Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02205/21.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – FUMUS BONI IURIS - CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO:
- RESOLUÇÃO - DESPEJO
Sumário:I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] [n.º 1], e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2].

II- Emergindo do probatório a inviabilização momentânea por parte do Requerido do pedido da Requerente de autorização de autorização “(…) a fazer parte do agregado (…)” do titular do direito à ocupação do fogo de habitação, deve concluir-se no sentido da denegação deste pedido, não pode vir agora a Requerente invocar a falta de decisão denegatória da sua pretensão.

III- A notificação apresenta-se como uma condição de eficácia do ato administrativo e não como uma condição de validade do mesmo, pelo que a falta da sua realização gera apenas a ineficácia do ato e não a sua invalidade.


IV- Não se retirando da matéria de facto apurada sinais suficientemente consistentes de que o Requerido tivesse inopinadamente destruído expectativas legitimamente constituídas pela Requerente no sentido da impossibilidade de invocação da inexistência da relação jurídica de arrendamento, não resulta evidenciada nos autos a tese da Requerente no plano da violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança.

V- Sabendo-se que a Requerente não dispõe qualquer título legitimador da sua permanência na habitação versada nos autos, não existe justificação racional para conferir eficácia invalidante ao ato impugnado com base na eventual violação do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei nº. 81/2014, de 19.12, já que haveria sempre lugar à prolação de decisão com vista à desocupação do fogo visado em prazo a determinar.

VI- Não dispondo a Requerente de qualquer direito de permanecer na fogo visado nos autos, mostra-se justificada determinação de despejo operada no ato suspendendo, o que influi inelutavelmente no sentido da inverificação da violação do direito à habitação previsto no artigo 65º da CRP.

VII- Os atos administrativos gozam de executoriedade prévia, apenas escapando a tal privilégio, para o que ora nos interessa, os atos que decretem a resolução do contrato de arrendamento apoiado para habitação com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo 1083º do CC, o que não é, claramente, o caso dos autos.

VIII- Fracassando a demonstração da provável procedência da ação principal, não se logra verificar o requisito de fumus boni iuris, impondo-se julgar, sem mais, improcedente a providência cautelar de suspensão da eficácia de ato.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

