Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01790/16.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO - FACTO ILÍCITO
Sumário:I- Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

II - Falecendo a imputação à Ré da prática de qualquer ato ou a omissão de comportamento devido no que concerne aos deveres de conservação, reparação e manutenção das condições de segurança das estruturas a seu cargo, não pode a mesma ser considerado civilmente responsável pelo danos sofridos pelo Autor, na medida em que faltam os pressupostos apontados, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão do A. no âmbito da presente ação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante T.A.F. de Braga], datada de 13.07.2021, que julgou totalmente improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu a Ré INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. do pedido.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:“(…)
I - O Recorrente não se pode conformar com a sentença recorrida, a qual contém uma errada interpretação do direito, no que especialmente concerne à regra da distribuição do ónus da prova, violando ou fazendo errada interpretação do artigo 493.° do Código Civil.
II - A sentença recorrida faz uma errada interpretação da prova produzida e da prova documental junta aos autos e, no que concerne ao recurso às regras da experiência, o Tribunal a Quo teria necessariamente de decidir em sentido inverso.
III - O Autor, ora Recorrente, demandou a Ré, ora Recorrida, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
IV - O Recorrente, pelas 08h50m, quando circulava, na sua faixa de rodagem, na EN 308, no sentido Vila Verde (ponte da roda)/Caldelas (Amares), a uma velocidade aproximada de 35 km/h, ao entrar numa curva, ao KM 41,300, deparou-se, inesperadamente, com um lençol de água em toda a largura da faixa de rodagem, tendo perdido o controlo do seu veículo que embateu no veículo com a matrícula NC que circulava em sentido oposto - não lhe tendo sido possível evitar tal acidente rodoviário.
V - A verificação do aludido lençol de água ao KM 41,300 deveu-se à existência de uma conduta de águas pluviais que ancorava diretamente na curva; sendo que o aludido aqueduto - destinado ao escoamento de águas pluviais - não se encontrava limpo, impedindo o escoamento das referidas águas.
VI - Não existia, no local, qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de tal lençol de água.
VII - Em consequência direta e necessária do sinistro em apreço, resultaram danos, no veículo de matrícula AI (designadamente, na carroçaria, na pintura, na suspensão, no eixo, nos pneus e no interior da viatura), cuja reparação foi orçamentada em € 6.822,70.
VIII - O acidente deveu-se à falta de fiscalização da conservação do sistema de drenagem de águas pluviais da aludida da EN 308, ao KM 41,300, bem como à falta de sinalização quanto ao lençol de água aí existente.
IX - Realizado o julgamento, foi proferida a sentença recorrida que absolveu a Ré INFRA- ESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A, solução com a qual o Recorrente não se pode conformar, seja porque o Tribunal a Quo inverteu as regras do ónus da prova e da presunção de culpa, seja porque faz uma errada interpretação dos factos. Ademais, da prova produzida em sede de julgamento conduz em sentido inverso ao propugnado pelo Tribunal “a Quo”.
X - O Tribunal a Quo, para além de articular factos que não constavam da alegação das partes e da base instrutória proferiu a sentença recorrida, com retalhos que impossibilitam até a impugnação da matéria de facto.
XI - É encargo da Ré, relativamente à infraestrutura rodoviária descrita nos autos, zelar pela manutenção permanente de condições de infraestruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação.
XII - À responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.° 1, do Código Civil.
XIII - O Recorrente só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela, para que se dê como provada a culpa da Ré/Recorrida, cabendo a esta ilidir a presunção (artigos 349° e 350.° n.°s 1 e 2, do Código Civil).
XIV- Do que resulta dos autos, no local do acidente existia tubo de drenagem de águas pluviais danificado e que jorrava abundante água para a estrada nacional, o que formou o lençol de água.
XV - Nesse mesmo local que o veículo do Autor entrou em aquaplanagem indo embater no veículo que circulava na faixa contrária.
XVI - o facto (acidente) não é matéria controvertida, porquanto ele é admitido e aceite pelas partes e pelo próprio Tribunal.
XVII - Há evidentemente um nexo de causalidade adequada entre a rutura de um tubo de escoamento de águas pluviais, localizado junto da berma da estrada e a criação de um lençol de água na estrada (coisa vigiada), e a perda de controlo do veículo do Autor, que aquaplanou e foi embater na viatura que circulava e sentido inverso.
XVIII - Não resulta dos autos, nem da prova produzida, que o Autor circulasse em excesso de velocidade ou com desatenção à condução. Tal conclusão é apenas uma hipótese avançada pelo Tribunal a Quo, a qual não tem qualquer respaldo na demais prova produzida.
XIX - A existência de um lençol de água na estrada, é causa adequada à produção daqueles efeitos.
XX - Apesar disso, a sentença recorrida afirma que o Autor teria de conduzir em velocidade excessiva para as condições climatéricas à data do acidente.
