Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00568/14.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; MATÉRIA DE EXCEPÇÃO DE CONHECIMENTO OFICIOSO; Nº 1 DO ARTIGO 95º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
AVALIAÇÃO; SIADAP; LEI N.º 66-B/2007, DE 28.12; PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA IMPARCIALIDADE;
DIVULGAÇÃO ATEMPADA DOS INDICADORES DE MEDIDA DO DESEMPENHO; FALTA (INSUFICIÊNCIA) DE FUNDAMENTAÇÃO; ITENS CLASSIFICATIVOS.
Sumário:
1. Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

2. Como o objecto da acção em primeira instância judicial – no caso o acto administrativo impugnado - não se confunde com o objecto do recurso jurisdicional – a decisão judicial recorrida - , neste só é matéria de excepção a que impede o conhecimento de mérito do recurso jurisdicional como seja a incompetência em razão da hierarquia do tribunal de recurso, a intempestividade do recurso ou a ilegitimidade do recorrente ou do recorrido para interpor ou responder ao recurso.

3. A caducidade do direito de acção, a inimpugnabilidade do acto, o conhecimento oficioso desta matéria de excepção ilegitimidade das partes e a intempestividade da prática do acto processual são matéria de excepção na acção que aqui devem ser conhecidas se tiverem sido invocadas ou forem de conhecimento oficioso - nº 1 do artigo 95º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

4. No recurso jurisdicional serão questões de mérito se tiverem sido suscitadas ou oficiosamente conhecidas na acção, na decisão recorrida. Pelo que, não tendo sido conhecida tal matéria de excepção na decisão recorrida não pode ser conhecida em sede de recurso jurisdicional. Não só por se tratarem de questões novas, mas também por não fazerem parte do objecto do recurso jurisdicional nem de excepções atinentes a este recurso.

5. À mesma conclusão se chega por força do disposto no n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos onde se determina que das excepções que obstam ao conhecimento de mérito, as dilatórias, ou das nulidades que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.

6. O recurso jurisdicional da sentença é um “momento posterior” ao despacho saneador em primeira instância, pelo que as referidas excepções não podem ser conhecidas no recurso jurisdicional se não foram apreciadas no despacho saneador, face ao teor literal desta norma.

7. Entendimento contrário, de resto, seria uma verdadeira fraude à norma acabada de citar. Em sede de recurso podiam ser suscitadas excepções dilatórias atinentes à acção apesar de não terem sido conhecidas por não terem sido suscitadas, não cumprindo as partes o seu ónus, preclusivo, ou não terem sido oficiosamente conhecidas até ao momento em que a lei permite tal conhecimento. Frustrando o objectivo da norma constante do n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que é claramente favorecer as decisões de mérito a partir do momento em que se ultrapassou a fase de saneamento do processo, a que se segue a fase de conhecimento de mérito, evitando que se inutilizem actos entretanto praticados com vista ao conhecimento de mérito ou até a própria decisão de mérito.

8. Viola os princípios da transparência e da imparcialidade o procedimento que antecedeu o acto de avaliação no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28.12 (SIADAP) em que os indicadores de medida do desempenho não foram estabelecidos dados a conhecer ao visado até ao início do período de avaliação.

9. Padece do vício de falta de fundamentação o acto classificativo em que foi atribuída pontuação a cada item mas não se percebe, nem é explicitado, minimamente, qual o fundamento para atribuir tal pontuação, suscitando dúvidas concretas sobre a pontuação atribuída.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Câmara Municipal ... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 16.09.2022, pela qual foi julgada (parcialmente) procedente a acção administrativa especial que «AA» representada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública intentou contra o Ministério da Educação e Ciência e contra a Câmara Municipal ... para declaração de nulidade ou anulação do acto de avaliação de desempenho da Autora.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia por nada ter dito quanto às excepções que, no seu entender, se verificam e que deveria ter conhecido porque, apesar de não terem sido suscitadas, são de conhecimento oficioso: a caducidade do direito de acção, inimpugnabilidade do acto, a ilegitimidade das partes e a intempestividade da prática do acto processual. Quanto ao mérito da acção defendeu que, ao contrário do decidido, deveria ter sido a acção julgada totalmente improcedente por não se verificar qualquer dos vícios imputados ao acto impugnado.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

Foi proferido despacho de sustentação, a defender que não se verifica qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Não concordando com a sentença proferida, a Ré vem interpor recurso da sentença que julgou a acção procedente e que condenou os RR., Câmara Municipal ... e Ministério da Educação e Ciência, na reformulação do procedimento avaliativo da representada do Autor do ano de 2012, suprindo-se as ilegalidades apontadas.

2. Dispõe o nº 1 do art. 95º do CPTA que “1 - A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.”

3. Nos autos, é evidente a caducidade do direito de acção da representada do A, questão de conhecimento oficioso.

4. A representada do Autor teve conhecimento dos objectos da sua avaliação de desempenho, do período de 01/01/2012 a 31/12/2012, no dia 28/09/2012, no dia 24/01/2013, apresentou a sua autoavaliação, a avaliação foi homologada no dia 04/07/2013 e esta teve conhecimento do resultado da sua avaliação, após homologação, no dia 29/11/2013, tendo intentado acção judicial no dia 10/03/2014, pedindo a nulidade e anulabilidade do acto administrativo que lhe atribuiu a avaliação de desempenho.

5. A representada do Autor não apresentou qualquer reclamação do acto de homologação, tendo até ao dia 06/12/2013 para o efeito, nos termos do º 1 do art. 72º da Lei nº 66-B/2007, SIADAP, “O prazo para apresentação de reclamação do acto de homologação é de 5 dias úteis a contar da data do seu conhecimento, devendo a respectiva decisão ser proferida no prazo máximo de 15 dias úteis.”

6. Reclamação essa necessária para aceder à via judicial, impondo-se, nos termos dos artigos 61.º e 72.º do SIADAP, a necessidade de existência de uma reclamação necessária da homologação da classificação atribuída, sendo um impulso necessário, enquanto condição prévia de acesso à via contenciosa.

7. Assim, o acto administrativo torna-se inatacável, inimpugnável, começando a correr o prazo de caducidade do direito de ação no dia seguinte ao do término do prazo de apresentação da reclamação, isto é, no dia 07/12/2013.

8. A base legal, i.e., a necessidade de que a reclamação necessária resulte expressamente da lei, sustenta-se no art. 161º, nº 1 do CPA, com a redação aplicável à data da prática do acto administrativo, que previa que “Pode reclamar-se de qualquer acto administrativo, salvo disposição legal em contrário.”, i.e., o poder de reclamar de um acto administrativo é a regra geral, motivo pelo qual o legislador não transpôs tal disposição para o texto legal da Lei n° 66-13/2007, pois tal já era legalmente permitido.

9. A própria interpretação do art. 61° da Lei n° 66-13/2007, não prescreve que o procedimento de avaliação pode compreender, mas sim que o procedimento de avaliação compreende as seguintes fases, o que torna a apresentação da reclamação necessária para acesso à via judicial.

10. Aliás, o Recorrido poderia reagir judicialmente contra o despacho que eventualmente decidisse o indeferimento da reclamação e não o despacho de homologação confirmativo do acto de avaliação,

11. Considerando-se apenas impugnável o despacho de indeferimento da Reclamação da representada do Recorrido, porque constitui o último trâmite do processo de avaliação do SIADAP, e, só nessa sequência, ao ser impugnado o despacho de indeferimento da reclamação e a sua procedência, poderia ser anulado o correspondente acto de avaliação.

12. Prosseguindo, estamos então perante a existência de uma excepção dilatória: a caducidade do direito de acção da representada do Auto, que assenta na inimpugnabilidade do acto impugnado, nos termos da al. i) do n° 4 do art. 89° do CPTA, podendo igualmente ser considerada uma excepção de ilegitimidade das partes e até intempestividade da prática do acto processual, com base na al. e) e k) do n° 4 do art. 89° do CPTA.

13. Excepção dilatória e matéria de conhecimento oficioso, nos termos do n° 2 do art. 89° do CPTA, mas à qual o Tribunal uma vez não emitiu qualquer pronúncia, ainda que não alegadas pelas partes, nem em sede de despacho pré saneador, nem em sede de despacho saneador, ou até em sede de sentença, tal como determina o n° 1 do art. 95° do CPTA.

14. Nestes termos, deveria o Tribunal decidir e conhecer essa questão, porquanto tal implicaria que o Tribunal não conhecesse do mérito da causa e se absolvesse os Réus da instância, o que, em termos práticos, implicava que a apreciação da questão de fundo ficasse prejudicada pela verificação daquelas excepções da caducidade do direito de acção e inimpugnabilidade do ato administrativo.

15. Entenda-se que a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria - prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto administrativo - que se encontra excluída da disponibilidade das partes, ao abrigo do art. 333° do Código Civil e sempre determinaria o não conhecimento do mérito ou objecto do processo e a absolvição da entidade demandada da instância, nos termos conjugados dos artigos 89.º, n.º 1, alínea i) do CPTA e artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 578.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA,

16. O que não sucedeu nos presentes autos, pois a sentença violou o disposto nos artigos 87.º e 88.º, 89º e 95º do CPTA, impondo-se a sua revogação.

17. Não pode ainda a Recorrente conformar-se com a fundamentação da decisão agora em recurso, quanto aos vícios e ilegalidades apontados ao acto administrativo.

18. Nos termos dos factos provados, bem como dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a ficha de avaliação constante do processo administrativo, a representada do Recorrido teve conhecimento dos objectivos a 28/09/2012, aceitando os mesmos, sem se pronunciar, reclamar ou recorrer dos objectivos, concordou e aceitou todos os parâmetros e critérios da avaliação e seus objectivos.

19. Esta podia, após tomar conhecimento da proposta de avaliação que será sujeita a homologação, pode, nos termos do art. 70º da Lei nº 66-B/2007, requerer ao dirigente máximo do serviço, no prazo de 10 dias úteis, que o seu processo fosse submetido a apreciação da comissão paritária, apresentando a fundamentação necessária para tal apreciação, mas não o fez, aceitando e concordando com a avaliação proposta.

20. E após conhecimento do acto de homologação da avaliação de desempenho, não reclamou, nos termos do art. 72º da Lei nº 66-B/2007, o que, como supra se alegou, impede a representada de impugnar pela via judicial o acto administrativo, equivalendo a dizer que a representada concordou e aceitou a avaliação do seu desempenho.

21. Os objectivos foram negociados nos termos da al. c) do n° 1 do art. 56° da Lei n° 66-B/2007 e podiam ter sido reformulados nos termos da al. b) do mesmo artigo, mas a representada optou por não o fazer, aceitando e concordando com os mesmos.

22. Não olvidemos que os objectivos fixados obedecem ao disposto no art. 46° da Lei n° 66-B/2007, nomeadamente a clareza e rigor devidos, quando definem, dão conhecimento e negoceiam os mesmos com a representada.

23. Nem da contratualização dos objectivos a representada discordou, inexistindo nos autos qualquer referência a tal, ou que tenha até, perante o seu avaliador, demonstrado dificuldades em exercer as suas funções de modo a alcançar os objectivos fixados, tendo apenas feito a sua auto avaliação em 24/01/2013, mas nunca demonstrado qualquer dificuldade, perante o avaliador, da execução dos mesmo, em cumprimento do dever que incumbe nos termos do n° 2 do art. 57° da Lei n° 66-B/2007.

24. No que às competências diz respeito e a sua classificação, este é um conceito que traz alguma complexidade, pois exige uma avaliação e conhecimento de que só o avaliador adquire e pode fazer, atento o contacto directo, e esta avaliação das competências só podia ser censurada se estivesse maculada por erro grosseiro ou manifesto, podendo, e só nesse caso, a Administração agir no exercício da denominada discricionariedade técnica, com o controlo jurisdicional da actividade administrativa, não o tendo feito nos autos porquanto não se verificou a adopção de critérios manifestamente adequados nem se verificou erro manifesto ou grosseiro,

25. Não pode o Tribunal aquo substituir-se à Administração e efectuar ele próprio um controlo ou actuar no âmbito da discricionariedade técnica na avaliação de desempenho da trabalhadora, porquanto as alegações do Recorrido, são meras discordâncias quer da avaliação, quer dos critérios, quer da pontuação obtida, e não ilegalidades ou erro manifesto ou grosseiro, pelo que a Administração não pode ter qualquer actuação, uma vez que não se trata de qualquer erro manifesto ou grosseiro que merece a actuação da Administração ou do Tribunal.

26. No estrito âmbito da atividade de valoração e pontuação quanto a cada fator de avaliação da representada do Recorrido, situamo-nos no domínio dum juízo de discricionariedade técnica, da referida “justiça administrativa”, em termos da livre apreciação sobre a valia das suas competências e resultados ou da margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados, e, como tal, os limites da sua sindicabilidade contenciosa, não respeitando a aspetos vinculados, mostram-se restringidos às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a atividade administrativa em geral.

27. Constitui “erro grosseiro” ou “erro manifesto” aquele erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas.

28. O que não sucede não presentes autos, não sendo sequer abordado na sentença proferida, pelo Tribunal a quo, nem sequer pelo Recorrido, o que impede a sua sindicabilidade contenciosa.

29. No que diz respeito à avaliação dos Resultados, o avaliador considerou que a representada do Recorrido reunia as condições para lhe ser atribuída uma pontuação de 3,667, que após ponderação, se fixou na pontuação de 2,2, nos termos do art° 47°, da Lei n° 66-B/2007.

30. No que diz respeito á avaliação do parâmetro “Competências”, que visa avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício da função (cfr. art°s. 45°, al. b), 48° e 49° do SIADAP), o avaliador teve em conta as seis competências previamente escolhidas, seja, a Realização e orientação para os resultados, Orientação para o serviço público, Adaptação e melhor continua, Coordenação, Relacionamento interpessoal e Iniciativa e autonomia, cfr. ficha de avaliação de competências.

31. Da avaliação daquelas competências o avaliador atribuiu à trabalhadora a pontuação de 2,667, sendo esta, globalmente, uma competência demonstrada em todas as vertentes, com o que o pontuou com 3 valores, nos termos previstos no art° 49°, n° 1, al. b), do SIADAP, com exceção da vertente de Coordenação, que pontuou com 1 valor, sendo uma competência não demonstrada ou inexistente, nos termos previstos no art° 49°, n° 1, al. c), do SIADAP.

32. Nos termos do art° 50°, n° 1, SIADAP, a avaliação final do Autor (decorrente da ponderação dos parâmetros Resultados e Competências) foi de 3,267 pontos, correspondente a Desempenho Adequado, a que, nos termos do n° 4, al. b), do mesmo artigo, corresponde uma avaliação final de 2 a 3,999 e, por isso, considerada de nível adequado, mas não relevante ou superior.

33. Aliás, só quando se está perante um Desempenho relevante do trabalhador, é que implica a necessidade de fundamentação obrigatória a que alude o art° 56°, n° 1, al. f), do SIADAP, O que não se demonstrou necessário nestes autos, pois a trabalhadora teve uma avaliação de Desempenho adequado, não enfermando o acto de qualquer dever ou vicio de fundamentação, como erroneamente tem sido qualificado o acto administrativo.

34. O avaliador avaliou as competências da representada do Recorrido como correspondendo a “competência demonstrada” e a uma valoração de 3 pontos, nos termos do art° 49°, n° 1, al. b), do SIADAP e que, no geral da respetiva avaliação final, considerou que aquele apresentava um “desempenho adequado”, nos termos do art° 50°, n° 4, al. b), do mesmo diploma, sendo este o único sentido que um declaratário normal pode extrair de tal avaliação, sem qualquer contradição entre a avaliação e o sentido do ato, de desempenho adequado, tal como decorre do art. 50, n° 4, al. b) do SIADAP,

35. Sem necessidade de considerar factos que lhe permitissem ter uma nota máxima, conduzindo a um Desempenho relevante, mantendo-se a avaliação final na senda dos Resultados e Competências.

36. A Recorrente cumpriu escrupulosamente o regime legal vigente aplicável e todos os deveres e princípios legalmente exigíveis, nomeadamente o disposto nos art°s 124° e 125° do CPA e art° 268°, n° 3, da Constituição da Republica Portuguesa.

37. Relativamente ao vicio de violação de lei, por violação dos princípios da transparência e da imparcialidade, consagrados no art. 5° al. d) do SIADAP, também não deverá procedera fundamentação constante da sentença, que corrobora a tese da representada do Recorrido/Autor, porquanto os critérios da avaliação são claros, precisos, justos, transparentes e imparciais, o que só pode configurar um acto de avaliação e homologação incólume e de acordo com os parâmetros e princípios legais, ocorrendo uma atribuição justa e clara da atribuição da pontuação de resultados e competências, bem como a prática do acto homologatório de desempenho da trabalhadora aqui representada, do qual não reclamou, pois percebeu-o com clareza e entendeu-o justificado.

38. Face ao exposto, além do acto ser inimpugnável, atenta a caducidade do direito de acção da representada do Recorrido, não padece o mesmo de quaisquer vícios ou violações de principios, bem como não padece de erro manifesto ou grosseiro, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida nos termos ora alegados, com as legais consequências.



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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A representada do Autor é trabalhadora pertencente ao mapa de pessoal do Município ... – cfr. doc. ... junto com a contestação do Réu Ministério da Educação.

2. Em virtude de contrato de transferência de competências em matéria de educação celebrado entre o Réu Ministério da Educação e o Réu Município ..., o pessoal não docente da, então, Escola Básica (EB) 2, 3 de ... foi transferido para o Município ..., o qual passou a exercer as competências de “recrutamento, afetação, colocação, remuneração, homologação da avaliação de desempenho, poder disciplinar para aplicação de pena superior a multa e decisão de recursos hierárquicos” – cfr. doc. ... junto com a contestação do Réu Ministério da Educação.

3. Em 24.01.2013, a representada do Autor, no âmbito da avaliação de desempenho levada a cabo no Agrupamento Vertical de Escolas ..., Escola Básica e Secundária de ... – ..., apresentou a sua ficha de autoavaliação – cfr. fls. 9 e seguintes do processo administrativo apenso.

4. A representada do Autor obteve, em sede de Avaliação de Desempenho referente ao período compreendido entre 01.01.2012 e 31.12.2012, a avaliação qualitativa de desempenho adequado e qualitativa de 3.667 – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso.

5. A referida avaliação foi homologada em 04.07.2013 – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso.

6. A representada do Autor teve conhecimento do resultado da sua avaliação, após homologação, em 29.11.2013 – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso.

7. A representada do Autor teve conhecimento dos objetivos em 28.09.2012 – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso.

8. Foram fixados os seguintes objetivos, nos quais a representada do Autor teve a seguinte avaliação – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Ao nível das competências, foi atribuída a seguinte pontuação à representada do Autor – cfr. doc. ... junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. A petição inicial, que origina os presentes autos, deu entrada no TAF do Porto, em 10.03.2014 – cfr. carimbo aposto na folha de rosto do processo físico.


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III - Enquadramento jurídico.

1. Questão prévia: a omissão de pronúncia; a matéria de excepção suscitada em sede de recurso jurisdicional. A caducidade do direito de acção; inimpugnabilidade do acto; o conhecimento oficioso desta matéria de excepção ilegitimidade das partes e até intempestividade da prática do acto processual (conclusões 3 a 16 e 38).

Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

Mas como o objecto da acção em primeira instância judicial – no caso o acto administrativo impugnado - não se confunde com o objecto do recurso jurisdicional – a decisão judicial recorrida - , neste só é matéria de excepção a que impede o conhecimento de mérito do recurso jurisdicional como seja a incompetência em razão da hierarquia do tribunal de recurso, a intempestividade do recurso ou a ilegitimidade do recorrente ou do recorrido para interpor ou responder ao recurso.

A caducidade do direito de acção, a inimpugnabilidade do acto, o conhecimento oficioso desta matéria de excepção ilegitimidade das partes e a intempestividade da prática do acto processual são matéria de excepção na acção que aqui devem ser conhecidas se tiverem sido invocadas ou forem de conhecimento oficioso - nº 1 do artigo 95º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

No recurso jurisdicional serão questões de mérito se tiverem sido suscitadas ou oficiosamente conhecidas na acção, na decisão recorrida.

Pelo que, não tendo sido conhecida tal matéria de excepção na decisão recorrida não pode ser conhecida em sede de recurso jurisdicional.

Não só por se tratarem de questões novas, mas também por não fazerem parte do objecto do recurso jurisdicional nem de excepções atinentes a este recurso.

À mesma conclusão se chega por força do disposto no n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos onde se determina que das excepções que obstam ao conhecimento de mérito, as dilatórias, ou das nulidades que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.

O recurso jurisdicional da sentença é um “momento posterior” ao despacho saneador em primeira instância, pelo que as referidas excepções não podem ser conhecidas no recurso jurisdicional se não foram apreciadas no despacho saneador, face ao teor literal desta norma.

Entendimento contrário, de resto, seria uma verdadeira fraude à norma acabada de citar.

Em sede de recurso podiam ser suscitadas excepções dilatórias atinentes à acção apesar de não terem sido conhecidas por não terem sido suscitadas, não cumprindo as partes o seu ónus, preclusivo, ou não terem sido oficiosamente conhecidas até ao momento em que a lei permite tal conhecimento.

Frustrando o objectivo da norma constante do n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que é claramente favorecer as decisões de mérito a partir do momento em que se ultrapassou a fase de saneamento do processo, a que se segue a fase de conhecimento de mérito, evitando que se inutilizem actos entretanto praticados com vista ao conhecimento de mérito ou até a própria decisão de mérito.

Termos em que não se conhece desta matéria de excepção da acção, suscitada apenas em sede de recurso jurisdicional.

2. O acerto da decisão recorrida.

2.1. O vício de violação de lei, por desrespeito dos princípios da transparência e da imparcialidade, consignados no artigo 5°, al. d) do Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28.12 (SIADAP) a violação dos artigos 61° e seguintes, 62°, n.º 4, 65°, n.º 1, 67° do SIADAP (conclusões 36 a 38.)

A decisão recorrida mostra-se acertada neste ponto, tendo-se apoiado em decisões de tribunais superiores.

Assim o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.04.2015, proferido no processo 00504/12.2 PNF, e a jurisprudência aí citada:

“1 – Os objetivos da avaliação de desempenho dos trabalhadores devem ser redigidos de forma clara e rigorosa, de acordo com os principais resultados a obter, tendo em conta os objetivos do serviço e da unidade orgânica, a proporcionalidade entre os resultados visados e os meios disponíveis e o tempo em que são prosseguidos.

A avaliação do desempenho dos trabalhadores incide sobre os parâmetros de avaliação, obtidos na prossecução de objetivos individuais em articulação com os objetivos da respetiva unidade orgânica, e competências que visam avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício de uma função.

Para os resultados a obter em cada objetivo são previamente estabelecidos indicadores de medida do desempenho, tratando-se de sinais que permitem mensurar em que medida os objetivos pré-definidos foram atingidos, os quais deverão ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação.

O facto de não serem previamente definidos indicadores de medida relativamente aos objetivos traçados, viabiliza uma maior discricionariedade na avaliação do que a pretendida pela lei.
(…)

Como resulta do Acórdão do TCAS de 11/03/2010, proc. n.º 02640/07 “o facto de não serem previamente definidos indicadores de medida relativamente aos objetivos traçados, viabiliza uma maior discricionariedade na avaliação do que a pretendida pela lei” sendo “matéria respeitante aos aspetos vinculados da atuação administrativa, além do que essa ausência de definição de indicadores de medida consubstancia igualmente violação do princípio da transparência …”.

Igualmente se refere no Acórdão deste TCAN, de 09/06/2011, proc. n.º 00986/07.4BECBR, que os diplomas que consagram o SIADAP “visam, essencialmente, promover uma gestão fundamentada na valorização das competências e do mérito, surgindo como um dos seus princípios estruturantes o da transparência, que impõe que esse sistema de avaliação assente em critérios objetivos, em regras claras e amplamente divulgadas” sendo “garantida, no âmbito do processo de avaliação de desempenho, a divulgação aos interessados dos objetivos, fundamentos, conteúdo e sistema de funcionamento e de classificação, sendo que tanto os objetivos como as competências, que são componentes do SIADAP, devem ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação; III. O fim último dessas exigências é a proteção dos próprios avaliados, que desde o início saberão quais os objetivos a atingir e as competências a cumprir, e ainda que será relativamente à eficácia no cumprimento dessas metas que serão avaliados; IV. Mas tais exigências não se esgotam nessa finalidade subjetiva, antes emergem também, e sobretudo, de uma imposição legal de objetiva de transparência.”

Os resultados a obter em cada objetivo deverão pois ser previamente estabelecidos, enquanto indicadores de medida do desempenho que devem ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação.

Tratando-se a avaliação, predominante e instrumentalmente um processo de natureza documental, é compreensível que o estabelecimento e definição dos objetivos devam ser reduzidos a escrito (Cfr. Acórdão do TCA Norte de 16/12/2011, proc. n.º 00021/09.8BECBR).
(...)”.

E, como se diz na decisão recorrida, repostando-se ao caso concreto, a Autora tinha direito de conhecer os objetivos e competências a desenvolver ao longo do período avaliativo, atempadamente, só se cumprindo assim as exigências de clareza e certeza que a lei impõe. Por forma a que o avaliando, dispondo do tempo necessário, possa envidar os esforços adequados para os cumprir e superar.

No caso concreto, a Autora apenas teve em Setembro de 2012 dos critérios que serviriam de base à avaliação ano todo de 2012, ou seja, quando apenas lhe sobrava um quarto do tempo para os cumprir.

O que vale para todos os critérios postos em causa.

Pelo que, como se decidiu, se verifica este vício.

2.2. O vício de falta de fundamentação (conclusões 34, 36 e 38).

Também aqui a decisão recorrida se mostra acertada neste ponto, tendo-se apoiado também em decisões de tribunais superiores.

Assim, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2019, no processo 00426/13.0BEMDL:

“1 – Um processo avaliativo, nomeadamente no âmbito do SIADAP não se satisfaz com uma mera referenciação conclusiva e definitiva dos parâmetros atribuídos, sem que se possa percecionar a razão pela qual foi atribuída uma classificação e não qualquer outra, o que determina a verificação de vício de falta de fundamentação gerador de anulabilidade do procedimento.

(…)

Estamos em presença de um processo de avaliação regulado pelo SIADAP no qual a Fundamentação constitui um pressuposto essencial.

Com efeito, impõe-se à administração o dever, com consagração Constitucional (Art° 268° n° 3 da CRP) e na lei ordinária (Art° 153° CPA), de fundamentação dos Atos Administrativos.

Visa-se, com esta obrigação, a defesa do interesse público, facilitar o controlo da legalidade do ato de impugnação, nomeadamente por via contenciosa, e o controlo hierárquico dos atos dos subalternos.

(...)

É assente que os juízos conclusivos, sem concretização no domínio dos factos que lhes serviu de base, são insuficientes para uma adequada e suficiente fundamentação, inviabilizando que o interessado possa alcançar o iter cognoscitivo que levou àquela decisão.

Não são adequados a uma fundamentação suficiente, juízos conclusivos que sempre careceriam de mais e melhor justificação, explicativa das razões que lhes estejam subjacentes.

(...)”.

E no que diz respeito à contratualização dos objectivos, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 24.04.2015, proferido no processo 00504/12.2BEPNF, e a jurisprudência aí citada:

“1 – Os objetivos da avaliação de desempenho dos trabalhadores devem ser redigidos de forma clara e rigorosa, de acordo com os principais resultados a obter, tendo em conta os objetivos do serviço e da unidade orgânica, a proporcionalidade entre os resultados visados e os meios disponíveis e o tempo em que são prosseguidos.

A avaliação do desempenho dos trabalhadores incide sobre os parâmetros de avaliação, obtidos na prossecução de objetivos individuais em articulação com os objetivos da respetiva unidade orgânica, e competências que visam avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício de uma função.

Para os resultados a obter em cada objetivo são previamente estabelecidos indicadores de medida do desempenho, tratando-se de sinais que permitem mensurar em que medida os objetivos pré-definidos foram atingidos, os quais deverão ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação.

O facto de não serem previamente definidos indicadores de medida relativamente aos objetivos traçados, viabiliza uma maior discricionariedade na avaliação do que a pretendida pela lei.

(…)

Como resulta do Acórdão do TCAS de 11/03/2010, proc. n.º 02640/07 “o facto de não serem previamente definidos indicadores de medida relativamente aos objetivos traçados, viabiliza uma maior discricionariedade na avaliação do que a pretendida pela lei” sendo “matéria respeitante aos aspetos vinculados da atuação administrativa, além do que essa ausência de definição de indicadores de medida consubstancia igualmente violação do princípio da transparência …”.

Igualmente se refere no Acórdão deste TCAN, de 09/06/2011, proc. n.º 00986/07.4BECBR, que os diplomas que consagram o SIADAP “visam, essencialmente, promover uma gestão fundamentada na valorização das competências e do mérito, surgindo como um dos seus princípios estruturantes o da transparência, que impõe que esse sistema de avaliação assente em critérios objetivos, em regras claras e amplamente divulgadas” sendo “garantida, no âmbito do processo de avaliação de desempenho, a divulgação aos interessados dos objetivos, fundamentos, conteúdo e sistema de funcionamento e de classificação, sendo que tanto os objetivos como as competências, que são componentes do SIADAP, devem ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação; III. O fim último dessas exigências é a proteção dos próprios avaliados, que desde o início saberão quais os objetivos a atingir e as competências a cumprir, e ainda que será relativamente à eficácia no cumprimento dessas metas que serão avaliados; IV. Mas tais exigências não se esgotam nessa finalidade subjetiva, antes emergem também, e sobretudo, de uma imposição legal de objetiva de transparência.”

Os resultados a obter em cada objetivo deverão, pois, ser previamente estabelecidos, enquanto indicadores de medida do desempenho que devem ser estabelecidos e conhecidos no início do período de avaliação.

Tratando-se a avaliação, predominante e instrumentalmente um processo de natureza documental, é compreensível que o estabelecimento e definição dos objetivos devam ser reduzidos a escrito (Cfr. Acórdão do TCA Norte de 16/12/2011, proc. n.º 00021/09.8BECBR).

(…)”.

Como se refere na decisão recorrida, embora tenha sido atribuída pontuação a cada item não se percebe, nem é explicitado, minimamente, qual o fundamento para atribuir tal pontuação.

Pelo que também este vício se verifica.

2.3. O erro nos pressupostos do acto impugnado (conclusões 17 a 35 e 38).

O conhecimento deste vício, tal como implicitamente se decidiu, acaba por ficar prejudicado pela verificação dos vícios anteriores.

Não é possível determinar se houve erro, que terá de ser grosseiro, na avaliação da Autora, na fixação dos pressupostos concretos dessa avaliação, por estes não terem sido fixados de forma clara e atempada e por a valoração não estar devidamente explicitada.

Impondo-se, tal como decidido, reformular o procedimento avaliativo da Autora relativo ao ano de 2012, suprindo-o das ilegalidades apontadas.

*
Termos em que se impõe negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida na íntegra.

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
*
Porto, 03.11.2023

Rogério Martins
Nuno Coutinho
Isabel Costa