Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00206/21.9BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO, PRESCRIÇÃO; DECURSO DO PRAZO PARA EXECUTAR;
DECISÃO ADMINISTRATIVA DEFINITIVA, RESTITUIÇÃO DE FINANCIAMENTO;
SUSPENSÕES LEGAIS DERIVADAS DE CONFINAMENTO, JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO;
Sumário:
I - O artigo 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.

II - O prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa).

III - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.

IV - Portanto, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal).

V – Na contagem deste prazo prescricional, há que atender às suspensões legais, num total de 160 dias, que decorrem da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de Março, e ainda das Leis n.º 4-A/2020, de 06 de Abril, n.º 16/2020, de 29 de Maio, n.º 4-B/2021, 01 de Fevereiro e nº 13-B/2021, de 05 de Abril.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.), melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 30/05/2023, que julgou procedente a oposição judicial deduzida pelo Centro Social «X», NIPC ...83, extinguindo o processo de execução fiscal n.º ...24, por se verificar o decurso do prazo de três anos para executar a decisão de restituição do valor de €8.286,86, pelo incumprimento de contrato de financiamento inserido no âmbito do PRODER/Acção: Dinamização das Zonas Rurais/Serviços Básicos para a População Rural.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da douta Sentença de 30 de maio de 2023, com a qual o Recorrente não se conforma, proferida pelo Tribunal a quo que julgou a oposição à execução fiscal procedente e, em consequência, determinou a extinção do processo de execução fiscal n.º ...24.
B. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu na sua Douta Sentença não fez uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, quando considera procedente a alegada prescrição da execução da decisão final nos termos do artigo 3º, n.º 2, do Regulamento nº 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro.
C. Ora, o artigo 3º nº 2 do Regulamento nº 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro, prescreve o seguinte: “2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva. Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional”.
D. Assim, estabelece o referido artº 3º nº 2 que prazo de prescrição para a execução de uma sanção administrativa, neste caso, da decisão final proferida pelo IFAP, IP, é de 3 anos.
E. Sucede que, sobre a interpretação do prazo de prescrição consagrado no artigo 3º do citado Regulamento, e tendo por base a sua aplicação aos processos de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas, já se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no acórdão de 13 de julho de 2022 (proferido no processo 0281/08.1BECTB 0383/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
F. E sobre a mesma matéria, veio o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) esclarecer, no seu acórdão de 07-04-2022, proferido nos processos apensos C-447/20 e C-448/20, que o artigo 3° nº 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece, começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.
G. E, quanto ao momento em que se deve considerar que a decisão se tornou definitiva, o citado acórdão do TJUE esclareceu que a mesma se torna definitiva a partir do momento em que se tornar inimpugnável, por via do esgotamento das vias de recurso. No mesmo sentido, decidiu também o STA, no seu acórdão de 13 de julho de 2022, proferido no âmbito do processo 0281/08.1BECTB 0383/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
H. Assim, na sequência de tal entendimento, importa aferir, no caso em apreço, quando é que se tornou definitiva a decisão proferida pelo Exequente IFAP, IP, ora Recorrente, de devolução das ajudas recebidas por parte do Executado, ora Recorrido, da quantia de 8.286,86 €
I. No caso dos presentes autos, o ofício de decisão final foi remetido pelo Recorrente, através do registo CTT nº RM.......15PT, registado no sistema documental IDOC do IFAP, IP em 13/10/2017, o qual teve data de registo no CTT em 16/10/2017.
J. Ou seja, a partir do ato administrativo emitido pelo Recorrente o Recorrido dispunha de três meses para apresentar a respetiva ação administrativa contra o referido ato administrativo (decisão final) (cfr. artigo 58.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPTA).
K. Ora, tendo o ofício sido emitido pelo IFAP, IP, via CTT em correio registado, em 16/10/2017, presume-se que o mesmo foi rececionado pelo Recorrido em 19/10/2017 e, o prazo de três meses para apresentação da ação administrativa terminaria no dia 19/01/2018.
L. Assim, foi a partir de 19/01/2018 que se tornou definitiva a decisão final emitida pelo IFAP, IP, e só a partir dessa data que começou a correr o prazo prescricional de 3 anos para a execução da decisão final (previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro), com termo no dia 19/01/2021.
M. Importa ainda considerar a suspensão do prazo de prescrição que, por força da legislação especial aprovada no contexto da pandemia de “SARS-CoV-2/COVID-19”, vigoraram durante 86 dias, mais concretamente, entre 09.03.2020 até 03.06.2020 (cfr artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e artigo 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio).
N. Assim, ao termo do prazo fixado em 19/01/2021 terão de ser acrescidos os 86 dias de suspensão ditados pelas referidas medidas excecionais e temporárias de combate à pandemia da doença COVID-19, o que equivale por dizer que o prazo de prescrição ocorreu a 15/05/2021.
O. Logo, é forçoso concluir que, quando o Exequente ora Recorrente, requer em 13/04/2021, junto do Serviço de Finanças de ... a instauração do competente processo de execução fiscal, ainda não se encontrava precludido o prazo previsto no artigo 3º nº 2 do Regulamento nº 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro.
P. Nessa medida, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não faz um correto enquadramento de facto e de direito, devendo a oposição à execução fiscal ser considerada improcedente e, em consequência, determinar-se o prosseguimento do processo de execução fiscal n.º ...24, com as devidas e legais consequências.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Sentença recorrida, no seu todo, e substituída por outra decisão que julgue improcedente a oposição à execução fiscal interposta pelo Recorrido, determinando-se o prosseguimento do processo de execução fiscal n.º ...24, com as devidas e legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“A- Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou totalmente procedente a oposição à execução fiscal intentada pelo ora Recorrido e consequente extinção do processo de execução fiscal n.º ...24.
B- Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a sentença do tribunal à quo, não merece qualquer censura ou reparo.
C- Todavia, vem agora a Recorrente trazer à colação do douto Tribunal um documento, um novo documento, que sempre esteve na posse do Recorrente, escusando-se, contudo, de apresentar sequer fundamento jurídico para a respetiva junção.
D- Ora, constitui um ónus das partes a apresentação dos documentos com os articulados em que sejam alegados os factos que pretendem provar;
E- Não obstante aquele ónus, admite a lei a junção tardia de documentos até 20 dias antes da realização da audiência final, sendo a negligência da parte cominada com o pagamento de uma multa.
F- Todavia, não haverá lugar a multa sempre que a parte apresente os documentos até 20 dias antes da realização da audiência final e prove que não lhe foi possível oferecer os documentos com o articulado em que foram invocados os factos a provar.
G- Sucedendo que, após o decurso daquele prazo (20 dias antes da realização da audiência final), a apresentação de documentos apenas é possível se a parte provar que não foi possível apresentá-los antes ou que a sua apresentação apenas se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, valendo esta regra, também, para a apresentação de documentos com as alegações de recurso.
H- Nada do explicitado é alegado pela Recorrente, acrescendo que, teve inúmeras possibilidades para apresentação de tal documento e nunca o fez.
I- Acrescendo ainda que, a considerar-se o mesmo, não é possível nesta data aferir do efetivo recebimento ao não de tal alegado ofício.
J- Não obstante, e conforme anteriormente melhor explicitado, a junção de documentos só poder ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma surge por um facto superveniente, pelo conteúdo da decisão de facto em primeira instância, a qual assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever, o que não aconteceu in casu.
K- Ora, tal como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 02383/07.2BELSB, datado de 03-06-2020 a apresentação de documentos em sede de alegações é uma situação absolutamente excepcional e condicionada, à comprovação que a parte atuou de forma diligente e que existe uma verdadeira necessidade de admitir novas provas ou complementos de prova com as quais não era possível ter contado na instrução do processo em primeira instância, o que não ocorre no caso concreto,
L- Pois, o Recorrido intentou a competente acção judicial, alegando e pedindo, entre outros, a prescrição da execução da decisão final da Recorrente.
M- Em sede de contestação, teve o Recorrente oportunidade de juntar o documento que ora se coloca em crise, tal como em sede de contraditório, cujo direito lhe foi conferido ao longo de todo o processo.
N- Nesta senda, considera e pugna o Recorrido pelo desentranhamento do documento, que ora se coloca em crise.
O- No que concerne ao art. 3.º/2 do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos.
P- O supracitado regulamento prevê que o prazo de execução começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos.
Q- O ato administrativo que determinou a reposição de ajudas que haviam sido concedidas consolidou-se na ordem jurídica em 2017 e só foi executado em 11-05-2021, quando ocorreu a citação do Recorrido, muito para além do prazo de três anos para a execução da decisão previsto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento 2988/95.
R- Considera o Recorrido que, contrariamente à nova narrativa do Recorrente, que a decisão do mesmo se torna definitiva com a prolação da decisão pela entidade administrativa.
S- A decisão aplicável ao caso concreto, tornou-se definitiva, algures durante o ano de 2017, pois, não tendo o Recorrido impugnado judicialmente tal decisão, é nosso entendimento, que a decisão do IFAP se tornou definitiva com a decisão final do Recorrente.
T- Pelo que, a decisão se torna definitiva após a última decisão tomada pelo Recorrente, no âmbito do processo administrativo.
U- Desta forma se mostra, claramente ultrapassado o prazo para a execução da medida em causa, encontrando-se prescrito o direito do Recorrente, de executar a dívida, a qual é inexigível, sendo que, a oposição não pode deixar de proceder, como bem decidiu a sentença recorrida, pugnando-se pela manutenção da mesma na ordem jurídica e consequentemente seja declarado improcedente o presente recurso.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/ EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, confirmando a sentença recorrida, com todas as consequências legais;
Mais se requerendo o desentranhamento do documento, apresentado nesta sede pelo Recorrente.
Assim se fazendo justiça.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao extinguir o processo de execução fiscal, por o prazo de execução de três anos já ter decorrido aquando da citação do oponente.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão da presente lide, julga-se provados os seguintes factos:
A. Em 2017, em dia não concretamente apurado mas posterior a 11-08-2017, o IFAP emitiu decisão final pela qual solicitou ao Oponente a restituição do valor de 8.286,86 €, pelo incumprimento de contrato de financiamento inserido no âmbito do PRODER/Acção: Dinamização das Zonas Rurais/Serviços Básicos para a População Rural - Petição Inicial (110738) Documentos da PI (004420917) Pág. 2 de 06/07/2021 19:49:58;
B. Em 10-05-2021 foi emitida citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...24, dirigida ao Oponente, para cobrança de subsídios, juros e custas no valor de 9.523,49 €, a qual foi recebida pelo Oponente em 29-05-2021 - Petição Inicial (110738) Documentos da PI (...19) Pág. 2 de 06/07/2021 19:49:59 Petição Inicial (110738) Documentos da PI (004420917) de 06/07/2021 19:49:58 Petição Inicial (110738) Documentos da PI (004420918) de 06/07/2021 19:49:59;
Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar não provados.
A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC).
O demais alegado não foi nem julgado provado nem não provado por ser conclusivo, matéria de direito, ou não relevar para a decisão da causa.”

2. O Direito

Previamente à apreciação da questão suscitada, no recurso interposto, haverá que analisar a possibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.
Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil (CPC) que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)” (destacado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do citado normativo que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seguintes.
O Recorrente juntou documentos com as respectivas alegações de recurso, consubstanciados na decisão administrativa final, proferida pelo IFAP, I.P., determinando a reposição voluntária de verbas pagas no âmbito do programa PRODER, bem como cópia do registo postal colectivo da respectiva carta contendo essa decisão, que ostenta carimbo dos CTT Correios datado de 16/10/2017, tendo em vista demonstrar a data de notificação ao Recorrido.
A decisão recorrida nestes autos foi proferida em 30/05/2023, sendo que os documentos cuja junção com as alegações se peticiona foram produzidos em data anterior à da sentença (16/10/2017), não se verificando, por isso, a superveniência objectiva do documento.
Haverá, então, que apreciar se se verifica a sua superveniência subjectiva, ou seja, se os documentos cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão ou, que se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª instância.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).
O Recorrente não enquadra o caso em nenhuma das situações previstas legalmente, não apresentando qualquer justificação para esta apresentação tardia.
O Recorrido opôs-se, conforme resulta do teor das suas contra-alegações, à admissibilidade de junção de tais documentos nesta fase processual.
Importa referir que a decisão administrativa final, proferida pelo IFAP, I.P., determinando a reposição voluntária de verbas pagas no âmbito do programa PRODER, já se mostrava ínsita nos autos, dado fazer parte integrante da certidão de dívida emitida em 09/04/2021. Por outro lado, esta mesma certidão de dívida espelha, implicitamente, a data de prolação/envio da decisão administrativa final, uma vez que o Recorrido tinha trinta dias para proceder à restituição voluntária da ajuda recebida, resultando serem devidos juros a partir da falta de reposição nesse prazo limite para pagamento voluntário, ou seja, a partir de 27/11/2017.
Com efeito, a questão suscitada na oposição judicial já impunha a necessidade de demonstração da data em que a decisão administrativa se apresentava definitiva – cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995. Sendo notório que o Recorrente, não tendo indicado qualquer razão reveladora da dificuldade em juntar o documento do registo postal simples antes, teve oportunidade de o realizar tempestivamente, revelando, assim, uma atitude menos diligente.
Nesta conformidade, não tendo a sentença recorrida criado, pela primeira vez, a necessidade de anexação dos documentos, não se admite a sua junção com as alegações do recurso, pelo que serão desconsiderados na apreciação do mesmo.

O tribunal recorrido, aplicando o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, julgou a oposição procedente, tendo determinado a extinção do processo de execução fiscal, uma vez que havia decorrido o prazo de três anos aí previsto para proceder à execução da decisão administrativa de reposição de ajuda recebida.
Não residem dúvidas que o referido artigo 3.º, n.º 2 estabelece que o prazo de prescrição para a execução de uma sanção administrativa, neste caso, da decisão final proferida pelo IFAP, IP, é de 3 anos: O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.
Contudo, o Recorrente não se conforma com a interpretação de facto e de direito realizada pelo tribunal recorrido, dado não ter tido em conta a recente jurisprudência sobre a interpretação do conceito de “decisão definitiva”.
Sobre a interpretação do prazo de prescrição consagrado no artigo 3.º do citado Regulamento, e tendo por base a sua aplicação aos processos de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas, já se pronunciou, como refere o Recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 13 de Julho de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 0281/08.1BECTB 0383/18.
Com efeito, sobre a mesma matéria, veio o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) esclarecer, no seu Acórdão de 07-04-2022, proferido nos processos apensos C-447/20 e C-448/20, que o artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adopção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso. E, quanto ao momento em que se deve considerar que a decisão se tornou definitiva, o citado acórdão do TJUE esclareceu que a mesma se torna definitiva a partir do momento em que se tornar inimpugnável, por via do esgotamento das vias de recurso.
Perante esta interpretação, o Recorrente pretendia demonstrar, no presente recurso, com rigor, o momento temporal em que se tornou definitiva a decisão proferida pelo IFAP, I.P., de devolução das ajudas recebidas por parte do executado, ora Recorrido, no montante de €8.286,86. Para tanto, apontou a data de 19/01/2018, momento a partir do qual teria começado a correr o prazo prescricional de 3 anos para a execução da decisão final, previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro.
Acontece que, mesmo atendendo à data menos favorável, por mais longínqua, que foi considerada pelo tribunal recorrido (final do ano de 2017), ainda assim, ao contrário do decidido em primeira instância, o prazo de prescrição de três anos foi interrompido com a citação do Recorrido antes de se completar, como melhor explicaremos de seguida.
Vejamos, parcialmente, o segmento recorrido da sentença:
“(…) Sendo a decisão final de 2017, e partindo do pressuposto mais vantajoso para a Exequente que esta foi notificada no final do ano, 31-12-2017, verifica-se que a Exequente deveria ter promovido a execução coerciva do seu crédito até 31-12-2020.
Nos termos do art. 7.º/3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03, os prazos de prescrição e de caducidade relativamente a todos os tipos de processos e procedimentos foram suspensos, prevendo-se o seu alargamento pelo período de duração da pandemia.
Esta suspensão durou desde 12-03-2020, por remissão do art. 10.º para o Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13-03 (v. art. 37.º deste Decreto-Lei). O artigo 7.º da Lei nº 1-A/2020 só viria a revogado pela Lei n.º 16/2020 de 29-05 (art. 8.º), que entrou em vigor no dia 3 de Junho (art. 10.º).
O artigo 6.º desta lei previu expressamente o alargamento dos prazos de prescrição e de caducidade pelo tempo que a suspensão vigorara. Este período de suspensão de 82 dias deve acrescer à data de 31-12-2020, o que nos levaria até 23-03-2021.
Uma vez que o Oponente foi citado apenas em 05-2021, conclui-se que o prazo de prescrição já decorre aquando da sua citação. Procede este argumento. (…)”
Importa, antes de mais, acentuar a importância da data da citação, que consta do ponto B do probatório, não impugnado, (29/05/2021), dado que o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão administrativa, determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal) – cfr. Acórdão do STA, de 18/05/2022, proferido no âmbito do processo n.º 02502/21.6BEPRT. Isto, porque, fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
Ressalta, contudo, evidente que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, embora tenha atendido à data da citação, apenas levou em conta, parcialmente, a suspensão do prazo de prescrição, sem considerar, porém, a suspensão do prazo prescricional, pelo período total de 160 dias.
Com efeito, durante o primeiro confinamento todos os prazos de caducidade e de prescrição estiveram suspensos entre o dia 9 de Março de 2020 e o dia 2 de Junho de 2020, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, perfazendo 86 dias (de 9 a 31 de Março, 23 dias; de 1 a 30 de Abril, 30 dias; de 1 a 31 de Maio, 31 dias; de 1 a 2 de Junho, 2 dias).
Por força da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que não foi considerada pelo tribunal recorrido, o prazo de prescrição esteve ainda suspenso desde o dia 22/01/2021, até ao dia 05/04/2021, perfazendo 74 dias (de 22 a 31 de Janeiro, 10 dias; de 1 a 28 de Fevereiro, 28 dias; de 1 a 31 de Março, 31 dias e de 1 a 5 de Abril, 5 dias).
Alargando o prazo de prescrição pelo tempo que a suspensão vigorou, fazendo acrescer, à data de 31/12/2020, 160 dias, tal leva-nos até 09/06/2021.
Nesta conformidade, quando o Recorrido foi citado em 29/05/2021, ainda não se encontrava decorrido o prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, dado que somente seria atingido em 09/06/2021, ao contrário do julgamento efectuado em primeira instância.
Nestes termos, atenta a suficiência do já exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelo Recorrente no recurso, impondo-se conceder provimento ao mesmo, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição judicial improcedente, com as legais consequências.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.
II - O prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa).
III - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
IV - Portanto, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal).
V – Na contagem deste prazo prescricional, há que atender às suspensões legais, num total de 160 dias, que decorrem da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de Março, e ainda das Leis n.º 4-A/2020, de 06 de Abril, n.º 16/2020, de 29 de Maio, n.º 4-B/2021, 01 de Fevereiro e nº 13-B/2021, de 05 de Abril.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição judicial improcedente.

Custas a cargo do Recorrido em ambas as instâncias.

Porto, 09 de Novembro de 2023

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Vítor Salazar Unas