XXI - A sentença recorrida nenhuma referência faz ao relatório do IPMA, requerido pelo Tribunal a Quo e do qual resulta que, na data e lugar do acidente:
- não ocorria precipitação;
- o céu apresentava-se muito nublado;
-não se tenham verificado condições para a ocorrência de nevoeiro;
- não se tenham verificado condições para a ocorrência de trovoada.
XXII - E, como também é do conhecimento do Tribunal, às 08h50, do dia 14 de janeiro, já faz dia há mais de 1 hora. Isto porque o amanhecer ocorre por volta das 07h50m.
XXIII - Não se compreende o entendimento propugnado pelo Tribunal “a Quo”, que lançou mão das regras da experiência para afirmar que a precipitação que ocorria à data do sinistro, e (c) a própria hora do dia (08h50m) agravaram as condições de visibilidade e, afinal, terão sido essas as razões para o acidente.
XXIV- Tal como resulta dos autos, é certo que choveu nos dias e horas que precederam o acidente mas, à data do acidente, nada chovia, nem sequer havia nevoeiro e, sobretudo, as condições de visibilidade já eram boas porque fazia dia há mais de 1 hora.
XXV- Nada faria prever a existência daquele lençol de água na estrada provocado pela destruição de um tubo de condução de águas pluviais e pelo deficiente escoamento das redes de drenagem. Cabia à Ré a elisão da presunção (iuris tantum), a qual só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.° 1758/03).
XXVI - Dos factos dados por provados resulta que a Ré está dotada de Unidades Móveis de Inspeção e Apoio (UMIA's) que percorriam toda a EN 308, uma vez por semana, em dias úteis, e o facto de não ter sido reportado à Ré qualquer outro incidente no referido local,
XXVII - Salvo o devido respeito, tal facto não afasta a presunção de culpa que impende sobre a Ré. Tanto mais que a existência de uma unidade de inspeção que percorre aquele troço uma vez por semana, em dias úteis, não exonera a Ré da responsabilidade de indemnizar os danos causados ao Autor.
XXVIII - Competia à Ré provar que empenhou todos os esforços, e tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis na vigilância da estrada e, sobretudo, no estado dos aquedutos e sistema de escoamento de águas pluviais (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Infraestruturas de Portugal, S.A. produziu contra-alegações, tendo rematado com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
I- O Recorrente pretende que se revogue a sentença e se substitua por outra decisão que julgue procedente o pedido, por aquela ter feito errada fixação da matéria de facto e errada interpretação da prova produzida. (cfr: conclusões II e XXI, XXII, XXIII e XXIV)
II- Quanto à matéria de facto pretendida alterar, a mesma consistiria e dar como assente que no momento do acidente não chovia, quando é o próprio Recorrente a alegar no artigo 9.° da PI que: / data, apesar da ocorrência de precipitação, existiam as condições necessárias à condução segura de veículos na dita estrada nacional.”
III- Tal facto também foi confirmado pelo agente de autoridade que compareceu no local, ao contrário do IPAM que é de parecer que não tenha ocorrido precipitação.
IV- Portanto, o tribunal não tinha outra alternativa, e até por causa da confissão do Recorrente, em dar como provado tal facto.
V- Quanto à interpretação dos factos dados como provados, o tribunal reconheceu que atento o excesso de velocidade do Recorrente este foi incapaz de evitar o acidente ao contrário do outro condutor que circulou sobre o lençol de água sem problemas.
VI- O excesso de velocidade tanto foi confirmado pelo tribunal, como pela própria companhia de seguros do Recorrente que assumiu a responsabilidade total pelo sinistro (colisão com o outro veículo).
VII- Ao contrário do que defende o Recorrente, a existência do lençol de água na via, bem como objetos estranhos e animais, não implicam necessariamente a ocorrência de acidentes, pois para isso existem as limitações de velocidade.
VIII- No que diz respeito à responsabilidade pela existência do lençol de água na estrada ficou provado que tal coube exclusivamente ao proprietário do terreno confrontante com a estrada nacional (sem prejuízo de não ter culpa da forte precipitação ocorrida momentos antes do acidente), o qual, tal como afirmou o agente de autoridade, acabou por repor a situação mais tarde.
IX- Por fim, demonstrou-se que a Recorrida, apesar de ter atuado no estrito exercício das suas atribuições e obrigações e em função dos meios que tinha ao seu dispor, ou seja, não obstante a sua atuação (sem culpa) e acima dos parâmetros exigíveis, no caso vertente, tal incidente (lençol de água) sempre teria ocorrido (cfr: artigo 493.° do CC), atenta a sua natureza fortuita (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº. 1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
1. Em 14 de janeiro de 2014, A., ora Autor, era proprietário do veículo automóvel, marca Audi, modelo A3, com a matrícula AI [cf. documento (doc.) n.° 1 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira junto aos autos, em 12-06-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. A “INFRA-ESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.”, ora Ré, é concessionária da EN 308, nos termos do Contrato de Concessão da Administração da Rede Rodoviária Nacional, celebrado com o Estado Português; encontrando-se tal troço rodoviário sob a sua jurisdição, incumbindo-lhe a manutenção e conservação do mesmo [cf. factualidade notória; cf. factualidade admitida por acordo (cf. artigos 9° a 10° da contestação); cf. Decreto- Lei n.° 91/2015, de 29 de maio].
3. No dia 14 de janeiro de 2014, pelas 08h50m, quando o Autor conduzia o veículo com a matrícula AI, na sua faixa de rodagem, na EN 308, no sentido Vila Verde/Caldelas - percurso que conhecia e que fazia com regularidade -, ao entrar numa curva sinuosa, ao KM 41,300, deparou-se com um lençol de água na via, invadiu a faixa de rodagem oposta e embateu no veículo com a matrícula NC que por essa faixa circulava [cf. depoimento prestado pelo Autor (em sede de declarações de parte), em articulação com o teor do processo do sinistro junto aos autos, em 27-11-2019, pela “S.” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. Após tal acidente rodoviário, o Autor e a condutora do veículo com a matrícula NC assinaram uma Declaração Amigável, tendo o Autor assumido a integral responsabilidade pelo acidente rodoviário descrito em 3) [cf. processo do sinistro junto aos autos (Relatório de Averiguação), em 27-11-2019, pela “S.” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha R.; cf. processo do sinistro junto aos autos, em 28-03-2019, pela “SEGURADORA (...)” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. A água que formava o lençol de água referido em 3) era proveniente de um tubo da propriedade de P. - proprietário do prédio confinante com a EN 308, ao KM 41,300 - que se encontrava danificado e que, por isso, possibilitava que a água privada de tal propriedade particular caísse diretamente na via pública [cf. depoimento prestado pela testemunha E.].
6. Após ter sido alertado pelas autoridades policiais, P. reparou o seu tubo e o respectivo muro de suporte de terras, tendo a água privada oriunda de tal tubo deixado de cair na via pública [cf. depoimento prestado pela testemunha E.].
7. Em 14 de janeiro de 2014, o Autor tinha registado em seu nome três viaturas, a saber: (i) viatura com a matrícula AI, (ii) viatura com a matrícula CV, e (iii) viatura com a matrícula IB; tendo, em 28 de março de 2014, a viatura com a matrícula AI deixado de se encontrar na sua propriedade (em virtude da sua alienação a terceiros devidamente reparada) [cf. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira junto aos autos, em 12-06-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha C.].
8. Em 2014, a Ré possuía Unidades Móveis de Inspeção e Apoio (UMIA's) que percorriam toda a EN 308, uma vez por semana, em dias úteis [cf. depoimento prestado por M.].
9. O veículo da UMIA está equipado com ferramentas de trabalho indispensáveis à sinalização de obstáculos que surjam na via e que ponham em causa a segurança rodoviária; sendo que, na impossibilidade da remoção ou eliminação do obstáculo por aquela Unidade Móvel são contactados, de imediato, os Serviços Operacionais para deslocação de uma Brigada de Intervenção, sendo sinalizado o incidente [cf. depoimento prestado pela testemunha M.].
10. Nos dias anteriores e nos dias posteriores a 14 de janeiro de 2014, na EN 308, ao KM 41,300, não se verificou nenhum acidente com despiste - tendo a Ré fiscalizado e zelado pela boa manutenção e conservação da EN 308, garantindo as devidas condições de circulação aos seus utentes [cf. depoimento prestado pelas testemunhas M. e E.].
11. No dia 14 de janeiro de 2014, pelas 08h50m chovia, não tendo a Ré sinalizado, em tais circunstâncias de tempo e lugar, a existência de qualquer anomalia na via [cf. factualidade admitida por acordo (cf. artigos 11° e 12° da contestação); cf. depoimento prestado pela testemunha E.].
12. Tem-se, aqui, presente o teor de todos os documentos constantes dos autos [cf. documentos (docs.) constantes dos autos e cujo teor integral, aqui, se por reproduzido].
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III.II. Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
(i) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 3), o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via (sinuosa e estreita) e climatéricas (tinha chovido bastante nos dias anteriores e ainda chovia nesse dia) - Tal factualidade foi julgada não provada por este Tribunal porquanto, apesar de bem conhecer o local por viver a menos de 5 km do mesmo, o Autor despistou-se tendo embatido no veículo com a matrícula NC (que apesar de circular em sentido oposto e em sentido descendente não se despistou nem invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o Autor). Acresce que (a) a curva sinuosa e apertada que precede o local do sinistro, (b) a precipitação que ocorria à data do sinistro, e (c) a própria hora do dia (08h50m) agravaram as condições de visibilidade, pelo que, necessariamente, e à luz das regras de experiência comum, o Autor teria de circular a uma velocidade desadequada às condições da via e do tempo que se fazia sentir, bem como teria de estar desatento à estrada. Isto porque, caso conduzisse a uma velocidade adequada às condições da via e do tempo e com atenção ao trânsito, não teria embatido no veículo com a matrícula NC (até porque o Autor circulava em sentido ascendente, subindo a EN 308). Motivo, pelo qual, as declarações do Autor - com nítido interesse no desfecho da causa a si favorável - não mereceram credibilidade por parte deste Tribunal. Aliás, a esta mesma conclusão chegou a testemunha R. que elaborou o Relatório de Averiguação junto aos autos, em 27-11-2019, pela “S.” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
(ii) Em consequência direta e necessária da existência do lençol de água na EN 308, ao KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas, o veículo com a matrícula AI invadiu a faixa de rodagem oposta e embateu no veículo com a matrícula NC, tendo ficado com estragos na carroçaria, na pintura, na suspensão, no eixo, nos pneus e no interior da viatura, computados em € 6.822,70 (seis mil e oitocentos e vinte e dois euros e setenta cêntimos) [nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal matéria. Com efeito, o Autor limitou-se a juntar (i) fotografias (sob o n.° 8 a n.° 10 com a petição inicial) que em nada identificam quanto ao que tratam, e (ii) uma fatura e um recibo ambos datados de 03 de abril de 2016 (juntos aos autos em 19-04-2017), no valor de € 6.822,70, emitidos em nome do Autor. Ora, este Tribunal não olvida que o sinistro ocorreu em 14 de janeiro de 2014 e que a fatura e o recibo datam de 03 de abril de 2016, tendo sido emitidos em nome do Autor que, em 29 de março de 2014, já não era o proprietário da viatura com a matrícula AI. Ora, dado o lapso temporal entre o sinistro e a fatura e recibo, em articulação com a alienação reparada da viatura antes de 29 de março de 2014, não mereceram, a este respeito, credibilidade por parte deste Tribunal quer as declarações do Autor (em sede de declarações de parte) quer o depoimento prestado pela testemunha A.. Daí que, pelos motivos expostos, este Tribunal não pode, de forma alguma, julgar provada a factualidade em questão. Aliás, também este Tribunal não pode julgar provada a verificação do nexo de causalidade entre a existência do lençol de água na via e o facto de o Autor ter invadido a faixa de rodagem oposta e embatido no veículo com a matrícula NC, porquanto não ficou provado que o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via e climatéricas; pelo que, necessariamente, a condução imprópria e desadequada do Autor é que esteve na génese do acidente rodoviário com o veículo de matrícula NC].
(iii) Em consequência direta e necessária da existência do lençol de água na EN 308, ao KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas, o Autor sofreu transtornos, angústia e privação do veículo com a matrícula AI, pelo período de reparação, quantificados em € 1.000,00 (mil euros) [nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal matéria. Faz-se notar que, além da viatura com a matrícula AI, o Autor tinha registado em seu nome, à data do sinistro, mais duas viaturas, a saber: (i) viatura com a matrícula CV, e (ii) viatura com a matrícula IB - cf. Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira junto aos autos, em 12-06-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
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Inexistem outros factos provados ou não provados para além dos supra elencados com relevo para a apreciação da causa; sendo que a restante matéria não foi considerada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, ou por encerrar opiniões ou juízos conclusivos.
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Motivação. A convicção do Tribunal quanto à factualidade julgada provada assentou na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam dos presentes autos, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo e por confissão, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento], (iii) da prova produzida em sede de audiência final [tendo todas as testemunhas inquiridas - com exceção da testemunha A. cujo depoimento revelou nítidas incongruências e inconsistências de relevo -, de uma forma geral, prestado os seus depoimentos de maneira coerente, face ao teor dos documentos constantes dos autos - merecendo, assim, pela sua razão de ciência, credibilidade por parte deste Tribunal aferida à luz do princípio da livre apreciação da prova conjugado com as regras da experiência comum. Faz-se notar que o Autor, em sede de declarações de parte, revelou nítidas incongruências e inconsistências de relevo, face ao teor dos documentos constantes dos autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas E., C., e R.], (iv) em articulação com as regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto provada.
Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou de nenhuma prova minimamente consistente e congruente ter sido produzida nesse sentido - tudo conforme aí referido (…)”.
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IV.2 - DO DIREITO
O Autor, aqui Recorrente, intentou a presente ação administrativa visando a responsabilização extracontratual da Ré, aqui Recorrida, pela prática de ato ilícito.
O T.A.F. de Braga, como sabemos, julgou esta ação improcedente, consequentemente, absolvendo a Ré do pedido.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de improcedência da presente ação foi a seguinte: “(…)
Como atrás já se referiu, a questão decidenda a apreciar, nestes autos, consiste, desde logo, em saber se estão verificados ou não, os pressupostos para a efetivação da responsabilidade civil extracontratual da Ré.
Vejamos.
Como é sabido, a Constituição da República Portuguesa (CRP) estipula, no seu art. 22.°, um princípio geral de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, consignando que “...são civilmente responsáveis (...) por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
E, em termos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas é aplicável, in casu, a Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro, dispondo os n.°s 1 e 2, do seu art. 1.° (Âmbito de aplicação), que “.1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as ações ou omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. ”.
Assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, o referido diploma versa sobre (i) a que decorre do exercício da função administrativa (responsabilidade por facto ilícito [cf. arts. 7.° a 10.°] e responsabilidade pelo risco [cf. art. 11.°]), (ii) a que decorre do exercício da função jurisdicional [cf. arts. 12.° a 14.°], (iii) a que decorre do exercício da função político-legislativa [cf. art. 15.°], e (iv) a indemnização pelo sacrifício [cf. art. 16.°].
§ Desde logo, preceitua o n.° 1, do art. 7.° do referido diploma legal que “.o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. ”. E, segundo o n.° 1, do art. 8.° do mesmo diploma legal, “.os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas, com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles que estavam obrigados em razão do cargo...”, dispondo o n.° 2 do normativo em apreço que “.o Estado e demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício... ”.
Por seu turno, nos termos do art. 9.° do diploma em apreço, “...consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. ”. Acresce que, o art. 10.° da mencionada lei preceitua, no seu n.° 1, que “.a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor...”, sendo que, de acordo com o seu n.° 2, “.sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos. ”, prevendo o n.° 3 do mesmo preceito legal que “.para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sem que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância. ”.
Por conseguinte, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por actos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele. Ou seja, há, então, que indagar se, no caso em análise, ocorre a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
♦ Quanto ao facto ilícito, cumpre esclarecer que há lugar apenas à responsabilidade civil por danos resultantes de factos humanos domináveis pela vontade, podendo tais actos consistir em ações ou omissões. Faz-se notar que - como bem lembram MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS [Direito Administrativo Geral., Tomo III (Atividade administrativa), 2.a edição, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2009, p. 486] - consubstanciam ações, entre o mais, as simples atuações administrativas e os actos reais, incluindo todas as omissões juridicamente relevantes. E, na senda do douto entendimento do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), o facto ilícito engloba “.o facto do órgão ou agente constituído por um comportamento voluntário, que tanto pode revestir a forma de ação como de omissão, advindo a ilicitude da ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à proteção de interesses alheios... ” [cf. o douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, de 19 de junho de 2008, proferido no âmbito do Processo n.° 0113/06.5BEPNF - disponível para consulta Online em www.dgsi.pt]. Ou seja, a ilicitude é sinónimo de anti-juridicidade que se pode expressar num juízo negativo ou de desvalor formulado pela ordem jurídica e incidente sobre o facto ou sobre o seu resultado. Sendo assim, será tida por ilícita toda e qualquer conduta que viole o bloco de legalidade (isto é, que viole princípios ou normas constitucionais, legais, regulamentares, internacionais, comunitários), infrinja regras de ordem técnica e de prudência comum, ou deveres objetivos de cuidado ou que viole os parâmetros pelos quais se deve reger o normal funcionamento dos serviços [cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. at., pp. 486-487].
♦ No tocante à culpa, sempre se diga que, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, a culpa traduzir-se-á, fundamentalmente, num juízo de censura sobre o comportamento (ação ou omissão) do titular de órgão ou de agente, por tal conduta não corresponder à que é exigível e esperada de um funcionário típico, normal, zeloso e cumpridor, nas circunstâncias do caso concreto. Trata-se, essencialmente, de apreciar a culpa num plano funcional, no plano de exercício de funções - ou seja, no plano de um comportamento que se traduza numa normal, diligente e zelosa aplicação de regras (ou, numa anormal e negligente aplicação dessas mesmas normas). Ante o exposto, a ilicitude e a culpa são conceitos preenchidos pela omissão ou deficiente cumprimento de deveres funcionais, já que os funcionários e agentes administrativos encontram-se sujeitos a normas que os obrigam a possuir os conhecimentos jurídicos, técnicos ou outros, necessários ao exercício da sua profissão. Mais, a fronteira entre o ilícito e a culpa é de tal forma ténue, que a nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que uma vez provada a omissão do dever funcional, sem que o Estado e demais entes públicos tenham provado qualquer facto justificativo dessa omissão (ou que esta não se verificou), provada se deve ter a culpa da entidade lesante. Constata-se, assim, que, nas ações de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por factos ilícitos, funciona a presunção de culpa in vigilando estabelecida no n.° 1, do art. 493.° do Código Civil (CC) [vide, inter alia, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, de 25 de março de 1999, proferido no âmbito do Processo n.° 041297].
♦ No que respeita ao dano, é sabido que o dano ou prejuízo pode ser definido como a diminuição ou extinção de uma vantagem que é objeto de tutela jurídica. Trata--se, assim, de um conceito polissémico que envolve toda uma pluralidade de situações, a saber: (i) danos emergentes ou imediatos que respeitam à privação de vantagens que já existiam na esfera jurídica do lesado no momento da lesão; (ii) lucros cessantes que se reportam aos benefícios que o lesado deixou de auferir por causa da lesão (mas devendo ser certos e não apenas meramente possíveis) [cf. art. 564.°, n.° 1, do CC]; (iii) danos presentes são aqueles que já ocorreram no momento da fixação da indemnização; (iv) danos futuros são aqueles que ainda não ocorreram no momento da fixação da indemnização [cf. art. 564.°, n.° 2, do CC]; (v) danos patrimoniais denominam-se todos os danos suscetíveis de avaliação pecuniária; e, (vi) danos morais ou não patrimoniais designam-se todos os outros danos que são insuscetíveis de uma tal avaliação [cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pp. 495-496].
♦ Finalmente, quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, explicita-se que a existência de um tal nexo de causalidade implica que o comportamento do funcionário ou agente deva ser causa adequada do dano, isto é, dos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão [cf. art. 563.° do CC]. Como tal, o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua sua consequência normal ou típica (ou, noutra formulação da teoria da causalidade adequada: o comportamento só deixa de ser causa adequada do dano se, dada a sua natureza geral, for indiferente para a verificação do dano, tendo-o causado por virtude de circunstâncias excecionais que ocorreram no caso concreto) [vide, inter alia, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA), de 18 de maio de 1993, Rec. N.° 31.867, in ACD, n.° 390, p. 629]. Ante o exposto, dever-se-ão considerar abrangidos, no âmbito da causa adequada, os comportamentos que não produzindo, eles mesmos, o dano, desencadeiam outro(s) que leva(m) à sua existência.
Ora, compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 12) e supra julgada não provada em (i) a (iii), constata-se que, no caso em apreço, não ocorre a verificação cumulativa dos pressupostos determinantes da responsabilidade civil extracontratual da Ré por actos ilícitos e culposos; não tendo o Autor logrado provar que a Ré incumpriu quaisquer deveres de vigilância, fiscalização, conservação, sinalização e manutenção quanto à EN 308, no KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas.
Com efeito, ficou provado nos autos que, nos dias anteriores e nos dias posteriores a 14 de janeiro de 2014, no local do sinistro, não se verificou nenhum acidente com despiste, tendo a Ré fiscalizado e zelado pela boa manutenção e conservação da EN 308, garantindo as devidas condições de circulação aos seus utentes. Acresce que, nesse dia, a Ré não sinalizou a existência de qualquer anomalia na via [cf. factualidade supra julgada provada em 10) a 11)]. Da mesma forma, não ficou provado, nos autos que, (i) em consequência direta e necessária da existência do lençol de água na EN 308, ao KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas, o veículo com a matrícula AI invadiu a faixa de rodagem oposta e embateu no veículo com a matrícula NC, tendo ficado com estragos na carroçaria, na pintura, na suspensão, no eixo, nos pneus e no interior da viatura, computados em € 6.822,70 (seis mil e oitocentos e vinte e dois euros e setenta cêntimos). Nem ficou provado que (ii) em consequência direta e necessária da existência do lençol de água na EN 308, ao KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas, o Autor sofreu transtornos, angústia e privação do veículo com a matrícula AI, pelo período de reparação, quantificados em € 1.000,00 (mil euros) [cf. factualidade supra julgada não provada em (ii) a (iii)].
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Finalmente, caso assim se não entendesse, certo é que a condução do veículo de matrícula AI por parte do Autor foi feita em total desrespeito pelas normas estradais, traduzindo-se na verificação, no caso em apreço, de culpa do lesado - o que, necessariamente, excluiria o eventual dever de indemnizar por parte da Ré, nos termos do art. 570.° do Código Civil (CC). Faz-se notar que não ficou provado que, no dia 14 de janeiro de 2014, pelas 08h50m, na EN 308, ao KM 41,300, no sentido Vila Verde/Caldelas, o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via (sinuosa e estreita) e climatéricas (tinha chovido bastante nos dias anteriores e ainda chovia nesse dia) [cf. factualidade supra julgada não provada em (i)]. Com efeito, não tendo ficado provado nos autos que o Autor conduzia a sua viatura de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via e climatéricas, violou, inequivocamente, o preceituado nas alíneas h) e j), do n.° 1, do art. 25.° (Velocidade moderada), do Código da Estrada - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 114/94 de 03 de maio, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 72/2013, de 03 de setembro. Ou seja, a conduta ilícita e culposa do Autor torna-se causa excludente de um hipotético dever de indemnizar da Ré [cf. art. 570.° do CC].
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Ante o exposto, não se verificando, cumulativamente, os pressupostos para a efetivação da responsabilidade civil extracontratual da Ré consignados nos arts. 7.° a 10.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro; deve esta, necessariamente, ser absolvida do pedido que contra si foi formulado pelo Autor. O que prejudica, necessariamente, o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos [cf. art. 95.°, n.° 1, do CPTA, em articulação com o disposto no art. 608.°, n.°s 1 e 2 do CPC].
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Finalmente, sempre se diga, que a Ré ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía nos termos do art. 493.°, n.° 1, do CC, na medida em que demonstrou que o sinistro em questão nos autos ficou-se a dever ao comportamento de terceiros e a caso fortuito (mormente, ao comportamento de P. - proprietário do prédio confinante com a EN 308, ao KM 41,300 e do tubo que se encontrava danificado e que, por isso, possibilitava que a água privada da sua propriedade particular caísse diretamente na via pública, formando um lençol de água na via pública). Aliás, após ter sido alertado pelas autoridades policiais, P. reparou o seu tubo e o respectivo muro de suporte de terras, tendo a água privada oriunda de tal tubo deixado de cair na via pública [cf. factualidade supra julgada provada em 5) a 6)].
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Naufraga, assim, totalmente, a pretensão do Autor.
(…)”.
Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde que o presente recurso não irá proceder.
Na verdade, não tendo sido impugnada a matéria de facto em sede de recurso, não pode este Tribunal Superior alhear-se dos concretos factos provados.
De facto, ao não impugnar a matéria de facto provada, o Recorrente está a admitir a mesma.
Portanto, sendo os contornos fácticos dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar os que derivam dos exatos termos do probatório coligido nos autos, é nosso entendimento que o A. não logrou provar, sequer, a existência de um facto ilícito.
Realmente, escrutinado o libelo inicial, verifica-se que o A. sustenta que, ao entrar numa curva, localizado ao KM 41,300 da Estrada Nacional 308, no sentido Vila Verde – Caldelas, deparou-se, súbita e inesperadamente, com um lençol de água em toda a largura da faixa de rodagem, o que motivou que o veículo entrasse em hidroplanagem, tendo o Autor perdido controlo do mesmo, indo embater no veículo com a matrícula NC que circulava no sentido oposto.
No quadro alegado, é evidente que, no plano naturalístico, a causa direta do acidente descrito nos autos foi a ocorrência de uma situação de hidroplanagem emergente da existência de um lençol de água não sinalizado na faixa de rodagem.
Todavia, como dimana do probatório coligido, o A. fracassou na prova de toda a dinâmica do acidente.
Realmente, o tecido fáctico relativo à dinâmica causal do acidente de viação visado nos autos encontravam-se diretamente alegados nos artigos 7º a 13º da petição inicial, integrando os temas de prova nº. 8 enunciado no despacho saneador.
Todavia, o Tribunal a quo, pese embora tenha dado como provado, de entre outro tecido fáctico, que (i) o Autor, ao entrar numa curva sinuosa, ao KM 41,300, deparou-se com um lençol de água na via, invadiu a faixa de rodagem oposta e embateu no veículo com a matrícula NC que por essa faixa circulava; (ii) que se tratou de um dia chuvoso; (iii) que havia de facto acumulação de água nas vias de trânsito, e que (iv) a existência do apontado lençol de água não se mostrava sinalizada, não deu como provado que (a) o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via [sinuosa e estreita] e climatéricas [tinha chovido bastante nos dias anteriores e ainda chovia nesse dia] e ainda que (b) o acidente dos autos se tenha ficado a dever à existência do apontado lençol de água.
Neste particular, cabe notar que, para fundamentar a sua convicção quanto à falta de aquisição processual do tecido fáctico referido na sobredita alínea a), o Tribunal a quo invocou que: “(…) Tal factualidade foi julgada não provada por este Tribunal porquanto, apesar de bem conhecer o local por viver a menos de 5 km do mesmo, o Autor despistou-se tendo embatido no veículo com a matrícula NC (que apesar de circular em sentido oposto e em sentido descendente não se despistou nem invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o Autor). Acresce que (a) a curva sinuosa e apertada que precede o local do sinistro, (b) a precipitação que ocorria à data do sinistro, e (c) a própria hora do dia (08h50m) agravaram as condições de visibilidade, pelo que, necessariamente, e à luz das regras de experiência comum, o Autor teria de circular a uma velocidade desadequada às condições da via e do tempo que se fazia sentir, bem como teria de estar desatento à estrada. Isto porque, caso conduzisse a uma velocidade adequada às condições da via e do tempo e com atenção ao trânsito, não teria embatido no veículo com a matrícula NC (até porque o Autor circulava em sentido ascendente, subindo a EN 308). Motivo, pelo qual, as declarações do Autor - com nítido interesse no desfecho da causa a si favorável - não mereceram credibilidade por parte deste Tribunal. Aliás, a esta mesma conclusão chegou a testemunha R. que elaborou o Relatório de Averiguação junto aos autos, em 27-11-2019, pela “S.” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
Já no tocante à ausência de nexo entre a existência do lenço de água e o acidente dos autos, o Tribunal a quo exteriorizou o seguinte: “(…) Tal factualidade foi julgada não provada por este Tribunal porquanto, apesar de bem conhecer o local por viver a menos de 5 km do mesmo, o Autor despistou-se tendo embatido no veículo com a matrícula NC (que apesar de circular em sentido oposto e em sentido descendente não se despistou nem invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o Autor). Acresce que (a) a curva sinuosa e apertada que precede o local do sinistro, (b) a precipitação que ocorria à data do sinistro, e (c) a própria hora do dia (08h50m) agravaram as condições de visibilidade, pelo que, necessariamente, e à luz das regras de experiência comum, o Autor teria de circular a uma velocidade desadequada às condições da via e do tempo que se fazia sentir, bem como teria de estar desatento à estrada. Isto porque, caso conduzisse a uma velocidade adequada às condições da via e do tempo e com atenção ao trânsito, não teria embatido no veículo com a matrícula NC (até porque o Autor circulava em sentido ascendente, subindo a EN 308). Motivo, pelo qual, as declarações do Autor - com nítido interesse no desfecho da causa a si favorável - não mereceram credibilidade por parte deste Tribunal. Aliás, a esta mesma conclusão chegou a testemunha R. que elaborou o Relatório de Averiguação junto aos autos, em 27-11-2019, pela “S.” e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
Analisada a motivação que se vem de transcrever, logo se constata que foram as circunstâncias do Autor (i) circular a velocidade adequada às condições da via e do tempo e com (ii) desatenção ao trânsito que determinaram a falta de aquisição processual da ausência de nexo de causalidade entre a existência do lenço de água e o acidente dos autos.
Mais se observa que a prova tal realidade fáctica emergiu da falta de aquisição processual da que o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via.
Tal assunção, porém, não se mostra conforme às boas regras de valoração de prova produzida.
Realmente, a “falta de prova de um facto” não importa a “afirmação positiva da realidade contrária”.
Assim, não podia o Tribunal a quo, a partir da falta de aquisição processual de que o Autor circulava de forma atenta e a uma velocidade adequada às condições da via, assimilar processualmente que o mesmo circulava a velocidade desadequada às condições da via e do tempo que se fazia sentir, bem como teria de estar desatento à estrada, e, dessa forma, justificar a ausência de nexo ligante entre o lençol de água existente na faixa de rodagem e a produção do acidente descritos nos autos.
Julgamos, porém, que tal patologia não se repercute decisivamente no sentido da decisão deste recurso, considerando o probatório coligido nos autos.
Na verdade, como se referiu supra, foi a ocorrência de uma situação de hidroplanagem emergente da existência de um lençol de água não sinalizado na faixa de rodagem que determinou a produção do acidente dos autos.
Sucede, porém, que a matéria de facto dada como provada não legitima a referência a qualquer elemento no sentido da ocorrência de uma situação de hidroplanagem.
Nem tal evidência se pode atingir por mera extrapolação da existência de um lençol de água na faixa de rodagem.
Realmente, à mingua da aquisição processual de outras realidades fácticas, designadamente, as relativas (i) ao estado de conservação da via; (ii) à velocidade em que circulava o veículo do Autor; (iii) às condições de conservação e manutenção do veículo, aqui destacando-se o estado dos pneus e travões; (iv) ao estado de atenção do autor à estrada circulante, não se pode afirmar que, não obstante a existência de um lençol de água na faixa de rodagem, foi a situação de hidroplanagem e não uma qualquer outra circunstância que foi determinante da ocorrência do acidente dos autos.
Qualquer outra conclusão em face do aludido preceito legal constitui uma extrapolação não sustentável, mesmo temerária, por falta do respectivo nexo lógico.
Donde se capta que não ficou adquirida qualquer factualidade tendente a demonstrar a ocorrência de uma situação de hidroplanagem emergente da existência de um lençol de água não sinalizado na faixa de rodagem, determinante do acidente dos autos.
E não se invoque o teor do relatório do IPMA, pois a realidade ali evidenciada nada aporta no sentido de demonstrar a ocorrência de uma situação de hidroplanagem de per si como determinante da ocorrência do acidente dos autos, o que também contribuiu para a posição ora assumida no que diz respeita a esta matéria, supra concretizada.
Assim, à mingua dessa demonstração, é para nós indubitável a ausência de nexo ligante entre o referido lençol de água e o acidente descrito nos autos.
Assim sendo, e considerando que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado [art.º 342º, n.º 1 do Código Civil], não resta outra alternativa que não a de concluir, sem necessidade mais discussão, que não está evidenciada nos autos a tese do Autor, aqui Recorrente, no plano do requisito da ilicitude.
De facto, para que procedesse a pretensão do Autor, era necessário demonstrar-se que foi a circunstância da falta de sinalização da existência do lençol de água que determinou o acidente dos autos.
Ora, se não se demonstrou que o acidente dos autos ficou a dever-se à existência do apontado lençol de água fruto de uma situação de hidroplanagem, nem sequer se pode equacionar a violação por parte da Ré dos deveres de fiscalização, conservação das estruturas a seu cargo.
Perante tudo o exposto, é de manifesta evidência que falha logo o primeiro elemento exigido para que se possa verificar a existência de responsabilidade civil aquiliana: um facto revestido de ilicitude.
Logo, e sopesando os pressupostos de que depende o direito a uma indemnização são de verificação cumulativa, assoma como evidente que a Ré não pode ser considerada civilmente responsável pelos danos sofridos pelo Autor, na medida em que faltam o pressuposto apontado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão do A. no âmbito da presente ação.
Pelo que, ainda que com motivação diversa, não se pode deixar de concluir que bem andou a MMª Juíza a quo ao julgar improcedente a presente ação.
Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e, ainda que com fundamentação diversa, mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, ainda que com fundamentação diversa, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente
Registe e Notifique-se.
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Porto, 17 de dezembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia