Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00540/05.5BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:PRESCRIÇÃO, IMPUGNAÇÃO, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, ÓNUS DA PROVA;
Sumário:I – A decisão de tributação por métodos indiretos terá que enunciar e especificar os fundamentos da impossibilidade da comprovação e quantificação exata da matéria tributável, assim como os critérios utilizados na avaliação desta, tal como resulta do n.º 1 do art.º 77.º da LGT.

II – A decisão proferida no âmbito do processo de revisão e que cumpra designadamente as exigências contidas no n.º 6 do art.º 92.º da LGT, assentando na posição dos peritos e no relatório de inspeção tributária, não padecerá de falta de fundamentação por se encontrar escorada nestes e sem adiantar novos fundamentos.

III – No artigo 75º, nº 1 da LGT estatui-se que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.

IV – A presunção do n.º 1 do art.º 75.º da LGT cessa, nomeadamente, se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).

V – Apurando os serviços de fiscalização da AT a existência de indicadores factuais suficientes que lhe permitem abalar a presunção de veracidade das operações tituladas por faturas falsas, caberá ao contribuinte a prova da realização as operações em causa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública e Outros
Recorrido 1:Outros e Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso da FP, e negar provimento ao recurso dos segundos recorrentes.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I – A Representação da Fazenda Pública (primeira Recorrente) e N. e F. (segundos Recorrentes), vieram interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual se julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelos ora segundos Recorrentes contra as liquidações de IRC dos anos de 1999 e 2000.

No presente recurso, a primeira Recorrente (RFP) formula as seguintes conclusões:

1 - A presente Impugnação Judicial foi interposta contra a liquidação de IRC, relativa aos anos de 1999 e 2000, decorrente de ação inspetiva, na qual foram invocados pelo Impugnante, ora Recorrido, fundamentos relativos à falta de fundamentação do Despacho elaborado em sede de Procedimento de Revisão da Matéria Tributável;
2 - Por douta sentença de 26/05/2015, proferida pela Meritíssima Juiz a quo, a referida Impugnação Judicial foi julgada parcialmente procedente, decisão com a qual não pode a Fazenda Pública concordar, na parte respeitante à anulação das liquidações na parte referente à matéria colectável determinada com recurso a métodos indirectos;
3 - Com efeito, entendeu a Mmª Juiz do Tribunal "a quo" "Ora, no caso vertente, "tendo em conta todos os elementos" referidos na decisão (e os elementos ali referidos foram: o relatório de inspecção tributária, a reclamação do contribuinte e os laudos lavrados pelos peritos) o Exmº Director de Finanças decidiu manter os valores inicialmente propostos sem, contudo, remeter expressa e inequivocamente para qualquer dos elementos por ele considerados, mormente o relatório inspectivo ou o laudo de qualquer dos peritos".
4 - Com todo o respeito pela douta decisão "a quo" e reconhecendo a análise efetuada pela Mma. Juiz, entende a Recorrente que existiu erro de julgamento na apreciação da prova ao desconsiderar a fundamentação existente no despacho proferido pelo Exmº Director de Finanças, e que conduziu à decisão por tal procedência.
5 - Contudo, a questão é a de saber se no caso sub Júdice a fundamentação constante do referido despacho a que foi atribuído o nº 09/D2, é ou não suficiente e se atinge os objectivos de informar qual o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na decisão vertida no Despacho pela entidade competente.
6 - O referido despacho fundamenta a decisão mormente "Notificado o contribuinte ... veio reclamar nos termos do artº 91° da LGT ... o debate contraditório entre os peritos do contribuinte e da administração tributária verificou-se em 08/05/2002 ... embora o perito da administração tributária haja procurado o estabelecimento de um acordo, tal não foi viável, visto o perito do contribuinte não concordar e terem-se verificado os pressupostos para a avaliação indirecta da matéria colectável e, ainda a existência de legalidade do critério da sua quantificação, na sua expressão, "inexistem fundamentos para aplicação dos métodos indirectos e ilegalidade na adopção do critério de quantificação da matéria colectável"".
7 - E continua a fundamentação nos seguintes termos: “…Analisados o relatório dos serviços de inspecção, a reclamação do contribuinte e consideradas as posições tomadas pelos peritos dos dois lados, concluímos o seguinte...".
8 - Concluindo que: "Ora, tal, não se apresenta feito quer pelo contribuinte quer pelo seu perito.".
9 - Sendo que ainda refere: "No debate contraditório não resultou qualquer ponto de acordo entre os peritos.".
10 - Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, por se verificar a fundamentação requerida pelo normativo legal, e consequentemente revogada a sentença recorrida,

Termina a primeira Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida.

Os segundos Apelantes nas conclusões do respetivo recurso, afirmam que:

a) O prazo relevante para a prescrição das obrigações tributárias, em caso da sua alteração por leis que se sucedam, é determinado por aplicação da regra constante do art.º 297.º, n.º 1, do Código Civil, mas apenas enquanto norma que constitui um simples postulado necessário, nesse domínio do direito, dos princípios constitucionais da igualdade tributária (art.ºs 13.° e 103.º, n.º 1, da CRP), da segurança jurídica e da tutela da confiança ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da CRP (dr. Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues no estudo “A Prescrição no Direito Tributário”;. publicado in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis Editores, págs. 261 e segs).
b) Atenta a funcionalidade e axiologia das normas que procedem à alteração do início do cômputo do prazo de prescrição ou à alteração de causas de suspensão ou de interrupção, devem estas normas ser tratadas como normas que alteram o prazo de prescrição, nos mesmos termos estabelecidos no art. ° 297.º n. ° 1, do Código Civil para a alteração do prazo em termos absolutos, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, consagrado nos art.ºs 13.º e 103.º n.º 1, da CRP da segurança jurídica e da tutela da confiança dos contribuintes ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático.
c) Uma interpretação conjugada dos art.ºs 12.º n. ° 2, e 297.º n. ° 1, do Código Civil e dos art.ºs 34.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Tributário e 48.º n. ° 1, e 49.° da LGT; em qualquer das versões que tais preceitos alcançaram, acima referidas, em sentido contrário ao que consta da alínea anterior é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, consagrado nos art.ºs 13.° e 103.º n. ° 1, da CRP da segurança jurídica e da tutela da confiança dos contribuintes, estes ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da CRP.
d) As normas que procedem à configuração de causas de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição não são normas que estatuam sobre o conteúdo ou efeitos da relação jurídico-tributária, mas antes normas sobre a repercussão do tempo nas relações jurídico-tributárias para efeitos da prescrição e em termos correspondentes aos da norma que dispõe sobre a alteração do prazo, constante do art.º 297.º n.º 1, do Código Civil.
e) A questão da prescrição das dívidas impugnadas tem assim de ser resolvida à luz do disposto nos art.ºs 48.º n, ° 1, verão originária, e 49.º versão da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, ambos os artigos da LGT.
f) No caso de o processo de impugnação judicial e o processo de execução fiscal estarem parados por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, a interrupção do prazo de prescrição apenas pelo período de um ano, pelo que o prazo de prescrição se conta sempre desde, pelo menos, o início do ano seguinte ao do IRC em causa até ao presente, com desconto de um ano equivalente ao da suspensão.
f) Por força da aplicação de tais preceitos, as dívidas impugnadas relativas ao ano de 1999 e 2000 já há muito tempo se encontram prescritas;
g) Quer o processo de impugnação judicial, quer o processo de execução fiscal relativo às dívidas impugnadas estiveram parados mais de um ano por facto não imputável à recorrente, como dos mesmos autos consta, sendo esse facto de aquisição oficiosa por relativo a matéria processual.
Sem conceder,
h) A sentença recorrida enferma, ainda, de erro de julgamento em matéria de facto e de direito, na parte em que considera que os impugnantes não fizeram a prova da realização do pagamento das facturas n.ºs 1588 e 1994 (estas da F. II), 1018, 1020, 1049, 1056, 1059, 1073, 1140, 1158, 1199 e 1200 (estas da F.) e que basta à AT levantar sérios indícios para desconsiderar como custos os respectivos montantes.
i) A recorrente aceita que a factura n.º 1073 foi, por lapso manifesto, duplamente contabilizada: trata-se de erro, evidente e involuntário, que apenas justifica a correcção da liquidação do montante do imposto que lhe respeita e não a desconsideração também do imposto suportado constante da primeira contabilização da factura.
j) Perante os referidos dados do relatório de inspecção tributária, cujo conteúdo é de conhecimento oficioso do tribunal enquanto fundamentos dos actos impugnados, das regras de experiência comum, da regra constante do art.º 787.º do CC e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, J. e A., e S., impõe-se concluir em dar como provado que: 1. A empresa encetou relações comerciais com a “F. II". 2. A empresa certificou a situação fiscal da “F. II" junto do SF de Tábua, nada lhe tendo sido informado que inviabilizasse os negócios efetuados. 3. A impugnante pagou em cheque todas as faturas emitidas pela “F.” 4. Algumas das faturas constantes do relatório foram pagas através de cheque bancário visado, daí a ausência de meio de pagamento emitido pela impugnante. 5. As divergências verificadas entre o valor das faturas e dos cheques emitidos para o respetivo pagamento decorrem de o legal representante da impugnante abater, no valor a pagar, a mercadoria entregue danificada, abatimento esse feito pelo preço previamente combinado e não pelo preço faturado, de que resultam diferenças irrisórias (veja-se o facto n.º 9 dado como provado: A sociedade comercial T., Lda. realizou várias diligências para que a "F.” lhe emitisse notas de crédito. - Cfr. depoimento da testemunha J., que demonstrou conhecimento dos factos).
I) E bem assim o pagamento das facturas n.ºs 1588 e 1994 (estas da F. II), 1018, 1020, 1049, 1056, 1059, 1073, 1140, 1158, 1199 e 1200 (estas da F.), com as legais consequências.
k) A existência de relações comerciais com a F. II resulta logo do facto de a AT ter constatado no relatório de inspecção a passagem de cheques de pagamento aos seus fornecedores.
l) Por outro lado, o pagamento das facturas resulta da constatação da existência de cheques vultuosos para pagamento dessas dívidas e de a AT não os ter imputado ao pagamento de outras dívidas, das regras de experiência comum, dos depoimentos das testemunhas ouvidas nos autos cujos depoimentos supra se transcreveram e da presunção de veracidade das declarações da empresa nos termos do art.º 75.º n.º 1, da LGT.
m) Em sede de IRC, não pode convocar-se - e, muito menos, ao tempo em que os factos tributários ocorreram - a falta das exigências formais actualmente estabelecidas no art.º 36.º do CIVA para desconsiderar como sendo custos fiscalmente elegíveis no apuramento do lucro tributável aquelas despesas efectivamente suportadas indispensáveis para a realização dos proveitos sujeito a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (art.º 23.º n.º 1, alínea a), do CIRC).
n) Desde que os concretos documentos constantes da contabilidade, independentemente de respeitarem ou não as exigências formais constantes do actual art.º 36.º do CIVA (então art.º 35.°), permitam formar um juízo seguro, no plano da conveniência jurídico-factual, sobre a efectiva verificação e natureza fiscal dos custos contabilizados - e isso acontece no caso dos custos desconsiderados relativos às facturas acima identificadas - impõe-se que os mesmos sejam tidos como gastos comprovadamente existentes e indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora: assim, o obriga o princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real, constante do art.º 104.º n.º 2, da CRP de acordo com o qual deve ser interpretada a lei infraconstitucional.
o) A AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
p) Não logrando a AT fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, isso tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou, pois que os elementos nos quais a Administração fiscal se apoiou para fundamentar a desconsideração de tais facturas são manifestamente insuficientes e inconsistentes.
q) A actuação da AT é violadora do princípio do inquisitório, o que no caso se verifica de forma patente, pois que dispunha de todos os meios necessários para a descoberta dos factos, convindo perguntar porque é que, v.g., tomando conhecimento da existência dos cheques n.ºs 7195024424, de 15.579.720$00, e 3795024415, de 11.675.430$00, como sendo destinados ao pagamento das facturas n.º 1020 e 1018 e 1994, desconsidera-os e demite-se de averiguar junto do beneficiário da razão de ser de tais pagamentos... não convindo esquecer que o princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus da prova.

Terminam os segundos Recorrentes pedindo que lhes seja concedido provimento ao respetivo recurso.
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A distinta Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência dos presentes recursos (cf. fls. 348 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
-/-

II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1. A sociedade comercial “T., Lda.” foi alvo de uma ação de inspeção tributária, que incidiu sobre os exercícios de 1999 e 2000, da qual resultou o Relatório de Inspeção Tributária, extraindo-se do mesmo o seguinte:
“(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria Tributável

Da análise aos elementos contabilísticos foram detectadas algumas anomalias, as quais se resumem a contabilização indevida de custos, omissões de proveitos e dedução indevida de Iva nos anos em análise, e que se descrevem nos pontos seguintes.

III – 1. LANÇAMENTO NI 158 E DUPLICAÇÃO DE CUSTOS E DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA EM COMPRAS
(…)
Desta acção resulta quer uma duplicação de custos, 134.182$00, quer uma dedução indevida de IVA no valor de 22.822$00 (…).

III – 2. VENDA DE IMOBILIZADO
(…)
Uma vez que a viatura automóvel não é ligeira de passageiros, conferindo o direito á dedução na aquisição, deveria ter havido lugar à liquidação de IVA na sua venda (…).

III – 3. ACRÉSCIMO INDEVIDO DE COMPRAS
Factura da M. nº 3076458 de 16-03-00, lançada (NI 251) por 3.724.837$00 quando é 3.694.837$00, erro que apresenta um acréscimo de custos nas compras de 30.000$00 (…).

III – 4. CONTABILIZAÇÃO DE CRÉDITO MAL EFECTUADA
(…)
Há pois que corrigir em sede de IVA, quer o valor indevidamente deduzido de 19.393$00, quer proceder à regularização do mesmo a favor do Estado, (…), resultando uma correcção em valor absoluto de 19.393$002=38.786$00, e o mesmo se passa em sede de IRC, corrigir o acréscimo de custos com compras e a sua regularização, donde também teremos 114.075$00x2=224.150$00 (…).

III – 5. OMISSÃO DE PROVEITOS E DE IVA LIQUIDADO E NÃO ENTREGUE
As facturas e vendas a dinheiro a seguir relacionadas, não estavam arquivadas nos documentos contabilísticos, nem o seu valor foi levado à conta de proveitos nem o IVA liquidado foi entregue. Assim, a omissão de proveitos na determinação do lucro tributável conduz a valores errados (…).

III – 6. NOTAS DE CRÉDITO EMITIDAS (Nº 5 DO ARTº 71º DO CIVA)
Relativamente às notas de crédito relacionadas no quadro seguinte, não se observou o estabelecido no nº 5 do artº 71º do CIVA, uma vez que na contabilidade do sujeito passivo não existe qualquer prova de que o cliente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado imposto, donde a opção pela regularização nos termos do nº 2 do mesmo artigo, no valor de 80.460$00, não pode ser aceite (…).
(…)
III. 7. FACTURAS DOS FORNECEDORES F. II LDA, E F. LDA

III – 7.1 Facturas de fornecedores fotocopiadas e em duplicado
Fotocópias de factura do fornecedor F. , Ldª ((…)), com a designação aposta de "2ª via" a servirem de documento de suporte contabilístico (NI 598). Veja –se que nos termos do n° 4 do art.º 35 do CIVA o original da factura se destina ao cliente, e que o n° 2 do art.º 19 do CIVA, diz que só confere direito á dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, em nome e na posse do sujeito passivo. Conclui-se que o original da factura do fornecedor não está na posse do sujeito passivo. Esta situação é pois passível de correcção.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Em relação a estas facturas acrescem os seguintes factos:
a) O lançamento contabilístico foi erradamente efectuado na conta de compras 31203 pelo valor total, com IVA incluído, compensando-se o acréscimo por contrapartida da conta de fornecedores. Isto resultou num acréscimo dos custos com as compras, no valor de1.783.079$00;
b) A factura n° 1073 foi já anteriormente contabilizada em Julho (NI 498);
c) Apesar de se ter solicitado a comprovação do pagamento ao fornecedor, da factura n° 1158, este não foi provado inequivocamente.
É pois efectuada a correcção ao IVA indevidamente deduzido de 1.783.079$00, uma vez que não se tratam de documentos em forma legal, e o valor das compras é corrigido pelo valor total lançado de 12.271.779$00 (…).

III -7.2. Facturas F. II Lda, sem forma legal.
As facturas identificadas, no Anexo 9, do fornecedor F. II Lda, tem para além de impresso o número de contribuinte provisório (…), aposto um outro (…). Uma vez que este número não identifica esta empresa, e porque a empresa identificada por esse número está inactiva e consequentemente não apresenta rendimentos, e a empresa F. II ter cessado a actividade em data anterior á da emissão da factura.
Não pode nos termos do art.º 19 do CIVA deduzir-se o montante de IVA mencionado nas facturas no valor de 1.751.425$00 no ano de 1999 e de 6.336.087$00 no ano 2000.

III.7.3. Pagamentos de facturas não revelados na contabilidade e no extracto bancário.
A factura n° 1588 do fornecedor F. II, emitida em 02-10-00 com 17.647.065$00 de mercadoria e IVA de 3.000.001$00, foi apenas contabilizada em Dezembro de 2000 (NI 808), e apresenta vícios de forma na sua emissão, a soma dos valores parciais está errada e uma vez que não foi emitida de forma cronológica e sequencial (a factura n° 1994 foi emitida em 30-05-00), ofende o estabelecido no nº5 do art.º 35° do CIVA.
Para além das situações atrás descritas verificamos que na contabilidade da empresa as facturas
da empresa F. Lda, e da empresa F. II, empresas distintas, são lançadas na contabilidade na mesma conta de fornecedores 221015 - F. II, e no anexo recapitulativos de fornecedores da declaração anual, apenas se pretende referenciar uma delas F. II.
Uma vez que também a empresa F. se encontra na situação de cessada, fomos verificar na contabilidade e no extracto bancário o pagamento das facturas da F. II e da F., conferindo os duplicados dos cheques arquivados, e o desconto de cheques na conta bancária. Nesta actuação não conseguimos identificar o pagamento das seguintes facturas: F. II nº 1588 e 1994 e F. n° 1018, 1020, 1049, 1056, 1059, 1073, 1140, 1158, 1199 e 1200, (vide anexo 11).
Depois de pedida prova do pagamento destas facturas ao fornecedor, notificando o sócio-gerente, este não comprovou o pagamento das mesmas, não entregando qualquer comprovativo em relação às n.º1073, 1158, 1199 e 1200 da F. e 1158 da F. II, e apresentando em relação às nº 1059, 1056, 1140, 1049, 1020 e 1018, da F., e 1994 da F. II, fotocópias do duplicado de quatro cheques, não coincidindo dois deles em valor com as facturas respectivas:
• Cheque n° 7195024422 de 15.579.720$00 emitido a favor de "F. ",
quando é para pagamento das facturas da F. n° 1020 e 1018 num total de 15.645.240$00,
apresenta uma divergência de 65.520$00;
• Cheque n° 3795024415 de 11.675.430$00 para pagamento da factura da F. II nº 1994 de 11.722.230$00, apresenta uma divergência de 46.800$00.
Questionado sobre qual a razão da diferença, declarou que a mercadoria entregue danificada era imediatamente por ele abatida no valor do cheque. Sobre a razão de não haver a emissão quer de nota de devolução quer da nota de crédito do fornecedor, nada disse saber. Porém verificámos que as diferenças dos cheques não correspondem a qualquer mercadoria, como se pode comprovar no anexo 10 e facturas arquivadas no PET (…).
Assim o IVA dessas facturas deduzido nos termos do Art. ° 19 n° 2 do CIVA, na importância de 8.147.140$00, e valor da mercadoria de 47.924.354$00 contabilizado como custo nos termos do art.º 23º do CIRC , é corrigido no seu total, conforme anexo 9.
(…)
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Sobre os motivos e factos apresentados de seguida, importa esclarecer que, com excepção do referido imediatamente na alínea a), reportam-se todos ao ano de 2000:
a) A empresa no ano de 1999, só laborou de facto dois meses, dos erros ou omissões encontrados, verificamos que na área de negócio - vendas á retalho na loja- houve omissão de vendas de artigos do tipo "não electrodomésticos", pois conforme se apresenta no ponto V -1. o volume de vendas declarado de 43.980$00 não se coaduna com o volume de compras 3.906.889$00 e existências finais de apenas 1.918.589$00. Uma vez que a contabilidade não evidência qualquer regularização de existências, é presumida nos termos do art.º 80° do CIVA, a transmissão dos bens em falta.
b) O lançamento na conta de fornecedores em duplicado de uma factura do fornecedor F. (factura nº 1073), conforme foi referido no ponto 1II-7.1. e o consequente "acertar" no final do ano da conta corrente do fornecedor pela nota de lançamento (documento interno n° 715), demonstra a inexistência de credibilidade na contabilidade, uma vez que não é credível que se pague algo que não se deve e no valor de 6.790.329$00.
c) Controles contabilísticos ás existências
c) 1. Para verificar a eficácia do sistema de facturação e gestão de stocks utilizado pelo sujeito passivo, deslocamo-nos ás instalações da empresa. O sócio-gerente apesar de se mostrar colaborante provou a pouca consistência e veracidade dos dados existentes, uma vez que conforme se pode ver no "print" obtido sobre o controle de stocks na data de 5/07/2001120 (…), são inúmeras as quantidades de stocks negativos com valores entre -1 e -120 (…).
c) 2. Assim foi efectuado o controle às vendas, no ano de 2000, do bem "Televisor Marca Samsung modelo CB14F1T", o qual revelou que em face das existências inicias e finais e das compras, foram vendidas mais 508 unidades do que aquelas que seriam possíveis. Esta situação é mais gravosa pois em 11-09-00 o volume de vendas acima do possível, é de 814 unidades (…)
c) 3. Por forma a afastar a possibilidade de qualquer erro por parte do sujeito passivo na "facturação" do modelo de televisor, quer no momento da compra quer da venda, foi alargado o controle aos stocks de todos os televisores da marca Samsung, mas ainda assim as diferenças são por demais significativas: no final do ano temos mais 389 televisores vendidos do que o possível, e em 29-09-00 esse valor é de 789 unidades
(…)
c) 4. Sobre a situação o sujeito passivo não deu uma explicação sólida, apenas referiu que se poderia tratar de uma factura do fornecedor M. que se tivesse extraviado, não tendo sido lançada (Conforme termo de declarações, arquivado no PET, com o n° 28). Ora se assim fosse para o caso de 814 televisores modelo Samsung 14F1T, com um custo médio de aquisição de 19.720$00 estaríamos perante a omissão de um custo de 16.052.080$00 e a não dedução de IVA no valor de 2.728.854$00. A sua única existência e inclusão na contabilidade iria quer atirar as margens para valores irreais quer provocar a "perda" de um valor considerável, pela não dedução de IVA.
d) Nota de lançamento, documento interno n° 715:
d) 1. A nota de lançamento (NI 715) datada de 30-11-00, é utilizada para "acertar" uma série de contas de fornecedores, de clientes, e as contas caixa e banco, possuindo "agrafado" um conjunto de duplicados de cheques, alguns sem identificação do destinatário, e outros em que o valor é aposto á posteriori, pelo que não foi possível identificar na totalidade o seu destino e a credibilidade do seu lançamento (…)
d) 2. Esta nota foi lançada em 30-11-2000, em várias contas, por exemplo de fornecedores ficando as contas com saldos a débito de valores elevados, mais tarde com o lançamento das facturas no mês de Dezembro a conta fica espantosamente saldada. Isto pode mostrar que apesar de datada de 30-11-2000 o documento 715 foi elaborado só depois de conhecidas todas as facturas a contabilizar, isto é foi efectuado apenas no final do ano. O que podemos ver na conta de fornecedores 221015 F. II (...).
e) O sujeito passivo notificado para fazer prova do recebimento da importância referente á venda a dinheiro n° 44 a F. C. Lda no valor de 4.726.800$00. Indicou o recebimento do cheque s/BES n° 39129 no valor de 4.512.748$00. Este cheque não está referenciado na contabilidade como depositado, nem está evidenciado na contabilidade qual a razão da diferença, entre o valor da venda a dinheiro e o cheque, na importância de 214.052$00 (...).
f) Os cheques devolvidos não estão revelados na contabilidade, nem os extractos da conta bancária evidenciam quando foram depositados. Assim se passa por exemplo com o cheque de 826.000$00, que foi devolvido em 22-11-00 com a indicação de depositado em 17-10-00 (…) 26.3.13. Para além disso o sujeito passivo veio apresentar talões de depósito desses cheques, os quais não correspondem ao primeiro depósito, o depósito ORIGINAL. Esta confusão decorre do facto de ser novamente depositado o cheque devolvido, o que se retira das datas de devolução e das datas de depósito: o depósito ocorre depois da devolução, veja-se isto por exemplo na nota de devolução com o NI 274 em que a devolução ocorre em 14/3/00, e o talão de depósito que pretensamente serviu para o depósito original é de 17-03-00 (…).
g) Os levantamentos efectuados na conta bancária não estão evidenciados na contabilidade, deste modo no mês de Fevereiro de 2000, o volume de levantamentos nas conta bancária é de 43.823.740$00. Mas a contabilidade apenas revela nesse período o levantamento por contrapartida da conta caixa de 16.732.253$00 e na conta bancos 16.644.945$00, num total de pagamentos contabilizados de 33.377.198$00, daqui resulta uma diferença de 10.446.542$00, e se não levarmos em conta os pagamentos efectuados pela conta caixa obteremos uma diferença absurda de 27.178.795$00 (…).
h) O Banco Totta & Açores presta ao sujeito passivo um serviço de gestão dos cheques pré-datados emitidos pelos clientes, efectuando um adiantamento por conta dos cheques depositados. A contabilidade não mostra nenhuma destas operações, as quais são efectuadas através da conta 40134398/002, a qual apenas difere da conta, digamos normal, nos últimos três dígitos (…).
i) Existem cheques entregues por clientes que não aparecem depositados na conta bancária, exemplo do cheque s/BPI n° 73953 de 14-07-00 na importância de 1.667.250$00, emitido pelo cliente V. para pagamento da factura n° 358.
j) A contabilidade exibe talões de depósito de cheques em uma conta bancária que não está identificada, a conta n° 37567445/001 do Banco Totta & Açores, o sócio-gerente apesar de notificado para esclarecer a situação apresentando o respectivo extracto bancário, não o fez.
k) A empresa utiliza meios informáticos para a facturação, ora acontece que para além da omissão de proveitos referenciada no ponto III.5., a empresa apresentou a facturação em falta, mas em que o grafismo das facturas e vendas a dinheiro, obedeciam não ao padrão em utilização em 2000 mas ao padrão de utilização em 2001 (…).
1) Em consonância com o ponto anterior acresce que há mais saltos de numeração na facturação em que a única indicação na contabilidade é uma mera folha em branco com a designação de anulada (Factura 128 e Venda Dinheiro 37) 26.2.. Para além disso está por exemplo a factura n° 615 emitida à E. Lda, sem qualquer valor (…).
m) A emissão das facturas não obedece ao estipulado na nº5 do art.º 35 do CIVA, uma vez que não segue uma ordem cronológica (...).
(…)
n) Na contabilização das facturas emitidas apenas é utilizada a conta 21 - Clientes geral, onde são lançadas indiscriminadamente todas as facturas emitidas. Apesar do suporte informático de facturação permitir obter a facturação por clientes esta não é utilizada (…).
o) A contabilidade apresenta lançamentos que não mostram respeito pelos princípios e normas
contabilísticas. Assim o lançamento NI 595 agrupa as seguintes facturas e notas de crédito do fornecedor M.:
(…)
Anexado está, a cópia do cheque s/ BTA n° 95024493 de 20.501.669$00, emitido pelo sujeito passivo a favor da M. e descontado no banco em 02/10/00, e a com indicação do lançamento contabilístico nos valores de 705.974$00 e 19.795.695$00, porém observa-se no diário, que não foi este o movimento contabilístico. Deste modo para além do valor do cheque não corresponder á operação, este apesar aparecer descontado no extracto do Banco, não foi referenciado na contabilidade. Outra questão que aqui se põe é a não utilização da conta de fornecedores 221003 M. para a operação, uma vez que a factura aparece por contrapartida directa da conta Banco, quando na verdade até tem inscrito que se trata de "vendas crédito" (...).
p) A contabilização das facturas de fornecedores de mercadoria, são várias vezes efectuadas directamente por contrapartida da conta caixa, 111 - Caixa, ou Bancos, não indo à conta de fornecedores. (…).
q) Pelas razões anteriormente apontadas nas alíneas, n), o) e p) a contabilidade não traduz as relações financeiras e económicas com os fornecedores e clientes, para além de provocarem que por exemplo, os anexos recapitulativos de fornecedores esteja errado e que o de clientes nem sequer tivesse sido entregue
(…).
r) A empresa tem livro de notas de encomenda, porém o seu uso é insipiente e totalmente contrário a qualquer boa prática comercial e fiscal. Por exemplo há duplicados que não identificam o cliente, e faltam várias folhas de duplicados de notas de encomenda, podendo-se verificar que foram arrancadas (...).
s) A empresa adquiriu também cinco livros de guias de transporte numeradas do 1 ao 250, notificado o sujeito passivo para as apresentar não o fez (...).
Em face do exposto, a contabilidade não oferece credibilidade e não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, impossibilitando a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável nos termos da alínea a) do art.º 88° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovado pelo DL 398/98 de 17/12, pelo que, partimos para avaliação por métodos indirectos com vista a proceder à determinação dos rendimentos e do resultado obtido prevista no n.º 1 do art.º 81°, n.º 2 do art.º 83°, art. 85° e alínea b) do art.º 87° todos da LGT.

V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, a determinação desta faz-se por métodos indirectos, conforme os pressupostos para a sua aplicação evidenciados no ponto IV, tendo em atenção os critérios que se descrevem nos pontos seguintes.

V - 1. Omissão de vendas em 1999
Apesar do pouco peso que as mercadorias que não são electrodomésticos, têm no volume de negócios, observamos que existe uma divergência considerável em termos de valores, por omissão de vendas.
Como foi referido anteriormente no ponto IV alínea a), a contabilidade apresenta valores de venda (43.980$00), que em face das Existências Inicias (Zero), Compras (3.906.889$00), e Existências Finais (1.918.589$00), apontam o valor de 1.988.300$00 como custos de mercadorias vendidas, o qual é de imediato superior ao valor de vendas efectuado no período.
Conforme se pode observar no Quadro V, a margem bruta sobre o volume de vendas (MBVM) é de 6,3%, pelo que aplicando esta margem ao custos das mercadorias vendidas calculado obter-se-á presumivelmente o valor total de vendas, levando em conta o valor das vendas facturadas teremos o volume de vendas em falta e o correspondente IVA. Isto é haverá vendas omitidas de 2.069.583$00 e IVA em falta de 351.829$00 (…).
(…)
V - 2. Omissão de custos com compras em 2000
Conforme foi descrito já no ponto IV alínea c), há omissão de compras, uma vez que os documentos contabilísticos mostram que houve vendas acima da quantidade em existências, assim em 11-09-2000 observamos um saldo negativo nas existências de 814 televisores.
Deste modo há que presumir a aquisição ao longo do ano, em face do surgimento dos saldos negativos de pelo menos 814 televisores da marca Samsung modelo 14 F1T, isto é cada vez que o saldo se tome negativo há que presumir nessa data a aquisição de mercadoria para poder satisfazer o volume de vendas. Considerando o custo médio de aquisição do ano de 2000 de 19.720$00 (ver Anexo 3, compras presumidas) obtemos o valor de compras omitidas 16.052.080$00. Admitindo-se que o sujeito passivo obteve em data anterior rendimentos/proveitos de valor igual, com os quais efectuou as referidas aquisições, o impacto em termos de IRC no Resultado Líquido é nulo, pois custos iguais a proveitos.
Porém de igual modo presume-se que o sujeito passivo efectuou as compras sem a competente
emissão de factura ou documento equivalente por parte do fornecedor, não havendo pois a respectiva liquidação de IVA. Ora nos termos do art.º 72 do CIVA é o sujeito passivo adquirente é solidariamente responsável pelo pagamento do IVA que deveria ter sido liquidado na importância de 2.728.854$00

V - 3. Omissão de vendas em 2000
O controlo efectuado às existências (vide Anexo 1) apresenta no final do ano apenas falta de 508 unidades, e não as 814, donde haverá omissão de vendas pela diferença entre 508 e os 814, isto é 306 unidades. Doutro modo se chega á mesma conclusão, pois a entrada dos 814 televisores, com as subsequentes vendas facturadas, deveria originar no final do ano uma existências final de apenas 25 unidades, aquelas que foram inscritas no inventário final. Tal não acontece o saldo final é de 331 unidades, uma vez que só estão 25 em inventário, faltarão 306, as quais foram presumivelmente vendidas entre o período que mediou entre a presunção da aquisição e o final do ano.
Haverá assim pela falta de 306 televisores, os quais foram presumivelmente vendidos a 20.030$00 (preço médio de venda, ver cálculo no anexo 8) a omissão de vendas na importância de 6.129.180$00 acrescido do valor do IVA de 1.041.961$00 (vide Anexo 3).
(…)”. – Cfr. fls 1 e ss. do processo administrativo apenso (PA) que aqui se dão por integralmente reproduzidas o mesmo se dizendo para as que infra se remeterem.
2. A sociedade comercial T., Lda. apresentou reclamação das correções à reclamação não foi alcançado acordo, conforme decorre das atas 027/LGT e 027-A/LGT, para cujos teores se remete por uma questão de brevidade. – Cfr. fls. 21 e ss. e 76 ess. do PA.
3. No âmbito da reclamação foi proferida, no dia 15.07.2002, decisão pelo Diretor de Finanças de Coimbra, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, da qual se destaca o seguinte:
“(…)
Assim compete-nos decidir.
Analisados o relatório dos serviços de inspecção, a reclamação do contribuinte e considerado as posições tomadas pelos peritos nos seus laudos, concluímos o seguinte:
Na auditoria à contabilidade do sujeito passivo e à realidade da sua actividade económica, é relatado e provado, com objectividade, a verificação de situações irregulares na sua escrituração – não justificadas nem contraditadas, objectiva e concretamente, por este, no pedido de revisão, e pelo seu perito no debate contraditório -, factos, estes, dada a sua natureza, legitimantes da aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributária, por omissão de registos de vendas de mercadorias; por falta de controlo do movimento de existências; por contradição entre os valores declarados e os que resultam do controlo do movimento das mercadorias, por os inventários de existências de mercadorias se apresentarem negativos, isto é, terem saído mais quantidades das que resultam das compras mais as existências no início do ano; por omissão de registo de compras de mercadorias.
Estas irregularidades levam a que a contabilidade do contribuinte, não releve, deste modo, todos os factos determinantes ao apuramento dos seus resultados e à sua verdadeira situação patrimonial, e, por consequência, a espelhar a "exacta situação patrimonial, bem como os resultados efectivamente obtidos pela empresa", de harmonia com a alínea b), do n.º 3°, do artigo 17° , do C.I.R.C.
Do exposto, se retira a insuficiência dos elementos contabilísticos da escrita do contribuinte, inviabilizando o apuramento da matéria tributável de forma directa e exacta, como é afirmado a páginas 15 do relatório - que nos termos do n.º 1 do artigo 76° “fazem fé quando fundamentados e se basearem em critérios objectivos”, o que é o caso, ficando, assim, comprovado a impossibilidade da sua determinação por aquela forma, apresentando-se, por isso, fundamentado a realização da respectiva avaliação indirecta.
Justificada aquela, caberia ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respectiva quantificação.
Ora, tal, não se apresenta feito quer por o contribuinte quer pelo seu perito.
Para a quantificação da matéria tributável, operou, a inspecção tributária, com os elementos previstos na alínea a), do n.º 1, do art.º 90 da LGT, com as margens médias de lucro declaradas pelo contribuinte, apresentando também, deste modo, aquela, fundamentada e legal.
Não foi posto em causa, objectivamente, pois, pelo sujeito passivo, os elementos em que os serviços de inspecção se basearam para a quantificação do lucro tributável nem os cálculos e demonstrações expostos no relatório referido.
No debate contraditório não resultou qualquer ponto de acordo entre os peritos.
Nestes termos, tendo em conta todos os elementos referenciados, mantenho os valores inicialmente fixados, para efeito de I.R.C., de 9.512,20 € (…), para 1999, e de 340.718,85 € (…) para 2000 e os valores de I.V.A., que se consideram e falta, de 1.754,92 € (…), em 1999, e de 18.808,75 € (…) em 2000.
(…)”. – Cfr. fls. 90 e ss. do PA.
4. Como consequência da Inspeção referida em 1. foram emitidas as liquidações de IRC, aqui impugnadas. – Por admissão.
5. Contra as liquidações identificadas em 4., a sociedade comercial T., Lda. instaurou impugnação judicial em 26.03.2003. – cfr. Processo 50/2003 que corre termos neste Tribunal (conhecimento que advém do exercício de funções).
6. Para cobrança coerciva das liquidações impugnadas foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Tábua contra a sociedade comercial T., Lda. o processo de execução fiscal n.º 0868200301001345, o qual foi revertido para os aqui Impugnantes, na qualidade de responsáveis subsidiários. – Cfr. fls. 35 e ss. dos autos.
7. Os Impugnantes foram citados para o processo de execução fiscal referido, tendo apresentado oposição à execução fiscal em 19.10.2005, que corre os seus termos neste Tribunal sob o n.º de processo 661/05.4BECBR. – conhecimento que advém do exercício de funções.
8. Decorre do processo n.º 661/05.4BECBR que corre termos neste Tribunal que a dívida exequenda foi paga voluntariamente por Filipe Miguel Almeida Domingos no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0868200301001345, que diz respeito às liquidações impugnadas nestes autos. – conhecimento que advém do exercício de funções.

Mais se provou que,
9. A sociedade comercial T., Lda. realizou várias diligências para que a “F.” lhe emitisse notas de crédito. – Cfr. depoimento da testemunha J., que demonstrou conhecimento dos factos.
*
Na sentença recorrida consideram-se não provados os seguintes factos:

“Todos os outros, destacando-se os seguintes:
1. A impugnante encetou relações comerciais com a “F. II”.
2. A impugnante certificou a situação fiscal da “F. II” junto do SF de Tábua, nada lhe tendo sido informado que inviabilizasse os negócios efetuados.
3. Aquando da primeira transação, a impugnante exigiu à “F. II” a exibição do seu cartão de identificação de contribuinte.
4. A impugnante pagou em cheque todas as faturas emitidas pela “F.“.
5. Algumas das faturas constantes do relatório foram pagas através de cheque bancário visado, daí a ausência de meio de pagamento emitido pela impugnante.
6. As divergências verificadas entre o valor das faturas e dos cheques emitidos para o respetivo pagamento decorrem de o legal representante da impugnante abater, no valor a pagar, a mercadoria entregue danificada, abatimento esse feito pelo preço previamente combinado e não pelo preço faturado, de que resultam diferenças irrisórias.”
*
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
“A convicção do Tribunal quanto aos factos provados 1. a 4. e 6. resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
O conhecimento dos factos em virtude do exercício de funções serviu para formar a convicção quanto aos factos provados 5., 7. e 8.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário] servindo para formar a convicção quanto aos factos provados constantes da alínea 9.
Com efeito as testemunhas depuseram de uma forma isenta, clara e imparcial que nos mereceu toda a credibilidade sobre os factos que depuseram.
Foi a análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal.
A matéria de facto não provada constante nas alíneas 1. a 6. redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas inquiridas nestes autos apenas versaram sobre a empresa “F.” e nenhuma delas fez qualquer alusão à “F. II”.
Assim é que a testemunha A., motorista da “F.” durante 9 anos, referiu, ainda que de modo muito pouco claro, ser do seu conhecimento que a empresa (F.)/o patrão cessou atividade, possivelmente em 1997, mas continuou, de facto a exercê-la, indo o depoente carregar mercadoria a Espanha que entregava diretamente aos clientes. Esta cessação de atividade refere-se à “F..
As testemunhas J. e S. referiram ter diligenciado junto do Serviço de Finanças pela obtenção de informação sobre a “F.”, tendo sido informados de que tudo estava regular com esta sociedade e que o respetivo número de contribuinte estava correto. Ora, para além de nunca terem, sequer, mencionado o nome “F. II”, resulta patente dos respetivos depoimentos e, bem assim, do confronto destes com a demais documentação junta aos autos, que estas testemunhas apenas se quiseram referir à sociedade comercial “F.”. Na realidade, ainda que se possa admitir que, por qualquer razão, lícita ou não, dos registos informáticos da Administração Tributária constasse uma situação contributiva regular (da F. II), não é possível conceber que tais registos fossem manipuláveis ao ponto de neles constar como sendo desta empresa o NIPC de uma outra sociedade comercial.
Em suma, os factos relatados, convictamente, aliás, por estas duas testemunhas (de terem solicitado informação no Serviço de Finanças e do respetivo resultado) apenas fazem sentido no pressuposto, que os seus depoimentos evidenciam, de as informações terem sido solicitadas e prestadas relativamente, apenas, à “F.” e não à “F. II”.
No que concerne ao facto aludido em 4., o depoimento de testemunhas é, manifestamente, inadequado para prova facto em questão. Com efeito e como é, por todos, sabido, o pagamento prova-se através de documentos, especialmente quando, como se alega no caso vertente, tiver sido realizado através de cheque.
Relativamente ao facto referido em 5., nenhuma das testemunhas inquiridas aludiu à emissão de cheques visados. De todo o modo, mesmo o pagamento através desta via haveria de estar devidamente evidenciado na contabilidade, o que não foi aqui demonstrado.
No que respeita ao facto aludido em 6., o depoimento da testemunha J. foi vago, referindo, somente, que a assinalada divergência se devia ao facto de as faturas serem emitidas por valores diferentes dos acordados. Por outro lado, o depoimento da testemunha A. também foi hesitante sobre a matéria da divergência entre os valores dos cheques e das correspondentes faturas, não resultando claro se, de facto, se apercebia dessas divergências sendo certo, porém, que, mesmo que assim acontecesse, não dava qualquer relevo a tal facto pois “os patrões lá se entendiam”.
*
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 211.º do CPPT e tratando-se de prova documental não infirmada e de elementos constantes dos autos, adita-se à matéria de facto o seguinte:

6A – Na sequência da citação para os processos de execução fiscal referidos no ponto 6, por requerimento subscrito pelo Advogado do primeiro Impugnante (N.) e, expedido por correio registado para os serviços da AT em 04.07.2005, foi apresentado ao Sr. Diretor Distrital de Finanças de Coimbra, um «pedido de revisão» solicitando-se a não fixação adicional de imposto sobre o rendimento e de imposto sobre o valor acrescentado (cf. docs. a fls. 72 a 84 dos autos que aqui se dão para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
6B – Por despacho datado de 15.03.2007, proferido pelo Sr. Diretor de Finanças de Coimbra, foi demonstrada a intenção de vir a indeferir o requerimento referido no ponto anterior, tendo sido determinado a notificação do primeiro Impugnante para “[…] utilizar o direito de participação previsto no artigo 60º da LGT […]” (cf. doc. a fls. 176 a 177 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pelos ora Recorrentes nos presentes recursos.

Assim, relativamente ao recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública, cabe apreciar do erro de julgamento imputado à sentença recorrida no que se refere à apontada falta de fundamentação do ato consubstanciado no despacho do Sr. Diretor de Finanças, produzido na sequência do procedimento da revisão da matéria coletável e a que se faz alusão no ponto 3 da factualidade assete.

Já no que se refere ao recurso interposto pelos segundos Recorrentes, impõe-se aferir dos erros de julgamento de facto e de direito imputados à sentença recorrida. Deste modo, e quanto aos erros de julgamento de direito, os Recorrentes invocam, em suma, o erro nos pressupostos de direito no que diz respeito à desconsideração das faturas em sede de IRC por alegada falta dos requisitos formais à luz do CIVA, o erro na apreciação dos vícios da violação do princípio do inquisitório e do erro na apreciação e subsunção ao presente caso das regras subjacentes ao ónus da prova.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na qual se julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pelos ora segundos Recorrentes (na qualidade de revertidos) contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1999 e 2001 emitidas em nome da sociedade. As liquidações supra referidas resultaram de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT e da qual resultaram a aplicação de correções técnicas e métodos indiretos, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA.

Passemos, então, a analisar as questões que os ora Recorrentes invocam no presente recurso.

IV.1 - Do recurso apresentado pelos segundos Recorrentes (N. e F.)
IV.1.1 – Da invocada prescrição.

Os segundos Recorrentes iniciam o seu recurso invocando que as dívidas referentes às liquidações de IRC aqui em causa se encontram prescritas (cf. alíneas a) a g) do respetivo recurso).

A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial e com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60.): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).[…]”.

Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17).

Da prova referida na matéria de facto assente (pontos 6, 7 e 8) consta que existe um processo de execução fiscal que foi movido para a cobrança dos créditos emergentes das liquidações de IRC a que aqui se faz alusão. Todavia, apesar de se saber que ocorreu a citação dos segundos Recorrentes, não se sabe quando a mesmas aconteceram, assim como não se sabe se há notícia nos autos de outros atos processuais eventualmente promovidos no processo de execução fiscal e que pudessem ser ou suspensivos ou interruptivos quanto ao decurso do prazo prescricional.

Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição das dívidas decorrentes das liquidações aqui referidas e suscitada nas conclusões supra identificadas no presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, nomeadamente no que tange à solicitada junção aos autos em sede recursivo do mencionado processo de execução fiscal, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo da questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos processuais.

Ademais, não se pode sustentar, como se fez na sentença recorrida, que se encontra demonstrado o pagamento da dívida exequenda em sede de processo execução fiscal, o que obstaria à prescrição, uma vez que factualmente inexiste qualquer enunciação e especificação concreta daquela dívida e do seu teor ou das liquidações adicionais de IRC aqui em causa, e que permita estabelecer o apontado nexo causal a que se chegou na sentença apelada no que diz respeito ao suposto pagamento (atente-se ao teor conclusivo do facto descrito sob o n.º 8 da factualidade assente, sendo que, igualmente, tão pouco existe o suporte de prova documental necessária, quanto a eventuais factos que pudessem alicerçar a sobredita conclusão).

Deste modo, terá que se concluir como supra enunciámos, ou seja, que inexistem elementos probatórios que nos permitam aqui conhecer da apontada prescrição.

Por isso, improcede o recurso nesta parte, sem prejuízo de se julgar com fundamento distinto a questão da prescrição em relação ao julgado em primeira instância (e não quanto à sua improcedência, que aqui se mantém).

IV.1.2 – Erro de julgamento de facto e de direito.
IV.1.2.1 – Do recurso incidente sobre a matéria de facto

Nesta vertente do recurso apresentado pelos segundos Recorrentes, estes alegam, primeiramente, que se encontra demonstrada a prova da realização do pagamento das faturas em causa. Para o efeito invocam nas conclusões j) a l) do presente recurso que perante os dados do relatório de inspeção em causa e dos depoimentos das testemunhas indicadas (cujo conteúdo transcrevem parcialmente na motivação do presente recurso), se teria que considerar como provado que:
1. A empresa encetou relações comerciais com a “F. II";
2. A empresa certificou a situação fiscal da “F. II" junto do SF de Tábua, nada lhe tendo sido informado que inviabilizasse os negócios efetuados;
3. A impugnante pagou em cheque todas as faturas emitidas pela “F.”;
4. Algumas das faturas constantes do relatório foram pagas através de cheque bancário visado, daí a ausência de meio de pagamento emitido pela impugnante;
5. As divergências verificadas entre o valor das faturas e dos cheques emitidos para o respetivo pagamento decorrem de o legal representante da impugnante abater, no valor a pagar, a mercadoria entregue danificada, abatimento esse feito pelo preço previamente combinado e não pelo preço faturado, de que resultam diferenças irrisórias.
Tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se os ora segundos Recorrentes cumprem o ónus processual vertido no art.º 640.º do CPC, aplicável por força da remissão contida no art.º 281.º do CPPT (sendo aqui aplicável já o novo CPC à luz do disposto no art.º 7.º da Lei n.º 41/2003, de 26 de junho). Assim, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pág. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.
O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No que se refere à impugnação da matéria de facto, os segundos Recorrentes cumprem os aludidos ónus processuais no que tange aos meios probatórios, mas apenas no que concerne aos depoimentos prestados, sendo insuficiente, por falta de concretização, a alusão genérica que aqueles fazem quanto aos documentos que constariam do procedimento inspetivo e dos quais resultaria resultado diverso ao que foi factualmente julgado.

Assim, na motivação da matéria de facto e considerando-se que os factos que os segundos Recorrentes pretendem ver como provados foram considerados como indemonstrados na sentença recorrida, a título motivador e no que diz respeito à prova apresentada, considerou-se na sentença recorrida que:
“[…] A matéria de facto não provada constante nas alíneas 1. a 6. redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas inquiridas nestes autos apenas versaram sobre a empresa “F.” e nenhuma delas fez qualquer alusão à “F. II”.
Assim é que a testemunha A., motorista da “F.” durante 9 anos, referiu, ainda que de modo muito pouco claro, ser do seu conhecimento que a empresa (F.)/o patrão cessou atividade, possivelmente em 1997, mas continuou, de facto a exercê-la, indo o depoente carregar mercadoria a Espanha que entregava diretamente aos clientes. Esta cessação de atividade refere-se à “F..
As testemunhas J. e S. referiram ter diligenciado junto do Serviço de Finanças pela obtenção de informação sobre a “F.”, tendo sido informados de que tudo estava regular com esta sociedade e que o respetivo número de contribuinte estava correto. Ora, para além de nunca terem, sequer, mencionado o nome “F. II”, resulta patente dos respetivos depoimentos e, bem assim, do confronto destes com a demais documentação junta aos autos, que estas testemunhas apenas se quiseram referir à sociedade comercial “F.”. Na realidade, ainda que se possa admitir que, por qualquer razão, lícita ou não, dos registos informáticos da Administração Tributária constasse uma situação contributiva regular (da F. II), não é possível conceber que tais registos fossem manipuláveis ao ponto de neles constar como sendo desta empresa o NIPC de uma outra sociedade comercial.
Em suma, os factos relatados, convictamente, aliás, por estas duas testemunhas (de terem solicitado informação no Serviço de Finanças e do respetivo resultado) apenas fazem sentido no pressuposto, que os seus depoimentos evidenciam, de as informações terem sido solicitadas e prestadas relativamente, apenas, à “F.” e não à “F. II”.
No que concerne ao facto aludido em 4., o depoimento de testemunhas é, manifestamente, inadequado para prova facto em questão. Com efeito e como é, por todos, sabido, o pagamento prova-se através de documentos, especialmente quando, como se alega no caso vertente, tiver sido realizado através de cheque.
Relativamente ao facto referido em 5., nenhuma das testemunhas inquiridas aludiu à emissão de cheques visados. De todo o modo, mesmo o pagamento através desta via haveria de estar devidamente evidenciado na contabilidade, o que não foi aqui demonstrado.
No que respeita ao facto aludido em 6., o depoimento da testemunha J. foi vago, referindo, somente, que a assinalada divergência se devia ao facto de as faturas serem emitidas por valores diferentes dos acordados. Por outro lado, o depoimento da testemunha A. também foi hesitante sobre a matéria da divergência entre os valores dos cheques e das correspondentes faturas, não resultando claro se, de facto, se apercebia dessas divergências sendo certo, porém, que, mesmo que assim acontecesse, não dava qualquer relevo a tal facto pois “os patrões lá se entendiam”.[…]”

Nesta instância procedeu-se à audição dos depoimentos das testemunhas ouvidas e após a respetiva apreciação, há que corroborar o juízo motivador feito em primeira instância, apenas se corrigindo e acrescentando que as testemunhas em questão, atendendo ao teor dos respetivos depoimentos não tiveram conhecimento direto do que efetivamente relataram no que tange aos factos que agora os segundos Recorrentes pretendem dar como provados. Assim, a primeira e a segunda testemunhas ouvidas eram entidades terceiras em relação à sociedade comercial inspecionada, limitando-se, respetivamente, a elaborar as respetivas contas e a fazer o serviço administrativo conexo com esta atividade. Já a terceira testemunha era um simples funcionário da «F.» e que procedia ao serviço de entrega de mercadorias enquanto motorista e, nesta posição, não era conhecedor dos negócios subjacentes à emissão das faturas aqui em causa. Por isso, os factos relatados pelas testemunhas e a sua posição relativamente a estes, advinha-lhes de um conhecimento meramente indireto, o que fragiliza de sobremaneira a credibilidade do pouco que relataram, o que conduz a que se mantenha o raciocínio feito quanto à não demonstração dos factos supra referidos e que agora se pretendem dar como provados. Por isso, terá que improceder a recurso da matéria de facto apontado pelos segundos Recorrentes.

IV.1.2.2 - Numa segunda vertente, vieram os ora segundos Recorrentes invocar que a sentença recorrida enfermava de erro de julgamento no que diz respeito à indevida equiparação entre o regime das exigências formais das faturas então contidas no art.º 35.º do CIVA e que as mesmas não seriam transponíveis para o regime do IRC (cf. conclusões m) e n) do respetivo recurso).

Contudo, sobre esta matéria, na sentença recorrida o que se espelhou foi um raciocínio concordante com o que agora vai invocado pelos Recorrentes, sendo que este se circunscrevia apenas às meras correções técnicas. Efetivamente, na sentença apelada e no que àquelas diz respeito, referiu-se que: “[…] A jurisprudência vem, porém, aceitando que, para efeito de dedução de custos, o documento que titula a despesa não carece de cumprir todos os requisitos exigidos pelo artigo 35.º do CIVA donde que, em princípio, nada obstará à aceitação da dedutibilidade como custo fiscal de despesa mencionada numa 2.ª via de fatura.
Sucede que a inexistência do original das faturas não foi o único fundamento avançado pela Administração Tributária para justificar a não aceitação destes custos.[…]”.

A partir daquele postulado legal, veio a sentença recorrida a aduzir outras razões pelas quais não se poderiam considerar como correspondentes a operações efetivamente realizadas as faturas referidas no relatório inspetivo como sendo falsas e que não resultariam da ora alegada falta de requisitos formais das faturas à luz das regras do CIVA então vigentes.
Deste modo, não se verifica o apontado erro de julgamento aqui invocado pelos segundos Apelantes.

IV.1.2.3 – Numa terceira perspetiva do recurso apresentado pelos ora Apelantes, estes invocam a violação da regra referente ao ónus da prova e a violação do princípio do inquisitório (vide conclusões o) a q) do correspondente recurso).

Porém, no que diz respeito à apontada violação do princípio do inquisitório, os referenciados Recorrentes não se insurgem contra a sentença recorrida e o que nela vai decidido quanto à apontada questão, limitando-se a afirmar, de forma genérica a infração do referido princípio geral por parte da conduta prosseguida pela AT em sede do procedimento inspetivo. Ora, como já referimos, os recursos são meios processuais para se reagir contra uma determinada decisão jurisdicional e, assim sendo, também não são, em princípio, os meios para se questionar a atuação concreta da AT e a sua repercussão numa potencial invalidade dos atos de liquidação (excetuando-se, claro está, os vícios invalidantes que possam ser do conhecimento oficioso).

Deste modo, não nos pronunciaremos sobre a aventada questão referente à alegada violação do princípio do inquisitório.
No entanto, já quanto à violação das regras do ónus da prova, os aludidos Apelantes insurgem-se contra o decidido na sentença recorrida, tal como resulta das respetivas conclusões de recurso e relativamente às faturas tidas por falsas (devendo estas ser lidas em conjugação com a correspondente motivação recursiva).

Quanto a esta questão seguimos, na íntegra o que esta instância já decidiu no acórdão proferido no processo n.º 50/03 – Coimbra. Assim, no aresto mencionado relatou-se que:
”[…] No caso em apreço, e como se disse, a impugnante contabilizou documentos de custos (facturas) cuja dedutibilidade fiscal a Administração tributária não aceitou no entendimento de que não traduziam efectivas e reais transacções entre o emitente e a impugnante.
Para considerar simuladas as operações que tais facturas descrevem, a Administração tributária apoiou-se em factualidade relatada e constatada em sede inspectiva que a sentença considerou suficiente para legitimar as correcções dos custos por essas facturas titulados, a ver da Recorrente com manifesto erro de julgamento. Será o caso?
Compulsado o ponto III- 7 do Relatório, onde tais correcções estão vertidas, verifica-se que a inspecção tributária constatou 2ª via de facturas a servirem de suporte contabilístico (facturas 1073 e 1158 da F.); em relação às mesmas facturas, lançamento contabilístico na conta de compras pelo valor total facturado, incluído o IVA, com acréscimo do montante deste imposto (1.783.079$00) ao valor dos custos; factura 1073 já anteriormente contabilizada; facturas emitidas por sujeitos passivos (F. II e F. II) usando número de contribuinte de uma empresa na situação de inactivo ou com actividade cessada (caso da F. II); factura 1588 do fornecedor F. II emitida em 02/10/2000 e contabilizada em Dezembro do mesmo ano, apresentando erros na soma dos valores parciais e não emitida de forma sequencial (a factura 1994 do mesmo fornecedor foi emitida em 30/05/2000); facturas emitidas pela F. e F. II, sujeitos passivos diferentes, contabilizadas indistintamente na mesma conta de fornecedores; suporte dos pagamentos das facturas 1588 e 1994 da F. II e 1018, 1020, 1049, 1056, 1059, 1073, 1140, 1158, 1199 e 1200 da F., não devidamente identificados na contabilidade da impugnante, sendo que, diligenciada a comprovação dos pagamentos daquelas facturas, a impugnante não entregou qualquer comprovativo em relação às facturas 1073, 1158, 1199 e 1200 da FRISI e 1588 da F. II, apresentando em relação às facturas 1059, 1056, 1140, 1049, 1020 e 1018 da F. e 1994 da F. II “fotocópias do duplicado de quatro cheques, não coincidindo dois deles em valor com as facturas respectivas:
• Cheque n.º7195024422 de 15.579.720$00 emitido a favor de F. , quando é para pagamento das facturas da F. n.º1020 e 1018, num total de 15.645.240$00, apresenta uma divergência de 65.520$00;
• Cheque n.º3795024415 de 11.675.430$00 para pagamento da factura da F. II n.º1994 de 11.722.230$00, apresenta uma divergência de 46.800$00”,
ou seja, foram constatadas pela inspecção tributária divergências entre o emitente da factura e o destinatário do cheque e divergências entre os valores facturados e contabilizados e os correspondentes meios de pagamento apresentados.
A factualidade relatada é, no seu conjunto, suficiente e credível para pôr em causa a realidade das operações reflectidas nas facturas desconsideradas do fornecedor “F.”, destacando-se a falta de relevação contabilística dos meios de pagamento e a falta absoluta de comprovação do pagamento das facturas 1073, 1158, 1199 e 1200 da F. e 1588 da F. II, sendo que em relação às facturas 1020 e 1018 da F. e 1994 da F. II apresentam diferenças entre o sujeito emitente e o destinatário do cheque e/ ou divergência nos valores facturados e no correspondente meio de pagamento apresentado, assim como a cessação de actividade do emitente F. II antes da emissão da factura, bem como o tratamento contabilístico indistinto de dois sujeitos passivos diferentes (F. e F. II) na mesma conta de fornecedores.
Assinala-se que relativamente às facturas, quer da F., quer da F. II só foram desconsideradas aquelas relativamente às quais a impugnante não juntou o comprovativo do correspondente pagamento de modo regular, isto é, sem constatadas divergências com os valores facturados e entre o emitente da factura e o destinatário do cheque apresentado como correspondente ao seu pagamento (cf. mapa anexo ao RIT, a fls.74 do apenso instrutor).
Tendo a Administração tributária cumprido o dever que sobre si impendia de recolher indícios sérios e credíveis de que os fornecimentos descritos nas facturas desconsideradas não tiveram lugar, representando operações simuladas para efeitos de custos, à impugnante cabia demonstrar a realidade de tais operações, posto que se arroga o direito de ver reflectidos como componentes negativas do lucro tributável os montantes facturados e não pode prevalecer-se da inversão do ónus da prova uma vez afastada legitimamente a presunção de veracidade dos dados e elementos contidos na sua contabilidade – cf. artigos 74.º, n.º1, 75.º, n.º1 e 2 alínea a) da LGT e artigos 342.º, n.º1 e 350.º, n.º1, do Código Civil.
Ora, a impugnante/ Recorrente não logrou demonstrar a realidade das operações facturadas e corrigidas, nem tão pouco conseguiu com a prova produzida comprometer a credibilidade da factualidade relatada como indicativa de operações simuladas.
Com efeito e em aditamento ao que acima já se ponderou em sede factual, assinala-se que a impugnante não logrou demonstrar que tenha entabulado relações comerciais com a F. II e se tenha certificado previamente no serviço de finanças da situação fiscal regular do emitente; ou que tenha efectuado o pagamento da totalidade das facturas emitidas pela F.; ou que as facturas cujo pagamento não comprovou tenham sido liquidadas ao emitente por meio de cheques visados o que justifica a sua não apresentação; ou que, no caso concreto da factura 1994 da F. II a divergência, bem que diminuta, entre o valor facturado e o do cheque apresentado como correspondente ao seu pagamento se explique com descontos e devoluções cujas notas de crédito não foi possível obter do emitente, não obstante ter sido diligenciada.
É certo que a Administração tributária está vinculada ao princípio do inquisitório, devendo “no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” (art.º58.º da LGT).
Mas sendo tal verdade, facto é que não tem a Administração tributária de, exaustivamente, esgotar todas as possibilidades de averiguação sobre a realidade que os factos constatados já sugerem fortemente até porque sempre se poderia argumentar com a possibilidade de ir mais além na descoberta da verdade material; ponto é que a factualidade apresentada seja minimamente aceitável para convencer o tribunal de que existem fundamentos para as correcções levadas a cabo, fundamentos esses que não sendo bastante sólidos e credíveis, ou sendo o resultado de uma investigação mal realizada, inevitavelmente intensificarão, em sede impugnatória, o risco anulatório das correcções praticadas.
Nesta linha de entendimento, é o sujeito passivo quem deve expor as brechas e fragilidades da investigação e sugerir, no procedimento, a actividade que deve ser levada a cabo no apuramento da realidade dos factos indiciados, cumprindo lembrar que a lei lhe impõe o dever de colaboração (art.º59.º, n.ºs 1 e 4, da LGT) e lhe garante o direito de participação (art.º60.º da LGT), este aliás, com assento constitucional (art.º267.º, n.º5 da CRP), salientando-se que não revelam os autos que a impugnante tenha exercido o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório.
Ora, como bem se salienta na sentença, a alegação de que a Administração tributária deveria ter averiguado junto do emitente a razão de ser da falta de sequência cronológica na emissão das facturas 1588 e 1994 da F. II, bem como a circunstância de se tratar de um emitente com actividade cessada, não expõe qualquer falha decisiva na investigação que comprometa a validade dos outros indícios recolhidos quanto à simulação das operações facturadas, como a falta de comprovação dos pagamentos e, em particular, do pagamento da factura 1588 e da divergência, que a impugnante não conseguiu justificar convincentemente com a prova produzida, entre o valor da factura 1994 e o do cheque apresentado como correspondendo ao seu meio de pagamento, aliás, não devidamente relevado na contabilidade e no extracto bancário (cf. ponto III.7.3., do RIT, fls.10 do apenso instrutor).
A sentença não incorreu, pois, em erro de julgamento ao concluir que a impugnante, ora Recorrente, não cumpriu o ónus probatório que lhe competia, nos termos do art.º 74.º, n.º1, da LGT, de demonstrar a realidade das operações facturadas e que a Administração tributária agiu com erro nos pressupostos ao corrigir o custo contabilizado com facturas de fornecedores que não aceitou.
Só podem deduzir-se, para efeitos fiscais, custos efectivos, pois só esses são susceptíveis de contribuir para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, como exigido pelo n. º 1 do art.º23.º do CIRC para a sua aceitação como componente negativa do lucro tributável. […]”.
Assim, na nossa ótica, cremos que os fundamentos invocados no supra citado acórdão, tem integral transposição para a situação presente, pelo que àqueles aderimos. Tal significa que também aqui a AT cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia trazendo aos autos indícios consistes e suficientes da existência de faturação falsa e que, assim, logrou afastar a presunção de veracidade da contabilidade da empresa aqui em questão. Ora, não tendo os ora segundos Recorrentes demonstrado a existência efetiva das operações tituladas pelas faturas aqui classificadas como falsas, não cumpriram o ónus que sobre os mesmos agora impendia, à luz do disposto no art.º 74.º da LGT.
Por isso, neste ponto, terá que improceder o recurso deduzida pelos ora segundos Recorrentes.
IV.2 – Do recurso apresentado pela primeira Recorrente (RFP)
No recurso apresentado pela RFP, a mesma insurge-se contra a decisão proferida na sentença apelada, quando nesta se considerou que o despacho do Sr. Diretor de Finanças de Coimbra, referido no ponto 3 da matéria de facto assente, enfermava de falta de fundamentação.
Ora, sobre a questão da fundamentação do aludido despacho, já teve esta instância a oportunidade de se pronunciar no acórdão datado de 31.03.2016, proferido no processo n.º 50/03 – Coimbra. Assim, neste aresto e na sequência de recurso idêntico da RFP ao apresentado nestes autos, considerou-se que:
“[…] A sentença, já vê, abraçou a tese da impugnante de que tal decisão padece de falta de fundamentação.
Como decorre dos autos e do probatório [ponto A)], a impugnante foi sujeita no ano de 2001 a uma acção inspectiva abrangendo os anos de 1999 e 2000, de que resultaram correcções em sede de IRC e IVA, quer de natureza meramente aritmética, quer com recurso a métodos indirectos.
Relativamente às correcções com recurso a métodos indirectos, a impugnante, Recorrida neste, apresentou pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do disposto no art.º 91.º da Lei Geral Tributária (cf. fls.22 do apenso administrativo).
Na falta de acordo entre os peritos da Administração tributária e do contribuinte, cujos laudos constam, respectivamente, a fls.79/82 e 83/85 do apenso administrativo, o Sr. Director de Finanças por despacho n.º09/02, de 15/07/2002, a fls.91/94 do apenso, manteve os valores inicialmente fixados pela inspecção tributária.
Como decorre do disposto no n.º6 do art.º92.º da LGT, na falta de acordo entre os peritos no procedimento de revisão, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.
Na “LGT – Anotada e Comentada”, E.E., 4.ª ed., 2012, a pág.814, ponderam Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: «Esta referência às posições expressas pelos peritos e não também às expressas pelas partes no procedimento, significa que deverão ter-se em conta apenas as posições expressas pelos peritos, sendo irrelevantes as posições defendidas pelo próprio sujeito passivo e pela administração tributária no procedimento tributário, quando não tiverem sido corroboradas pelos peritos designados».
A sentença, na apreciação que fez desta questão, ponderou o seguinte:
«De acordo com o disposto no Art. 92.º n.º 6, da LGT «Na falta de acordo (…), o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente arbítrio, tendo em conta as posições de ambos os peritos». Ora, no caso vertente, “tendo em conta todos os elementos” referidos na decisão (e os elementos ali referidos foram: o relatório de inspeção tributária, a reclamação do contribuinte e os laudos lavrados pelos peritos), o Exm.º Diretor de Finanças decidiu manter os valores inicialmente propostos sem, contudo, remeter expressa e inequivocamente para qualquer dos elementos por ele considerados, mormente o relatório inspetivo ou o laudo de qualquer dos peritos.
Assim sendo, a manutenção dos valores inicialmente propostos não pode considerar-se suficientemente fundamentada, motivo pelo qual as liquidações objeto destes autos devem ser anuladas, na parte em que a matéria coletável foi determinada através de métodos indiretos, restando prejudicado os demais vícios que, nesta parte, lhes vêm apontados».
Salvo o devido respeito, não acompanhamos este modo de ver. Na verdade, o pedido de revisão assentou na falta de fundamentos para a aplicação de métodos indirectos e em errónea quantificação da matéria tributável.
Por outro lado, como se retira dos respectivos laudos, o perito da administração tributária refere expressamente corroborar totalmente a proposta de tributação para IRC e IVA constante do relatório e o perito do contribuinte, refere expressamente reafirmar tudo quanto foi alegado na reclamação apresentada.
Assim, não expressando os peritos da administração tributária e do contribuinte pontos de vista substancialmente diferentes dos apresentados ora no relatório, ora no pedido de revisão, quer quanto à aplicação de métodos indirectos, quer quanto à quantificação, não estava o Sr. Director de Finanças impedido de ajuizar com base nas posições expressas no relatório e no pedido de revisão que os peritos designados corroboraram, nem de arrimar a decisão de fixação nos fundamentos do relatório.
Como decorre do disposto no n.º1 do art.º77.º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito qua a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório de fiscalização tributária”.
Ora, tendo em conta o teor integral do despacho de fixação, que a sentença reproduz nos seus elementos essenciais no probatório, resulta evidente para qualquer destinatário médio, que a alusão que se faz, em síntese conclusiva, de que se teve em conta na decisão de manter os valores inicialmente fixados “todos os elementos referenciados”, se destina unicamente a realçar que se ajuizou com base no que consta do relatório, do pedido de revisão e dos laudos dos peritos designados, o que não prejudica, numa leitura integrada, a apreensão acessível de que se deu prevalência à fundamentação constante do relatório de inspecção, fundamentação essa que, aliás, não deixa de ser sublinhada na própria decisão nos seus aspectos mais decisivos quer do recurso à avaliação indirecta, quer da quantificação.
É certo que a impugnante, Recorrida neste, alegava também na petição inicial, falta de fundamentação do próprio relatório. E isso na medida em que a Administração tributária “não explicou as razões por que optou pelo critério constante do relatório em detrimento de outros e bem assim não explicitou o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado”.
É inquestionável que a fundamentação por remissão para “os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária” (art.º 77.º, n.º1, da LGT), não pode valer quando os actos para que se remete padeçam, eles próprios, de falta fundamentação, o que justamente a impugnante alega, mas sem razão.
Por um lado, o despacho de fixação, como se disse, não se limita a remeter para o relatório, destacando dele os seus aspectos mais decisivos; por outro, o relatório não padece de falta de fundamentação no que concerne ao critério de quantificação.
Em matéria de fundamentação da quantificação por métodos indirectos e como decorre do disposto no n.º 4 do art.º77.º da LGT, a lei impõe unicamente a indicação dos critérios utilizados nessa quantificação, de modo a que o contribuinte a possa contestar esclarecidamente, nisso se esgotando a exigência de fundamentação formal.
Ora, como se retira do ponto V do relatório (cf. fls.16/18 do apenso), aliás transcrito no probatório na parte relevante, o critério seguido na quantificação das vendas omitidas foi o da margem média de lucro declarada pelo contribuinte, que se arrimou, como expressamente se refere no despacho de fixação da matéria tributável, na alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º, da LGT.
As razões por que a Administração tributária elegeu esse critério em detrimento de outros também consentidos pela lei e previstos nas restantes alíneas daquele n.º 1 do art.º90.º da LGT, ou por que não equacionou também outros critérios ali previstos, não integram a fundamentação formal do acto.
Se o critério seguido não é afinal o mais seguro para permitir, no caso, determinar com mais rigor a matéria tributável, ao contribuinte cabe pôr em causa a validade do critério de quantificação que lhe é dado a conhecer, demonstrando que do mesmo resultou uma matéria tributável que se afasta, manifesta, notória e grosseiramente, da sua realidade tributária (artigos 83.º, n.º2 e 85.º, n.º2 da LGT).
Numa outra perspectiva, o que se passa é que a impugnante, Recorrida neste, também se não conforma com a relatada omissão de vendas, que a seu ver inexiste e está na base da quantificação operada por via indirecta. Mas isso é questão que respeita à fundamentação material, a eventual erro nos pressupostos, de facto e de direito, vício que a verificar-se deixa intocada a validade da fundamentação formal vertida no despacho de fixação e no precedente relatório de fiscalização em que se apoiou.
A sentença incorreu pois em erro de julgamento na apreciação que fez da fundamentação da decisão do Sr. Director de Finanças, de fixação da matéria tributável, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso da Fazenda Pública. Impugnantes no presente meio processual de impugnação).[…]”

Na presente situação, são integralmente transponíveis os fundamentos e conclusões vertidos no acórdão supra referido e proferido nesta instância.

Com efeito, tratando-se aqui do mesmo ato também consideramos que ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, o mesmo não padece da falta de fundamentação que lhe foi imputada pela sentença recorrida.
Por isso, terá que proceder o recurso apresentado pela RFP.

IV. 3 – Das demais questões não conhecidas em sede impugnatória.

Recorde-se que na sentença recorrida e como já tivemos ocasião de aludir, na procedência do imputado vício de falta de fundamentação, considerou-se que se encontrava prejudicada a análise dos demais vícios invocados pelos então Impugnantes (ora segundos Recorrentes).

Nesta senda e porque os demais vícios não foram objeto de apreciação, cabe a esta instância se pronunciar sobre os quais não houve expressa análise (n.º 2 do art.º 665.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT).

Os segundos Recorrentes invocaram em sede de petição inicial que as liquidações de IRC aqui em causa, haviam sido proferidas sem que lhes tivesse sido reconhecido o direito a apresentarem o pedido de revisão oficiosa da matéria coletável, matéria sobre a qual não houve pronúncia na sentença recorrida (cf. artigos 2.º a 22.º da p.i.).

Assim, resulta dos autos que os referidos Recorrentes se encontram aqui a pleitear na sequência de terem sido demandados como revertidos em processos de execução fiscal assentes nas dívidas emergentes das liquidações de IRC a que aqui se faz referência. Também dos autos resulta que a principal devedora e sujeito passivo do IRC aqui em causa, apresentou o pedido de revisão da matéria coletável, assim se cumprindo aqui a exigência contida no n.º 5 do art.º 86.º da LGT.

Ora, como se decidiu e sumariou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, datado de 17.03.2011, proferido no recurso n.º 0876/09: “O responsável subsidiário pode formular pedido de revisão da matéria colectável apurada através de métodos indirectos na sequência da sua citação no processo executivo, data a partir da qual se deve contar o prazo de trinta dias previsto para o efeito no n.º 1 do artigo 91.º da LGT.”

Porém, a preterição da referida possibilidade a que se faz alusão no acórdão do STA citado, em princípio apenas se poderá projetar na validade dos atos que lhe sejam posteriores e que não respeitem ao referido direito do revertido a lançar mão a um pedido de revisão da matéria coletável.

Na presente situação, os atos tributários recorridos são anteriores à própria reversão, pelo que a alegada preterição daquilo a que os segundos Recorrentes (então Impugnantes) enquadraram como um «direito à revisão da matéria coletável», não pode ter qualquer efeito invalidante das liquidações que lhe são bem anteriores. Efetivamente e em geral, a invalidade dos atos pressupõe que hajam defeitos genéticos ou contemporâneos dos mesmos e/ou do procedimento que os sustenta e que poderá vir a determinar a declaração da respetiva invalidade. Quanto muito se poderá discutir em sede própria, se a suposta preterição de tal «direito à revisão», se consubstanciou em posterior ato passível de qualquer forma de impugnação (questão referente a potencial invalidade de outro ato a emanar), ou, até, se na ausência deste ato, os efeitos dos atos de liquidação aqui em causa se podem estender aos ora segundos Recorrentes (estando, nesta última hipótese, em causa um potencial problema de eficácia e não de invalidade). De todo modo, numa ou noutra hipótese, tal terá que ser invocado à luz da conformação concreta de cada caso e dentro do figurino processual devido.

Mais se diga, que no caso presente e como resulta da matéria de facto aditada nesta instância, sequer se encontra demonstrado que tenha havido qualquer ato que tenha negado o tal «direito à revisão» por parte dos segundos Recorrentes enquanto revertidos (ato que, como se disse, teria que ser absorvido ou integrado no procedimento e nas liquidações recorridas, o que aqui não sucede).

Deste modo, terá que improceder a presente impugnação no que tange à invocada infração ao direito de requerer o pedido de revisão da matéria coletável.

Também, no que diz respeito às questões levantadas em sede impugnatória e referentes ao erro nos pressupostos na aplicação dos métodos indiretos e quanto à quantificação da matéria coletável, igualmente fazemos nossos os fundamentos e conclusões extraídos no acórdão supra referido desta instância (processo n.º 50/03 – Coimbra) e no qual se relatou que: “[…] Para recorrer à avaliação indirecta, a inspecção tributária estribou-se, de direito, na alínea b) do art.º 87.º da LGT, prevendo essa alínea que a mesma tenha lugar, para além dos outros casos taxativamente previstos nas outras alíneas do mesmo preceito, por “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.
Não discutindo a fundamentação formal de direito, alega a impugnante que, todavia, se fica sem saber qual ou quais os pontos concretos que a inspecção tributária considerou como violados e para que remete aquela norma. Será assim?
A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (art.º 85.º, n.º 1, da LGT). Nessa medida e atenta a clara preferência do legislador pelo método declarativo, a lei sujeita a decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos a uma especial exigência de fundamentação em ordem a um eficaz controlo jurisdicional da sua utilização pela Administração tributária e prevenção da sua utilização abusiva, isto é, fora dos casos em que verdadeiramente se justifique (art.º81.º, n.º1, da LGT), dispondo o n.º 4 do art.º77.º que “A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.
Descendo aos autos e concretamente ao relatório de inspecção tributária, de 19/11/2001, dele resulta com relação ao exercício de 1999, a constatação de um volume declarado de venda de 219,37€ (43.980$00) para um custo de existências vendidas e consumidas de 9.917,60€ (RIT, fls.12 do apenso); para 2000, a constatação de inúmeros stocks negativos de existências. No caso particular dos televisores da marca Samsung modelo CB14F1T revelou o sistema de facturação analisado que em face das existências iniciais, finais e as compras, foram vendidos mais 508 televisores. Alargado o controlo a todos os televisores da marca Samsung, a análise revelou 389 aparelhos vendidos a mais no exercício, sendo que a diferença se apresenta de 789 unidades se reportada a Setembro do mesmo ano.
Também refere o relatório que o livro de notas de encomenda da impugnante contém duplicados que não identificam o cliente e há folhas em falta que evidenciam ter sido arrancadas do livro; bem como a não apresentação pela impugnante, após notificação para o efeito, dos cinco livros de guias de transporte adquiridos à tipografia Tabuense, conforme factura contabilizada.
Para além das anomalias e incorrecções detectadas na contabilidade a nível dos fluxos reais, também se apuraram irregularidades ao nível dos fluxos financeiros.
Assim, refere o relatório cheques entregues por clientes que não aparecem depositados na conta bancária da impugnante, exemplificando com o emitido pelo cliente “V.” na importância de 1.667.250$00 para pagamento da factura n.º 358; a contabilidade exibe talões de depósitos de cheques numa conta bancária não identificada, nada tendo o sócio-gerente esclarecido, nem apresentado extractos bancários que reflictam o lançamento daquelas importâncias em contas da empresa.
A factualidade descrita no relatório, nomeadamente a que acabamos de destacar, revela a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade, bem como traduz a recusa de exibição da contabilidade e documentos legalmente exigidos, em termos de comprometer o apuramento da matéria tributável com base na declaração e nos dados decorrentes da contabilidade (art.º88.º, alíneas a) e b), da LGT).
Com efeito, não se vê como se poderia aceder a valores exactos da matéria colectável partindo da contabilidade do contribuinte perante a constatação das anomalias, incorrecções e irregularidades descritas, de que faltam no respectivo livro notas de encomenda; as guias de transporte não são apresentadas; há cheques entregues por clientes que a contabilidade da empresa não reflecte; há talões de depósitos de cheques em contas bancária estranhas à empresa; são inúmeras as quantidades constatadas de stocks negativos.
Se foram erradamente valorados os factos constatados em sede inspectiva e, afinal, os motivos avançados pela Administração tributária para o recurso a métodos indirectos encontram outra explicação que deixa intocada a credibilidade dos elementos declarativos e de contabilidade, a verdade é que a impugnante deles não logrou convencer este Tribunal com a prova produzida e o ónus era seu.
No que em particular respeita às quantidades constatadas de stocks negativos, salienta-se que o lançamento nos stocks deveria ser feito com base nas guias de transporte ou de remessa, pelo que o argumento da emissão e processamento posterior da correspondente factura se permite explicar o lançamento contabilístico “um mês ou mês depois” (depoimento do técnico de contas da empresa, Jorge Alexandre Soledade Marques), não permite explicar as faltas detectadas no armazém e nas existências, uma vez que as entradas são registadas com base na guia de remessa.
E se as guias de remessa ou de transporte conciliam com as facturas processadas posteriormente (depoimento da mesma testemunha), sendo que haviam vendas a clientes efectuadas antes do processamento da factura do fornecedor, a verdade é que não revelam os autos que as guias de transporte tenham sido apresentadas de modo a que se pudesse comprovar se, independentemente do registo de entrada em armazém dos bens fornecidos, nunca teriam ocorrido vendas desses bens em situação de stocks negativos aferidos pelas quantidades fornecidas e reflectidas nas tais guias de transporte.
Salienta-se que dos depoimentos prestados, que ouvimos, de J., A. e S., nada resultou que suporte minimamente a restante matéria alegada na douta p.i. para pôr em causa a avaliação da factualidade relatada como indicadora de fluxos reais e financeiros à margem da contabilidade, à excepção da conta de cheques pré-datados que reflecte o adiantamento do banco por conta do valor dos cheques (pré-datados) sendo o encontro com a conta dita “normal” feito quando e se cobrado o remanescente, ponto este que pese embora esclarecido pelas testemunhas não compromete o valor indiciário da restante factualidade. […]”

Assim, em uníssono com o supra decidido, consideramos que também aqui não ficou demonstrada a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e que conduziram à aplicação de métodos indiretos.

Por outro lado, e na esteira do decidido no acórdão supra citado, também consideremos que não se podem ter por verificadas quaisquer razões factuais e legais que nos façam concluir pelo erro na quantificação concretamente apurada. Com efeito, como se decidiu no acórdão supra mencionado: “Ora, no que ao eventual excesso na quantificação da matéria tributável respeita, as alegações da Recorrente limitam-se a ser genéricas e inconclusivas, não se alicerçam nem em factos nem em depoimentos inequívocos, pelo que poderiam contribuir, quando muito, para suscitar a dúvida sobre se não haverá algum excesso, não sendo, contudo, suficientes para criar a convicção de que o valor apurado para a matéria tributável é efectivamente excessivo radicando tal excesso na falta de ponderação de quaisquer custos na obtenção dos proveitos presumidos.
Mas sendo assim, ou seja, persistindo a situação de non liquet quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da Recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso (art.º 74.º n.º3, da LGT), nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela Recorrente e vertidos no probatório.[…]”

Por isso, quanto a estas duas questões, também terá que improceder a presente impugnação.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I – A decisão de tributação por métodos indiretos terá que enunciar e especificar os fundamentos da impossibilidade da comprovação e quantificação exata da matéria tributável, assim como os critérios utilizados na avaliação desta, tal como resulta do n.º 1 do art.º 77.º da LGT.

II – A decisão proferida no âmbito do processo de revisão e que cumpra designadamente as exigências contidas no n.º 6 do art.º 92.º da LGT, assentando na posição dos peritos e no relatório de inspeção tributária, não padecerá de falta de fundamentação por se encontrar escorada nestes e sem adiantar novos fundamentos.

III – No artigo 75º, nº 1 da LGT estatui-se que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.

IV – A presunção do n.º 1 do art.º 75.º da LGT cessa, nomeadamente, se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).

V – Apurando os serviços de fiscalização da AT a existência de indicadores factuais suficientes que lhe permitem abalar a presunção de veracidade das operações tituladas por faturas falsas, caberá ao contribuinte a prova da realização as operações em causa.

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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em:
1) negar provimento ao recurso apresentado pelos segundos Recorrentes;
2) conceder provimento ao recurso apresentado pela RFP,
3) revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação improcedente.
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Custas pelos segundos Recorrentes.
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Porto, 29 de abril de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Ana Patrocínio