas pela inspecção. Da conferência do inventário declarado com o inventário físico foram apurados bens relacionados que não se encontravam nas instalações da impugnante, sem qualquer documento válido que justificasse a saída destes bens. Para além destas omissões de vendas, foram detectadas na contabilidade da impugnante vendas de máquinas das quais não existe o registo da compra (omissão de compras). E, assim, na falta destes elementos ao tempo do procedimento inspetivo, não restou outra alternativa, à Inspecção Tributária, que o recurso a presunções de, valores e de datas das aquisições e vendas omitidas. E o mesmo é escrever: que as liquidações de IRC de 2000 a 2002, não podem assentar nos elementos fornecidos pela impugnante e que o recurso aos métodos indiciários se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar, nos termos do artigo 87° alínea b) e artigo 88° alínea b) da Lei Geral Tributária.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V. Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com todas as consequências legais. .”

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se há erro de julgamento de facto e de direito, por estarem verificados os pressupostos para a avaliação indireta [art.º 88º, n.º 1, d) e alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT].

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

A- “(…)COM PERTINÊNCIA PARA A BOA APRECIAÇÃO E DECISÃO DA CAUSA, MOSTRAM-SE PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

1) A Impugnante é uma sociedade unipessoal, cuja actividade desenvolvida consiste no transporte internacional e nacional de mercadorias, no aluguer de máquinas (gruas, monta-cargas, etc.), dedicando-se também à venda de máquinas (retro-escavadoras, monta-cargas, etc.) – cfr. fls. 6 do P.A.;
2) Para efeitos de IVA, a Impugnante encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, liquidando IVA nas transmissões dos bens à taxa normal, não aplicando o regime especial de tributação da margem, apesar de comercializar máquinas e veículos usados – cfr. fls. 7 do P.A.;
3) A Impugnante foi objecto de um procedimento inspectivo, de âmbito parcial (IRC e IVA), que incidiu sobre os exercícios de 2000, 2001 e 2002, o qual teve por base a ordem de serviço n.º 10453, de 19.03.2003 – fls. 4 a 6 do P.A..
4) Este procedimento inspectivo culminou com o Relatório constante de fls. 4 a 33 do P.A., que se consideram integralmente reproduzidas, aí se concluindo, no que aqui concretamente mais releva:
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.

5) A Impugnante foi notificada destas correcções, tendo, no seguimento, apresentado pedido de revisão com o teor de fls. 114 a 119 do P.A. que se dão por reproduzidas.
6) No âmbito do procedimento inspectivo, foi expedida, via carta registada, a notificação para o exercício do direito de audição prévia, mediante ofício n.º 03537, dirigido ao domicílio fiscal da Impugnante – cfr. fls. 111 e 112 dos autos.
7) Notificado da decisão final, a Contribuinte apresentou pedido de revisão nos termos do art.º 91º da L.G.T. – cfr. fls. 85 ss dos autos.
8) No âmbito do procedimento de revisão, o Perito da Administração Tributária emitiu o Parecer constante de fls. 88 e 89 do dos autos que se têm por inteiramente transcritas, propondo a alteração das correcções em sede de IVA de € 36.087,13 para € 19.275,47, relativamente ao exercício de 2002, a qual teve por base a seguinte fundamentação: “Deverão ser retirados das compras e vendas os valores da Bull-Dozer Caterpiler D3C nº 7XL0118 e da máquina Pelle (pá) Komatsu PC 280 NLC3 nº 10046 dado que aquelas máquinas foram consideradas presumidas vendidas no ano de 2002 conforme fls 22 do relatório e os documentos 3 (processo do Tribunal de Macedo de Cavaleiros) e 5 (factura 71 de 28.12.99 a N… Lda) comprovam que aqueles bens foram vendidos no ano de 1999”.
9) Em 16 de Fevereiro de 2004, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão apresentado pela Impugnante, com o teor de fls. 90 a 94 dos autos que se dão por reproduzidas;
10) No seguimento das correcções resultantes do procedimento inspectivo, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, referentes a cada um dos anos de 2000 e de 2002, no valor de € 6.410,37 e € 36.087,13, e associadas liquidações de juros compensatórios, todas elas data limite de pagamento de 2004.04.30 – cfr. fls. 8 a 17 dos autos.
11) A máquina Retro-Escavadora Ford 6556, foi adquirida pelo preço de 76.000.00 francos franceses (PTE 2.800.000$00/€ 11.372, 59) – cfr. doc. 12 junto com a p.i.
12) A Retro-Escavadora JCB 416115, foi adquirida em 4.06.1999, conjuntamente com a Bull-Dozer Caterpillar D3C, nº7 XL 00118, pelo preço global de 9.000.000$00 – cfr. doc. 13 junto com a p.i.
13) A máquina Bull-Dozer Caterpillar D3C, nº7 XL 00118E foi transmitida em Setembro de 1999, pelo preço de PTE 7.000.000$00 – cfr. doc. 14 junto com o articulado inicial e relatório do perito da AT no âmbito do procedimento de revisão, constante de doc. 21;
14) A máquina "Pele"(Pá) Komatsun, tipo PC280 NLC3N°10046, foi vendida em Dezembro de 1999 à sociedade N… - – cfr. doc. 15 junto com o articulado inicial e relatório do perito da AT no âmbito do procedimento de revisão, constante de doc. 21.
15) A Máquina Marteau (Martelo), marca Furukawa, tipo 15G-n02312, foi adquirida em 13.02.99, através da factura nº 99-012, tendo vindo avariada e, em 23 de Junho de 2000, após reclamação da impugnante junto do vendedor, foi a mesma substituída por um outro Martelo com as referências NPK 8X - cfr. doc. 16 junto com o articulado inicial.(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A questão fundamental dos auto reduz em saber se há erro de julgamento de facto e de direito, por ter sido decidido não estarem verificados os pressupostos para a avaliação indireta [art.º 88º, n.º 1, d) e alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT].
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “ Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
No que respeita à avaliação indireta, por força do art.º 85.º da LGT esta é subsidiária da avaliação direta.
Determinado o n.º 2 que À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.”.
O n.º 2 do art.º 83.º da LGT preceitua que “A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.
Assim todas as correções devem ser efetuadas com base nos elementos contabilísticos, só excecionalmente se poderá recorrer à avaliação indireta que é subsidiária.
Por imposição do n.º 1 art.º 84.º do CIVA a liquidação do IVA, com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da Lei Geral Tributária.
A alínea b) do art.º 87.º da LGT estabelece que a avaliação indireta só se pode efetuar no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
O art.º 88.º da LGT, na redação da Lei n.º 30-G/2000 de 29.12, prevê que “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) (…)
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor mercado de bens ou serviços, bem como o factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”
Face às regras do ónus da prova (art.º 342.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo dos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
É também jurisprudência do acórdão do TCAN 01717/04 Viseu de 30.09.2015 o qual sumaria queI – Cabe à AF demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.
III. Se da fundamentação apresentada pela AF não resultam demonstrados aqueles pressupostos, a liquidação que na sua sequência foi efectuada, mostra-se inquinada por vício de violação de lei e, como tal, tem de ser anulada.” bem como dos Acórdãos n.º 04634/04 Viseu de 28.02.2008, 00045/03 Coimbra de 13.11.2014, 04801/04 Viseu e 00045/03 Coimbra de 13.11.2014.

Importa agora verificar se a Administração Fiscal demonstrou os pressupostos legais e se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
Resulta da factualidade assente, e constante do Relatório Final que a Inspeção fundamentou o recurso aos métodos indiretos, nos artigos 87.º e 88.° ambos da LGT sem concretizar as verdadeiras razões que conduziram ao recurso a métodos indiretos.
Consta da sentença recorrida que a decisão da Administração, ao recurso aos métodos indiretos “estriba dos seguintes fundamentos (i) na análise da evolução dos resultados líquidos, das margens brutas de lucro e lucro tributável dos exercícios de 2000, 2001 e de 2002; (ii) na existência de discrepâncias nos inventários, tendo sido detectada a existência de quatro máquinas constantes dos inventários, mas que não foram localizadas após ter sido realizada o controlo físico dos inventários; (iii) na existência de duas máquinas que terão sido vendidas mas relativamente às quais não existe registo de compra; e (iv) na análise dos custos operacionais por contraposição às prestações de serviços.
(…)
Os fundamentos constantes de (i) e (iv), correspondem a uma análise estatística efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária aos valores declarados pelo contribuinte, análise na qual a AT se apoiou para concluir que os resultados declarados, margens brutas e rentabilidade fiscal eram bastante reduzidas.
Desde já se adianta que os argumentos avançados pela Administração Fiscal não se revelam aptos a autorizar o recurso à avaliação indirecta.
Na verdade, estão em causa meros dados e análise estatísticos que nada demonstram ou comprovam quanto à impossibilidade de determinação, de forma directa e exacta a matéria tributável, não autorizando também qualquer inferência quanto à falta de veracidade dos valores que foram declarados pelo contribuinte.
Com efeito, mesmo que se considerasse que os valores estatísticos enunciados pela AT pudessem traduzir uma situação de aparente anormalidade, de tal evidenciação, não resulta, ipso facto, quer a falta de veracidade do declarado, quer a impossibilidade de recurso à avaliação directa.
E cabia à Administração Tributária fazer essa correspondência, evidenciando, e fundamentando, o quê, o porquê de os elementos por si referenciados inviabilizarem a avaliação directa com base nos valores declarados pelo sujeito passivo.
Tenha-se presente que a mera análise de margens e de rentabilidade fiscal não constitui elemento passível de se ter como demonstrada a imprestabilidade dos elementos da escrita do contribuinte tendo em vista a captação, de forma directa, da matéria tributável, posto que não constituem, por si só, um indício fundado de que as declarações, a contabilidade ou escrita não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, não podendo ser acolhida outra interpretação (porventura menos exigente), sob pena de se estar a dar guarida a uma tributação pelo rendimento normal não querida ou consentida pelo nosso legislador, para além dos casos previstos na alínea c) do art.º 87º da L.G.T., norma que ainda hoje, e não obstante os anos volvidos sobre a sua aprovação, aguarda por implementação.
(…)
Assim, não podem as eventuais discrepâncias de margens, evolução de resultados e de rentabilidade fiscal, bem como da ponderação entre custos operacionais e prestação de serviços servir, per se, para demonstrar a impossibilidade da quantificação directa da matéria tributável assente nas declarações e contabilidade do Contribuinte, pelo que, neste particular, não se mostra legitimada a decisão da Administração Tributária.
O segundo dos fundamentos para a avaliação indirecta assenta na análise efectuada aos inventários, da qual resultou a detecção de que dos mesmos constavam quatro máquinas terão sido vendidas, sem que se tenha apurado a contabilização da venda.
Assentando a Fiscalidade na Contabilidade, esta deverá encontrar-se devidamente organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco da dos elementos necessários à determinação da obrigação tributária (cfr. art.º 17º do CIRC e art.º 44º do CIVA, na redacção e numeração vigente ao momento a que os factos tributários se reportam).
Ora, uma das obrigações emergentes do Direito do Balanço, é a obrigação de se proceder à inventariação física das existências, através da utilização do sistema de inventário permanente ou do sistema de inventário periódico, em função do volume de negócios, para as entidades às quais fosse aplicável o Plano Oficial de Contas (art.º 1º, do DL 44/89, de 12 de Fevereiro).
Tal obrigação prossegue dois objectivos, a saber: (i) permitir o conhecimento, e em qualquer momento, da quantidade e valor dos stocks de que a empresa é proprietária ou detentora; (ii) permitir o apuramento dos custos dos produtos vendidos e consumidos, e o consequente resultado apurado nas vendas e na produção.
Trata-se, portanto, de elemento contabilístico de relevo cuja elaboração resulta legalmente imposta para todos os sujeitos passivos que possuam, ou devam possuir, contabilidade organizada.
