Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00700/11.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS, ÓNUS DA PROVA
Sumário:: I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.

II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.

IV - A Administração Tributária não podia lançar mão da presunção constante deste normativo, porque as quantias em apreço não estavam escrituradas numa conta de sócios da sociedade.

V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:F.., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido de dever ser negado provimento a todos os recursos interpostos
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 31/05/2019, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por F…, Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), contra as liquidações de retenção na fonte de IRS, e respectivos juros compensatórios, dos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 107.105,83.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1 – A Mma. Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, em primeiro lugar, por ter considerado que não existem fundamentos para a aplicação da presunção de adiantamento por conta de lucros, a que alude o art.º 6.º, n.º 4 do Código do IRS, por resultar da prova documental e testemunhal produzida, que a contabilização dos movimentos de regularização dos saldos das contas de disponibilidades, foi levada a cabo na conta do Plano Oficial de Contabilidade ( POC) 26820 intitulada Dr. F. G., a qual não era uma conta de sócios, pois estas no âmbito de aplicação desse POC correspondiam à conta 25.
2-Face a tal não contabilização em conta de sócios, entendeu, em seguida, a Mma. Juíza que: ”(…) cabia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (conforme artigo 74.º, n.º 1, da LGT), coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h) do CIRS.”
3-Após citar o acórdão do TCA Norte de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, concluiu: “No caso dos autos, não obstante se encontrar externada na decisão em crise a verificação de “transferências bancárias, de periodicidade mensal, para duas contas abertas (…) em nome do sócio gerente”, ficou por demonstrar que tais transferências visavam fundos próprios da sociedade Impugnante, gerados em resultados.
Com efeito, mais refere a decisão em causa terem-se verificado “entradas de fluxos a título de empréstimos de curto prazo, sem que a sociedade tenha realizado investimentos nem a ocorrência de situações deficitárias de tesouraria que justificassem o recurso ao crédito”, concluindo que “a situação de endividamento se devia apenas (…) às retiradas monetárias, pagamentos de despesas da esfera pessoal e outros levantamentos efectuados pelo sócio-gerente” (sublinhado nosso).
Ora, as considerações acabadas de aduzir não permitem concluir, de forma suficientemente consistente, pela invocada transferência de “fundos próprios”, “gerados em resultados”, da sociedade para o seu sócio-gerente, do que decorre que a qualificação como adiantamento por conta dos lucros das aludidas transferências, “in casu”, não se pode manter.”
4-Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juíza, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova que conduziu à decisão por tal procedência, fundada no entendimento da inexistência de factos-índice, que conduzam ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS.
5-Com efeito, é entendimento desta RFP que existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção e da decisão da Reclamação Graciosa, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para o sócio-gerente, aceitando o entendimento explanado na douta jurisprudência citada.
6.-Em primeiro lugar, não é de exigir que exista um adiantamento sobre lucros em termos formais, com recurso ao disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), desde que materialmente esteja demonstrada essa saída de fluxos financeiros, como entendemos suceder na situação concreta.
7-Sendo que no Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, citado pela Mma. Juíza, também é referido: “Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.
Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quando uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.”
8-Ora, esses indícios concretos e suficientes, estão presentes no caso concreto, sendo que, parte das saídas nem sequer se encontram contabilizadas, correspondendo a parte das transferências para as contas bancárias do sócio gerente, mas que se encontram reflectidas nos extractos bancários em arquivo documental, não estando a origem do fluxo de tais quantias para o sócio-gerente expressa na contabilidade, sendo o seu valor de € 101,100,00 em 2007 (cfr. Anexo 21 ao relatório de Inspecção, a fls. 381 a 416 do Processo Administrativo-PA) e € 66.450,00 em 2008 (cfr. Anexo 22 ao relatório de Inspecção, a fls. 417 457 do PA).
9-Bem como, que a errada contabilização dos restantes montantes em causa numa conta 26 (e na conta correspondente do SNC), ao invés de uma conta 25, não pode legitimar a não tributação, por a contabilidade não reflectir a realidade material dos exercícios do sujeito passivo.
10-Há, desde logo, uma diferença na ordem dos € 221.254,84 (duzentos e vinte e um mil duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) entre o montante saído da sociedade para o sócio gerente Dr. F. G., nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor 495.004,84 (quatrocentos e noventa e cinco mil e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) e os empréstimos de curto prazo contraídos pela impugnante, no mesmo espaço temporal, no valor de € 273.750,00 duzentos e setenta e três mil e setecentos e cinquenta euros), pelo que tal diferença nunca poderia provir dos empréstimos à sociedade, não estando a origem de tal quantia expressa na contabilidade.
11-Por outro lado, e salvo melhor entendimento, a existência dos empréstimos de curto prazo contraídos pela sociedade, demonstram pelo contrário a retirada de montantes com a natureza de adiantamento por conta de lucros, pois nenhumas razões de tesouraria justificam recorrer ao mútuo desses montantes, resultando o recurso a tal, da retirada prévia de lucros pelo seu sócio-gerente e não a uma eventual “intermediação” dessa sociedade.
12-A qual se concretizou, como é detalhadamente descrito no Relatório de Inspecção e na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em transferências bancárias mensais de quantias da sociedade, para as contas bancárias do sócio-gerente e em valores contabilizados na conta corrente do sócio (26802-Dr. F. G.), resultantes de regularizações dos saldos de disponibilidades, nos anos de 2007, 2008 e 2009.
13-Sendo que se encontra demonstrada no Relatório de Inspecção a existência de lucros nos exercícios de 2007 e 2008, mesmo antes das correcções em sede de IRC levadas a cabo na acção inspectiva, no montante de € 55.194,43 em 2007 (€ 108.897,71 após as correcções) e €30.787,79 em 2008 (€ 89.643,46 após as correcções).
14-Aceita-se que, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida, era da AT, mas tal ónus, salvo melhor entendimento encontra-se cumprido, face ao supra exposto.
15-Tanto mais que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CIRS: “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos gastos e rendimentos dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”
16-E que o elenco enumerado no n.º 2 do mesmo artigo é meramente exemplificativo, pois dele consta: “Os frutos e as vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:”
17-Não podendo os fluxos financeiros destinados ao sócio deixar de ser aqui enquadrados, pois não faria sentido, em termos sistemáticos, que um rendimento acréscimo, como o do caso concreto, deixasse de ser tributado, desde logo, através da sua sujeição retenção da fonte, em sede do sujeito passivo em que se originaram tais fluxos financeiros.
18-Conforme é entendimento do TCA Sul, no seu Acórdão proferido em 31/01/2019, no P.º n.º 1244/06.7: “A Lei Geral Tributária (LGT) no seu artigo 4.º, n.º 1, esclareceu o sentido da CRP ao estabelecer que «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.».
O Tribunal Constitucional nas diversas vezes que tem sido convocado a pronunciar-se sobre o princípio da capacidade contributiva, tem entendido (por todos, o Acórdão n.º 602/12 de 9.4.2013): «[o] princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay).»”
19-Ora na concreta situação, existindo entrada nas contas bancárias e regularizações a favor do sócio-gerente, a AT ao levar a cabo a tributação das mesmas em sede de retenção na fonte de IRS, como rendimento de capitais, obedeceu às normas legais e constitucionais que a determinam a tributar, segundo o conceito do rendimento acréscimo e tendo em conta o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente do princípio da generalidade dos impostos (que impõe que todos os sujeitos passivos, sem excepção, estejam sujeitos a tributação) e respeitando o principio da capacidade contributiva.
20-Mais salienta J. CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 376. “É neste contexto, que se refere que podem existir situações que, por exigências do princípio da igualdade e do respeito pelos direitos fundamentais, impõem o afastamento das soluções legais estandardizadas mediante os tipos elaborados pelo legislador, à partida, formalmente igualitárias. De facto, quando a aplicação dos tipos legais previstos, por meio da técnica de simplificação, conduzir a clamorosas situações de injustiça material, torna-se necessário conceder à Administração a dispensa da sua observância conferindo-lhe antes a possibilidade de proceder segundo a regra da diferenciação que foi apartada pela tipificação.”
21-É própria Constituição da República Portuguesa que contém como principio ordenador do ordenamento jurídico tributário o da capacidade contributiva, criando um princípio aplicável à decisão normativa, sobre a selecção dos factos tributários, os deverão quais deverão corresponder àquelas circunstâncias da vida que revelam a maior ou menor capacidade contributiva de um qualquer sujeito jurídico e considerando como rendimento todo o fluxo patrimonial, que se entenda revelar adequadamente a capacidade de pagar impostos do seu receptor, cfr. ” J.L. SALDANHA SANCHES in Manual de Direito Fiscal, 3º edição, Coimbra – E J.G. XAVIER DE BASTO in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos – Coimbra Editora, 2007.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela verificação dos pressupostos de facto, que fundaram a tributação das quantias em causa como adiantamentos por conta de lucros, enquadráveis na previsão legal do art. 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que conduziu às liquidações de retenções na fonte de IRS impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA.”

A Recorrida terminou as suas contra-alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua.
2. Assim torna-se imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolve um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que assentou a decisão recorrida.
3. Não o tendo o recorrente procurado demonstrar o desacerto dos concretos fundamentos da decisão recorrida, com indicação dos vícios ou erros que o afectam, o recurso necessariamente improcede.
4. A AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a efectuar a correcção em causa, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito) e mediante uma fundamentação expressa e acessível, compreendendo-se esta exigência em face das pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controlo hierárquico e jurisdicional do acto.
5. A AT tinha que ter dito mais do que o que disse, ou seja, tinha que ser ela, uma vez que lhe competia demonstrar os pressupostos legais da sua actuação, a vir demonstrar, em primeira linha, que as quantias registadas naquela conta corrente estavam mal contabilizadas e não tinham nenhuma das naturezas que ali poderiam cair por força do POC, nomeadamente, a natureza de “empréstimos correntes”.
6. Em 1 de Janeiro de 2010 entrou em vigor, por força do disposto no art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, o novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
7. Por mor da entrada em vigor desse diploma e do disposto nos seus n.ºs 3.1 e 4.1 do seu anexo, foi publicada a Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, tendo essa Portaria procedido a uma nova definição/arrumação das contas.
8. Aquando da realização da inspecção tributária, vigorava já o SNC.
9. E a recorrente tinha procedido, a partir de 1 de Janeiro de 2010, à conversão das contas criadas e existentes no tempo de vigência do POC para as novas contas decorrentes da aplicação do SNC.
10. A conta n.º 27820, a que se refere a sentença, é a Conta que, no regime do SNC, sucedeu à Conta 26820, do tempo do POC: no tempo do POC, servia para contabilizar as operações relativas a “Outros devedores e credores”, no tempo do SNC, as operações relativas a “Outras Contas a pagar e a receber”.
11. Nos anos de 2007, 2008 e 2009, a recorrida nunca efectuou quaisquer lançamentos numa conta 27820, Acréscimos e Diferimentos, Dr. F. G., como resulta dos respectivos balancetes respeitantes a esses anos.
12. Só por erro de simpatia com os registos das idênticas operações, realizadas com relação aos exercícios de 2010 e seguintes, na apreciação da contabilidade relativa aos anos de 2007, 2008 e 2009, é que se pode admitir que o julgador tenha entendido que a recorrente efectuou, na vigência do POC, qualquer registo na conta 27820.
13. O relatório de inspecção não dá conta da existência de qualquer conta 27820, no tempo do POC, sendo que, a existir, ela teria de constar do balancete de cada um dos anos.
14. Por outro lado, a Conta 12101 já no sistema do POC dizia respeito a “Depósitos à Ordem”, tal como, de resto, no SNC.
15. Mas essa Conta admitia uma Subconta de “erros contabiliz”, para registo de operações cujo lançamento, a crédito ou a débito, na conta “Depósitos à Ordem” houvesse sido efectuada com erro.
16. As transferências bancárias foram efectuadas tão só na conta POC 26820, Outros devedores e credores, Dr. F. G. e na conta POC 12 101, Depósitos à ordem-Erros de contabiliz.
17. Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, os casos em que podem ser presumidos os rendimentos da categoria E, ou seja, só os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais e que a presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do Recorrente escriturada na sociedade. (Cfr. Acs. do TCAS 8216/11 de 05.02.2015, 4357/10 de 11.01.2011, 3221/09 de 13.10.2009 e 8216/14 de 05.02.2015) – Ac. do TCAN de 13.7.2017, Processo n.º 00484/07.6BEVIS.
18. Ou então o AC. de 8.3.2018, Processo n.º 00865/13.6BEPRT: “I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros”.
19. Não está demonstrado ter ocorrido qualquer transferência da sociedade para o sócio de fundos próprios gerados em resultados.
Termos em que e nos mais de direito, deve o recurso apresentado pela Fazenda Pública, ser julgado improcedente, com as legais consequências.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento a todos os recursos interpostos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado inadmissíveis as correcções que foram qualificadas como adiantamento por conta dos lucros ao sócio-gerente da impugnante.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“III.1.FACTOS PROVADOS COM RELEVO PARA A DECISÃO DA CAUSA:
A) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de C..., realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, relativa aos anos de 2007, 2008 e 2009 – conforme documento a folhas 202 e 203 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) Da matrícula da impugnante consta conforme segue:
«AP. 6/20060126 – CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)
FIRMA: F….LDA NIPC: (...)
NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE POR QUOTAS
(…)
OBJECTO: Prestação de serviços de medicina dentária.
(…)
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA: 4.750,00 Euros
Insc. 1 TITULAR: F…. NIF: (…)
(…)
FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS:
(…)
GERÊNCIA:
F. .
Cargo: Gerente (…)» - conforme documento a folhas 123 a 125 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Relatório de Inspecção Tributária” (RIT), datado de 02.02.2011, do qual consta conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 202 a 494 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) O relatório a que se alude em C) é integrado, entre outros, pelos seguintes anexos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 227 e 228 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante as liquidações de IRS (retenções na fonte) n.os 2011 6410000216, 2011 6410000217 e 2011 6410000218, relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor global de 107.105,83 euros – conforme documentos a folhas 15 a 17 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) Em 29.06.2011 foi recebida no Serviço de Finanças de Coimbra 1, “reclamação graciosa” em nome da Impugnante, contra as liquidações a que se alude em E) – conforme documentos a folhas 5 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Na petição inicial da “reclamação graciosa” a que se alude em F) foi requerida a inquirição da testemunha L…– conforme documentos a folhas 5 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) O procedimento de “reclamação graciosa” a que se alude em F) correu termos sob o processo n.º 3050201104002237, do Serviço de Finanças de C.. – conforme documentos a folhas 1 a 3 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Em 05.08.2011 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em H), a informação n.º 283/2011, da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de C..., da qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 141 a 151 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) Sobre a informação a que se alude em I) foi exarado despacho do Diretor de Finanças de C.., datado de 07.09.2011, do qual consta conforme segue:
«Concordo, pelo que nos termos e com os fundamentos da informação e pareceres que seguem o pedido será indeferido.» - conforme documento a folhas 141 a 151 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) A “conta [268]20” a que alude a informação identificada em I) por referência aos anos de 2007, 2008 e 2009, corresponde à “numeração” prevista no Plano Oficial de Contabilidade (POC);
L) No ano de 2010, o programa informático de contabilidade da Impugnante previa um mecanismo de “correspondência” entre as “contas POC” e as “contas SNC” (Sistema de Normalização Contabilística);
M) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de C... remeteu ao mandatário da Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em H), ofício datado de 08.09.2011, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 135 a 137 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Em 28.09.2011 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em H), a informação n.º 109/2011, da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de C..., da qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 138 e 139 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) Sobre a informação a que se alude em N) foi exarado despacho do Diretor de Finanças de C.., datado de 29.09.2011, do qual consta conforme segue:
«Concordo, pelo que tornando agora definitivo o projecto de decisão em apreço, notificado ao Reclamante, e nos termos e com os fundamentos no mesmo já aduzidos, indefiro a presente reclamação. (…)» - conforme documentos a folhas 138, 139 e 157 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de C... remeteu ao mandatário da Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em H), ofício datado de 14.10.2011, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documentos a folhas 157 a 159 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) O ofício a que se alude em P) foi recebido em 17.10.2011 – conforme documentos a folhas 157 a 159 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) A petição inicial da impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 31.10.2011 – conforme registo aposto no sobrescrito a folhas 28 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
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III.2.FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
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III.3.MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.
Quanto aos factos sob as alíneas K) e L) do probatório, a convicção do Tribunal formou-se, ainda, com base no depoimento das testemunhas inquiridas – contabilistas da Impugnante nos anos em causa – os quais depuseram com segurança e coerência tendo-se, por isso, e atenta a respetiva razão de ciência, mostrado credíveis e convincentes ao Tribunal.”
2. O Direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial intentada por F.., Lda. A presente impugnação mostra-se dirigida ao acto de indeferimento da reclamação graciosa, que visou as liquidações de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2007, 2008 e 2009, surgindo na sequência de correcções efectuadas pela AT, assentes na presunção de que os vários lançamentos efectuados na conta do sócio F. G. consubstanciam rendimentos de capitais – categoria E - adiantamentos por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Trata-se de uma nova decisão prolatada na sequência do acórdão deste TCA Norte, de 08/03/2018, que anulou a sentença proferida anteriormente e determinou a remessa do processo ao TAF de Coimbra para ampliação da matéria de facto, após aquisição de prova.
Em causa estavam, essencialmente, os factos apurados nos pontos 13 e 14 da anterior decisão recorrida, proferida em 25/01/2013, relativos às circunstâncias e motivos por que as quantias ali indicadas teriam sido transferidas da sociedade para o seu sócio. Envolvendo dúvida quanto ao rigor na identificação das contas em causa, justificando-se uma melhor instrução no que respeita à conta 27820, posto que a nomenclatura, numeração e ordenação das contas e dos códigos do POC sofreram alterações, não existindo sintonia entre a conta 26820 do POC e a conta 27820 do SNC, acabando por se consignar que não existe qualquer conta 278 no POC. Efectivamente, os elementos disponíveis não permitiam formar convicção firme quanto à matéria de facto impugnada, impondo-se a promoção de diligências probatórias tendo em vista a ampliação da decisão da matéria de facto, permitindo, então, uma cabal e ampla apreciação da natureza dos valores e a que título foram transferidas essas quantias da sociedade para o sócio gerente que se qualificaram como adiantamento por conta dos lucros; pois só após suprimento do défice instrutório apontado seria possível retirar as devidas e mais seguras ilações.
Para o que aqui releva, estava em causa na impugnação judicial apreciar se houve erro na qualificação dos montantes transferidos para o sócio enquanto adiantamento por conta de lucros, por se tratar de mútuos gratuitos e se a AT não demonstrou a base da presunção, constante do n.º 4 do artigo 7.º (agora, artigo 6.º, n.º 4) do CIRS, ou seja, se não demonstrou que as quantias haviam sido escrituradas na sua conta corrente e que as mesmas não resultavam de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, caso em que não pode funcionar tal presunção de que as quantias são adiantamentos por conta de lucros.
Foi realizada a inquirição das testemunhas indicadas pela impugnante e, nesta nova sentença recorrida, já não estão incluídos no probatório os anteriores pontos 13 e 14, constando dos factos provados com relevo para a decisão da causa os pontos K e L:
«K) A “conta [268]20” a que alude a informação identificada em I) por referência aos anos de 2007, 2008 e 2009, corresponde à “numeração” prevista no Plano Oficial de Contabilidade (POC);
L) No ano de 2010, o programa informático de contabilidade da Impugnante previa um mecanismo de “correspondência” entre as “contas POC” e as “contas SNC” (Sistema de Normalização Contabilística).»
Para melhor compreensão, vejamos o teor da sentença recorrida com o qual a Fazenda Pública não se conforma, mas que segue jurisprudência deste tribunal:
«(…) Nos presentes autos vem a Impugnante pôr em crise a decisão a que se alude em O) dos factos provados, a qual versou sobre os atos de liquidação de IRS (retenções na fonte), dos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor global de 107.105,83 euros, a que se alude em E) do probatório.
Refere a citada decisão, por remissão para a informação a que se alude em I) e J) do probatório, em síntese conclusiva, conforme segue:
«(…) Nos termos do nº 4 do art.º 6º do CIRS, presumem-se lucros ou adiantamentos por conta de lucros os lançamentos em quaisquer contas correntes de sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Nos autos por se ter constatado em acção inspectiva que a ora reclamante procedeu, nos anos de 2007, 2008 e 2009, a vários lançamentos na conta do sócio, presumiu-se que se tratavam de lucros ou adiantamentos de lucros, sujeitos a IRS, em sede da categoria E – “Rendimentos de Capitais – Adiantamentos por Conta de Lucros”, nos termos do art.º 5º, nº 2 alínea h) do CIRS, e por isso sujeitos a retenção na fonte a uma taxa liberatória de 20%, conforme vem estabelecido no art.º 98º do mesmo diploma. (…)»
Vem, assim, a decisão em causa – a qual constitui o objeto imediato da presente impugnação – lançar mão da presunção a que alude o artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, com vista à fundamentação do ato em crise.
Ora, conforme decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, entre outros, no seu acórdão de 08-03-2018 Proferido no processo n.º 00865/13.6BEPRT e acessível em www.dgsi.pt., «o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.»
No caso sujeito, mais refere a decisão em crise terem sido detetados “movimentos contabilísticos, algumas vezes designados por acertos (…) para regularização de saldos de várias contas de disponibilidades tendo como contrapartida movimentos a débito da conta 26820 – Dr. F. G..”
Conforme se extrai da factualidade provada, a aludida “conta [268]20” corresponde à “numeração” prevista no Plano Oficial de Contabilidade (POC) [conforme alíneas I) e K) dos factos provados], contendo a mesma, no âmbito do POC, a designação de “devedores e credores diversos”.
Resulta, assim, não se tratar a mesma de uma “conta de sócio” (que no âmbito do POC teria que corresponder a uma “conta 25-sócios”), não podendo, nessa medida, operar a presunção ínsita no citado artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, expressamente invocada na decisão em crise.
Destarte, cabia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (conforme artigo 74.º, n.º 1, da LGT), coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h) do CIRS.
Acresce que, no Acórdão do TCA Norte de 08.03.2018( Proferido no Processo n.º 00865/13.6BEPRT e acessível em www.dgsi.pt.), decidiu-se conforme segue: “(…) O Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu artigo 297.º, n.º 1, prevê que nas sociedades anónimas sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
«a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;
b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;
c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».
Embora o CSC não contenha disposição idêntica para as sociedades por quotas (caso da impugnante), o certo é que a admitir-se tal possibilidade também nesta modalidade societária, sempre haveriam de observar-se as regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros nas sociedades anónimas – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 545/10.4BECBR.
E analisadas tais regras, logo se vê que o adiantamento por conta dos lucros supõe a transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para os sócios.
Ora, os resultados das empresas decorrem da diferença entre os proveitos e os custos apurados no exercício.
Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (…).
No caso dos autos, não obstante se encontrar externada na decisão em crise a verificação de “transferências bancárias, de periodicidade mensal, para duas contas abertas (…) em nome do sócio gerente”, ficou por demonstrar que tais transferências visavam fundos próprios da sociedade Impugnante, gerados em resultados.
Com efeito, mais refere a decisão em causa terem-se verificado “entradas de fluxos a título de empréstimos de curto prazo, sem que a sociedade tenha realizado investimentos nem a ocorrência de situações deficitárias de tesouraria que justificassem o recurso ao crédito”, concluindo que “a situação de endividamento se devia apenas (…) às retiradas monetárias, pagamentos de despesas da esfera pessoal e outros levantamentos efectuados pelo sócio-gerente” (…).
Ora, as considerações acabadas de aduzir não permitem concluir, de forma suficientemente consistente, pela invocada transferência de “fundos próprios”, “gerados em resultados”, da sociedade para o seu sócio-gerente, do que decorre que a qualificação como adiantamento por conta dos lucros das aludidas transferências, “in
casu”, não se pode manter.
Face ao exposto, impõe-se concluir pela procedência da pretensão da Impugnante, dando-se, com isso, por prejudicado o demais invocado. (…)»

Assim, como já apontava o anterior acórdão deste tribunal proferido nos presentes autos, a prova, entretanto, produzida determina um desfecho diferente para a causa.
Conforme se extrai da factualidade provada, a aludida conta 26820 corresponde à numeração prevista no POC, contendo a mesma, no âmbito do POC, a designação de "devedores e credores diversos", não se tratando, assim, de uma conta de sócio, que no âmbito do POC teria que corresponder a uma conta 25-sócios, não podendo, nessa medida, operar a presunção ínsita no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, expressamente invocada na decisão da AT em crise.
Entendendo a Meritíssima Juíza “a quo” que cabia à AT fazer a prova dos pressupostos do seu agir e citando acórdão deste TCA, do qual transcreveu alguns trechos, acabou por concluir ter ficado por demonstrar que as transferências bancárias, de periodicidade mensal, para as duas contas abertas em nome do sócio gerente, visavam fundos próprios da sociedade impugnante, gerados em resultados.
No seu recurso (na 5.ª conclusão) alega a Fazenda Pública que a sentença errou na apreciação da prova, pois que “existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção e da decisão da Reclamação Graciosa, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para o sócio gerente”, não sendo exigível um adiantamento em termos formais, com recurso ao artigo 297.º, n.º 1 do CSC.
Nas conclusões 11.ª, 12.ª e 13.ª das suas alegações de recurso, o Recorrente refere o que entende configurar a existência de indícios da retirada de montantes da sociedade com a natureza de adiantamentos por conta dos lucros e termina dizendo que havendo entradas nas contas bancárias e regularizações a favor do sócio gerente, a AT não poderia deixar de levar a cabo a tributação em sede de retenção na fonte de IRS, como rendimento de capitais.
Desde logo, ressalta, claríssimo, que o Recorrente não coloca em causa no recurso não poder operar, in casu, a presunção ínsita no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS; sendo ostensiva a falha nos seus pressupostos. Recordando-se ter sido assente nesta presunção que a AT efectuou as correcções que originaram as liquidações em apreço.
Por outro lado, a Fazenda Pública aceita, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida, era da AT – cfr. 14.ª conclusão das alegações de recurso.
E assim chegamos ao objecto do recurso: o Recorrente defende que tal ónus se encontra cumprido.
Efectivamente, a Fazenda Pública imputa à sentença recorrida erro na apreciação da prova, dizendo que, ao contrário do decidido, existem indícios suficientemente fortes de que as transferências para o sócio revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros.
Embora se aceite não ser exigível o formalismo a que alude o citado artigo 297.º, n.º 1 do CSC para se concluir que os fundos transferidos revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros, é indubitável que compete à AT alegar e provar essa realidade, principalmente quando não opera a presunção contida no n.º 4 do artigo 6.° do CIRS.
O Recorrente pretende infirmar a decisão recorrida remetendo para alguns pontos do relatório (cfr. 8.ª e 10.ª conclusões das alegações de recurso) e desvalorizando o facto de não existir a contabilização dos montantes em causa numa conta 25.
Não adianta, contudo, do nosso ponto de vista, dados consistentes que importem uma alteração factual, uma vez que a matéria que se logrou provar é fulcral: que a conta identificada no Relatório de Inspecção e na informação transcrita no ponto I) não é uma conta de sócios – cfr. ponto K) da decisão da matéria de facto. Acresce não resultar da fundamentação da AT que os fundos em causa correspondam a resultados/lucros auferidos pela sociedade. Pelo que não poderá obter uma decisão no sentido pretendido.
O Recorrente acaba por reconhecer alguma deficiência na explanação constante do Relatório de Inspecção, mas, ainda assim, refere que a argumentação da Inspectora Tributária demonstra que os movimentos a favor do sócio-gerente não podiam ter a natureza de mútuos, estando implícito que não se encontram registadas na conta correcta, assentando nesta má contabilização o pressuposto que conduziu à tributação, cabendo à Impugnante alegar e provar factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo da AT, de tributação dos movimentos das quantias em causa, como adiantamentos por conta de lucros.
Ora, tal construção inverte a situação que nos é colocada. Pois, se a AT pretendia, como fez, fundar-se na presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, teria que provar os requisitos em que assenta a ilação, caso contrário não pode alcançar o facto desconhecido, que é o adiantamento por conta de lucros. Ficamos, portanto, a montante da construção apresentada pelo Recorrente.
Se, para além da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros; então, para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio, o que não ocorreu.
Reiteramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a entrada de capital nas contas particulares do sócio-gerente como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que foi feito depósito pela sociedade na conta de sócio alicerçado nos resultados do exercício da sociedade.
Assim, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, concluindo-se pela ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei; sendo irrelevante a discussão que se formou em torno da questão de saber se tais quantias se tratavam, afinal, de eventuais empréstimos da sociedade ao sócio-gerente.
Por conseguinte, e em conclusão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não podia lançar mão da presunção constante deste normativo, porque as quantias em apreço não estavam escrituradas numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 21 de Novembro de 2019


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães