Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00096/10.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:GERENTE DE SOCIEDADE
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA
Sumário:1. O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
2. Incumbe ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada.
3. A alínea b) do artigo 24º LGT, ao responsabilizar os gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece uma presunção legal de culpa.
4. O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
5. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M…, melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu na parte em julgou improcedente a oposição deduzida contra a reversão por dívidas de IVA e IRC de 2007, dela interpôs recurso rematando as alegações com a seguintes conclusões:

1. - Devia ter sido dada oportunidade à recorrente para a prova testemunhal solicitada, cf. Art.° 392° do C.Civil e Art.° 118°, do CPPT.
2. - A recorrente é parte ilegítima, pois não tem culpa de a devedora originária não ter bens suficientes para cumprir com as dívidas tributárias, cf. Art.° 24°, nº 1, a) da LGT.
Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na extinção da execução fiscal, para que assim se faça JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em apreciar a relevância da prova testemunhal preterida nos autos e bem assim apreciar a culpa da Oponente na insuficiência do património societário para fazer face às dívidas tributárias descritas nos autos.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Fazenda Pública instaurou, em 2008 e 2009 as execuções fiscais n.ºs 2542200801024191, 2542200901002619, 2542200901018205, 2542200901009656, 2542200901011839, 2542200901011880, 2542200901012410 e 2542200901012517, esta e as demais anteriores apensas à primeira, instauradas para cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2004, IRC de 2007, IMI de 2008, IVA de 2009 e IRS de 2009, inicialmente contra “P… Lda.” e depois revertidas, no montante global de € 29 775,91, contra a Oponente, a qual foi citada em 06-01-20010, conforme documentos juntos pelo Órgão de execução fiscal, imediatamente a seguir ao junto pela Oponente e ainda os pontos 1 e 2 da informação que aquele prestou, a qual antecede o 1º despacho e ainda o doc. n.º 1 que instruiu a contestação da FP, aqui dado por reproduzido, o mesmo se dizendo dos demais documentos e folhas do processo que doravante se referirão ;
B) A Oponente, juntamente com outro sócio, o marido, foi desde a constituição da originária devedora, em 1993, gerente, situação que se manteve, quanto à Oponente, até 2009-04-03, vide cópia do despacho de reversão que integra a parte final do conjunto de elementos que a Oponente juntou como documento único, os factos confessados na pet ição inicial e o doc. n.º 2 junto pela FP;
C) A Oponente remeteu, a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, em 26- 01-2006, cfr. ponto 3 da informação;
D) Execuções suspensas em 08 de fevereiro de 2010, por ter sido prestada garantia, vide despacho que ordenou a remessa da Oposição a este Tribunal, proferido naquela data, e que finalizou a informação já supra aludida;
E) Inexiste no despacho de reversão qualquer alusão à culpa da Oponente pela insuficiência do património da originária devedora, cfr. resulta da análise do referido despacho o qual integra a parte final do conjunto de elementos que a Oponente juntou como documento único.
III II Factos não provados
Não se provaram os factos vertidos sob os artigos 14º e 15º da petição inicial. Os demais artigos constituem meras asserções e considerações pessoais da Oponente ou conclusões de facto e/ou direito.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas dos factos provados.
Sobre os factos provados e não provados cumpre referir que na petição inicial se alega no artigo 2º a “crise financeira da sociedade” mas não é minimamente explicada; nada sabe da sua origem. Por exemplo se ela se deveu ao facto de os seus clientes não liquidarem os débitos para com a originária devedora. Contrariando um pouco o que se veio de dizer podemos referir que dos artigos 12º a 14º da petição inicial a crise financeira se deveu ao facto “de a Oponente não poder adivinhar que a sociedade, devedora principal viesse a ter liquidações adicionais para pagamento…
Sobre a crise financeira da sociedade ao nível dos documentos nada foi junto.
Neste pormenor veja-se a lúcida argumentação da FP expressa na contestação.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Corre termos no Serviço de Finanças de Lamego o processo de execução fiscal n.º 2542200801024191 e apensos instaurado contra “P…, Lda” para cobrança de dívidas fiscais no valor global de € 29.775,91.
Constatada a inexistência de bens no património da devedora originária, foi revertida a execução contra a gerente (e outro), ora oponente.
Efetuada a citação, foi deduzida oposição judicial, alegando em síntese, ter cessado a gerência de direito em 3 de abril de 2009, pelo que não pode ser responsabilizada pelas dívidas cujo prazo de pagamento terminou depois desta data.
E quanto à culpa, alega entre o mais, sempre ter agido com a diligência de um bom pai de família, nunca exerceu actos de disposição que diminuíssem os direitos da Fazenda.
Arrolou três testemunhas.
Por sentença de 22 de junho de 2016 a oposição foi julgada parcialmente improcedente no que respeita ás dívidas de IVA/2004 e IRC de 2007, no montante de € 21.587,72, procedendo quanto ao restante (€ 8 188,19).

Reagindo contra esta parte da douta sentença, interpôs o presente recurso, retomando a sua ilegitimidade por falta de culpa e ainda ilegalidade por não lhe ter sido dada a oportunidade para produzir a prova testemunhal arrolada.

Questões em tudo idênticas foram já apreciadas e decididas no douto acórdão deste TCA com o n.º 93/10.2BEVIS, de 7 de dezembro de 2016, ainda inédito ao que sabemos, mas que é do conhecimento das partes.
Por se tratar de matéria em tudo idêntica à que foi decidida naquele acórdão, e por nos revermos integralmente na solução jurídica adotada, transcrevemos, com a devida vénia, a fundamentação ali exposta.
Assim, quanto à matéria da prova testemunhal, o douto acórdão decidiu que:

“Nas suas alegações, a Recorrente começa por dizer que solicitou prova testemunhal sobre os factos alegados, sendo que a inquirição de testemunhas foi dispensada pelo Digno Juiz, o que significa que se viu impedida de contrariar a base factual da reversão, pelo que a decisão não seguiu o contraditório devido e deve ser alterada em conformidade, por outra, que mande baixar os autos, à instância inferior, com a finalidade de dar oportunidade à recorrente de efectuar a prova, o que equivale a dizer que a decisão, que não deu possibilidades à recorrente, da audição das testemunhas, viola os Arts.º 115º e 118º, ambos do CPPT e Art.º 392º do C. Civil.

Ora, neste domínio relacionado com a não consideração das diligências de prova requeridas, cabe notar que eventual vício formal pelo facto de o Tribunal não ter considerado ou ter prescindido da produção da prova apontada pelas partes fulminado com a nulidade esta não poderá deixar de ser de natureza secundária, na medida em que da sua realização, enquanto um acto ou uma formalidade prescrita por lei, pudessem resultar elementos susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa, integrando, assim, como se referiu, uma nulidade secundária, à luz do que preceitua o art.º 201º do CPC, por não abrangida pelos artigos que o precedem, a invocar/arguir nos termos do subsequente art.º 205.º do mesmo compêndio legal.
Por outro lado, dúvidas, também, não subsistem que, não dispondo o CPPT, de regime próprio relativamente às nulidades secundárias, estas terão de ser analisadas à luz do que, a respeito delas, se dispõe no dito C. Proc. Civil, por imposição do, também, referido art.º 2.º/e do CPPT. …”.
Diga-se ainda que a consideração de qualquer vício de forma neste âmbito exigiria que as diligências em apreço fossem impostas, tal como se refere no Ac. do TCA Sul de 06-10-2010, Proc. nº 03603/09, ao que se crê ainda inédito, “no sentido de inexoravelmente vinculadas, ou no dizer do preceito, prescrita por lei, para além de poder influir no exame ou na decisão da causa; Ou seja, e ao que aqui releva, para além de ter de se tratar de formalidade omitida cuja ausência não assegure, no dizer do Prof. A. dos Reis “(...) a instrução , a discussão e o julgamento regular do pleito”, assim devendo ser entendida a exigência de que a “(...) irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” tem, ainda, de se tratar de formalidade imposta por lei , no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz.”.
É sabido que o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.
Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam - posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) - pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.
O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.
Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Nesta linha de raciocínio, resulta claro que a dispensa, a não produção de quaisquer diligências de prova não implica uma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir e não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.
Em todo o caso, e com referência à avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade, matéria em que nos deparamos, tal como se refere no Ac. acima referido, não com um vício de forma mas, antes e de facto, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida sem que tenha o apoio da prova prescindida.

Pois bem, na situação em análise, não cremos que a Recorrente sustente de forma adequada a sua alegação, na medida em que aposta numa referência genérica à prova testemunhal enquanto forma de contrariar a base factual da reversão...”.

Vejamos o que sobre esta matéria disse o MMº juiz no despacho proferido a fls. 57:
“Requerimento que antecede: Atento o que dele consta, conjugando-o com a Petição Inicial, mormente com os pontos ali referidos, verifico que o conteúdo do último despacho, onde se mencionou: “A petição inicial não indicia conter factos que justifiquem a produção de prova testemunhal pois relata matéria de direito, contém conclusões ou factos referidos a documentos. Também a contestação da Fazenda Pública é reportada a documentos.” sai reforçado pois os aludidos pontos são:
O 1º e 7º conclusivos e atinente a documentos;
O 2º é conclusivo;
O 3º e último constituem a afirmação da gestão efectiva que neste e noutros pontos é confessada;
4º, 5º e 6º são ou devem ser realidades a comprovar documentalmente.
Assim, considerando que as diligências probatórias para se realizarem devem ser úteis ou necessárias ao esclarecimento dos factos que cumpra conhecer, vide entre outros os artigos 13º e 114º do CPPT, dado que a inquirição de testemunhas não reveste, face ao supra referido e ao último despacho, as apontadas características, atendendo ao princípio da proibição de actos inúteis e impondo-se cada vez mais o esforço de eficácia e eficiência na actividade do julgador para assim poder respeitar o princípio constitucional da tutela judicial efectiva dispenso a produção de prova testemunhal.
Notifique. …”.

O conteúdo deste despacho foi apreciado no douto acórdão deste TCA que temos vindo a acompanhar, nos seguintes termos:
“Ora, para além de não ter posto em crise o aludido despacho, a Recorrente mostra-se excessivamente económica na sua alegação, na medida em que não identifica os concretos pontos de facto que a prova testemunhal poderia vir a evidenciar em defesa do exposto em sede de petição inicial, ou seja, não aponta, como deveria, os factos alegados com relevância para a decisão da causa que a prova testemunhal poderia demonstrar, mostrando assim o erro de avaliação do juiz ao não admitir o referido meio de prova, na medida em que, à luz das soluções jurídicas possíveis no caso em apreciação, os elementos considerados não eram, afinal, bastantes e suficientes para o efeito apontado.
Mas mais.
Na verdade, apesar da pobreza de alegação da Recorrente, e considerando todas as potencialidades da sua posição sobre esta matéria, de acordo com a sua própria perspectiva, tendo presente o requerimento de 26-11-2010, ainda assim, o presente recurso está condenado ao insucesso...”.

No aludido requerimento a oponente reclamava a audição das testemunhas arroladas aos pontos 9, 12, 14, 15, 16, 22, 23 e 26 da petição inicial que têm o seguinte teor:

“9. A oponente, no período em que exerceu funções de gerência, desenvolveu todos os esforços e empregou o melhor do seu saber, para resolver as dificuldades e procurou encontrar formas para suplantar a crise financeira da sociedade devedora principal "P…, Lda." e, face ao insucesso destas, nunca praticou actos de administração ou disposição, em nome e no interesse da sociedade, susceptíveis de impossibilitarem o pagamento das dívidas tributárias em execução. …
12. Contudo, sempre a oponente actuou com a diligência de um bom pai de família. …
14. Conduziu a actividade.
15. Pagou a todos os credores.
16. Todavia, quando convidada a devedora principal a pagar as liquidações adicionais à Fazenda Nacional, verificou-se que já não tinha o património para o cumprir. …
22. Nesta conformidade, nunca a oponente dispôs na sociedade de meios de pagamento para solver as dívidas citadas.
23. Na qualidade de gerente nunca exerceu actos de disposição de bens societários da devedora principal, “P…, Lda.”, que diminuíssem os direitos da Fazenda Nacional de receber os seus impostos.
26. A oponente nomeada e exercendo de facto a gerência, exerceu em nome e proveito da sociedade uma actividade de risco, como é a empresarial”.

Estas alegações, que são totalmente iguais às analisadas no douto acórdão em referência mas que neste processo têm uma ordenação diferente - que registamos entre parêntesis-, foram analisadas do seguinte modo:
“Com este pano de fundo, resulta claro que a prova testemunhal não tinha qualquer relevo nesta sede, porquanto, o primeiro facto descrito 2 (9) é totalmente conclusivo, do mesmo modo que o ponto 5 (12) nada acrescenta em termos de alegação, pois que aquilo que interessa é a forma como efectivamente a Recorrente procedeu em termos de se poder concluir no sentido do exposto.
Depois, a alusão a que conduziu a actividade não é nenhuma novidade para quem assumiu a gerência de facto da devedora originária, sendo que os pontos 8. e 9. (15 e 16) não têm qualquer concretização em termos de descrição da actividade da devedora originária para que tal alegação fosse pelo menos inteligível, verificando-se depois que os pontos 14, 15 e 18 (22, 23 e 26) são como que “mais do mesmo”, ou seja, uma alegação essencialmente genérica, conclusiva, insusceptível de tornar a prova testemunhal arrolada relevante para o apuramento de facto que, pelo seu teor genérico e conclusivo, não podem ter lugar no probatório, faltando a alegação dos factos capazes de evidenciar a matéria que ficou exposto, o que significa que a alegação, diga-se pouco esforçada, da Recorrente não pode ter qualquer acolhimento nesta sede.”

Na segunda conclusão sustenta a Oponente ser parte ilegítima, por não ter culpa de a devedora originária não ter bens suficientes para cumprir com as dívidas tributárias, cf. Art.º 24º, nº 1, a) da LGT, apontando, nas alegações, que a difícil situação económica da devedora principal deveu-se ao desencadeamento de vários procedimentos inspectivos pela Autoridade Tributária, quer de tributos em falta quer de presunções de IVA, em montantes elevados, falta de recebimento de alguns clientes, etc., o que levou a devedora principal a vender todo o património que lhe restava inclusive o armazém onde desenvolvia a sua actividade foi penhorado, o que lhe impedia de laborar, situação que não ocorreu por culpa da recorrente, gerente da devedora principal, pois, tendo sido objecto de vários processos interpostos pela Autoridade Tributária, e consequente falta de meios monetários, por falta de pagamentos por parte dos clientes, onde irá buscar o dinheiro, para pagar as dividas de IVA?.
Esta realidade a sentença deu como não provada, pelo que não custa a admitir, que não foi por culpa da recorrente, que o património se tornou insuficiente para o cumprimento das obrigações tributárias, conforme Art.º 24º da LGT (alegações 7ª a 12ª).

Também sobre esta mesma matéria o douto acórdão se pronunciou em termos que aderimos integralmente e que com a devida vénia transcrevemos:
“Quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

Na verdade, apesar de a Recorrente apontar para a alínea a) do nº 1 do art. 24º, quando se conjuga o teor do despacho de reversão com a nota de citação, é ponto assente que a reversão em causa foi determinada nos termos do art. 24º nº 1 al. b) da LGT tendo em conta o enquadramento descrito, sendo que a própria Recorrente assume no ponto 8 da sua petição inicial refere que “quando convidada a devedora principal a pagar as liquidações adicionais à Fazenda Nacional, verificou-se que já não tinha o património para o cumprir.”.

Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi.
Na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, a oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não isso que se verificou no caso dos autos.
Isto porque, tal situação não se basta, ao contrário do que parece supor a Recorrente, com a simples alegação de que “A oponente, no período em que exerceu funções de gerência, desenvolveu todos os esforços e empregou o melhor do seu saber, para resolver as dificuldades e procurou encontrar formas para suplantar a crise financeira da sociedade devedora principal "P…, Lda." e, face ao insucesso destas, nunca praticou actos de administração ou disposição, em nome e no interesse da sociedade, susceptíveis de impossibilitarem o pagamento das dívidas tributárias em execução e que actuou com a diligência de um bom pai de família”.
Ora, isto é o ponto de chegada, impondo-se à Recorrente a descrição de todo o processo que conduziu à situação em apreço, ou seja, cabe à Recorrente alegar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta da ora Recorrente neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que não se mostra evidenciada nos autos no sentido de permitir uma outra percepção da realidade em termos de se afirmar que a Recorrente não é responsável pela falta de pagamento das liquidações que constituem a dívida exequenda.
Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito, o que significa que a alegação da ora Recorrente estava condenada “ab initio” quanto a esta matéria, situação que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente no âmbito do presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.”

Também nós não podemos deixar de concluir da mesma forma, tendo em conta a identidade de fundamentos que subjazem a este acórdão e ao acórdão proferido no processo n.º 93/10.2BEVIS, cuja solução inteiramente sufragamos.



V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 2 de fevereiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira