Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02729/15.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; CONCORRÊNCIA DE PRESUNÇÕES DE CULPA; REPARTIÇÃO DA CULPA;
ARTIGO 493.º, N.º1 DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 503º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:1. Existindo duas presunções de culpa, uma a onerar o Município demandado, a resultante do disposto no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil, e outra a onerar a Autora, a que deriva do disposto no n.º3 do artigo 503º do Código Civil, terá de ser repartida a culpa pela eclosão do acidente em igual proporção por ambas as partes, dado não ser possível no caso, graduar a culpa de cada um.

2. Por ser esta a solução que se mostra no caso mais equitativa, nos termos do disposto no artigo 494º do Código Civil, mas também por aplicação, não directa mas analógica, do disposto no n.º2 do artigo 506º do Código Civil.

3. As razões que justificam esta última norma do Código Civil verificam-se de igual modo na situação concreta aqui sob juízo: existe no caso concreto uma concorrência de culpas, não entre dois condutores, mas entre um condutor e a quem compete vigiar pela segurança da circulação numa via pública; em todo o caso, é uma situação em que existe concorrência de culpas na eclosão de um acidente e não é possível determinar qual o grau de culpa de cada um.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T., LDA
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A T., L.da veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 19.09.2017, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa comum que intentou contra o Município (...) para condenação do Réu no pagamento da indemnização de 8.309, 76 euros, por prejuízos que sofreu num acidente de viação que teve com a sua viatura de matrícula XX-XX-XX, da marca Mercedes, modelo 240, numa via deste município no dia 11.02.2017.

Invocou para tanto que a decisão recorrida incorreu em erro no julgamento da matéria de facto e no respectivo enquadramento jurídico, ao não condenar o Réu no pagamento do peticionado ou, pelo menos em metade do valor dos prejuízos sofridos.

O Município recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 - Na sentença proferida em 19.09.2017 o Tribunal “a quo” deu como provados determinados factos que não encontram sustentação fáctica na sentença recorrida.

2 - Houve depoimentos de testemunhas que não foram devidamente valorados, nessa mesma sentença e como tal devem ser corrigidos.

3 – Da valoração errada desses depoimentos, resultaram conclusões distintas daquelas que foram proferidas e dadas como assentes pelo Tribunal “a quo”.

4 – Consta dos “Factos Provados”, na alínea “E” que:

“No local e dia do embate encontravam-se colocados dois sinais verticais de trânsito, antes do referido buraco, correspondentes a um sinal de perigos diversos na via (A29) e a um de imposição do limite de velocidade não superior a 30 km/h (C3)”

5 – No entanto, as testemunhas indicadas pela Ré - C. e M., não estiveram no local.

6 – A testemunha C. referiu que foi dada ordem para colocação dos sinais e que era procedimento habitual.

7 – Mas nunca confirmou “in loco” a realização de tal protocolo. Não sabia dizer se foi ou não feito no caso concreto.

8 – A testemunha M. referiu que os sinais estavam no local, porque viu os mesmos sinais em fotografias, as quais não se encontravam datadas.

9 – Não soube dizer se as fotografias que viu do local, nas quais podia ver a existência dos sinais de perigo e limitação de velocidade, foram tiradas antes ou depois do acidente ocorrer.

10 – Acresce que, nenhuma referência existe na sentença “a quo” da distância a que os mesmos sinais se encontravam do buraco existente na via, facto que é de importância capital para a fixação da matéria de facto e a boa decisão da causa.

11 – Resulta da lei e foi confirmado pelas testemunhas da Ré que os sinais devem distar do local em reparação ou do obstáculo cerca de 50/ 70 metros e que entre estes dois sinais ainda deveria haver uma distância.

12- Essa distância de 50/70 metros seria, conforme referiu a testemunha C., para que os condutores se pudessem acautelar e adoptar uma condução mais segura.

13 – Contudo, conforme resulta do “croqui” junto aos autos com a Petição Inicial, como doc. 30, conjugado com o depoimento do agente da PSP – V. - (38:05 a 38:10 e 41:45 da gravação da audiência de julgamento), os sinais encontravam-se a 5/10 metros do buraco existente na via, em cabal incumprimento das mais elementares regras estradais.

14 – Ora, estando os sinais de perigos vários e de limitação de velocidade colocados junto do buraco, os condutores não estavam válida e suficientemente alertados para a existência de um obstáculo na via.

15 – Logo a sua função de avisar os condutores para os perigos existentes na via, estava prejudicada.

16 – Tal situação acrescida do mau estado de conservação da via, levou a que o condutor não pudesse evitar o obstáculo ali existente, mesmo conduzindo com toda a prudência, zelo e cautela exigíveis.

17 – Há assim concorrência de culpa de parte a parte, importando determinar qual o seu grau, contudo na falta de outros elementos, deverá ser assacada uma responsabilidade de 50% a cada uma das partes.

18 - É obrigação da Ré proceder à reparação e conservação das estradas que se encontrem sob a sua jurisdição, como é o caso da via em causa nos presentes autos.

19 - É ainda obrigação da Ré sinalizar devidamente as vias, quando as mesmas estiverem em obras ou existirem obstáculos na estrada, de forma a evitar acidentes.

20 – Geralmente os buracos, idênticos ao que existia na situação em causa nos presentes autos, são assinalados de outra forma que não com prumos em ferro.

21 – Regra geral são colocadas grades à volta dos obstáculos, com fitas ou sinais de perigo refletores, para serem visíveis a uma longa distância e dessa forma os condutores se acautelarem.

22 – Acresce que, segundo as testemunhas indicadas pela Ré, os sinais deveriam encontrar-se a uma distância de, pelo menos, 50 mts e distanciados um do outro.

23 - Na realidade tais sinais estariam a uma distância de 5/10 mts, conforme resulta do depoimento do agente da PSP e da análise do croqui existente nos autos, em claro incumprimento das mais elementares regras procedimentares e legais.

24 – Colocados de uma forma tão próxima do obstáculo, os sinais não cumpriram a função de alertar e salvaguardar a segurança dos condutores, pois quando os mesmos os avistassem, já estariam em cima do obstáculo e impossibilitados de qualquer reacção.

25 – Pelo que, a Ré falhou o seu dever de sinalização dos obstáculos e consequentemente de protecção e salvaguarda dos cidadãos, sendo a sua conduta ilícita.

26 - Acresce que, uma vez que o sinal de limite de velocidade não superior a 30 kms/h, se encontrava apenas a 10 mts. do buraco, o condutor não teria de respeitar esse limite de velocidade, pois dele não tinha conhecimento.

27 - A via em causa nos autos, situa-se dentro de uma localidade, logo a velocidade mínima legal é de 50 kms/h, circulando o condutor à velocidade de 40 kms/h, respeitou a velocidade legalmente estabelecida.

28 - O veículo da Autora ficou muito danificado, conforme resulta provado da própria sentença aqui em crise, caso o representante legal da Autora conduzisse à velocidade de 50 kms/h, os prejuízos resultantes do acidente seriam muito mais graves, pois o embate aconteceria a uma velocidade superior.

29 – Não existia a sinalizar o obstáculo qualquer fita reflectora, aliás como resulta do croqui. A fita reflectora foi colocada nos prumos pela PSP, após o acidente.

30 – Bem como não havia qualquer sinal de obras reflector amarrado aos prumos que circundavam o buraco. Caso existisse constaria do croqui.

31 - Acresce que o representante da Autora é um condutor bastante experiente e muito cauteloso, detentor de carta de condução há mais de 56 anos.

32 – É submetido, de dois em dois anos, a exames rigorosos para que a mesma lhe seja renovada, visto ser titular da carta tipo 2 (a qual o habilita a conduzir vários tipos de veículos, inclusive ambulâncias).

33 - Tendo a carta de condução do condutor sido renovada há cerca de um ano e meio, tendo obtido na última avaliação o quantitativo de 60%, o que permite concluir de que o condutor se encontrava perfeitamente apto para a condução.

34 - Não tem o condutor nenhum problema físico que o impeça de realizar uma condução segura, tendo inclusive se disponibilizado perante o “tribunal a quo” para se submeter a um exame oftalmológico, a fim de provar que não tem qualquer problema de visão. Continuando disponível para o fazer.

35 – Assim, não se afigura razoável que uma pessoa tão experiente e cautelosa e com todas as aptidões físicas e mentais, pudesse ser responsável por tal acidente.

36 – Foi a conduta ilícita e culposa da Ré que provocou o acidente da Autora, ao não colocar os sinais de trânsito à distância legalmente estabelecida., distância essa que permitiria aos condutores adoptarem um outro tipo de condução, pois alertados que fossem para a existência de um obstáculo na estrada.

37 – Sendo que quanto aos restantes elementos – dano e nexo de causalidade – os mesmos já eram considerados como preenchidos pela sentença proferida pelo “Tribunal a quo”.

38 - Mostram-se preenchidos todos os requisitos necessários para a verificação da responsabilidade civil extracontratual da Ré, conforme resulta dos artigos 7º a 10º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro.

39 – Devendo em consequência ser a Ré condenada a indemnizar a Autora no valor de € 8.309,76 (oito mil, trezentos e nove euros e setenta e seis cêntimos), acrescido de juros legais.
*

II –Matéria de facto.

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:

“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de Primeira Instância impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

A Recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto põe em causa o que se deu como provado sob a alínea E, nas conclusões 1 a 13:

“No local e dia do embate encontravam-se colocados dois sinais verticais de trânsito, antes do referido buraco, correspondentes a um sinal de perigos diversos na via (A29) e a um de imposição do limite de velocidade não superior a 30 km/h (C3)” .

Mas sem qualquer razão, mostrando-se irrepreensível o julgamento da matéria de facto, quer quanto a esta matéria de facto dada como provada quer quanto ao que não se deu como provado. De resto, proficuamente fundamentado.

Quanto à existência dos dois sinais na via é o próprio agente da PSP que elaborou o esboço do acidente junto aos autos, V., que o confirma, no seu depoimento aos minutos 36:04 a 47:43 da gravação da audiência de julgamento.

A própria Recorrente o reconhece (conclusão 13).

E não se deu como provada a distância a que estavam tais sinais porque esse dado, sem dúvida relevante, não consta do “croquis” do acidente e o agente da PSP que o elaborou já não se recordava de qual era essa distância.

São estas as suas declarações, na parte mais relevante:

“… estava um sinal de limite de velocidade e perigos vários…

… seria um buraco com ferros… não posso precisar …

… não me recordo (se tinha fitas à volta dos ferros) …; se tivesse tinha colocado no auto…

… À partida seriam uns 10 metros (do buraco aos sinais) …

…Não me lembro (a que distância estavam os sinais do buraco) mas da experiência que tenho estavam pelo menos a 5 metros…

... É uma recta … de 7 metros … sim (havia visibilidade) … o buraco estava na recta … eu via o buraco … os sinais também vi … durante aquela noite passaram “x” carros … só houve um acidente…

…Tenho a ideia que eram sinais de colocar no chão… por experiência quando existe um buraco … ou obras … existem sinais provisórios … “.

Quanto à velocidade a que seguia a viatura da Autora, nenhum elemento de prova minimamente seguro permite chegar a tal facto.

Impõe-se, por isso, manter na íntegra a sentença recorrida quanto ao julgamento da matéria de facto.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

A) A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto o transporte público de aluguer em veículos automóveis de passageiros, transporte em táxi, sendo proprietária do veículo automóvel com a matrícula XX-XX-XX da marca Mercedes, modelo 240 – facto alegado e não impugnado.

B) O sócio gerente da sociedade Autora, D., conduz habitualmente o veículo acabado de identificar – facto alegado e não impugnado.

C) No dia 11 de Fevereiro de 2015, cerca das 6h00, D., conduzia este veículo na Rua (…), quando embateu em quatro maciços e respectivos ferros que delimitavam um buraco existente na via – cfr. croqui anexo ao auto de participação junto na petição inicial como documento 30 a folhas 36 e 37 dos autos.

D) Após o embate o veículo ficou imobilizado a 42 metros e 70 centímetros do buraco – cfr. croqui anexo ao auto de participação junto na petição inicial como documento 30 a folhas 36 e 37 dos autos.