Na situação em análise, e feito um controlo físico exaustivo por parte da Administração Tributária, foi detectada a inexistência de quatro máquinas inventariadas (melhor identificadas no quadro inicial constante de fls. 22 do Relatório de Inspecção), pelo que existiam bens constantes dos inventários, mas cuja verificação física se não mostrou possível por os bens não terem sido encontrados.
Com base nessa conclusão, apelando ao estatuído no art.º 80º do CIVA, na numeração e redacção vigente à época, o qual estatuía, na sua parte final, que aqui mais releva, que “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais”, considerou a Administração Tributária ser de tributar através do recurso à avaliação indirecta, e como vendas omissas, as identificadas quatro máquinas.
Quanto ao procedimento utilizado, (…)não constitui verdadeira manifestação do recurso a avaliação indirecta, na acepção que lhe é dada pelos art.ºs 87º e 88º da L.G.T., correspondendo antes a uma correcção técnica, por ter por base disposição normativa da qual emerge a correcção a efectuar, de forma directa, e por aplicação e preenchimento da fatispécie legal (sobre a delimitação do conceito de correcção técnica, vejam-se os ensinamentos do Prof. Casalta Nabais, “Direito Fiscal”, 4ª edição, 2006, Almedina, Coimbra, págs. 381 e 382, bem como o Ac. do STA, de 26-04.2007, proc.º n.º 037/07, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf).
Nesta medida, os factos apurados, para efeitos de aplicação do disposto do art.º 80º do CIVA (o mesmo serve para as correcções técnicas efectuadas ao abrigo do disposto no art.º 3º, n.º3, alínea f), do CIVA invocado no Relatório de Inspecção), não constituem, em si mesmo, qualquer determinação indirecta da matéria tributável, mas antes correcções técnicas, porquanto directamente impostas por normas impositivas constantes do CIVA, não podendo assim dar sustento a uma possível determinação indirecta da matéria tributável, na abrangência e acepção que é dada a este tipo de correcções (também designadas de correcções quantitativas) pela L.G.T..
(…)
De qualquer modo, na situação vertente, demonstrou-se inclusivamente que as quatros máquinas (não encontradas) não foram objecto de venda no exercício de 2002, tendo duas delas (bull-dozer caterpillar JCB 416115 e Pele Komatsun tipo PC280 NLC3 n.º 10046) sido vendidas em 1999, como resulta da prova produzida em Tribunal e aliás foi reconhecido expressamente pelo Sr. perito da AT em sede de comissão de revisão.
De igual modo, no que tange aos outros dois equipamentos que foram considerados como transmitidos no ano de 2002, por se ter demonstrado que um deles se reporta a mercadoria devolvida ao fornecedor em 1999, sendo substituída por outra, demonstrando-se o erro na sua inventariação, o mesmo sucedendo quanto ao outro equipamento (máquina Pelle, marca Samsung, tipo SE 210 LC2 - FBY), por ter ficado demonstrada a sua transmissão apenas no ano de 2003.
Em suma, impõe-se concluir que não só a aplicação do art.º 80º do CIVA não constitui manifestação e legitimação do recurso à avaliação indirecta, como também se demonstrou, em sede de Impugnação Judicial, que as quatros máquinas cuja verificação física não foi possível em sede de Inspecção, não terão sido objecto de transmissão naquele exercício, tendo a contribuinte logrado afastar a presunção estabelecida do preceito legal citado.
Pelo que não estava a Administração Tributária autorizada a recorrer à avaliação indirecta.(…)”
Apreciado o Relatório de Inspeção e a matéria de facto não impugnada, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, não merecendo qualquer reparo.
Como supra se disse a avaliação indireta só pode efetuar-se no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspeção constata-se que a Administração Fiscal sustentando-se em argumentos frágeis (análises estatísticas e discrepâncias nos inventários e de duas maquinas vendidas não suportadas com documento de compra) não explicou por que razão a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
Aqui chegados teremos de concluir que não estão reunidos os pressupostos do recurso a métodos indiretos pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, consequentemente improcede o recurso jurisdicional.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo do métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 10 de novembro de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento