Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00453/11.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/03/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:IVA; NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; DIREITO À DEDUÇÃO; ARTIGO 20.º DO CIVA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – Apenas a total ausência de fundamentação de facto e de direito determina a nulidade da sentença, vício este que não vingará se a fundamentação for deficiente ou insuficiente.

II – A nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.

III – Não cabe ao Tribunal substituir-se à administração, só podendo manter ou anular os atos tributários tendo em conta a concreta fundamentação com base na qual os mesmos foram proferidos, daí que, se os anular ou mantiver com fundamentos distintos, incorre em erro de julgamento.

IV - A dedução do IVA corresponde a um direito do contribuinte, segundo a própria conformação normativa do imposto, pelo que caberá a ele demonstrar a existência dos factos em que suporta o direito à dedução a que se arroga.

V - Deste modo, quando esteja em causa uma liquidação adicional baseada no não reconhecimento pela administração de uma dedução que o contribuinte fez, caberá a este a prova da verificação dos requisitos estabelecidos na lei para que essa dedução seja substantivamente legítima, conquanto, previamente, a AT haja aportado factos passíveis de criar fundada dúvida sobre a legitimidade de tal dedução.

VI – Se a AT não cumpriu o seu ónus probatório e prevalecendo a presunção estabelecida no artigo 75º, nº 1, da LGT, não carece já a Recorrente de fazer a prova da existência dos factos em que suporta o direito à dedução do IVA a que se arroga pois que, segundo o disposto no artigo 350º, nº 1, do Código Civil, «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz».*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A.., LDA., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 31.05.2012, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2006 e a decisão que indeferiu a respetiva reclamação graciosa.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. A Recorrente não pode aceitar o entendimento vertido pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, quanto à manutenção dos actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros, relativos aos períodos compreendidos entre 0603T e 0612T.
B. A Sentença padece de vício de falta de fundamentação, por duas ordens de razões.
C. O Tribunal a quo não explicita os motivos pelos quais entende ter sido cumprido o ónus da prova que recaía sobre a Autoridade Tributária, nos termos do artigo 82.º, n.º 1 do CIVA,
D. E, apesar de aparentemente conduzir a argumentação no sentido da inadmissibilidade do IVA suportado pela Recorrente com a aquisição dos serviços prestados pela VX.., com base na falta de demonstração do conteúdo de tais serviços, o Tribunal acaba por basear a sua decisão na “inexistência de IVA suportado em consumos intermédios”.
E. Esta consideração, não se reportando à inexistência de facturas — as quais, no caso em apreço, existem —, parece apontar, ainda que de forma algo velada, para a simulação das operações cujo IVA consta das referidas facturas que, no entanto, nunca foi expressamente invocada nem pela Autoridade Tributária, nem pelo Tribunal a quo.
F. A Sentença objecto de recurso encontra-se, ainda, inquinada por erro de julgamento, uma vez que não foi devidamente valorada a prova testemunhal nem documental.
G. Quanto ao depoimento das testemunhas, destacar-se-á o do Dr. R..., que concretizou os serviços de gestão que prestou à Recorrente através da VX.., que incluíram, designadamente, a delineação ex novo da actividade da Recorrente, a contratação de pessoal e o contacto com instituições bancárias.
H. Do depoimento da Dr.ª P... resultam corroboradas as afirmações do Dr. R... quanto ao facto de os serviços prestados pela VX.. se traduzirem no acompanhamento da gestão interna da Recorrente.
I. Deveria o Tribunal a quo, com base nestes depoimentos, fixar como provado o objecto dos serviços prestados pela VX.. à Recorrente.
J. No que concerne ao depoimento de S..., bem como aos documentos contendo registos telefónicos regulares entre os n.ºs de telemóvel pertencentes à Recorrente e à VX.., ambos demonstram a veracidade dos serviços de gestão prestados por esta, que parece ter sido posta em causa pelo Tribunal a quo, ainda que de forma velada.
K. Deverá ser incluído um novo ponto, a constar da matéria dada como provada, de acordo com qual se dê por demonstrado que os serviços de gestão em causa foram efectivamente prestados pela VX.. à Recorrente.
L. A Sentença objecto de recurso padece igualmente de uma errada interpretação e aplicação do direito.
M. A Autoridade Tributária fundamentou os actos tributários de liquidação a partir do conceito de indispensabilidade dos custos constante do artigo 23.º do CIRC,
N. Tendo concluído não serem os serviços de gestão prestados pela VX.. indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto nem à manutenção da fonte produtora,
O. E referindo, ainda no Relatório de Inspecção que, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, o IVA suportado na aquisição dos referidos serviços não se afigura dedutível.
P. A Recorrente, em sede de impugnação judicial, contestou a interpretação dada pela Autoridade Tributária ao artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, uma vez que o mesmo não exige, para que seja dedutível o imposto suportado pelo sujeito passivo, que se estabeleça um juízo de adequação entre as operações a montante e a jusante, com base no critério da indispensabilidade dos custos,
Q. Pelo que não poderia o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, interpretado como foi pela Autoridade Tributário, fundamentar os actos tributários de liquidação adicional impugnados.
R. Não se pronunciou o Tribunal a quo sobre este vício de violação de lei invocado pela Recorrente na petição inicial.
S. Absteve-se, por conseguinte, de apreciar da (i)legalidade da interpretação dada pela Autoridade Tributária ao artigo 20.º, n.º 1 do CIVA para justificar a desconsideração do IVA suportado pela Recorrente na aquisição dos serviços de gestão prestados pela VXX.., ou seja, os verdadeiros fundamentos dos actos sob discussão.
T. Mais: partiu de um argumento que a Autoridade Tributária não invocou no Relatório de Inspecção Tributária — a falta de demonstração do conteúdo dos serviços prestados pela VX.. à Recorrente —, fez referência às regras de distribuição do ónus da prova e, entendendo que a Recorrente não demonstrou os pressupostos de que dependia o exercício do direito à dedução do IVA, concluiu não ser o imposto dedutível nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.
U. Ultrapassou, deste modo, os limites impostos pelo próprio tipo de contencioso em que se insere a presente impugnação judicial: o contencioso de mera anulação, no âmbito do qual o Tribunal deve cingir a sua apreciação aos fundamentos invocados pelo autor do acto objecto de contestação.
V. Por tudo quanto se expôs, deverá a Sentença de que se recorre ser revogada e substituída por Acórdão que anule os actos tributários de liquidação impugnados, os quais padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo anuláveis, nos termos do artigo 135.º do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, al. c) da LGT.
W. Caso se entenda que a desconformidade das liquidações adicionais de IVA com o Direito da União Europeia aqui exposta não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do Tribunal de Justiça, deverá este Tribunal, sendo a última instância de recurso, fazer uso do mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, formulando as questões acima formuladas.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, revogada a Sentença recorrida e substituída por Acórdão que determine a anulação das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, identificadas com os n.ºs 10019014 a 10019021, referentes aos períodos de 0603T a 0612T, no valor total de € 18.455,58, com as demais consequências legais.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir, de acordo com a ordem de precedência lógica, se a sentença recorrida enferma de: (a) nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, (b) erro de julgamento de direito por ter mantido os atos em crise com fundamento distinto daquele em que a AT baseou a sua atuação, bem como de (c) erro de julgamento de facto, ao não ter valorado adequadamente a prova testemunhal e documental produzida.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:
1.
A A.., LDA., é uma empresa têxtil que desenvolve modelos de têxtil lar, em especial na área da roupa de cama — facto admitido por acordo.
2.
Em momento que não é possível determinar, a A.., LDA. , e a VX.., Lda., celebraram um contrato com vista à prestação, por esta, de serviços de consultoria na área de gestão, planeamento e controlo — cfr. o depoimento de R... e P....
3.
A A.., LDA., foi sujeita a uma acção interna de inspecção de âmbito parcial, tendo sido objecto de análise o IRC do ano 2006 e o IVA dos períodos de 2006.03 a 2006.12 — cfr. fls. 160 do processo administrativo.
4.
Em 11 de Janeiro de 2010, foi elaborado o Relatório de Inspecção relativo àquela acção inspectiva que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(...)
III - 2 - Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
III - 2.1 - Facturas emitidas por “VX... Lda.”
Conforme referido no ponto III - 1.1, a partir do mês de Março de 2006, inclusive, o sujeito passivo tem registado na sua contabilidade duas facturas emitidas mensalmente pela empresa VX.., Lda.
Também já referimos no ponto III - 1.1 que uma dessas facturas mensais, tem como descritivo «consultoria na área de gestão e negócios, planeamento e controlo» e tem um valor mensal de € 6.000,00 acrescido de IVA, e a outra factura tem como descritivo «despesas de representação - deslocações, combustíveis e estadias» e tem um valor mensal de € 1.500,00 acrescido de IVA.
Como já se concluiu no ponto III - 1.1, não há qualquer relação entre estas despesas e a obtenção de proveitos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, o IVA contido nestes documentos não é dedutível porque não se tratam de aquisições de bens ou serviços para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
Para além deste motivo, o IVA das despesas debitadas pela empresa VX.., Lda., nas facturas cujo descritivo é «despesas de representação — deslocações, combustíveis e estadias» não é também dedutível pelo previsto nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.
Pelo referido, o sujeito passivo deduziu indevidamente os montantes indicados por período no quadro abaixo elaborado:
Documento N.º Data Valor IVA Total Conta IVA
contabilização base IVA deduzido
Factura 1 31-03-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
2006.03T Total 1.260,00
Factura 2 30-04-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 3 31-05-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 5 31-05-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 6 30-06-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
Factura 7 30-06-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 8 30-06-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
2006.03T Total 1.260,00
Factura 9 31-08-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 10 31-08-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
Factura 11 30-09-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 12 30-11-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
200609T Total 3.150,00
Factura 13 31-10-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 14 31-10-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
Factura 15 30-11-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 16 30-11-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
Factura 17 31-12-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 18 31-12-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
Factura 19 31-12-2006 6.000,00 1.260,00 7.260,00 2432341 1.260,00
Factura 20 31-12-2006 1.500,00 315,00 1.815,00 2432341 315,00
200612T Total 6.300,00
Total 16.380,00
(...)” - cfr. fls. 157-166 do processo administrativo.
5.
Na sequência da correcção efectuada após a acção inspectiva foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros - actos impugnados - n.ºs 10019014 a 10019021, relativas aos períodos de 0603T a 0612T - cfr. fls. 41-50 do processo administrativo.
6.
Em 13 de Julho de 2010, a lmpugnante deduziu Reclamação Graciosa contra aquelas liquidações - cfr. fls. 3-36 do processo administrativo.
7.
Por despacho do Director de Finanças Adjunto de de de Janeiro de 2011 - acto impugnado -, a Reclamação foi indeferida - cfr. fls. 107-122 do processo administrativo.
§
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou:
A.
O objecto das prestações de serviço tituladas pelas facturas n.ºs 1 a 3 e 5 a 20 emitidas pela VX.., Lda., à Impugnante — cfr. o depoimento de R... e E....
§
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
Quanto às testemunhas:
- R... declarou ter sido sócio fundador e administrador (não remunerado) da Impugnante e, mais tarde, responsável pela VX.., Lda.”, sendo que deixou a lmpugnante amigavelmente, mantendo boas relações, ainda hoje, com o administrador desta, seu amigo de longa data de quem é compadre e padrinho de casamento.
Quanto à matéria relativa ao seu trajecto de vida, carreira profissional no exercício da medicina e desenrolar da sua actividade empresarial, depôs de forma consistente, fluida e expansiva.
Mostrou-se, todavia, hesitante e pouco explícito quando directamente inquirido sobre os serviços por si prestados, através da VX.. à Impugnante, cujas facturas foram postas em causa pela inspecção e deram causa às liquidações impugnadas.
Certo que referiu gerir pessoal, definir estratégias e apoiar o administrador da Impugnante, mas não conseguiu exemplificar de que modo geria o pessoal, definia estratégias ou apoiava o gerente nos períodos relevantes do exercício de 2006. No ponto, o depoimento foi evasivo, sendo que, apesar de ter referências à necessidade de aconselhamento sentida pelo gerente da Impugnante e a alguns factos concretos (contratou uma economista, foi a uma entidade bancária, preparava as colecções em conjunto...), não foram circunstanciados no tempo nem, consequentemente, enquadrados como sendo o objecto das prestações de serviço realizadas pela VX...
Algumas afirmações relativas ao funcionamento da Impugnante e às funções desempenhadas pela testemunha foram contraditórias, como quando afirmou que o sócio administrador da Impugnante estava disposto a facultar-lhe 60% da sociedade, graciosamente, apenas para a testemunha poder exercer um direito de veto, sendo que a Impugnante tinha à data como exclusivo decisor esse sócio que, portanto, estava já em condições de decidir como quisesse, ouvindo quem pretendesse, sem ter necessidade de abdicar de uma parte tão substancial do capital social da Impugnante, tanto mais que, de acordo com a testemunha, o administrador da Impugnante não tomava uma decisão sem o consultar.
No depoimento prestado por P..., a economista por si contratada, verificou-se que tal contratação não ocorreu por força do serviço prestado pela VX.., mas em 2002, ao abrigo de um estágio profissional, para trabalhar para a empresa Y.., tendo, quando esta empresa ficou inactiva, transitado para a Impugnante, o que demonstrou a ausência de circunstancialismo temporal do depoimento desta testemunha.
Acresce que esta testemunha era a alegada prestadora dos serviços e foi quem preencheu as facturas em causa nos autos.
Assim, para o tribunal, os exemplos genéricos apresentados pela testemunha, num depoimento evasivo e por vezes contraditório, não permitem concluir que tais prestações de serviço, a terem acontecido, são as tituladas pelas facturas desconsideradas pela Inspecção Tributária.
- E..., contabilista da VXX.., declarou saber que serviços estavam em causa nas facturas emitidas por esta empresa à Impugnante — “Consultoria na área de gestão” e “despesas de representação, de deslocação e estadias” — mas, com na verdade, apenas sabia o que vinha descrito nas facturas preenchidas pelo Dr. R…, mas não os concretos serviços prestados.
- P..., trabalhadora da Impugnante onde é responsável pela contabilidade, prestou um depoimento credível, tendo declarado que a Impugnante não reduz a escrito os contratos que celebra com os seus fornecedores.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Nulidades da sentença

Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece o do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; c). Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra-processual, decorre do artigo 208.º, n.º 1, da Constituição da República e reveste enorme relevância para que possa ser exercido controlo no julgamento não só da matéria de facto, como na decisão de direito.
A fundamentação passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional” – “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª edição, de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre.
Na verdade, só através da fundamentação da sentença é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do Tribunal e qual o caminho por este percorrido para alcançar a decisão prolatada.
Porém, vem sendo uniformemente entendido que apenas a total ausência de fundamentação de facto e de direito determina a nulidade da sentença, vício este que não vingará se a fundamentação for deficiente ou insuficiente.
Já a nulidade por omissão de pronúncia quando ocorre quando «d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)» - cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608.º n.º 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não haja resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).

3.2.1.1. Falta de fundamentação (conclusões A. a E.)

Na perspetiva da Recorrente, a sentença recorrida enferma de falta de fundamentação, por duas ordens de razão: (i) não explicita os motivos pelos quais entende ter sido cumprimento do ónus da prova por parte da AT, nos termos do artigo 82.º do CIVA, e, (ii) apesar de conduzir a argumentação no sentido da inadmissibilidade da dedução do IVA com base na falta de demonstração do conteúdo de tais serviços, acabar por basear a sua decisão na “inexistência de IVA suportado nos consumos intermédios”.
No que respeita ao primeiro fundamento de nulidade, atentemos ao que ficou vertido na sentença recorrida:
«(…) de acordo com as regras gerais do ónus da prova (artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT), é a quem invoca um direito que cabe a prova dos seus factos constitutivos.
Assim, a Administração tem o ónus da prova da verificação dos pressupostos vinculativos da sua actuação, isto é, tem que provar a existência dos factos que a lei exige para permitir a sua actuação, ao abrigo do princípio da legalidade administrativa que é o fundamento de toda a sua actividade - a Administração só pode agir nos termos em que a sua actuação estiver prevista na lei, não podendo operar contra ela.
Ou seja, a Administração tem o ónus de “demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do acto em causa”, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do CIVA, sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, a Administração procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.
Pelo que à Administração cabe, no caso, provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei e que permitem a prática das liquidações adicionais de IVA: a existência de uma dedução superior à devida, bastando “um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a Administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarada uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal (...) da existência dos elementos que tornam possível ter por adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
E ao sujeito passivo cabe a prova de que se verificam os requisitos estabelecidos na lei para a efectivação do seu direito à dedução, isto é, que existem os factos tributários em que alicerçou a dedução.
Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Abril de 2002 – processo n.º 26.635.
§
No caso dos autos, não foi possível determinar o conteúdo das operações a montante, isto é, o objecto das prestações de serviço alegadamente prestadas pela VX.., Lda., à Impugnante - cfr. ponto A. dos factos não provados.
Consequentemente, não é possível determinar se tais prestações, a existirem, foram um input para uma actividade económica desenvolvida pela Impugnante.
Mostra-se, pois, cumprido o ónus de prova da Administração, mas não o da Impugnante.
Pelo que, na falta de prova da existência de IVA suportado em consumos intermédios no circuito económico da Impugnante (cujo ónus era seu), encontra-se limitado o direito à dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA.
Falecendo, deste modo, razão à Impugnante.».

Segundo este excerto da sentença, o Tribunal a quo considerou que cabe à AT provar os factos que integram a previsão normativa e legitimam a sua atuação de emissão das liquidações adicionais de IVA, impendendo sobre o contribuinte o encargo de provar a verificação dos requisitos do seu direito à dedução do IVA. Porém, sem nada explicitar relativamente à factualidade subjacente à atuação da AT, concluiu que esta cumpriu o ónus probatório a seu cargo.
E assim julgou, assente no pressuposto de que «não foi possível determinar o conteúdo das operações a montante, isto é, o objecto das prestações de serviço alegadamente prestadas pela VX.., Lda., à Impugnante - cfr. ponto A. dos factos não provados. // Consequentemente, não é possível determinar se tais prestações, a existirem, foram um input para uma actividade económica desenvolvida pela Impugnante.».
Ou seja, aparentemente, na perspetiva do Tribunal recorrido, se a Impugnante não demonstrou a verificação dos requisitos do seu direito à dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nestes autos, estava evidenciada a legitimidade da atuação da AT.
Tal fundamentação, embora deficiente, por não ser totalmente explícita, exigindo um esforço interpretativo dos destinatários para cabal apreensão do iter cognoscitivo percorrido pelo Meritíssimo Juiz a quo – e sem prejuízo de, até, encerrar de erro -, não configura a arguida nulidade da sentença por total ausência de fundamentação de direito.
E o mesmo diremos quanto à segunda razão invocada pela Recorrente para imputar à sentença recorrida nulidade por falta de fundamentação («apesar de aparentemente conduzir a argumentação no sentido da inadmissibilidade do IVA suportado pela Recorrente com a aquisição dos serviços prestados pela VX.., com base na falta de demonstração do conteúdo de tais serviços, o Tribunal acaba por basear a sua decisão na "inexistência de IVA suportado em consumos intermédios". // Esta consideração, não se reportando à inexistência de facturas — as quais, no caso em apreço, existem —, parece apontar, ainda que de forma algo velada, para a simulação das operações cujo IVA consta das referidas facturas que, no entanto, nunca foi expressamente invocada nem pela Autoridade Tributária, nem pelo Tribunal a quo»).
Atentando no excerto já reproduzido da sentença, afigura-se que, na lógica do Meritíssimo Juiz a quo, a Impugnante/Recorrente não provou os requisitos / pressupostos do seu direito à dedução do IVA em causa, em face da interpretação que fez do artigo 20.º do CIVA.
De facto, na sua perspetiva, «(…) para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas. // Como se disse, o IVA baseia-se em pagamentos parcelares do imposto, repercutindo-o sucessivamente para a fase seguinte do circuito económico, de maneira a tributar o consumo final. // Para atingir este desiderato é fundamental que o imposto pago nas operações intermédias seja deduzido, pelo que o direito à dedução deveria, em princípio, abranger todo o imposto suportado a montante, independentemente da natureza dos inputs. // Todavia, uma vez que o direito à dedução tem aquela relação com a repercussão do imposto nas sucessivas operações tributáveis, o direito à dedução fica desde logo afastado quando os inputs se destinam a operações isentas ou não sujeitas a imposto, como é o caso de compra para consumo final (ou privado, ie, fora do uso empresarial). Neste sentido, cfr. VIDAL LIMA, IVA comentado e anotado, Porto Editora, 6.ª edição, nota 1 ao artigo 20.º: “Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o artigo 20.º do CIVA.”».
Assim, ainda que deficiente ou até mesmo errada, a sentença está fundamentada de direito, não enfermando da analisada nulidade.

3.2.1.2. Por omissão de pronúncia
Quanto à nulidade arguida nas conclusões R. e S., por alegada omissão de pronúncia no que tange ao vício de violação de lei invocado pela Recorrente na petição inicial, ou seja, a ilegalidade da interpretação dada pela AT ao artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, para justificar a desconsideração do IVA suportado na aquisição dos serviços prestados pela “VX..” (os verdadeiros fundamentos dos atos em crise), não podem sobrar dúvidas em como o Tribunal se pronunciou sobre tal matéria.
Pode ler-se, a esta propósito, na sentença recorrida o seguinte:
«Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA:
Artigo 20.º
Limitações do direito à dedução. Condicionalismos
1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
Nos termos desta norma, para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.
Como se disse, o IVA baseia-se em pagamentos parcelares do imposto, repercutindo-o sucessivamente para a fase seguinte do circuito económico, de maneira a tributar o consumo final.
Para atingir este desiderato é fundamental que o imposto pago nas operações intermédias seja deduzido, pelo que o direito à dedução deveria, em princípio, abranger todo o imposto suportado a montante, independentemente da natureza dos inputs.
Todavia, uma vez que o direito à dedução tem aquela relação com a repercussão do imposto nas sucessivas operações tributáveis, o direito à dedução fica desde logo afastado quando os inputs se destinam a operações isentas ou não sujeitas a imposto, como é o caso de compra para consumo final (ou privado, ie, fora do uso empresarial). Neste sentido, cfr. VIDAL LIMA, IVA comentado e anotado, Porto Editora, 6.ª edição, nota 1 ao artigo 20.º: “Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o artigo 20.º do CIVA.”
Como escrevem PINTO FERNANDES E CARDOSO DOS SANTOS, “a dedução do imposto suportado a montante é uma «dedução financeira» e não «física», pois se processa, verificados que sejam os pressupostos referidos nos n.ºs 2 e 3 [do artigo 19.º do CIVA], independentemente da venda dos bens adquiridos no mesmo período.
No artigo 20.º estabelecem-se, todavia, limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas poderá ser deduzido o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no seu n.º 1, ou seja, bens ou serviços adquiridos para os fins próprios da empresa, para consumos intermédios do circuito económico. Se a empresa relativamente a certos bens ou serviços age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução.”
Cfr. AA citados, Código do IVA anotado e comentado, Colecção Empresa, Contabilidade e Fiscalidade, Eugénio Branco, Lda. / Centro de Estudos, Porto, 1988, p. 294.».

Assim, ainda que o Meritíssimo Juiz a quo não tenha apreciado todos os argumentos enunciados na p.i. em defesa da interpretação do artigo 20.º do CIVA que a Impugnante, ora Recorrente, entende ser a correta, o certo é que foi emitida pronúncia sobre tal questão.
Improcedem, pois, as nulidades apontadas à sentença recorrida.

3.2.2. Erros de julgamento
Antes do mais, cumpre deixar claro que as liquidações em crise resultam da conclusão da AT, «Com base nos elementos recolhidos e na análise efectuada, inclusivamente em acção inspectiva externa anteriormente realizada, (…)», de que não existe qualquer relação entre estes custos titulados pelas faturas emitidas pela “VX.., LDA”, nos valores mensais de 6.000,00€, e a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.
Segundo se extrai do RIT (cfr. ponto III – 2.1 – Facturas emitidas por “VX... Lda”, a pág. 4/7 do RIT), esta conclusão da AT baseia-se na seguinte fundamentação:
«Em acção inspetiva externa realizada anteriormente foi declarado pelo sócio-gerente C.... que “A firma VX..LDA, contribuinte (…) emite mensalmente à A.. duas facturas de prestação de serviços, uma no montante de 6.000€ e outra no valor mensal de 1.500€, ambas acrescidas de IVA. A primeira factura é relativa a consultoria realizada na área de gestão e negócios, planeamento e controle, mais concretamente delinear estratégias, definir rumos, novas áreas de negócios, iniciar contactos comerciais para a A.. LDA. A segunda é relativa a imputação por parte da VX..LDA de custos de deslocações necessárias com a realização de contactos essenciais para o serviço facturado na primeira factura.
Com base nos elementos recolhidos e na análise efectuada, inclusivamente em acção inspetiva externa anteriormente realizada, concluímos não haver qualquer relação entre estes custos e a obtenção dos proveitos, i.e., não se tratam de custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.».

3.2.2.1. Erro na interpretação e aplicação do Direito
Sobre esta matéria, refere a Recorrente que a AT fundamentou os atos tributários de liquidação a partir do conceito de indispensabilidade dos custos constantes do artigo 23º do CIRC, concluindo que os serviços de gestão prestados pela VX.. não eram indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto nem à manutenção da fonte produtora e, por isso, nos termos do artigo 20º, nº 1 do CIVA, o IVA suportado na aquisição dos referidos serviços não era dedutível.
Entende, a Recorrente que o Tribunal a quo partiu de um argumento que a AT não invocou no relatório de inspeção tributária – falta de demonstração do conteúdo dos serviços prestados pela VX.. à Recorrente -, fez referência às regras da distribuição do ónus da prova e, entendendo que a Recorrente não demonstrou os pressupostos de que dependia o exercício do direito à dedução do IVA, concluiu não ser o imposto dedutível nos termos do artigo 20º, nº 1 do CIVA. Com esta atuação, o Tribunal ultrapassou os limites impostos pelo próprio tipo de contencioso em que se insere a presente impugnação judicial – o contencioso de mera anulação, no âmbito do qual o Tribunal deve cingir a sua apreciação aos fundamentos invocados pelo autor do ato objeto de contestação.
Desde já adiantamos que, neste segmento, assiste razão à Recorrente.
Como resulta do que supra já deixamos bem claro, a fundamentação dos atos de liquidação do IVA impugnados, respeitantes aos períodos de 0603T e 0612T, é a seguinte:
«Em acção inspetiva externa realizada anteriormente foi declarado pelo sócio-gerente C.... que “A firma VX..LDA, contribuinte (…) emite mensalmente à A.. duas facturas de prestação de serviços, uma no montante de 6.000€ e outra no valor mensal de 1.500€, ambas acrescidas de IVA. A primeira factura é relativa a consultoria realizada na área de gestão e negócios, planeamento e controle, mais concretamente delinear estratégias, definir rumos, novas áreas de negócios, iniciar contactos comerciais para a A.. LDA. A segunda é relativa a imputação por parte da VX..LDA de custos de deslocações necessárias com a realização de contactos essenciais para o serviço facturado na primeira factura.
Com base nos elementos recolhidos e na análise efectuada, inclusivamente em acção inspetiva externa anteriormente realizada, concluímos não haver qualquer relação entre estes custos e a obtenção dos proveitos, i.e., não se tratam de custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.».
Seguidamente, no ponto “III – 2 – Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) // III – 2.1 – Facturas emitidas por “VX... Lda”” do RIT, consta:
«Como já se concluiu no ponto III-1.1, não há qualquer relação entre estas despesas e a obtenção dos proveitos.
Nos termos do nº 1 do artigo 20º do CIVA, o IVA contidos nestes documentos não é dedutível porque não se tratam de aquisições de bens ou serviços para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.».
No entanto, a decisão recorrida parece ter-se baseado num ato de teor diferente, senão vejamos:
«(…)
No caso dos autos, não foi possível determinar o conteúdo das operações a montante, isto é, o objecto das prestações de serviço alegadamente prestadas pela VX.., Lda., à Impugnante - cfr. ponto A. dos factos não provados.
Consequentemente, não é possível determinar se tais prestações, a existirem, foram um input para uma actividade económica desenvolvida pela Impugnante.
Mostra-se, pois, cumprido o ónus de prova da Administração, mas não o da Impugnante.
Pelo que, na falta de prova da existência de IVA suportado em consumos intermédios no circuito económico da Impugnante (cujo ónus era seu), encontra-se limitado o direito à dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA.
Falecendo, deste modo, razão à Impugnante.».

É, pois, patente que, enquanto para a AT se afigurou «não haver qualquer relação entre estes custos e a obtenção dos proveitos, i.e., não se tratam de custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» e «o IVA contidos nestes documentos não é dedutível porque não se tratam de aquisições de bens ou serviços para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas», já para o Tribunal a quo «não foi possível determinar o conteúdo das operações a montante, isto é, o objecto das prestações de serviço alegadamente prestadas pela VX.., Lda., à Impugnante».

Ora, ao manter os atos impugnados com um fundamento distinto do que havia sido adotado pela AT, manifestamente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que não lhe cabe substituir-se à administração, só podendo manter ou anular os atos tributários tendo em conta a concreta fundamentação com base na qual os mesmos foram proferidos.
Este entendimento do Tribunal a quo surge no âmbito da apreciação das regras do ónus probatório (questão suscitada pela Recorrente nos artigos 127º a 130º da p.i.), a nosso ver adequadamente definidas, mas incorretamente aplicadas.
Parafraseando o acórdão deste TCAN de 22.02.2018, rec. 00263/10.3BEVIS, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/236db4bdeb910c3e802582830049b726?OpenDocument, é sabido que a AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que suportam a liquidação, o que significa que a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar o custo descrito nos autos em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respetivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - artigo 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
Naturalmente, subscrevemos o entendimento geral de que a dedução do IVA corresponde a um direito do contribuinte, segundo a própria conformação normativa do imposto, pelo que caberá a ele demonstrar a existência dos factos em que suporta o direito à dedução a que se arroga.
Deste modo, quando esteja em causa uma liquidação adicional baseada no não reconhecimento pela administração de uma dedução que o contribuinte fez, caberá a este a prova da verificação dos requisitos estabelecidos na lei para que essa dedução seja substantivamente legítima, conquanto, previamente, a AT haja aportado factos passíveis de criar fundada dúvida sobre a legitimidade de tal dedução.
No caso concreto, tendo a AT baseado as correções em causa no artigo 20º do CIVA, por entender que o IVA contido nas faturas emitidas pela VX.. não é dedutível porque não se tratam de aquisições de bens ou serviços para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, por força das disposições conjugadas dos artigo 74º, nº 1, e 75º, nº 2, da LGT, sempre deveria ter provado, pelo menos, indícios fundados daquilo que alegou.
Porém, o que se retira do RIT é, tão somente, que a AT concluiu «Com base nos elementos recolhidos e na análise efectuada, inclusivamente em acção inspetiva externa anteriormente realizada, (…) não haver qualquer relação entre estes custos e a obtenção dos proveitos» porquanto, «Em acção inspetiva externa realizada anteriormente foi declarado pelo sócio-gerente C.... que “A firma VX..LDA, contribuinte (…) emite mensalmente à A.. duas facturas de prestação de serviços, uma no montante de 6.000€ e outra no valor mensal de 1.500€, ambas acrescidas de IVA. A primeira factura é relativa a consultoria realizada na área de gestão e negócios, planeamento e controle, mais concretamente delinear estratégias, definir rumos, novas áreas de negócios, iniciar contactos comerciais para a A.. LDA. (…)».
Não se consegue, porém, alcançar em que medida que é que tais declarações do sócio gerente da Recorrente sequer indiciam a falta de relação entre os serviços titulados pelas faturas e a atividade da empresa. Do mesmo modo, ficamos sem saber quais os factos apurados em ações inspetivas anteriores e considerados relevantes para o caso vertente – ou que concretas ações foram essas -, de modo a ponderar-se a hipótese de efetivamente existir uma esclarecedora fundamentação, ainda que por remissão.
Ora, se o artigo 20º do CIVA admite a dedução do IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados para a realização das operações enunciadas nas suas alíneas a) e b) e respetivas subalíneas, afigurando-se, em abstrato, que os serviços de “consultoria realizada na área de gestão e negócios, planeamento e controle, mais concretamente delinear estratégias, definir rumos, novas áreas de negócios, iniciar contactos comerciais para a A..” podiam ser utilizados pela Recorrente para a realização das operações constantes do seu objeto social (fabricação e comércio por grosso de têxteis – cfr. ponto 1 dos factos provados) e não existindo quaisquer indícios fundados de que tal não tenha sucedido, impera concluir que a AT não observou o ónus probatório que sobre si impendia.
E, não se mostrando cumprido tal ónus, deve prevalecer a presunção de veracidade consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT, de que fruem as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legais, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estes estiverem organizados de acordo com a lei comercial e fiscal.
Prevalecendo esta presunção, não carece já a Recorrente de fazer a prova da existência dos factos em que suporta o direito à dedução do IVA a que se arroga pois que, segundo o disposto no artigo 350º, nº 1, do Código Civil, «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz».
Já no que concerne às faturas no valor mensal de 1.500€, considerou a AT, no relatório inspetivo, que, para além do motivo anteriormente indicado, «o IVA das despesas debitadas pela empresa VX.. Lda. nas facturas cujo descritivo é “despesas de representação – deslocações, combustíveis e estadias”, não é dedutível também pelo previsto nas alíneas a), b), c) e d) do nº 1 do artigo 21º do CIVA.».
E, neste ponto, tem a AT inteira razão, pois que o artigo 21º, nº 1 do CIVA exclui expressamente o direito à dedução do IVA contido nas despesas de combustíveis (sendo que a Recorrente não alegou nem demonstrou tratar-se de qualquer dos casos em que é admissível a dedução do imposto na proporção de 50%) – alínea b) – transportes – alínea b) – e alojamento – alínea d).
Atento o que vem exposto, resta prejudicado o conhecimento das questões atinentes ao erro de julgamento de facto pois, como vimos, quanto à parte em que a impugnação procede, a AT não cumpriu ónus probatório a seu cargo, donde que também não se criou na esfera da Recorrente a necessidade de provar a veracidade do que, a esse propósito, fez constar nas suas declarações de IVA.

Cumpre, assim, dar provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando-se na respetiva proporção a reclamação graciosa impugnada bem como as subjacentes liquidações de IVA e os juros compensatórios.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em dar provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando-se a reclamação graciosa, bem como as subjacentes liquidações impugnadas de IVA e juros compensatórios, na correspondente proporção.

Custas a cargo da Recorrente e da Recorrida, em ambas as instâncias, na proporção de 15,38% e 84,62%, respetivamente, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC, que não incluem, para a Recorrida, a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 3 de março de 2022

Maria do Rosário Pais - Relatora
José Coelho – 1º Adjunto
Irene Isabel das Neves – 2ª Adjunta