E) No local e dia do embate encontravam-se colocados dois sinais verticais de trânsito, antes do referido buraco, correspondentes a um sinal de perigos diversos na via (A29) e a um de imposição de limite de velocidade não superior a 30km/h (C3) – cfr. croqui anexo ao auto de participação junto com a petição inicial como documento 30 a folhas 36 e 37 dos autos.

F) O veículo automóvel XX-XX-XX sofreu prejuízos na parte da frente, tendo ficado danificado o motor, o bloco e o semi-carter – facto alegado e não impugnado.

G) A Autora teve de adquirir um motor usado, tendo despendido da quantia de 233,00 euros em transportes – cfr. recibo de táxi n.º 453 junto como documento 16 da petição inicial a folhas 73 dos autos.

H) A Autora despendeu da quantia de 6.375,07 euros para aquisição de peças, material e mão-de-obra na reparação do veículo automóvel identificado em A), melhor discriminados nas seguintes facturas:

a. Nº A/954, com data de 13/02/2015 no valor de 30,00 euros – cfr. documento 17 junto com a petição inicial a folhas 74 dos autos.
b. Nº 150750, com data de 04/03/2015 no valor de 63,90 euros - cfr. documento 18 junto com a petição inicial a folhas 75 dos autos.
c. Nº 150783, com data de 07/03/2015 no valor de 5,58 euros - cfr. documento 19 junto com a petição inicial a folhas 76 dos autos.
d. Nº 2015/49286, de 4/03/2015 no valor de 122,43 euros - cfr. documento 20 junto com a petição inicial a folhas 77 dos autos.
e. Nº 15115157, com data de 2/03/2015 no valor de 177,19 euros - cfr. documento 21 junto com a petição inicial a folhas 78 dos autos.
f. Nº 15115020, com data de 19/02/2015, no valor de 68,92 euros - cfr. documento 22 junto com a petição inicial a folhas 79 dos autos.
g. 150703, com data de 28/02/2015 no valor de 531,04 euros - cfr. documento 23 junto com a petição inicial a folhas 80 dos autos.
h. 2015/48995, com data de 19/02/2017 no valor de 97.88 euros - cfr. documento 24 junto com a petição inicial a folhas 81 dos autos.
i. Nº 23/1993, com data de 18/02/2015 no valor de 79,34 euros - cfr. documento 25 junto com a petição inicial a folhas 82 dos autos.
j. Nº 106, com data de 18/02/2015 no valor de 46,56 euros – cfr. documento 26 junto com a petição inicial a folhas 83 dos autos.
k. Nº 2635, com data de 16/03/2015 no valor de 5.109,05 euros - cfr. documento 27 junto com a petição inicial a folhas 84 dos autos.
l. Nº 151097, com data de 31/03/2015 no valor de 43,12 euros - cfr. documento 28 junto com a petição inicial a folhas 85 dos autos.

I) A Autora despendeu a quantia de 42,00 euros com a certidão do auto de ocorrência – cfr. documento 30 junta com a petição inicial a folhas 35 dos autos.

J) O veículo automóvel esteve paralisado para reparação durante 29 dias, período durante o qual deixou a Autora de auferir o rendimento correspondente à quantia de 1.598,19 euros – facto alegado e não impugnado na parte relativamente ao valor da perda de rendimento.

K) Mediante carta de 01.04.2015 dirigida ao Presidente da Câmara Municipal (...), a Autora peticionou ao Réu a quantia de 8.309,76 euros, conforme melhor se alcança pelo teor que se transcreve no que ora importa:

“Para efeitos do artigo 483-562 e 563 do Código Civil Português, junto envio as respectivas facturas relativas ao acidente, em 11/02/2015.
Em face do exposto, solicito a V. Exa. Se digne ordenar, para com a maior brevidade possível, e no prazo máximo de 90 dias (noventa dias) me seja paga a quantia de 8.369,76 (…).”

- cfr. documento 29 junto com a petição inicial a folhas 34 dos autos.
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III - Enquadramento jurídico.

Este são os fundamentos jurídicos plasmados na decisão recorrida:

“A matéria da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas encontra-se, actualmente, disciplinada na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro. Esta responsabilidade, à semelhança da lei civil, assenta na verificação cumulativa dos pressupostos do facto, culpa, ilicitude, dano e nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano alegado.

Nos termos do Artigo 7.º n.º1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa ou por causa desse exercício”. Por seu turno, o n.º1 do Artigo 9.º do mesmo diploma legal, dispõe que se consideram “ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes que violem princípios constitucionais, legais ou regulamentos ou que infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Já o Artigo 10.º n.º2 do supra citado diploma legal dispõe que “Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos”, sendo que verificados que estejam os pressupostos que conduzam a um dever de reparar um dano, o Artigo 3.º dispõe que o responsável deverá “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (n.º1), devendo a indemnização ser fixada em dinheiro quando não seja possível a reconstituição natural (n.º2), estando compreendidos na obrigação de indemnizar, caso se tenham por verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, danos patrimoniais e não patrimoniais (nº3).

a. Facto

No caso dos autos o facto reporta-se ao embate do veículo com a matrícula XX-XX-XX-XX, da marca Mercedes Modelo 240, num buraco delimitado por prumos de maciço e ferro, situado na Rua (…), que ocorreu no dia 11 de Fevereiro de 2015 (cfr. Itens A), C e D) do probatório).

Na referida rua, em que se situava o buraco em que embateu o veículo da Autora, estavam colocados dois sinais verticais de sinalização temporária, um correspondente a imposição de um limite de velocidade de 30km/h, e um outro que tinha por escopo advertir os condutores para a existência de perigos várias na via (cfr. Item E) do probatório e Doc. 30 de fls. 37 dos autos).

b. Ilicitude

Ora, nos termos do Artigo 3.º alínea f), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, as autarquias locais prosseguem as atribuições que lhe foram concedidas por lei, através do exercício pelos respectivos órgãos das competências legalmente previstas, nomeadamente em matéria de fiscalização.

Por seu turno, nos termos do Artigo 2.º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais - aprovado pela Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 19361, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 360/77, de 1 de Setembro - constitui atribuição das Câmaras Municipais a construção, conservação, reparação, polícia, cadastro e arborização das estradas e caminhos municipais.

Impende, portanto, sobre o Réu o dever de proceder à fiscalização, conservação e reparação das vias de trânsito que se encontrem sob a sua jurisdição municipal. Ora, tal fiscalização dever ser realizada com carácter regular, de forma a permitir que sejam devidamente sinalizados os obstáculos e perigos que se encontrem nas vias de trânsito, assim como, proceder à reparação das mesmas caso tal se imponha.

Efectivamente, nos termos do Artigo 5.º n.º1 do Código da Estrada “nos locais que possam oferecer perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis, devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito”. Nesse mesmo sentido, estatui o Artigo 28.º n.º1 do Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais.

Ficou demonstrado nos autos (cfr. Itens E) do probatório), que o Réu procedeu à devida sinalização do obstáculo situado na Rua (…). Uma vez que, após ter tomado conhecimento da existência do buraco por parte da protecção civil, procedeu à delimitação o buraco com 4 prumos maciços, ferros e fita reflectora, assim como, à colocação de sinalização vertical provisória, de acordo com as normas legais supra citadas que se lhe impunham.

Por seu turno, a Autora não logrou demonstrar a inexistência da sinalização vertical exigida por lei nos caos em que se encontram obstáculos na via, assim como, que o buraco não estava delimitado.

A Autora limitou-se a afirmar que o seu sócio gerente da não se apercebeu da existência de sinalização antes ou no local do embate (cfr. Artigo 10º do Articulado Inicial), assim como, referiu que no momento do embate não havia fita reflectora a delimitar o obstáculo.

Todavia, o obstáculo estava delimitado por prumos maciços com cerca de 80 cm e ferros, o que a própria Autora confirmou, porquanto no seu articulado inicial, concretamente no Artigo 7.º, que após o embate constatou a existência de ferros que delimitavam o buraco e nos quais embateu.

Ademais que, mesmo que no dia do embate já não houvesse fita reflectora a delimitar o buraco, certo é que a via estava iluminada, porquanto a luz pública ainda estava acesa na hora em que o embate ocorreu, como de resto o próprio sócio gerente da Autora e o Agente da PSP, que acorreu ao local, confirmaram.

O que permitiria, por si só, a boa visibilidade quer dos sinais verticais de sinalização temporária, que impunham restrições de velocidade e alertavam para a existência de perigos na via, assim como, dos prumos que delimitavam o buraco que tinham uma altura de cerca de 80 cm, ou seja, quase de 1 metro.

E tendo em conta que se tratavam de 4 prumos, o obstáculo seria difícil de passar despercebido aos condutores que conduzissem de acordo com as restrições de velocidades impostas para aquela via.

Tais factos permitem concluir que, ao contrário do alegado ela Autora, o Réu, sinalizou devidamente o obstáculo assim que tomou conhecimento do mesmo. Assim como, não tendo podido proceder de imediato à sua reparação, tomou as devidas precauções no sentido de alertar os condutores que circulassem na via para a existência do obstáculo, de modo a que aqueles adoptassem uma condução preventiva e de acordo com as restrições impostas, mormente quanto ao limite de velocidade.

Motivo pelo qual, a conduta do Réu não se demonstra violadora dos Artigos 2.º e 28.º do Regulamento das Estradas Municipais e do Artigo 5.º n.º1 do Código da Estrada, que impunham a devida sinalização de obstáculos e perigos existentes nas vias municipais. Ou seja, a conduta do Réu foi lícita.

c. Culpa

Será de frisar que, o nº3 do Artigo 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, contempla uma presunção de culpa leve, pelo que a mesma se presume, nos termos gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância, remetendo para o regime constante do Artigo 493.º n.º1 do Código Civil, que estipula a presunção de culpa de quem tiver violado os deveres de vigilância que sobre si impendiam.

É aliás, Jurisprudência consolidada, que será de aplicar à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, nomeadamente no que respeita à violação dos deveres de fiscalização e conservação das vias de trânsito, a presunção de culpa prevista no Artigo 493.º n.º 1 do CC [Acórdãos do STA de 01/06/2000, p. 46068; de 25/10/2000, p. 37510, de 20/03/2022, p. 45831 e de 03/10/2003, p. 45621, todos disponíveis em www.dgsi.pt].

Ora, nos termos do Artigo 344.º do CC, a existência de uma presunção legal de culpa implica a inversão do ónus da prova, uma vez que nos termos do Artigo 342.º do CC o lesado apenas terá provar o facto que serve de fundamento à presunção.

Por seu turno, cabe ao Réu a prova de que agiu de fora correcta empregando todos os meios necessários a evitar a lesão de direitos ou interesses de terceiros, não lhe sendo exigível outro comportamento senão aquele que adoptou [nesse sentido veja-se Acórdão do STA de 23/02/2012, p. 01008/11 disponível em www.dgsi.pt].

Portanto, beneficiando a Autora da referida presunção de culpa, impunha-se a respectivo elisão da mesma mediante prova em contrário, pelo que impendia sobre Réu o ónus da provar que haviam sido adoptadas todas as providências susceptíveis de evitar o dano provocado, que o mesmo não se ficou a dever a culpa sua ou que o mesmo se teria verificado ainda que não existisse culpa da sua parte.

Ora, o Réu logrou fazer prova de que agiu de acordo com o que lhe era imposto por lei, ou seja, proceder à devida sinalização do obstáculo existente na via em causa (cfr. Itens E) do probatório), porquanto colocou dois sinais verticais correspondentes à imposição do limite de velocidade para aquela via, e de existência de perigos vários na via, assim como, procedeu à limitação física do buraco.

Por outro lado, a Autora, não obstante as alegações que fez relativamente ao facto do Sr. D. ser um condutor experiente e cauteloso, afirmando que no dia do embate o mesmo não circulava a mais do que 40km/h, certo é que não fez prova dos factos que alegou.

Aliás, o sócio gerente da Autora chegou a afirmar, em sede declarações de parte, que não circulava a mais do que 40km/h. Ora, o sinal vertical de restrição do limite de velocidade, proibia que os veículos circulassem a mais de 30km/h.

Portanto, a equacionar-se algum tipo de culpa no caso dos autos, poderia até imputar-se ao condutor do veículo, pelo menos, a desobediência ao limite de velocidade imposto naquela via com o propósito de evitar, precisamente, acidentes como o que se discute nos presentes.

Assim sendo, terá de se concluir pela não verificação do requisito da culpa.

d. Dano

O dano consiste no prejuízo (de natureza patrimonial ou não patrimonial) resultante do facto. Ora, a Autora logrou fazer prova de que o embate que ocorreu no dia 11 de Fevereiro de 2015 causou prejuízos no veículo automóvel conduzido pelo sócio gerente da Autora (cfr. Itens G), H), I) e J) do probatório).

Efectivamente, na sequência do embate no buraco que se encontrava na via, o veículo automóvel sofreu danos no motor, no semi-carter, no quadro, entre outras peças e materiais que foram necessários à reparação do mesmo.

Além da reparação, a Autora não auferiu qualquer rendimento durante os 29 dias em que o veículo esteve paralisado, correspondente à quantia de 1.598,19 euros (cfr. Item J) do Probatório).

e. Nexo de Causalidade

Nos termos do Artigo 563.º do CC, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que ocorram quando do facto ilícito, mas apenas aqueles que dele sejam consequência directa e necessária, atenta a relação intrínseca que se estabelece entre ambos.

No caso dos autos verifica-se que não ocorreu ausência de sinalização e de delimitação do buraco existente na via, porquanto foi colocada no local a devida sinalização vertical, assim como, a própria delimitação física do buraco por parte do Réu.

Já se concluiu que o Réu não incorreu em qualquer ilicitude, nem tão pouco agiu com culpa, uma vez que actuou de acordo com o que lhe era imposto por lei em situações deste género.

Também já se deu nota, que a Autora não logrou provar que o condutor do veículo obedeceu o limite de velocidade imposto para aquela via. Pelo que, em abstracto, a conduta do Autor poderá até ter sido a causa do embate e, consequentemente dos prejuízos que se verificaram no automóvel.

Assim sendo, conclui-se que não se tem por verificado o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

2. Da obrigação de indemnizar

Conforme já se disse, a obrigação de indemnizar apenas se verifica quando se encontrem preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, porquanto são cumulativos (cfr. Artigo 3.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).

Da fundamentação de direito até aqui expendida, conclui-se que não se têm por verificados os requisitos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade. Motivo pelo qual, não se verifica, de igual forma, a obrigação do Réu de indemnizar a Autora pelos prejuízos causados ao veículo automóvel da marca Mercedes propriedade da Autora, na sequência do embate que ocorreu no dia 11 de Fevereiro de 2015 na Rua (…).

Vejamos.

Antes demais importa consignar que se mostra desacertada a decisão recorrida na parte em que refere não existir nexo de causalidade.

É indiscutível, da matéria dada como provada, que os estragos verificados na viatura da autora e, logo, as despesas suportadas pela Autora, ocorreram por virtude do acidente.

Na própria sentença se reconhece a existência do nexo de causalidade:

“Efectivamente, na sequência do embate no buraco que se encontrava na via, o veículo automóvel sofreu danos no motor, no semi-carter, no quadro, entre outras peças e materiais que foram necessários à reparação do mesmo.

Além da reparação, a Autora não auferiu qualquer rendimento durante os 29 dias em que o veículo esteve paralisado, correspondente à quantia de 1.598,19 euros (cfr. Item J) do Probatório).”

Assim como se conclui dos factos provados que a existência do buraco e maciços (presumivelmente de betão armado) no meio da via não foi de todo indiferente para a ocorrência do acidente. O que basta para estabelecer o nexo de causalidade entre essa situação anormal, da existência de um obstáculo no meio da via, e a ocorrência do acidente.

A distância, não apurada, a que estavam os sinais em relação ao buraco e aos maciços, bem como a velocidade a que seguia o veículo, também não apurada, apenas poderiam relevar, em nosso entender, no domínio da ilicitude e da culpa efectiva.

Quanto aos danos, são os que constam das alíneas G), H), I) e J) dos factos provados. Tudo somado dá a importância de 8.248, 25 euros.

Importa, portanto, analisar o que aqui é controverso, a ilicitude e a culpa.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime de Responsabilidade aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12. e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

Quanto ao pressuposto “ilicitude”, dispõe o artigo 9º da Lei nº 67/2007:

“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”

No caso concreto a ilicitude traduz-se na lesão do direito de propriedade da Autora sobre o seu veículo, face aos estragos que este sofreu no acidente, corrido por virtude da existência de um buraco e maciços com ferros no meio da via.

Verifica-se, pois, também este pressuposto.

Quanto ao pressuposto “culpa”, determina o artigo 10º da Lei nº 67/2007:

“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.

3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.

4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.”

No caso concreto não foi possível apurar nem a distância dos sinais de perigo, efectivamente colocados na via, até ao obstáculo que determinou o acidente, nem a velocidade a que seguia o veículo, quer pelas específicas circunstâncias do acidente (em particular não haver qualquer rasto de derrapagem ou travagem), pela insuficiência do auto da P.S.P (quanto à distância dos sinais até ao obstáculo) quer pelo natural esquecimento ou até falta de percepção de todo os pormenores do acidente, por parte das testemunhas.

Precisamente para estas situações em que não existe a possibilidade de reconstituir todos os factos relevantes, são estabelecidas as presunções legais, de forma a permitir alcançar, tanto quanto possível, a justiça no caso concreto.

Vale aqui, contra o Município demandado, a presunção de culpa que resulta do disposto no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Presume-se a culpa do Município demandado dado que, cabendo-lhe vigiar pela segurança da circulação de veículos e pessoas nas estradas municipais, não logrou provar no caso concreto que não houve culpa da sua parte na ocorrência do acidente, em concreto por os sinais de aviso de perigo estarem colocados à distância regulamentar, permitindo a qualquer condutor medianamente atento avistar e evitar o obstáculo e assim evitar o acidente. Ou que o condutor seguia a uma velocidade superior à permitida.

Mas também se aplica no caso a presunção a que alude o n.º3 do artigo 503º do Código Civil:

“Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte … “

O veículo da Autora, interveniente no acidente, era conduzido, por sua conta, pelo seu sócio-gerente D., no exercício profissional da condução de táxis.

Teria a Autora de provar, para estabelecer a culpa efectiva do Município demandado que os sinais indicadores de perigo não estavam à distância regulamentar e assim o obstáculo surgiu de forma imprevisível na frente do táxi, não sendo possível evitar o embate. Ou que o táxi seguia à velocidade imposta por lei ou sinal para o local e que mesmo assim teria sido inevitável o embate. O que não logrou fazer.

Existindo duas presunções de culpa, uma a onerar o Município demandado e outra a onerar a Autora, terá de ser repartida a culpa pela eclosão do acidente em igual proporção por ambas as partes, dado não ser possível no caso, graduar a culpa de cada um.

Por ser esta a solução que se mostra no caso mais equitativa, nos termos do disposto no artigo 494º do Código Civil:

“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Mas também por aplicação, não directa mas analógica, do disposto no n.º2 do artigo 506º do Código Civil:

“Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.

As razões que justificam esta norma do Código Civil verificam-se de igual modo na situação concreta aqui sob juízo.

Existe no caso concreto uma concorrência de culpas, não entre dois condutores, mas entre um condutor e a quem compete vigiar pela segurança da circulação numa via pública; em todo o caso, é uma situação em que existe concorrência de culpas na eclosão de um acidente e não é possível determinar qual o grau de culpa de cada um.

Pelo que, verificando-se todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Município demandado, ao contrário do decidido, se impõe julgar a acção procedente.

Mas apenas parcialmente procedente, dada a repartição igual de culpas.

Condenando-se, assim, o Município demandado a pagar a importância de 4.124 €00, equivalente a metade do valor apurado do prejuízo global, em arredondamento por defeito.

A que acrescem juros moratórios desde a citação até ao efetivo e integral pagamento – artigo 805º, n.º3, do Código Civil.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção parcialmente procedente:

2.1. Condenam o Município demandado a pagar à Autora a indemnização de 4.124 €00 (quatro mil cento e vente e quatro euros), acrescida de juro moratórios à taxa legal, desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.

2.2. Absolvem-no do restante pedido.

Custas em Primeira Instância na proporção de ½ para cada uma das partes.

Metade das custas neste recurso a cargo da Recorrente, dado que o Recorrido não contra-alegou.
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Porto, 17.12.2021

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira