Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/17.4BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC DE 2013 E 2014; MÉTODOS INDIRETOS; REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL; ART. 117.º, N.º 1 DO CPPT;
FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:Não ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando da mesma se depreende que se considerou que se verificava a falta de pedido prévio de revisão da matéria tributável, pressuposto necessário para apresentação da impugnação, e se julgou prejudicado o conhecimento das restantes questões atenta a solução jurídica dada ao caso.

O procedimento de revisão da matéria tributável cujo espoletamento se impõe é imposto por força do n.º 1 do art. 117.º do CPPT, como condição da impugnação judicial dos atos tributários, apenas tem lugar quando a fixação da matéria coletável é levada a cabo através de métodos indiretos, como sucede no caso em apreço, sendo aqui um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial cuja verificação se exige para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa.

Logo, se a impugnação judicial apenas tem por fundamento estes erros, ela deverá ser rejeitada com fundamento em inimpugnabilidade do ato impugnado, que é um obstáculo ao prosseguimento do processo.
No entanto, impõe-se referir que se a impugnação judicial versar sobre qualquer outro fundamento, ainda que concomitantemente se invoque a errónea quantificação, é de admitir o recurso a tal meio processual mesmo que sem prévia reclamação.

Tendo a Recorrente invocado na petição inicial o vício de falta de fundamentação em relação a vários aspetos do relatório inspetivo, assim como da liquidação dos juros, a apreciação de tais vícios não está dependente do prévio pedido de revisão da matéria coletável.

A liquidação de juros compensatórios deve incluir a referência ao montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, devendo ainda ser indicadas as normas legais em que assenta a liquidação desses juros, ou seja, da mesma têm de constar os elementos necessários à aferição da sua forma de cálculo, bem como da sua origem.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido parcial provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. RElatório
M., Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 2018-10-02, que julgou improcedente a impugnação judicial em que é Impugnante, assim mantendo as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2013 e 2014, no valor global de EUR 52.980,41, vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
75.
De tudo aquilo que acaba de se expor, dúvidas não restam, pois, de que a sentença recorrida andou mal ao julgar improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente e de que o tribunal a quo podia e devia ter decidido pela procedência da impugnação em crise.
76.
Com efeito, para além de nula por omissão de pronúncia, a sentença recorrida padece de várias outras enfermidades.
77.
Ao decidir pela inimpugnabilidade das liquidações aqui em crise, a sentença recorrida precludiu o direito da impugnante à tutela jurisdicional efectiva.
78.
Em resumo, e tendo em conta tudo o que se alegou supra, a sentença recorrida violou os artigos 77.º, 86.º, 90.º e 91.º da LGT, os artigos 27.º, 49.º e 51.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), os artigos 151.º a 153.º do CPA, os artigos 14.º e 117.º, n.º 1, a contrario, do CPPT, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e os artigos 20.º e 219.º da CRP, assim como o Estado de Direito Democrático.
79.
Doravante, a Recorrente irá apresentar as suas conclusões.
I.
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que decidiu pela improcedência impugnação judicial apresentada e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública.
II.
O relatório de inspeção tributária padece dos seguintes vícios, os quais foram todos alegados na petição inicial e provados por documentos:
a) falta de fundamentação da decisão de aplicação de métodos indiretos
b) falta de fundamentação dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
c) falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios
d) errónea sintetização das correções efetuadas
e) falta de fundamentação da própria inspeção e do critério de seleção do contribuinte.
III.
O Tribunal “a quo” fez um juízo desacertado sobre a argumentação e imputação dos vícios legais que a Recorrente assacou aos atos de liquidação de IRC, quando decidiu pela improcedência da impugnação judicial, sem conhecer e decidir sobre os demais vícios invocados.
IV.
Os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1, do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria coletável como condição da impugnabilidade judicial de atos tributários com base naqueles erros, quando esse é o único vício assacado ao ato tributário.
V.
A revisão administrativa só funciona como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria coletável através de métodos indiretos, quando na impugnação judicial não são assacados outros vícios legais ao ato tributário impugnado.
VI.
Se o “erro na quantificação da matéria coletável” e o “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos” não são os únicos vícios legais invocados, então nada impede, e não está vedado, que o Tribunal conheça da invalidade fundada em ilegalidades de espécie diferente.
VII.
Da leitura da petição de impugnação judicial resulta que a Recorrente impugnou judicialmente as liquidações de IRC e respectivos juros, imputando-lhes claramente outros vícios/ilegalidades, que deveriam ter sido conhecidos e julgados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
VIII.
O douto Tribunal “a quo” não podia ter considerado que as liquidações de IRC eram inimpugnáveis por falta de um pressuposto processual, já que, nenhuma decisão administrativa prévia - revisão da matéria coletável - se mostra exigível face aos outros vícios alegados.
IX.
Os fundamentos impugnação invocados pela Recorrente são distintos e autónomos em relação ao erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos.
X.
A preterição do conhecimento e decisão desses fundamentos legais de impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC consubstancia uma ilegalidade, na medida em que a presente impugnação judicial não estava na dependência da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria coletável para prosseguir seus termos legais.
XI.
A sentença recorrida confundiu a apreciação do vício de falta de fundamentação com o erro nos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, invocando exigência prévia de apresentação de pedido de revisão da matéria coletável, não tendo, assim, conhecido os demais vícios invocados pela Recorrente.
XII.
Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia, sendo, por conseguinte, nula.
XIII.
No que diz respeito à matéria de facto dada como provada, a sentença recorrida padece de erro na identificação do montante dos lucros corrigidos em 2013 e 2014, desconhecendo-se se tal erro resulta na incongruência dos documentos apresentados pela Fazenda Pública ou se se trata apenas de um lapso do tribunal.
XIV.
Certo é que, independentemente da causa, ocorreu erro na apreciação da matéria de facto.
XV.
É também relevante para os autos que se considere provado que a Recorrente comercializa mais de 5000 produtos diferentes, cada um identificado por uma referência própria, já que a ausência deste aspecto no relatório de inspeção consubstancia deficiente fundamentação pela omissão de menção de um facto relevante.
XVI.
Finalmente, sempre se defenderá a ilegalidade da sentença recorrida por falta de parecer do prévio do Ministério Público, como dita o artigo 14.º do CPPT.
Em síntese:
XVII.
É nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia.
XVIII.
É também inconstitucional por ter precludido o direito da impugnante à tutela jurisdicional efectiva.
XIX.
É igualmente ilegal por violar os artigos 77.º, 86.º, 90.º e 91.º da LGT, dos artigos 27.º, 49.º e 51.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), os artigos 151.º a 153.º do CPA, os artigos 14.º e 117.º, n.º1, a contrario, do CPPT, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e os artigos 20.º e 219.º da CRP, assim como o Estado de Direito Democrático.”

Termina pedindo:

“Termos em que, com o douto suprimento de v. excelências a quanto exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida.
Só assim se fará inteira e sã justiça!”
***
A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

CONCLUSÕES:
A). A impugnante delimitou o objeto da presente impugnação, pedindo a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, das liquidações de IRC dos anos de 2013 e 2014 e dos juros compensatórios de cada uma destas liquidações.
B). A impugnante delimitou o objeto da reclamação graciosa, à errónea qualificação e quantificação dos rendimentos por aplicação dos métodos indiretos na determinação da matéria tributável, considerando as liquidações de IRC de 2013 e 2014, manifestamente excessivas.
C). A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável com base na errónea qualificação e quantificação da matéria tributável, em IRC, nos exercícios de 2013 e 2014, com recurso à aplicação dos métodos indiretos, a qual não foi aceite pela AT, por extemporaneidade.
D). A impugnante alega na impugnação, como falta de fundamentação do relatório de inspeção para a decisão da aplicação de métodos indiretos factos que são questões meramente técnicas.
E). As questões suscitadas pela impugnante não configuram, quaisquer vícios do relatório de inspeção, mormente falta de fundamentação na aplicação do recurso a métodos indiretos. A invocada errónea qualificação e quantificação da matéria coletável, são questões que podiam e deveriam ter sido “dirimidas” em sede do procedimento da revisão da matéria coletável, fundamental e prévia à discussão em sede da presente impugnação judicial, o que só não aconteceu, por “lapso” ou “incúria” da impugnante.
F). Todos os argumentos aduzidos na PI da presente impugnação levantam questões técnicas que se prendem com eventuais erros nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, erro na qualificação e quantificação por avaliação indireta da matéria tributável, o que, sem dúvida, a apreciação de tais erros por parte do Tribunal, dependeria da prévia reclamação através do Pedido da Revisão da Matéria Tributável nos termos dos art.º 91 e seguintes da LGT.
G). O procedimento da revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indiretos, mas também a decisão de os utilizar, de acordo com o art.º 117 n.º 1 do CPPT. Pois que, se a impugnação dos atos tributários com base em erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, conclui-se forçosamente que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indiretos.
H). Todos os argumentos aduzidos na PI da presente impugnação levantam questões técnicas que se prendem com eventuais erros nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, erro na qualificação e quantificação por avaliação indireta da matéria tributável, o que, sem dúvida, a apreciação de tais erros por parte do Tribunal, dependeria da prévia Reclamação através do Pedido da Revisão da Matéria Tributável nos termos dos art.º 91 e seguintes da LGT.
I). A presente impugnação termina com o pedido de anulação da decisão do indeferimento da reclamação graciosa”; das liquidações impugnadas; na condenação da AT a devolver as quantias entregues no âmbito destas liquidações e na condenação da AT ao pagamento de uma indemnização.
J). Não se tendo verificado este mecanismo de Revisão, fixou-se definitivamente o montante das correções à matéria tributável nos exercícios em questão, que conduziram às liquidações controvertidas e respectivos juros compensatórios.
L). A douta sentença decidiu nesta linha de raciocínio lógico/jurídico, não podendo decidir de outra forma, porquanto, a impugnante não colocou em causa a decisão da AT que indeferiu o pedido de revisão por extemporâneo. Decidindo e bem que a impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévio Pedido de Revisão da Matéria Tributável – art.º 86 n.º 5 da LGT e 117 n.º 1 do CPPT.
M). Decidindo e bem, que “verificando-se que a impugnante invoca é (...) a ilegalidade de aplicação de métodos indiretos e quantificação da matéria coletável com recurso àqueles métodos, e não tendo efetuado a reclamação prévia identificada, terá de improceder a sua pretensão, por ilegalidade na interposição de impugnação”.
N). A douta sentença não merece, pois, qualquer censurabilidade, devendo manter-se a decisão “a quo”.

Termina pedindo:

Nestes termos e nos melhores de Direito, acompanhamos integralmente os fundamentos da douta sentença, nos precisos termos em que foi proferida, não se nos oferecendo qualquer reparo sobre a mesma, pelo que, deve o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência deve manter-se nos precisos termos a decisão proferida na douta sentença, objeto do presente recurso.
Como sempre, Vªs. Exªs. Doutamente farão a esperada Justiça.”
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso e, em consequência, absolver-se a Fazenda Pública da instância.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***
Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia ou se se encontra ferida pelos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
“Factos provados:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto o comércio a retalho em supermercados de produtos alimentares, bebidas, produtos de higiene, produtos e equipamentos para o lar e jardim – Doc. n.º 1 da PI;
2. Para desenvolver a atividade da sociedade, o sócio-gerente da sociedade, M., celebrou um contrato de franquia com a sociedade D., LDA., tendo cedido, posteriormente, a sua posição contratual à aqui Impugnante, com a aprovação da D. – cf. Doc. n.º 2 e Doc. n.º 3 da PI;
3. A contabilidade da Impugnante foi objeto de inspeção tributária que incidiu nos anos de 2013 e 2014, cujo relatório aqui se reproduz, com o seguinte destaque (cf. fls. do PA, não numeradas):
“(…)
“4.9- Foi feita uma análise para o ano de 2013 e 2014, a vários meses, às compras e vendas efetuadas, em termos de quilos de produtos perecíveis; cenoura alface, e feijão verde, donde resulta o apurado nos quadros seguintes:
4.9.1 – Ano de 2013:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4.9.2- Ano de 2014:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Tendo sido questionado relativamente a estas diferenças o sócio gerente referiu que não sabia dar justificação para essas diferenças, e o que provavelmente poderia ter acontecido, no caso das cenouras, teria sido a contabilização da saída desta mercadoria como se fosse outro produto, não sabendo identificar qual seria o produto.
Da análise global, verifica-se que quando os valores apurados por mês (última coluna), são negativos, ou seja as quantidades vendidas são superiores às quantidades compradas, estes, na maioria dos casos, não são compensados nos últimos meses que lhe são próximos, como seria de esperar.
A maior diferença encontrada no ano de 2013, foi no mês de fevereiro do produto cenoura, em que a quantidade comprada foi de 511,05kg., e a quantidade vendida foi de 5,03kg., resultando assim uma diferença de 506,02kg.
A maior diferença encontrada no ano de 2014, foi também no mês de fevereiro do produto cenoura, em que a quantidade comprada foi de 560,58kg, e a quantidade vendida foi de 621,52kg., resultando uma diferença de – 60,94kg, que não é compensada pelo mês de Janeiro, dado que a diferença encontrada nesse mês foi de -26,93. Resumindo nestes dois meses vendeu mais cenoura do que aquela que foi comprada. Todos estes factos incongruentes, indiciam omissões de vendas de mercadoria.
4.10- No sentido de calcular as margens brutas de comercialização (alguns documentos de apoio em anexo 11), foi utilizado o ficheiro SAF-T para consultar as facturas de venda e algumas facturas de compra de produtos. As margens apuradas foram as seguintes: [ver melhor em pág. 25 do Relatório de Inspeção]
4.10.1- Ano de 2013:
(…)
4.10.2-Ano de 2014:
(…)
Para o exercício de 2014 também se recorreu ao SAF-T como em 2013, encontrando-se idênticos resultados, ou seja, uma margem de cerca de 14% sobre as vendas.
5- Conclusão
Todos estes factos, que de seguida se resumem:
a) Margens declaradas e margens de comercialização apuradas com base em facturas de compra e de venda;
b) Análise do desempenho/rácios do sector;
c) Empolamento de custos;
d) Quantidades /em Kg.) de produtos adquiridos para os quais não há vendas e quantidades de produtos vendidos superiores aos adquiridos;
Permitem inferir que os volumes de negócios declarados nos anos de 2013 e 2014, não reflectem a realidade, indiciando vendas omissas na contabilidade bem como nas declarações fiscais apresentadas pelo sujeito passivo, ocultando assim a realidade económica e financeira da empresa ao nível dos resultados declarados, pelo que no seu conjunto e associados entre si impedem o conhecimento da matéria tributável real, no caso em IRC, e do IVA realmente devido, afastando-se assim, nos termos do art.º 75.º da LGT, a presunção de veracidade da contabilidade e declarações fiscais do contribuinte.
Nos mesmos termos, encontra-se também provada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável em IRC e em IVA, em consequência da existência de indícios fundados de omissões nas vendas, materializadas ao longo dos dois anos, as quais inviabilizam a utilização da avaliação indireta, por inexistência e insuficiência de elementos indispensáveis.
Encontram-se assim reunidos os pressupostos legais para o recurso à avaliação indireta, tal como obrigam os artigos 57.º do CIRC, 90.º do CIVA, 74.º, n.º 3 e 87.º, n.º 1, alíneas b) da LGT conjugado com o disposto nas alíneas a) e d) do art.º 88 da mesma Lei.
Em face dos fundamentos expostos no presente capítulo, a matéria tributável de IRC dos anos de 2013 e 2014, bem como o IVA em falta, referente aos mesmos períodos, irá ser determinada com recurso a métodos indiretos com base nos critérios previstos no artigo 90.º da LGT.”
4. Nesta sequência a AT fixou o lucro tributável por métodos indiretos em sede de IRC em 34.896,20 € (no de 2013) e em 26.303,29 (ano de 2014) – Fls. 163 e 165 do PA;
5. Em 29/4/2016 a Impugnante foi notificada das correções resultantes da ação de inspeção referida, onde consta a descrição e fundamentos da correcção dos anos de 2013 e 2014 – Fls. 166 a 172 do PA;
6. Em 14/6/2016 a Impugnante apresenta pedido de “Revisão da Matéria Tributável, Fixada por métodos indiretos (…)” – Fls. 1 a 6 do PA, no segmente reportado a “Pedido de Revisão de Matéria Colectável Indeferido por extemporâneo”;
7. Por ofício n.º 1416, o pedido (facto 6) foi indeferido por extemporâneo – Fls. 7 do PA no segmente reportado a “Pedido de Revisão de Matéria Colectável Indeferido por extemporâneo;
8. Em 11/8/2016 a Impugnante apresenta reclamação graciosa – Fls. 1 e ss ( no segmento do PA relativo a “Processo de Reclamação Graciosa);
9. Em 11/11/2016 a reclamação foi indeferida – Fls. 217 (no segmento do PA relativo a “Processo de Reclamação Graciosa”);
10. Em data não alegada a Impugnante é notificada da liquidação de IRC referente a 2013 e 2014 – anexo I do “Processo de Reclamação Graciosa”, ínsito no PA)
11. Pelo carácter sazonal do produto, que é o caso do coelho da páscoa de chocolate, do morango a granel e da pera conferencia; noutros casos porque se trata de produtos que, em média, só são consumidos esporadicamente, tais como a gelatina ananás/manga, a mousse de chocolate, o chá de camomila e a lixívia perfumada; ou os bifinhos do lombo temperados, não são representativos da atividade da Impugnante;
12. A zona de Trás-os-Montes (Torre de Moncorvo) onde a Impugnante exerce o comércio contém vários produtores de azeite, sendo prática comum a compra de azeite directamente ao produtor – pelo que o azeite gallo mencionado no quadro 18, não é representativa da atividade da Impugnante;
13. A Impugnante exerce a sua atividade através de contrato de franquia, logo, divide a sua margem com a D. - pelo que a sua margem ronda apenas os 10% - fls. 38 a 52/V.
Para a prova dos factos 10 a 12, cf. depoimento das testemunhas da Impugnante (prestado no processo que presta acessoria a várias empresas da região e porque participa no comércio de produtos semelhantes àqueles que a Impugnante vende (testemunha E.); e porque, sendo contabilista da sociedade Impugnante, acompanhou a inspeção tributária (Testemunha R.) – que demonstraram conhecer os factos a que foram inquiridas.”
***
Entende este Tribunal que no caso em apreço deve fazer uso do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, nos termos do qual o Tribunal de segunda instância “… deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Assim, sendo, aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo são aditados os seguintes factos:

14. Ao abrigo das “Ordens de Serviço n.º OI201500271 e n.º OI201500272, de 16/07/2015”, a Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva de âmbito externo com vista ao controlo da sua situação tributária, tendo o sócio-gerente, M. assinado a ordem de serviço, nas instalações do “sujeito passivo, supermercado denominado D., vulgarmente também designado como “M.”, sito em Torre de Moncorvo” (cf. fls. 5 e 8 do RIT, que consta do Processo Administrativo junto aos autos).

O facto dado como provado pelo Tribunal a quo no ponto 4. é alterado nos seguintes termos:

4. Nesta sequência a AT fixou o lucro tributável por métodos indiretos em sede de IRC em EUR 132.055,75 (no de 2013) e em EUR 111.544,80 (ano de 2014) – Fls. 29 do RIT, no PA

II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece da nulidade por omissão de pronúncia e dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente.

Sucede que este Tribunal Central Administrativo Norte já se pronunciou sobre um recurso em tudo similar ao aqui em apreço, em acórdão proferido em 2020-10-22, no processo n.º 67/17.2BEMDL, no qual estava em causa o dissenso da Recorrente relativamente à sentença proferida pelo Tribunal a quo relativamente à correção efetuada no âmbito da mesma inspeção tributária, tendo por objeto as consequentes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios para os mesmos exercícios de 2013 e 2014.

Assim, por estar em causa o mesmo enquadramento factual, sendo suscitados pela Recorrente os mesmos vícios da sentença proferida pelo mesmo Tribunal e exatamente no mesmo sentido, e porque o supracitado acórdão decidiu os mesmos em termos que merecem a nossa total concordância, aqui decidiremos por adesão à respetiva fundamentação, com as devidas adaptações, que assim passamos a reproduzir.

Decidiu-se na sentença do Tribunal a quo relativamente à “falta de pedido prévio de revisão da matéria tributável” o seguinte: “A impugnante não põe em causa a decisão da AT que indefere o pedido de revisão da matéria coletável porque a considera extemporânea.
A impugnação dos atos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévio pedido de revisão da matéria tributável – art. 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT e, entre outros, do Ac. do STA de 24/2/2016, Proc. 01163/15.
Verificando-se que aquilo que a Impugnante invoca é, para o que é aqui relevante, a ilegalidade de aplicação de métodos indiciários e quantificação da matéria tributável com recurso àqueles métodos, e não tendo efetuado a reclamação prévia identificada, terá que improceder a sua pretensão, por ilegalidade na interposição de impugnação.
Fica prejudicado o conhecimento das outras questões.”
É contra este decisório que a impugnante se insurge invocando que a sentença é nula por omissão de pronúncia, uma vez que não conheceu dos vícios que lhe vêm assacados e que identifica da seguinte forma: a) falta de fundamentação da decisão de aplicação de métodos indiretos; b) falta de fundamentação dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos; c) falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios; d) errónea sintetização das correções efetuadas; e) falta de fundamentação da própria inspeção e do critério de seleção do contribuinte, além de também chamar à colação o erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação dos artigos 77.º, 86.º, 90.º e 91.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), os artigos 151.º a 153.º do CPA, os artigos 14.º e 117.º, n.º 1, a contrario, do CPPT, o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e o art. 20.º da CRP, assim como o Estado de Direito Democrático.
Vejamos se lhe assiste razão.
Comecemos, então, pela alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Diz a Recorrente que o Mm.º juiz do Tribunal a quo não apreciou as questões por si invocadas (alegações 12ª a 61ª do recurso e conclusão XII do recurso), consubstanciadas (i) na falta de fundamentação da decisão de aplicação do recurso a métodos indiretos; (ii) na falta de fundamentação dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos; (iii) na falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios; (iv) na errónea sintetização das correções efetuadas e na falta de fundamentação da própria inspeção e do critério de seleção do contribuinte.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 125.º n.º 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Segundo o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Significa, pois, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelas soluções dadas a outras (art. 608.º do CPC).
Estabelece este preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença.
Ou seja, ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que esteja obrigado a pronunciar-se. Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cf. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer.
No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões porque não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (neste sentido cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, ed. 2011).
Ainda neste sentido, e de entre muitos, podem ver-se os Acórdãos do STA de 13/07/2011 e de 20/09/2011, proferidos no âmbito dos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respetivamente, e Acórdão do TCAN de 10/10/2013, processo n.º 1481/08.0BEBRG).
In casu, com a certeza necessária, podemos dizer que não ocorre a alegada nulidade, uma vez que da sentença recorrida depreende-se que o Tribunal a quo considerando que se verificava a falta de pedido prévio de revisão da matéria tributável, pressuposto necessário para apresentar a impugnação, julgou prejudicado o conhecimento das restantes questões atenta a solução jurídica que deu ao caso.
Assim sendo não procede a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Vejamos, agora, se a sentença recorrida padece do apontado erro de julgamento por violação dos preceitos legais supra enumerados.
Nos termos do art. 86.º n.º 5 da LGT “Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indireta depende da prévia reclamação nos termos da lei”.
Assim, nos termos deste preceito legal, impõe-se como condição de impugnação judicial da liquidação fundada em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, uma «prévia reclamação», que no art. 91.º se concretiza no procedimento de revisão da matéria coletável.
O art. 117.º, n.º 1 do CPPT regulou esta necessidade de prévia reclamação (pedido de revisão).
O procedimento de revisão da matéria tributável cuja utilização se impõe no n.º 1 do art. 117.º supracitado, como condição da impugnação judicial dos atos tributários, apenas tem lugar quando a fixação da matéria coletável é levada a cabo através de métodos indiretos, como sucede no caso em apreço, é um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial cuja verificação se exige para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa.
Logo, se a impugnação judicial apenas tem por fundamento estes erros, ela deverá ser rejeitada com fundamento em inimpugnabilidade do ato impugnado, que é um obstáculo ao prosseguimento do processo (art. 89.º, n.º 1, al. c) do CPTA).
Foi precisamente isto que aconteceu na sentença proferida, ou seja, o Tribunal a quo considerou que apenas estava em causa o erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável e porque não houve pedido prévio de revisão da matéria tributável entendeu que não se mostrava preenchido o requisito de procedibilidade da impugnação judicial.
No entanto, impõe-se referir que se a impugnação judicial versar sobre qualquer outro fundamento, ainda que concomitantemente se invoque a errónea quantificação, é de admitir o recurso a tal meio processual mesmo que sem prévia reclamação, neste sentido cf. por entre muitos o Acórdão do STA de 02/03/2011, processo n.º 49/10 onde se se entendeu que “embora os artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria coletável com condição de impugnabilidade judicial de atos tributários com base em erro na quantificação ou nos pressupostos de determinação indireta da matéria tributável, essa condição de impugnabilidade não funciona se na impugnação forem invocados outros vícios, designadamente o vício de inexistência de facto tributário ou o vício de errada qualificação do ato jurídico que conduziu a Administração a concluir pela existência de rendimentos tributáveis”.
Assim, a falta do pressuposto que é o pedido prévio de revisão não é obstáculo ao conhecimento de outros vícios, mas, pelo facto de serem invocados outros vícios, não deixa de ser obstáculo ao conhecimento do erro na quantificação ou nos pressupostos de determinação indireta da matéria tributável.
Ora, no caso sobre que nos debruçamos resulta da leitura sumária da petição inicial que a impugnante invocou, claramente, vícios que se concretizam na falta de fundamentação formal da decisão de aplicação de métodos indiretos, bem como dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso aos métodos indiretos, assim como apontou a falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, do relatório inspetivo e do critério de seleção do contribuinte.
Assim, a questão a decidir é, portanto, a de saber se tais ilegalidades podem ser conhecidas em sede de impugnação judicial, sem que previamente tenha sido apresentado pedido de revisão da matéria tributável.
E, adianta-se, a resposta é afirmativa.
Em boa verdade, tem sido considerado pela jurisprudência que «[s]e a falta do pressuposto processual inominado previsto naquelas normas [art. 86.º, n.º 5, da LGT e art. 117.º, n.º 1, do CPPT] implica que o tribunal não possa conhecer a invalidade do ato tributário fundada em “erro na quantificação da matéria coletável” e “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos”, então não está vedado que conheça da invalidade fundada em ilegalidades de espécie diferente. É que, na estrutura do ato tributário, aqueles são momentos autónomos que abstratamente se podem separar dos demais. O ato tributário, como qualquer outro ato administrativo, pode decompor-se em vários “elementos” ou “momentos”, sem que a lesão de uns possa afetar ou influir na perfeição dos outros, embora suficiente para o invalidar. Apesar de consolidada a aplicação de métodos indiretos e a quantificação da matéria tributável, ainda que seja por falta de revisão, isso não significa que o ato esteja impecável quanto aos demais momentos em que se abstratamente se pode decompor. A ilegalidade pode impor-se em virtude da afetação de elementos subjetivos, objetivos ou formais, que nada tenham a ver com os pressupostos que determinaram a avaliação indireta ou com a quantificação da matéria coletável» - ac. do STA, de 20/6/2012, proc. n.º 0165/12 (no mesmo sentido, cf. também, os acs. do STA, de 26/6/2013, proc. n.º 216/13; de 30/4/2013, proc. n.º 0383/13; de 18/5/2011, proc. n.º 0262/11; de 2/3/2011, proc. n.º 049/10; de 15/9/2010, proc. n.º 0406/10; de 26/01/2007, proc. 037/07; de 13/03/02, proc. n.º 26.276).
Sendo ainda certo que também a doutrina percorre o mesmo caminho. Na expressão de Jorge Lopes de Sousa: «Naturalmente que, se o contribuinte, sem ter previamente pedido a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, vier deduzir impugnação invocando, para além de erro na quantificação ou nos pressupostos da utilização desses métodos, outros vícios do ato de liquidação, que não tenham a ver com as matérias que têm de ser objeto de revisão, não há obstáculo a que o tribunal conheça desses outros vícios, relativamente aos quais não se verifica a falta do pressuposto processual que constitui o prévio pedido de revisão.» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume II, anotação 5 b) ao art. 117.º, p. 273. Cf., igualmente, Casalta Nabais, in Justiça Administrativa, n.º 17, p. 44).
Descendo ao caso dos autos, impõe-se referir que tendo a Recorrente invocada na petição inicial o vício de falta de fundamentação em relação a vários aspetos do relatório inspetivo assim como da liquidação dos juros, a apreciação de tais vícios não está dependente do prévio pedido de revisão da matéria coletável.
Destarte, tendo a Recorrente imputado ao ato tributário impugnado a ilegalidade decorrente da respetiva falta de fundamentação, não é aplicável a condição de impugnabilidade, por falta de prévia apresentação do pedido de revisão (cf. neste sentido, os acds. do STA, de 30/11/2016 no proc. n.º 0846/14 e de 20/06/2012, no proc. 0165/12).
A sentença recorrida não fez, portanto, correta interpretação e aplicação do disposto no n.º 5 do art. 86° da LGT e no art. 117° do CPPT, impondo-se neste conspecto a sua revogação.
Aqui chegados, e se nada obstar, impõe-se conhecer dos restantes vícios invocados pela Recorrente cujo conhecimento a sentença recorrida considerou prejudicado pela solução que deu ao caso.
DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
O conhecimento em substituição encontra legitimação no artigo 665.º do CPC, onde se estatui que os poderes de cognição do tribunal de recurso incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, cumprindo ao tribunal de recurso, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de decisões-surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.
Nestes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório a que alude o n.º 1 do artigo 665.º do CPC.
Face ao exposto, nada obsta à apreciação das questões suscitadas pela Recorrente na petição inicial e não apreciadas pelo Tribunal Tributário de Mirandela.
Assim sendo, impõe-se apurar se ocorrem os vícios que se concretizam na falta de fundamentação formal da decisão de aplicação de métodos indiretos, bem como dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso aos métodos indiretos, assim como da falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, do relatório inspetivo e do critério de seleção do contribuinte.
Relativamente à falta de fundamentação formal do relatório inspetivo, a Recorrente concretiza-a não só no que diz respeito à decisão de aplicação dos métodos indiretos e critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos, mas também na falta de fundamentação da própria inspeção e do critério de seleção do contribuinte.
Vejamos.
Começando pela falta de fundamentação da própria inspeção e do critério de seleção do contribuinte, a Recorrente alega que tal nunca lhe foi comunicado, pois não sabe até hoje porque foi inspecionada, o motivo nunca lhe foi revelado nos termos dos art.s 27.º, 49.º e 51.º do RCPITA – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, do art. 77.º da LGT – Lei Geral Tributária e dos art.s 151.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Pese embora as alegações assim formuladas, o certo é que a Recorrente não formula de forma clara nas conclusões estes alegados vícios, os quais só são apreendidos pela conjugação com as alegações.
Vejamos.
O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias (art. 2.º, n.º 1 do RCPIT).
No que tange ao planeamento e seleção dos contribuintes o título III do RCPIT – art.s 23.º a 26.º - define que a atuação da ação inspetiva obedece ao Plano Nacional de Atividades da Inspeção Tributária e Aduaneira (PNAITA) que por sua vez define os programas, critérios e ações a desenvolver que servem de base à seleção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar, fixando os objetivos a atingir por unidades orgânicas dos serviços centrais e dos serviços desconcentrados.
O art. 26.º do RCPIT estipula que “Sem prejuízo do caracter reservado do PNAITA, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve divulgar os critérios genéricos nele definidos para a seleção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar”.
Ora, o que resulta destes preceitos é que a Administração Tributária deve ter uma estratégia delineada de acordo com o PNAITA, mas nada no RCPIT nos indica que a AT deve dar a conhecer especificamente a cada contribuinte, aquando da sua seleção para inspeção, tal estratégia e os critérios de seleção, até porque o PNAITA tem caracter reservado tal como resulta do art. 26.º do RCPIT.
O que a AT tem de fazer é proceder à divulgação dos critérios genéricos, mas divulgar os critérios genéricos a observar no exercício da sua atividade inspetiva não significa notificar cada contribuinte, em particular, desses critérios aquando da inspeção.
Todavia, in casu, resulta do Relatório Inspetivo, mormente, do ponto II.2 denominado “Motivo, Âmbito e Incidência Temporal”, o motivo que presidiu à inspeção da Recorrente, tratou-se de uma ação de controle da sua situação tributária, ação de âmbito geral nos termos do art. 14.º, n.º 1, al. a) do RCPIT, com incidência nos anos de 2013 e 2014.
Resulta, também, que no âmbito da ação inspetiva, foi assinada pelo sócio gerente, M., a ordem de serviço relativa à inspeção, pelo que foi este informado da ordem de serviço que presidiu à inspeção e dos pressupostos da mesma, sendo ainda certo que em momento algum a Recorrente usou dos meios legais ao seu dispor para obter qualquer outra informação que considerasse relevante no âmbito do procedimento de inspeção de que foi alvo.
Assim, ficam votadas ao insucesso as conclusões do recurso no que tange a este alegado vício.
A Recorrente defende que alegou e provou a falta de fundamentação formal da decisão de aplicação de métodos indiretos, bem como dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso aos métodos indiretos, a qual merecia decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo.
Aqui, e uma vez mais, são parcas as conclusões do recurso no que concerne a estes alegados vícios, as quais apenas são compreensíveis pela leitura conjugada das respetivas alegações.
Nas alegações do recurso, e no que concerne à alegada falta de fundamentação, remete a Recorrente para os artigos 15 a 59 da petição inicial (PI), já quanto à falta de fundamentação dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos sustenta-a nos artigos 60 a 71 da PI.
Todavia, e como é sabido, o Tribunal não está espartilhado pela classificação ou denominação que a Recorrente faz dos vícios.
Vejamos o caso dos autos.
O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, “numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pág. 676.), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.
Ora, analisando a exposição da Recorrente em sede de PI, bem como o que consta do Relatório Inspetivo vertido na factualidade apurada, torna-se para nós evidente que a fundamentação de aplicação de métodos indiretos foi expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreenda com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; e suficiente, possibilitando à Impugnante um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou, no entanto, o que está verdadeiramente em causa são os pressupostos de aplicação de métodos indiciários e a quantificação da matéria tributável com recurso àqueles métodos.
Aliás, a expressão que a Impugnante utiliza no art.º 16.º da PI, e toda a posterior exposição, é reveladora de que o que efetivamente pretende é atacar os pressupostos de aplicação de métodos indiretos, e subsequente quantificação da matéria tributável com recurso àqueles métodos, e não o vício formal de falta de fundamentação: “a Impugnante repudia veementemente que o que acaba de transcrever (que são os “Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos” ínsitos no relatório de Inspeção) seja fundamento bastante para a decisão de aplicação de métodos indiretos”.
O mesmo se diga relativamente aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos, que como se depreende a Recorrente pretende questionar por discordar do que foi apurado.
Não ocorre, portanto, a falta formal de fundamentação invocada pela Recorrente estando, nesta parte, o recurso votado ao insucesso.
Por fim, e quanto ao vício de falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios.
A liquidação de juros compensatórios deve incluir, em termos factuais, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem (neste sentido cf. por todos os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.02.2012, Processo: 0928/11 e de 30.11.2011, Processo: 0619/11), devendo ainda ser indicadas as normas legais em que assenta a liquidação desses juros (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.04.2010, Processo: 0743/09), ou seja, da mesma têm de constar os elementos necessários à aferição da sua forma de cálculo, bem como da sua origem.
Assim, e quanto à liquidação de juros compensatórios, têm de estar preenchidos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência (neste sentido cf. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, págs. 147 e 148).

Compulsados os autos, o que se constata é que, no que se refere ao IRC, nenhum destes elementos consta do RIT, ou das notificações do IRC liquidado relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, constantes no PAT, em anexo I à reclamação graciosa do Recorrente (a fls. 11 e 20 do PAT).

Assim sendo, deve ser julgado procedente o recurso relativamente à falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios referentes ao IRC, e improcedente quanto ao demais.
***
No que diz respeito à responsabilidade por custas, as mesmas devem ser repartidas entre a Recorrente e a Recorrida, na proporção do respetivo decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alíea d) do CPPT], que se fixa em 6% para a Recorrente e em 94% para a Recorrida, em ambas as instâncias.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Não ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando da mesma se depreende que se considerou que se verificava a falta de pedido prévio de revisão da matéria tributável, pressuposto necessário para apresentação da impugnação, e se julgou prejudicado o conhecimento das restantes questões atenta a solução jurídica dada ao caso.

O procedimento de revisão da matéria tributável cujo espoletamento se impõe é imposto por força do n.º 1 do art. 117.º do CPPT, como condição da impugnação judicial dos atos tributários, apenas tem lugar quando a fixação da matéria coletável é levada a cabo através de métodos indiretos, como sucede no caso em apreço, sendo aqui um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial cuja verificação se exige para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa.

Logo, se a impugnação judicial apenas tem por fundamento estes erros, ela deverá ser rejeitada com fundamento em inimpugnabilidade do ato impugnado, que é um obstáculo ao prosseguimento do processo.
No entanto, impõe-se referir que se a impugnação judicial versar sobre qualquer outro fundamento, ainda que concomitantemente se invoque a errónea quantificação, é de admitir o recurso a tal meio processual mesmo que sem prévia reclamação.

Tendo a Recorrente invocado na petição inicial o vício de falta de fundamentação em relação a vários aspetos do relatório inspetivo, assim como da liquidação dos juros, a apreciação de tais vícios não está dependente do prévio pedido de revisão da matéria coletável.

A liquidação de juros compensatórios deve incluir a referência ao montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, devendo ainda ser indicadas as normas legais em que assenta a liquidação desses juros, ou seja, da mesma têm de constar os elementos necessários à aferição da sua forma de cálculo, bem como da sua origem.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência, anular parcialmente a sentença recorrida, anulando as liquidações de juros compensatórios referentes ao IRC de 2013 e 2014.
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Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 6% para a Recorrente e em 94% para a Recorrida, em ambas as instâncias.
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Porto, 29 de abril de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.