MUNICÍPIO (...), com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito da presente providência cautelar que, em 07.12.2021, deferiu “(…) a presente providência, por provados os respetivos pressupostos, e determino[u] a suspensão do ato que determinou a desocupação e entrega da casa ocupada pela Requerente, com as legais consequências (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I. Não podia o Tribunal a quo deferir a providência cautelar - como fez - sem apreciar - como devia ter apreciado - a viabilidade da ação que a Requerente invocou ir intentar, considerados os pedidos que se antecipa ali irem ser deduzidos e os fundamentos do mesmo.
II. A circunstância de não ter apreciado aquela questão - a da viabilidade da pretensão deduzida pela Requerente - determina nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do artigo 95°, n° 3 do CPTA.
III. Ficaram por apreciar os fundamentos nos quais a Requerente alicerçou a sua pretensão anulatória: i) vive desde sempre com os pais logo tem direito à transmissão do arrendamento pelo decesso destes: ii) não foi cumprido dever legal de encaminhamento.
IV. Entra a causa invalidante que o Tribunal a quo decidiu apreciar e da qual retirou a causa invalidante determinante para decretar a providência e os vícios efetivamente deduzidos pela Recorrida e que ficaram por apreciar não existe qualquer relação de prejudicialidade que justifique que estes tenham ficado por decidir (como decorre da parte final da pág. 17/21 da decisão).
V. Aliás, tal prejudicialidade interna entre causas invalidantes nem sequer foi objeto de fundamentação pelo Tribunal a quo, pelo que este segmento relativo à existência de prejudicialidade também é nulo por falta da mesma, uma vez que todas as decisões, incluindo esta, tem de ser fundamentada e não o está.
VI. O Tribunal tem o dever de se pronunciar ou de apreciar todas as causas de invalidade, o que confessadamente não fez, resguardando-se numa causa de prejudicialidade inexistente e que nem sequer encontra guarida na atual redação do artigo 95°, n° 1 do CPTA.
VII. Com efeito, não é porque o ato é inválido porque ainda não foi decidida a coabitação (na verdade, foi decidida, mas não foi notificada a requerente ou recorrida) que deixa de ter utilidade ou fica impedido decidir sobre os restantes fundamentos invalidatórios (direito a transmissão do arrendamento a coabitante e violação dever de encaminhamento).
VIII. Consequentemente, e independentemente de tal justificação, a decisão é nula por omissão de pronúncia, por violação do artigo 95°, n° 3 do CPTA, no segmento segundo o qual considerando a ação viável pela verificação de um vício, se isenta de verificar a viabilidade anulatória dos invocados pela parte.
IX. O Tribunal a quo apreciou a questão da imutabilidade do pedido de indeferimento pelo decurso do prazo de impugnação - negando a procedência de tal exceção porque tal decisão - tendo sido requerida pelas duas - só foi notificada à falecida arrendatária não sendo eficaz quanto à Requerente.
X. Só que - atenta a improcedência desta exceção - esta não era a única questão que o Tribunal a quo tinha o dever de ter apreciado para aferir a probabilidade séria de procedência a ação principal.
XI. Na verdade, competia ao Tribunal a quo analisar ainda que perfuntoriamente a legalidade do ato administrativo em causa, aferindo se a Recorrida tinha ou não tinha direito a, no mesmo, continuar a habitar por ter sempre lá vivido - como alega, mas é impugnado pelo Recorrente - mais precisamente, se o contrato de arrendamento se lhe transmitiu ou não por morte da arrendatária.
Mais precisamente era preciso o Tribunal a quo ter decidido - ainda que perfunctoriamente - se a circunstância de a Requerente alegadamente ter vivido com o pai desse sempre naquela habitação em economia comum lhe confere o direito a ver-lhe transmitido o contrato de arrendamento firmado entre aquele e a Recorrente ou não.
E tinha esse dever não só porque foi nesta circunstância factual e jurídica que a Recorrida alicerçou o pedido de suspensão e de anulação do ato administrativo em causa (embora não qualificasse a mesma como um erro nos pressupostos do ato suspendendo), mas, também, porque a Recorrente na sua oposição deduziu argumentação que contaria o direito à transmissão invocado pela Recorrida, defendo a validade do ato em causa que nesta parte da sua fundamentação havia sido posto em causa pela Recorrida.
Ao mesmo tempo tinha o Tribunal a quo que ter aferido a viabilidade de anulação do ato administrativo suspendendo em função do vício de falta de cumprimento do dever de e encaminhar agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional.
Dito de outro modo, o Tribunal a quo aferiu a viabilidade da exceção deduzida menosprezando completamente o passo seguinte que era o se aferir a viabilidade da ação, mais precisamente aferir: i) existência de causas de invalidade do ato suspendendo; ii) validação do mérito do reconhecimento do direito a ocupar aquela habitação mercê o contrato de arrendamento dos ascendentes da recorrida e por causa da invocada economia comum desde sempre.
XVI. Ora, se a exceção tivesse sido procedente o Tribunal a quo poderia alicerçar a não apreciação dos vícios invocados pela Requerente na circunstância de terem ficado prejudicados, mas perante a improcedência da exceção deduzida pela Recorrida não podia deixar de apreciar a viabilidade dos fundamentos da ação na qual a Recorrida alicerça o direito à anulação do ato em causa, pois são esses mesmos motivos que concorrem para a possibilidade de proteger um direito em perigo e que necessita de cautela.
XVII. Assim, não podia o Tribunal a quo deferir a providência cautelar - como fez - sem apreciar - como devia ter apreciado - a viabilidade da ação que a Requerente invocou ir intentar, considerados os pedidos que se antecipa ali irem ser deduzidos e os fundamentos do mesmo.
XVIII. A circunstância de não ter apreciado aquela questão - a da viabilidade da pretensão da Requerente - determina nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do artigo 95°, N° 3 do CPTA.
XIX. Ficaram por apreciar os fundamentos nos quais a Requerente alicerçou a sua pretensão anulatória: i) vive desde sempre com os pais logo tem direito à transmissão do arrendamento pelo decesso destes: ii) não foi cumprido dever legal de encaminhamento.
XX. As regras de transmissão do arrendamento vigentes no Código Civil e no regime de arrendamento urbano (de direito privado) não se aplicam, sem mais, no arrendamento social, como é o caso do presente, como parece defender a aqui Requerente
XXI. Sob pena de subversão de todo o regime legal do arrendamento social, quer das regras referentes à candidatura e celebração de contratos de arredamento, quer do regime de deveres do arrendatário social, é evidente que as mesmas apenas se podem aplicar se aquele que se arroga de beneficiário dessa transmissão for um coabitante autorizado da habitação social em causa.
XXII. Conforme decorre dos n° 1 e 2 do artigo 17° da Lei n° 32/16, o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo, estando sujeito, no que seja aplicável, ao respetivo regime jurídico, regendo-se pelo disposto na referida lei, pelos regulamentos nela previstos e pelo Código Civil .
XXIII. Mesmo que um qualquer regime de transmissão civil do arrendamento se pudesse aplicar a coabitantes não autorizados em contexto de arrendamento social, o certo é que o arrendamento aqui em causa é anterior a 1990 (entrada em vigor do NRAU), pelo que se lhe aplicaria o regime de transmissão constante do artigo 57° do NRAU.
XXIV. Esse regime pressupõe (a contrario do n° 4 do 57°) que apenas existem transmissões sucessivas do arrendamento entre ascendentes sobrevivos e não entre estes e filhos ou enteados sucessivamente.

XXV. Neste regime transitório, para que o filho ou o enteado possa suceder neste arredamento não basta que viva com o ascendente falecido há mais de um ano, sendo também necessário que detenha incapacidade igual ou superior a 60%. (artigo 57°, n° 1 e) do NRAU)
XXVI. Consequentemente, também, por este motivo, não existe direito de transmissão a proteger e também não existe cautela que seja necessário dispensar para proteção daquele direito, pois que o mesmo não existe na esfera jurídica da Requerente.
XXVII. Portanto, o ato administrativo que declarou a caducidade do contrato de arrendamento da Requerente a qual teve lugar no dia da morte do pai e que concede à mesma ainda assim 90 dias para entrega desocupar a referida habitação não padece de qualquer ilegalidade e, por isso, não merece do ponto de vista dos seus pressupostos de facto e de direito qualquer reparo.
XXVIII. Qualquer que seja o preciso conteúdo deste dever, o mesmo não é oponível a terceiros coabitantes não autorizados do fogo em causa, mais precisamente àqueles que não têm qualquer relação contratual com a Recorrida e que apenas são ocupantes ilegítimos do fogo em causa, pois essa obrigação de encaminhamento apenas se aplica e, mesmo assim, não com o conteúdo que a Requerente lhe imputa - quando do que se trata é de uma habitante legítimo cujo contrato de arrendamento cessou,
XXIX. A norma que prevê a necessidade de proceder ao encaminhamento dos agregados que efetivamente apresentem carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais está incluída na parte procedimental executiva, ou seja, na parte do procedimento já destinada ao despejo propriamente dito.
XXX. Por isso, está em crer o Recorrente que só no ato de despejo teria de fazer o encaminhamento do agregado familiar em causa para as soluções legais em causa, e isto desde que o mesmo tenha efetiva carência habitacional.
XXXI. Não é possível retirar da norma em causa que a execução do despejo está previamente condicionada à obtenção por parte dos visados destes atos (originados em atos de resolução do contrato com justa causa) de alternativa habitacional pela via de soluções legais ou prestações sociais e assim não é - até porque tal violaria o direito à auto execução das decisões administrativas.
XXXII. A inserção sistemática do dever na fase executiva aponta, precisamente, para a seguinte circunstância: o encaminhamento para soluções legais de habitação ou ajudas deve ser prévio ao ato de despejo (ato coercivo), mas não prévia à decisão executiva de despejo.
XXXIII. Na notificação do ato executivo o dever de encaminhamento fica cumprido com a mera indicação por parte da Recorrente das soluções legais previstas para esta situações e, designadamente, das ajudas legalmente previstas para o efeito e indicação de as entidades administrativas a que em caso de necessidade se devem dirigir para o efeito.
XXXIV. O dever de encaminhamento não é um dever de proativamente arranjar alternativas habitacionais ao Recorrido. 57° Não seria exigível que neste contexto, que a Recorrente tivesse a) de arranjar alternativa de habitação ainda que provisória à Recorrida ou b) só executasse o despejo depois de a Recorrida ter arranjado essa solução habitacional (e se a arranjar)
XXXV. O Tribunal a quo - sem ter apreciado os fundamentos da providência e da anulação do ato administrativo suspendendo (como decorre da nulidade invocada em I) permitiu-se decidir o seguinte: “Tendo sido formulado pela Requerente uma tal pretensão de integração não pode ser determinada a desocupação do locado sem uma prévia decisão quanto à mesma, nos termos do 13°, n° 1 CPA e do Regulamento do Parque Habitacional do MUNICÍPIO (...) ."
XXXVI. Esse vício não foi invocado e não é de conhecimento oficioso, o que viola o princípio da congruência do dispositivo e do contraditório, pois o Recorrente não se pode defender do entendimento segundo o qual não podia despejar enquanto não se decide o pedido de coabitação (que por acaso já foi decidido como consta do probatório só não tendo sido notificado a uma das requerentes do mesmo)
XXXVII. O Tribunal a quo não recorreu ao artigo 95°, n° 3 após o ter identificado para fundamentar a sua apreciação, não tendo decidido tal questão após contraditório específico às partes, mas designadamente à Recorrente impedindo que a mesma se pudesse defender da possibilidade invalidante que o Tribunal a quo está a conferir a tal facto (ter pedido coabitação e ainda não ter sido decidido).
XXXVIII. Tudo o que precede tem como consequência a nulidade deste segmento decisório em particular por violação dos princípios supra invocados.
XXXVIV. Mas mais: não corresponde a verdade que no artigo 12° os requeridos tenham reconhecido que o ato suspendendo assenta na emissão do prévio ato de indeferimento da pretensão da Requerente, sendo certo que esse também não é o fundamento do ato de despejo.
XL. E por isso não estava o Tribunal a quo dispensado de ouvir o que tinha a dizer o recorrido sobre a nova e terceira tese que não foi usada nem pela Recorrente, nem pela Recorrida e de que o mesmo se socorreu para apreciar a validade do ato administrativo suspendendo com prejuízo dos restantes vícios invocados.
XLI. A decisão nesta parte concreta é nula por violação dos princípios supra elencados, sendo manifesto que o tribunal se excedeu na sua pronúncia neste ponto e em violação ostensiva do contraditório, pois nunca esta foi a tese da Recorrida, nem nunca o Recorrente se defendeu da mesma ou alegou algo que pudesse permitir “saltar “esta etapa de lhe permitir a sua defesa .
XLII. Para o caso de não se julgar a decisão nula por excesso de pronúncia sempre se dirá que o segmento decisório constante de fls. 17 de 21 da decisão está errado do ponto de vista jurídico.
XLIII. Se o Tribunal a quo dá como provado que a requerente deu entrada de um pedido de coabitação é porque o mesmo implicitamente admite como certo que a Recorrida não fazia parte integrante do agregado família autorizado a viver naquela fração, pois ninguém pede a coabitação se a situação está legalizada e formalizada junto da entidade Recorrente.
XLIV. E parece evidente que sendo legítimo o pedido de coabitação, o mesmo deve ser endereçado antes de coabitar e não depois de a coabitação se ter iniciado ilegalmente, como sucedeu no caso concreto.
XLV. Ora, assim sendo colapsa a tese do Tribunal a quo segundo a qual não pode ser despejado o coabitante ilícito quanto não foi decidido o pedido de coabitação apresentado na pendência dessa coabitação ilegal.
XLVI. O coabitante ilegal tem direito a uma decisão administrativa (como já teve) - ninguém o nega - mas da circunstância de a mesma não ter sido proferida não se pode concluir que decidir despejar o coabitante de facto ilegal na pendência daquele pedido é causa invalidante do despejo.
XLVII. A tese do Tribunal a quo implica que o pedido de coabitação feito na pendência de uma coabitação já ilegalmente encetada pelo requerente respetivo tenha um efeito suspensivo de uma causa resolutiva do contrato, o que não está previsto em parte alguma na lei, nem no artigo 13° n° 1, do CPA, nem no regulamento invocado pelo tribunal (e relativamente ao qual o Tribunal a quo nem se dignou a indicar um preceito em concreto para sustentar esta sua tese.
XLVIII. Quando muito e apesar de não ter sido sequer invocado isto poderia contende com o princípio de boa-fé que como é sabido não é circunstância invalidatória dos atos administrativos, tendo apenas em termos abstratos consequências ressarcitórias, se danos existirem.
XLIX. Mesmo que tal causa invalidante pudesse e apreciada - que não podia nos termos em que o foi - e mesmo que a tese do Tribunal a quo fosse a correta - que não é - a verdade é que a invalidação com este fundamento deveria sempre ter levado ao aproveitamento do ato invalidade, uma vez que a decisão de indeferimento da coabitação já foi tomada, existe e os fundamentos da mesma se aplicam a qualquer uma das Requerentes que o formularam.
L. Assim, mesmo ignorando todos os erros e todas as regras e princípios violados pelo Tribunal a quo, a conclusão a que chegou não tem peso invalidatório suficiente e deveria ter levado ao aproveitamento do ato administrativo suspendendo, passando a apreciar os fundamentos onde a Recorrida alicerçou o seu pedido e não aqueles que o tribunal entendeu que mesma podia ter deduzido, mas não deduziu e dos quais, portanto, a Recorrente também não pode exercer o seu legítimo contraditório.
LI. Em suma por todos estes motivos a decisão padece de nulidades invocadas e ainda dos erros de julgamento apontados, devendo, por via disso, ser revogada (…)”.
*

Notificada que foi para o efeito, a Recorrida PC..., defendeu, quanto ao mérito do recurso, a manutenção do decidido quanto à procedência da presente providência cautelar.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, por (i.1) omissão e (i.2) excesso de pronúncia, bem como em (ii) erro de julgamento de direito.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
* *

III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1. O pai da Requerente, de seu nome Sr. AP..., tomou de arrendamento o prédio urbano em 25 de novembro de 1985, sito na Rua (…), sendo senhorio o 1.° Requerido.
2. A Requerente é filha do Sr. AP... (cfr. cópia de Assento de Nascimento junta como doc. 2 do r.i.).
3. O Sr. AP... faleceu no dia 02 de junho de 2020 (cfr. cópia de Assento de Óbito junta como doc. 3 do r.i.).
4. A Requerente de imediato deu conhecimento à Segunda Requerida do falecimento do seu pai.
5. Em 17 de dezembro de 2020, a Requerente dirigiu à diretora da 2.° Requerida um requerimento com o seguinte teor parcial:
“Eu PC..., venho por este meio pedir a vossa Exa. que se digne autorizar a fazer parte do agregado do meu falecido Pai bem como o meu filho com o seguinte nome AF... ambos residentes na rua (…) mais indico que o menor em causa foi entregue a guarda pelo tribunal de menores do Porto conforme documentos anexados a este e-mail. (...)”
(cfr. requerimento a fls. 117 do p.a. junto aos autos).
6. Em 21 de dezembro de 2020, a 2ª Requerida enviou à Requerente um e-mail com o seguinte teor parcial:
“Exma. Senhora,
Acusamos a receção do email remetido por V. Exa. datado de 17 de dezembro de 2020 que mereceu a nossa melhor atenção.
Após análise dos documentos enviados somos a informar que deverá ser providenciada a alteração de titularidade do fogo para o nome da Sra. D. MG....
Enviamos em anexo a listagem dos documentos necessários que deverão ser entregues juntamente com o comprovativo do requerimento das prestações por morte (pensão de sobrevivência) junto do Instituto da Segurança Social ou CGA.
Após estar concluída a alteração de titularidade do fogo pode instruir pedido de integração no agregado familiar sendo que esta pretensão encontra-se sujeita a decisão do Conselho de Administração da Domus Social, conforme estipulado no Regulamento em vigor.” (cfr. impressão de correspondência eletrónica a fls. 11 do p.a.).
7. Em 03 de fevereiro de 2021, a 2ª Requerida dirigiu a MG... um ofício com o seguinte teor parcial:
“Cara inquilina,
Recebemos pedido de mudança de titularidade que submeteu a 1 de fevereiro, o qual analisamos com toda a nossa atenção.
Nesse sentido, informamos que a titularidade da habitação foi atribuída a MG... , dado o falecimento do anterior arrendatário.
Assim, o agregado legalmente inscrito e autorizado a residir na habitação de que é arrendatária é composto unicamente pela própria.” (cfr. impressão de correspondência eletrónica a fls. 11 do p.a.).
8. Em data não concretamente apurada, MG... apresentou um requerimento intitulado “Pedido de integração de elemento em fogo municipal” de que consta o seguinte, entre outros:
“(…)
Está a viver na minha casa desde 2011, antes residiu em Ramada Alta porque casou e de onde saiu porque se divorciou e veio cuidar do pai que ficou doente (problemas cardíacos) e de mim que tenho problema motores e de visão.” (cfr. requerimento a fls. 125 do p.a.).
9. Em 22 de abril de 2021, foi indeferida a pretensão de integração da Requerente e de AF... no processo habitacional em causa nos autos, com base em proposta dos serviços com o seguinte teor parcial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. despacho a fls. 146 e ss do p.a.).
10. O ofício referido no ponto anterior foi remetido a MG..., por correio postal com aviso de receção, tendo o correspondente aviso de receção sido assinado por MV… em 03.05.2021 (cfr. documento a fls. 408 dos autos).
11. A Requerente vive no locado descrito com o seu filho menor, recebendo amigos e familiares, ali toma refeições, confeciona as mesmas, pernoita e realiza a higiene diária, tem aí a sua residência e mobílias, efetua limpezas domésticas, recebe correspondência, à vista de toda a gente, pacificamente, de boa fé, e sem oposição de quem quer que seja.
12. Em 18.06.2021, foi dirigida à Requerente uma missiva com o seguinte teor parcial, por esta recebida em data não concretamente apurada:
“Conforme é do seu conhecimento e até conclusão do procedimento em curso relativo à ocupação do fogo, continua a ser devida a contraprestação pela ocupação da habitação.
Assim, e até conclusão do procedimento, terá V. Exa. de efetuar o pagamento da contraprestação devida pela ocupação, até ao dia 23 do mês a que respeita, pelo que, receberá mensalmente o respetivo documento para pagamento.
Salientamos que a emissão do documento não representa o deferimento da mudança da titularidade e/ou de qualquer solicitação.” (cfr. doc. 6 do r.i.)
13. A Requerente pagou o valor da renda de 15,14 Euros, referente ao período de faturação 01.07.2021 a 31.07.2021 (cfr. doc. 7 do r.i.).
14. A Requerente pagou o valor da renda de 15,14 Euros, referente ao período de faturação 01.08.2021 a 31.08.2021 (cfr. doc. 8 do r.i.).
15. A Requerente recebeu o recibo para pagar o valor da renda de 15,14 Euros, ao período de faturação 01.09.2021 a 30.09.2021 (cfr. doc. 9 do r.i.).
16. Em 22 de julho de 2021, foi dirigido à Requerente um ofício com a referência número CE - GPH - 6567 - 2021, com o seguinte teor:
“Assunto: Desocupação e entrega voluntária da habitação.
Exmo./a Senhor/a,
Informamos que, com o falecimento do único elemento inscrito e autorizado a residir na habitação, caduca o respectivo contrato de arrendamento apoiado, por inexistência de sujeito, extinguindo-se, concomitantemente, o correspondente direito de ocupação do fogo.
Nesta medida, cumpre-nos informar que, tratando-se de uma ocupação indevida, deverá proceder à entrega voluntária da habitação, no prazo de 90 dias, livre de pessoas e bens, directamente no Gabinete do Inquilino Municipal, fazendo-se acompanhar de comprovativo de cancelamento dos serviços de água e luz e respectivo documento de identificação.
Findo este prazo, caso não proceda em conformidade, serão diligenciados todos os procedimentos inerentes à execução do desalojamento da habitação.” (cfr. doc. 10 do r.i.).
*


*


III.2 – DE DIREITO
*

III.2.1- DAS IMPUTADAS NULIDADES DE SENTENÇA
*

O Recorrente vem arguir a nulidade de sentença recorrida, com fundamento em omissão e excesso de pronúncia.
Realmente, sustenta o mesmo, no mais essencial, que:
(i) “(…) Não podia o Tribunal a quo deferir a providência cautelar - como fez - sem apreciar - como devia ter apreciado - a viabilidade da ação que a Requerente invocou ir intentar, considerados os pedidos que se antecipa ali irem ser deduzidos e os fundamentos do mesmo. A circunstância de não ter apreciado aquela questão - a da viabilidade da pretensão deduzida pela Requerente - determina nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do artigo 95°, n° 3 do CPTA (…)”.
(ii) “(…) O Tribunal a quo - sem ter apreciado os fundamentos da providência e da anulação do ato administrativo suspendendo (como decorre da nulidade invocada em I) permitiu-se decidir o seguinte: “Tendo sido formulado pela Requerente uma tal pretensão de integração não pode ser determinada a desocupação do locado sem uma prévia decisão quanto à mesma, nos termos do 13°, n° 1 CPA e do Regulamento do Parque Habitacional do MUNICÍPIO (...). Esse vício não foi invocado pela Requerente pelo que não podia ter sido conhecido pelo tribunal a quo muito menos sem contraditório prévio, o qual gera também, ele mesmo, nulidade. (…)”

Não obstante as doutas alegações, julgamos que os termos em que o Recorrente desenvolve toda esta argumentação são destituídos de plena certeza jurídica.
Realmente, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
A Requerente, aqui Recorrida, por intermédio da presente providência cautelar, visa[va] a suspensão de eficácia do “(…) despacho proferido pela Senhora Directora de Gestão do Parque Habitacional, Sra. Dra. EM…, que em 22 de julho de 2021, determinou a desocupação e entrega voluntária da casa sito Rua (…), no prazo de 90 dias (…)”.
A partir daqui, o tribunal tinha que conhecer da eventual verificação in casu dos legais pressupostos de que depende a concessão das providências cautelares, a saber: o (i) periculum in mora; o (ii) fumus boni iuris; e a (iii) ponderação de interesses [cfr. artigo 120º, nº.1 e 2 do CPTA].
Ora, tendo o Tribunal a quo considerado “(…) afigura[r]-se provável a procedência do vício de violação de lei que vem imputado pela Requerente ao ato suspendendo, no sentido da ilegalidade do ato pelo facto de a Requerente integrar o agregado familiar que ocupava o locado (…)”, e, nessa medida, concluído “(…) pela probabilidade da procedência da pretensão anulatória a ajuizar em sede de ação principal (…)”, com a consequente prejudicialidade “(…) do conhecimento dos demais vícios imputados pela Requerente ao ato suspendendo (…)”, resulta evidente que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras.
Poder-se-á equacionar da certeza ou [do erro] do julgamento assim efetuado, ademais e especialmente, quanto à decidida prejudicialidade “do conhecimento dos demais vícios imputados pela Requerente ao ato suspendendo”.
Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade sentença, por omissão de pronúncia, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
De facto, saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei - aqui entroncando a crítica apontada pela Recorrente no sentido da falta de sustento legal da decidida prejudicialidade do conhecimento dos demais vícios - são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].
Nesta esteira, é de manifesta evidência que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida a qualquer omissão de pronúncia determinante da nulidade de sentença recorrida.
De igual modo, não pode atravessar à sentença recorrida qualquer excesso de pronúncia.
De facto, apenas haverá nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação [artigos 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC].
Ora, o conceito de questões, para este efeito, deve ser naturalmente procurado na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pelo Requerido, o que vale por dizer que questões serão única e tão só as questões de fundo, isto é, aquelas que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão jurisdicional que se visa obter.
Assim, tendo presente o que se acaba de expender, considera-se que a sentença recorrida não violou as normas processuais citadas.
Na verdade, a Requerente, no requerimento inicial que faz fls. 6 e seguintes dos autos [suporte digital], invocou expressamente, a violação do disposto no “(…) artigo 3º número 1 alínea A) da Lei número 81/2014, de 19 de dezembro, com a alteração da Lei número 32/2016 (…)”, o que traduz a invocação de eventual erro nos pressupostos do ato suspendendo quanto à definida composição do “agregado familiar” do titular do direito ao arrendamento.
Deste modo, é natural que para o Tribunal a quo proceder à apreciação e decisão da causa de invalidade que se vem supra de evidenciar, sempre teria que se debruçar sobre a questão de saber esta preenchia [ou não] o “agregado familiar” do titular do direito ao arrendamento, o que sempre reclamava a apreciação incidental da validade do pedido de coabitação formulado pela Requerente e pela sua madrasta.
E, se assim é, e sopesando que a decidida probabilidade da procedência “(…) do vício de violação de lei que vem imputado pela Requerente ao ato suspendendo (…)” mostra-se estribada no “(…) facto de a Requerente integrar o agregado familiar (…)”, em virtude de se ter apurado a inexistência de “(…) uma decisão administrativa que se destine à Requerente e incida sobre a sua pretensão (…)”, então nunca se poderia considerar que o Tribunal conheceu de questões que não foram suscitadas pelas partes ou que condenou o Requerido em objeto diverso do que fora peticionado pela Requerente.
Não se divisa, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por omissão de pronúncia e/ou excesso de pronúncia, as quais improcedem.
*

III.2.2- DO[S] IMPUTADO[S] ERRO[S] DE JULGAMENTO DE DIREITO
*

O “objecto confesso” da presente providência cautelar prende-se, como sabemos, com a suspensão de eficácia do (…) despacho proferido pela Senhora Directora de Gestão do Parque Habitacional, Sra. Dra. EM…, que em 22 de julho de 2021, determinou a desocupação e entrega voluntária da casa sito Rua (…), no prazo de 90 dias (…)”.
Pois bem, examinando o teor do requerimento inicial, logo se constata que a Requerente estribou tal pretensão jurisdicional, brevitatis causae, no entendimento de que o ato suspendendo enfermava de vício[s] de violação de lei, por (i.1) desrespeito do princípios da boa-fé e da proteção da confiança; (i.2) por ofensa do disposto no artigo 3º, nº.1, alínea a) e 28º, nº. 6, ambos da Lei nº. 81/2014, de 19.12; (i.3) por violação do artigo 65º da CRP; (i.4) e ainda por desrespeito do princípio da legalidade, aferido na vertente da falta de mandato judicial.
O T.A.F do Porto, por sentença datada de 01.04.2022, deferiu “(…) a presente providência, por provados os respetivos pressupostos, e determino a suspensão do ato que determinou a desocupação e entrega da casa ocupada pela Requerente, com as legais consequências (…)”.
O que fez, sobretudo, por entender que:
(i) “(…) a perda da respetiva habitação, com todas as consequências inerentes a tal circunstância, em que se inclui a perda de um abrigo para o agregado e os seus pertences e a necessária alteração de toda a rotina diária (…)” determinava a constituição de uma situação de facto consumado, devendo, por isso, considerar-se verificado o requisito de periculum in mora.
(ii) “(…) afigura-se provável a procedência do vício de violação de lei que vem imputado pela Requerente ao ato suspendendo, no sentido da ilegalidade do ato pelo facto de a Requerente integrar o agregado familiar que ocupava o locado (…)”, devendo, por isso, concluir-se “(…) pela probabilidade da procedência da pretensão anulatória a ajuizar em sede de ação principal, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento dos demais vícios imputados pela Requerente ao ato suspendendo (…)”.
(iii) se impõe uma maior majoração do interesse privado em face do interesse público na ponderação dos interesses em presença.
Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada, por manter a firme convicção, essencialmente, de que “(…) A tese do Tribunal a quo implica que o pedido de coabitação feito na pendência de uma coabitação já ilegalmente encetada pelo requerente respetivo tenha um efeito suspensivo de uma causa resolutiva do contrato, o que não está previsto em parte alguma na lei, nem no artigo 13º nº 1, do CPA, nem no regulamento invocado pelo tribunal (e relativamente ao qual o Tribunal a quo nem se dignou a indicar um preceito em concreto para sustentar esta sua tese. XLVIII. Quando muito e apesar de não ter sido sequer invocado isto poderia contende com o princípio de boa-fé que como é sabido não é circunstância invalidatória dos atos administrativos, tendo apenas em termos abstratos consequências ressarcitórias, se danos existirem. Mesmo que tal causa invalidante pudesse e apreciada – que não podia nos termos em que o foi – e mesmo que a tese do Tribunal a quo fosse a correta -que não é - a verdade é que a invalidação com este fundamento deveria sempre ter levado ao aproveitamento do ato invalidade, uma vez que a decisão de indeferimento da coabitação já foi tomada, existe e os fundamentos da mesma se aplicam a qualquer uma das Requerentes que o formularam (…)".
Adiante-se, desde já, que o presente recurso irá proceder.
De facto, a Recorrida não é a titular do direito à ocupação do fogo de habitação social visado no ato suspendendo, de modo que, só poderia lá residir, se, efetivamente, fosse autorizada a integrar o agregado familiar daquele.
Neste domínio, o que se apurou que é a Recorrida formulou, em 17.12.2020, um pedido de autorização “(…) a fazer parte do agregado (…)” do titular do direito à ocupação do fogo de habitação, ao que foi informada “(…) que deverá ser providenciada a alteração de titularidade do fogo para o nome da Sra. D. MG... (…) [após ao que] pode instruir pedido de integração no agregado familiar sendo que esta pretensão encontra-se sujeita a decisão do Conselho de Administração da Domus Social, conforme estipulado no Regulamento em vigor (…)” [cfr. pontos 5) e 6) do probatório].
Ora, do circunstancialismo fáctico ora evidenciado destaca-se a “certeza férrea” que, ao instruir a Recorrente para formular novamente a dita pretensão em momento futuro coincidente com a alteração de titularidade do fogo para o nome da Sra. D. MG..., o Requerido mais não está a concluir pela inviabilidade momentânea do pedido de autorização em questão, ou seja, pela denegação deste pedido, por falta definição prévia do titular do direito de ocupação do fogo de habitação.
O que bem se compreende, pois, em termos de precedência lógica, para o Requerido eventualmente autorizar a pretensão da Autora, necessário se tornava previamente definir a titularidade do direito de ocupação do fogo.
De modo que, uma vez definida tal titularidade, se a Requerente, aqui Recorrida, optou por não renovar a sua pretensão autorização de coabitação, sibi imputet.
Certo é que não pode vir agora invocar a falta de decisão denegatória da sua pretensão, pois, como se apurou supra, esta, efectivamente, existiu em relação ao pedido formulado em 17.12.2020, tendo a Requerente optado por não renovar tal pretensão.
O juízo que se vem de efetuar surge ainda particularmente potenciado pelo facto da pretensão “substancial” de integração no agregado familiar da nova titular de direito de ocupação do fogo ter sido objeto de decisão de indeferimento por duas vezes [cfr. pontos 7) e 9) do probatório].
É certo que, quanto esta dupla denegação, poder-se-á objetar, como perspetiva a decisão judicial recorrida, a eventual falta de notificação em relação à Recorrida, embora, em bom rigor, isso também não seja de assumir, pois a legitimidade procedimental é reflexa da existência do direito de ocupação de habitação social, sem o qual não pode subsistir, o que sempre afastaria a necessidade de notificação da Requerente de tais atos denegatórios.
Seja como for, a notificação configura um dos modos de comunicação das decisões administrativas aos seus destinatários, visando integrar o conteúdo e sentido da decisão na “esfera de perceptibilidade” do respectivo destinatário.
Por isso, o texto da decisão administrativa constitui, naturalmente, um dos elementos cruciais deste mecanismo, podendo afirmar-se a notificação do ato somente nas circunstâncias em que o respectivo destinatário tenha acesso ao conteúdo integral da decisão, incluindo os fundamentos que lhe servem de esteio.
No entanto, é de salientar que o não cumprimento ou o cumprimento deficiente do dever de notificar não consubstancia uma ilegalidade, ou torna, sequer, a decisão administrativa ilegal.
Na verdade, a notificação apresenta-se como uma condição de eficácia do ato administrativo e não como uma condição de validade do mesmo.
Daí que, e mesmo que hipoteticamente se entendesse que tal patologia ocorria, a sanção que ocorreria espoletada seria, apenas, a da ineficácia do ato, e não a da sua invalidade.
Consequentemente, soçobra este argumento, sendo, por isso, de afastar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido da inexistência de “(…) uma decisão administrativa que se destine à Requerente e incida sobre a sua pretensão (…)”, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à demonstração da declarada violação dos termos conjugados do art. 13.º, n.º 1, do C.P.A. e do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do MUNICÍPIO (...).
Significa isto que mal andou o Tribunal a quo, que ao decidir como decidiu, interpretou mal e violou a normação aplicável.
Tendo nós concluído nos termos e com o alcance supra exposto, temos agora, nos termos do artigo 149º n.º 2 do CPTA, conhecer dos demais vícios assacados ao ato suspendendo, não conhecidos na decisão judicial recorrida.
Assim, e entrando em tal tarefa, diga-se que a factualidade dada como provada não é valorizável em sede dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, não prefigurando a densidade factual apurada nos autos qualquer incumprimento por parte do Requerido dos deveres de conduta exigíveis – no plano ético em que se move uma pessoa normal, reta e honesta colocada na situação jurídica concreta da Administração.
De facto, não se retiram da matéria de facto apurada sinais suficientemente consistentes de que o Requerido tivesse inopinadamente destruído expectativas legitimamente constituídas pela Requerente no sentido da impossibilidade de invocação da inexistência da relação jurídica de arrendamento.
Como bem sabe a Requerente, a exigência de pagamento de rendas por parte do Requerido mostra-se unicamente estribada na circunstância de “(…) até conclusão do procedimento em curso relativo à ocupação do fogo, continua[r] a ser devida a contraprestação pela ocupação da habitação (…)” [cfr. ponto 12) do probatório], o que não permite concluir pela existência de um dever de comportamento por parte do Requerido traduzido na impossibilidade de invocação da inexistência da relação jurídica de arrendamento.
Por sua vez, e já no que tange à alegada violação do “dever de encaminhamento prévio para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”, estamos em crer convictamente que a normação prevista no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, não é absolutamente inequívoca no sentido propugnado pela Requerente, aqui Recorrida.
Realmente, há que reconhecer a pertinência do argumentário do Recorrente no sentido de que o encaminhamento para soluções legais de habitação ou ajudas deve ser prévio ao ato de despejo [ato coercivo], mas não prévia à decisão executiva de despejo.
Isto para dizer existe, efectivamente, margem para discussão, não sendo evidente que a razão esteja do lado da Requerente, o que não compadece com a integração do requisito do “fumus boni iuris”.
De facto, como se expendeu no aresto do Pleno do Contencioso Administrativo do Órgão Cúpula desta Jurisdição, de 04.07.2019, tirado no processo nº. 02012/18.9BALSB, “(…) na e para a integração do requisito ora sob análise entende-se como «”provável” … o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça», sendo que no domínio jurídico «isso exige que algum dos vícios atribuídos (…) ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato» [cfr. Ac. do STA, Pleno, de 04-07-2019, proc. n.º 02012/18.9BALSB].
Ademais, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, contra a procedência deste vício milita a evidência insofismável que a anulação do ato suspendendo com base na causa de invalidade ora em hipótese sempre poderia deixar de ser decretada, porquanto a prática de tal ato apresentar-se-ia à luz da lei e do interesse público como a única alternativa decisória.
Na verdade, sabe-se que a Requerente não dispõe qualquer título legitimador da sua permanência na habitação versada nos autos.
De facto, não é concessionária da mesma, não sequer lhe foi autorizada a sua integração no visado fogo.
Quer isto dizer que, independentemente de qualquer causa de invalidade apurada nos autos, haveria sempre lugar à prolação de decisão com vista à desocupação do fogo visado em prazo a determinar.
E se assim é, e tendo em conta o disposto no nº. 5 do artigo 163º, maxime das alíneas a) e c), do C.P.A, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado com base na eventual violação do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei nº. 81/2014, de 19.12.
Daí que seja forçoso concluir que, no particular conspecto em análise, está afastada a demonstração da provável procedência da ação principal.
Idêntica conclusão é atingível no que tange à invocada violação do direito constitucional à habitação previsto no artigo 65º da CRP.
De facto, como doutrinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 672, em anotação ao art. 65º:“ (…) a consagração de um direito fundamental à habitação não se compadece com soluções que admitam a privação arbitrária sem fundamento razoável, do direito a uma morada digna (…)”.
Porém, no caso trazido a juízo, não pode considerar que o acto suspendendo violou o direito à habitação, visto que a desocupação determinada nesse acto é justificável, na medida em que a Requerente não dispõe qualquer direito de permanecer na fogo visado nos autos, o que influi inelutavelmente no sentido da inverificação da causa de invalidade em análise.
Derradeiramente, saliente-se que os atos administrativos gozam de executoriedade prévia, apenas escapando a tal privilégio, para o que ora nos interessa, os atos que decretem a resolução do contrato de arrendamento apoiado para habitação com fundamento na (i) “violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio” ou na (ii) “utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública” ou no (iii) “uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina” ou no (iv) “não uso do locado por mais de um ano” ou mesmo ou a “ cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio” [cfr. artigo 1083º, nº.2 e 1084º, nº.1 do C.C.].
Ora, não sendo esse, claramente, o caso dos autos, carece de qualquer sustentáculo a objeção da Requerente, aqui Recorrida, no tocante à violação do princípio da legalidade, aferido na vertente da falta de mandato judicial.
Ante o exposto, ou seja, perante o fracasso da Requerente na demonstração da verificação dos vícios assacados ao ato suspendendo, e perante a possibilidade séria de aproveitamento do ato administrativo no caso da eventual violação da normação constante no nº. º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, impõe-se concluir que se que se fracassa inteiramente na demonstração da provável procedência da ação principal.
Desta feita, por inultrapassável inverificação do requisito relativo ao fumus boni iuris, a presente providência não pode ser decretada.
Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, devendo ser revogado a decisão judicial recorrida e julgada totalmente improcedente a presente providência cautelar, ao que se provirá no dispositivo.
* *

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a presente providência cautelar.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 13 de maio de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia