Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00302/10.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/05/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILÍCITO
QUEDA DE ÁRVORE
ARTIGO 493.º DO C.CIVIL.
Sumário:I- O artigo 493.º do Código Civil consagra uma presunção de culpa sobre quem tem o dever de vigiar coisa móvel ou imóvel, que tenha sido origem dos danos sofridos por terceiro, que pode ser afastada mediante a prova da inexistência de culpa ou da demonstração de que os danos se teriam produzido do mesmo modo, mesmo sem culpa.
II- A solução normativa contida no artigo 493.º do Código Civil aplica-se igualmente à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos.
III- Tendo-se provado que foi a queda da árvore que determinou causalmente os prejuízos sofridos pelo autor, era ao réu que se impunha, enquanto entidade que tinha o dever de vigilância sobre o estado fitossanitário da aludida árvore, para que a mesma não causasse ilicitamente danos a terceiros, o ónus de provar que manteve sobre a dita árvore, a vigilância e o cuidado exigível a um bonus pater familias na sua circunstância ou que a queda da mesma sempre ocorreria qualquer que fosse o seu cuidado.
IV- Não o tendo feito, é o réu responsável pelos prejuízos sofridos pelo autor em consequência da queda da dita árvore.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:VMAR
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1.RELATÓRIO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 30/01/2014, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa comum, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito [queda de uma árvore], intentada por VMAR, residente …, condenando o Estado português a pagar ao autor a, título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da queda de uma árvore sobre o seu veículo automóvel, a quantia de €8.724,26, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
**
O Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO alegou, e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:
«1ª) Constituem requisitos/pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado que se pretende efectivar na presente acção o (f)acto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
2ª) Sucede, desde logo, que a matéria de facto considerada assente na douta sentença recorrida não permite dar como verificada a actuação ilícita do Estado;
3ª) Na verdade, não tendo o Autor logrado demonstrar - ­como lhe competia, de acordo com as regras do ónus da prova - que a árvore aqui em causa se apresentava - como havia alegado ­- sem preservação e com problemas ao nível do acondicionamento e enraizamento (art° 2° da base instrutória) -, afastada fica a verificação do aludido requisito, indispensável, também ele, à emergência da invocada responsabilidade civil do Estado;
4ª) Sendo que, ao assim não considerar, violou a Mª Juíza, por erro de interpretação, as normas contidas nos arts 7°, n°1 e 9°, n°1 da Lei n° 67/2007, de 31/12;
5ª) Sem prejuízo, ao conferir, nos termos em que o fez, resposta restritiva ao quesito 3º da base instrutória e respostas negativas aos subsequentes quesitos 26º, 28º e 30°, incorreu a Mª Juíza recorrida, salvo o devido respeito, em erro de julgamento, porquanto a correcta apreciação/valoração da prova produzida e atendível no âmbito da presente acção impunha se assentasse toda a correspondente factualidade;
6ª) Afigurando-se que:
i) O assentamento da matéria do falado quesito 3° da base instrutória se impunha em face dos acima transcritos depoimentos das testemunhas JR (1.28.43s - 1.29.10s), JRd (4.23.32s - 4.24.32s) e CA (5.16.24s ­5.17.24s);
ii) O assentamento da matéria dos quesitos 26° e 30° da base instrutória se impunha em face dos acima transcritos depoimentos das testemunhas MOP (3.56.56s ­4.04.09s), JN (4.40.00s - 4.41.16s e 5.03.15s - 5.08s) e CA (5.18.34s - 5.19.26s e 5.26.32s - 5.29.27s), relevando, do mesmo passo, a por eles afirmada coadjuvação dos competentes serviços camarários;
iii) O assentamento da matéria do quesito 28° da base instrutória se impunha em face do teor dos acima transcritos depoimentos das testemunhas JM (3.27.10s - 3.37.52s), MOP (3.56.10s - 3.56.49s), JRd (4.24.38s - 4.24.55s, 4.25.38s - 4.25.43s e 4.29.29s - 4.29.31), JN 4.40.00s - 4.41.21s) e CA (5.14.57s - 5.15.29s);
7ª) Acresce que, por se tratar de matéria (i) alegada na contestação do Réu, (ii) com interesse para a boa decisão da causa e (iii) e relativamente à qual foi produzida, em audiência de julgamento, prova testemunhal que atesta e confirma, deveria a Mª Juíza recorrida ter considerado - em observância do disposto no art° 5°, n° 1 do NCPCivi1 - e relevado na sentença, como factualidade assente, a vertida nos arts 5°, 9°, 16° e 18º daquele articulado;
8ª) Impondo, a nosso ver, o assentamento de tal matéria os depoimentos prestados pelas testemunhas JR (1.26.30s -1.39.59s), JM (3.27.10s - 3.27.57s e 3.28.36s -3.­30.30), MOP (4.01.59s - 4.04.09s), JRd 4.23.32s - 4.29.31s), JN (4.40.00s - 4.41.27s e 4.41.34s - 4.41.50s) e CA (5.14.50s - 5.15.29s, 5.16.15s, 5.17.13s - 5.17.37s, 5,21.02 - 5.24-01, 5.30.09s - 5.30.35s e 30.38s - 5.31.14s), conjugados, na parte referente à afirmada situação atmosférica, com a matéria elencada na douta sentença recorrida nos pontos G e H dos factos provados;
9ª) Sendo certo que a não inclusão da sobredita matéria na base instrutória foi, oportunamente, objecto de reclamação e que se requereu na audiência de julgamento a relevação da mesma cfr. gravação: 5.55.06s — 5.56.20s);
10ª) De tal conjunto de elementos probatórios, devidamente ponderado e valorado à luz das regras da experiência comum, resultando, além do mais, que a árvore aqui em causa apresentava bom estado fitossanitário, se encontrava firmemente implantada, bem conservada, tratada e enraizada, que a vigilância que o Réu Estado exercia sobre ela era adequada e satisfatória, que nada fazia prever a sua queda, mesmo em condições atmosféricas adversas, e que tal evento se ficou exclusivamente a dever à concorrência de elementos atmosféricos anormais/insólitos e não domináveis pelo homem, que incidiram sobre ela, arrancando-a pela raiz;
11ª) E, consequentemente, que se não verificou, no caso, nem actuação ilícita, nem actuação culposa do Réu Estado;
12ª) Neste entendimento,
deverá a douta sentença recorrida ser revogada e modificada em conformidade com o que aqui se deixou dito e absolver-se, subsequentemente, o Réu Estado do contra ele formulado pedido, por não verificados, "in casu", os requisitos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual onde o mesmo se pretendia estribar/fundamentar»
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O Recorrido apresentou contra alegações, e enunciou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
«
A) BEM ANDOU O TRIBUNAL A QUO A DECIDIR COMO DECIDIU, PORQUANTO FACE AO QUE FICOU PROVADO OUTRA NÃO PODIA SER A DECISÃO, TENDO-SE PRONUNCIADO SOBRE TODAS AS QUESTÕES QUE FORAM LEVADAS AO SEU CONHECIMENTO, FUNDAMENTANDO A SUA DECISÃO PERANTE O QUE FOI ALEGADO PELAS PARTES E PERANTE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS E FACE À PROVA PRODUZIDA E CRITICAMENTE APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO;
B) NÃO SE VIOLOU, DESTARTE, QUALQUER NORMATIVO.
C) NÃO INCORREU A SENTENÇA EM ERRO DE JULGAMENTO COMO ALEGADO NO RECURSO.
D) O AUTOR CUMPRIU COM O ÓNUS DA PROVA QUE LHE INCUMBIA, NÃO TENDO, AO INVÉS, O RÉU PRODUZIDO PROVA QUE PERMITISSE ILIDIR A PRESUNÇÃO QUE SOBRE SI IMPENDE, COMO JÁ HAVIA OCORRIDO NOS DOIS OUTROS PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE FOI CONDENADO PELO MESMO FACTO MAS A OUTROS LESADOS.
E) FICOU BEM PATENTE QUE O TRIBUNAL AD QUO TOMOU EM CONSIDERAÇÃO TODOS OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS BEM COMO O TESTEMUNHO PRESTADO PELAS TESTEMUNHAS, E A PROVA DOCUMENTAL JUNTA AOS AUTOS.
F) O ESTADO RÉU JÁ FOI CONDENADO EM DOIS PROCESSOS AUTÓNOMOS (QUE CORRERAM TERMOS NO TAF DE PENAFIEL) POR DANOS PROVOCADOS PELA MESMA ÁRVORE NO MESMO DIA E MESMA HORA, PELO QUE TENDO EM CONTA QUE A PROVA PRODUZIDA E A QUESTÃO DE DIREITO É A MESMA, NÃO SE MOSTRA COMO SERIA POSSÍVEL NESTES PRESENTES AUTOS A SENTENÇA SER DIFERENTE DAQUELA QUE FOI PROFERIDA.
G) O ESTADO DEVE SER CONDENADO, NÃO SÓ PORUQE NÃO AFASTOU A PRESUNÇÃO LEGAL QUE SOBRE SI IMPENDIA MAS CLARAMENTE PORQUE NÃO AGIU COMO DEVIA NA FISCALIZAÇÃO DO ESTADO FITOSSANITÁRIO DA ÁRVORE MAS TAMBÉM PORQUE MEDIANTE OS AVISOS DE MAU TEMPO NÃO ACAUTELOU O ESTADO DA MESMA.
H) DEVERÁ IMPROCEDER, POR FALTA DE FUNDAMENTO, QUER DE DIREITO QUER DE FACTO, TENDO EM CONTA A PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS E OS CONCRETOS MEIOS DE PROVA INDICADOS NESTAS CONTRA-ALEGAÇÕES, O RECURSO APRESENTADO, PELO QUE OS FUNDAMENTOS (DE DIREITO E DE FACTO) DA DOUTA DECISÃO RECORRIDA SEMPRE DEVERÃO MERECER INTEGRAL ACOLHIMENTO, CONFIRMANDO-SE A DOUTA SENTENÇA.
COM O QUE FARÃO V. EXAS.
INTEIRA E SÃ,
JUSTIÇA!».
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2.QUESTÕES DECIDENDAS-DO OBJETO DO RECURSO.
As questões suscitadas pelo ora Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional serão apreciadas no respeito pelos parâmetros estabelecidos, para tal efeito, pelos artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi no art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelo Recorrente, as questões suscitadas que cumpre decidir, cifram-se em saber se a decisão judicial recorrida enferma de:
I- Erro de julgamento sobre a matéria de facto.

II- Erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da errada interpretação das normas contidas nos arts 7°, n°1 e 9°, n°1 da Lei n° 67/2007, de 31/12.


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3.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1.MATÉRIA DE FACTO
Independentemente do objeto do recurso, na parte em que versa sobre a reapreciação da matéria de facto, que adiante conheceremos, deixamos transcritos, desde já, os factos que a 1.ª instância deu como provados:
A) O Autor é o dono do veículo ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula 00-00-MV - Cfr. fls. 61 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) No dia 22/03/2008, cerca das 14h 45m, o MV encontrava-se estacionado no parque de estacionamento contíguo à escola EB 2/3 de P..., sita na Rua AA, cidade de P... – facto admitido por acordo.
C) O MV, bem como outros veículos aí estacionados, naquela data e hora, foram atingidos por um pinheiro de grande porte situado no interior do recinto escolar - facto admitido por acordo.
D) No dia 22/03/2008, estiveram presentes na Rua AA, cidade de P..., elementos da protecção civil da Câmara Municipal de P..., os Bombeiro Voluntários de P..., bem como elementos da Polícia Municipal de P... - Cfr. fls. 22 e 23 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) A edição do Jornal de Notícias de 20 de Março de 2008 anunciava para o fim-de-semana – compreendendo o dia 22/03 – a previsão de ventos fortes - Cfr. fls. 25 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) O Instituto Nacional de Meteorologia, em 19/03/2008, avisava que para o período da Páscoa de 2008 (compreendido entre 21 de Março a 23 de Março), se esperava para todo o continente, a partir de sexta-feira dia 21, vento a soprar de Norte “com intensidade nas terras altas” - Cfr. fls. 26 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Em 02/04/2008, o Autor assinou uma carta com o seguinte teor:
“Ex.ma Senhora Presidente da Comissão Instaladora
Eu, VMAR, […] venho por este meio expor a V. Ex.a o acidente ocorrido no passado dia 22 de Março de 2008, pelas 14:45 com a minha viatura: Volkswagen Golf com a matricula 00-00-MV, no parque de estacionamento contiguo à Escola EB 2.3 de P.... Por volta da hora referida, em consequência de uma situação atmosférica insólita, um pinheiro situado no interior do recinto escolar, tombou sobre o meu veículo, causando-lhe estragos diversos, do qual apresentou orçamento para reparação e fotografias do estado em que a viatura ficou. Esta viatura é absolutamente indispensável para a minha vida pessoal e profissional” - Cfr. fls. 24 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

H) O Instituto de Meteorologia certificou que, no dia 22 de Março de 2008 e na cidade de P..., “o vento tenha soprado moderado (15 a 35 km/h) a forte (36 a 55 km/h com rajadas” verificando-se condições que “a intensidade máxima instantânea do vento tenha atingido valores de 70 a 80 km/h”, “a quantidade de precipitação acumulada durante este dia tenha sido de 5 a 7 mm” e “a quantidade de precipitação acumulada durante este dia tenha sido de 5 a 7 mm” e “a quantidade máxima de precipitação em 10 minutos tenha atingido valores de 1 a 2 mm” correspondendo aquela dia a uma situação de “mau tempo”, com vento de “intensidade relativamente elevada e sobretudo rajadas que, pontualmente foram fortes” - Cfr. fls. 48 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Quando o pinheiro referido em C) caiu, fazia-se sentir vento forte – cfr. resposta ao quesito 1.º da base instrutória.
J) Quando o pinheiro caiu sentia-se vento forte acompanhado de chuva - cfr. resposta ao quesito 27.º da base instrutória.

K) Provado apenas que quando o pinheiro caiu estava vento forte – cfr. resposta restritiva ao quesito 3.º da base instrutória.

L) Provado apenas que na Rua AA, cidade P..., não caíram quaisquer árvores, além do pinheiro em causa nos presentes autos - cfr. resposta restritiva ao quesito 4.º da base instrutória.

M) Ao atingir o MV o pinheiro causou estragos no capot, pára-choques, pára-brisas, grelha frontal, ópticas frontais (onde se inclui os piscas laterais), guarda-lamas direito e esquerdo, frisos, portas esquerda e direita, pilares, tablier, consola central, estrutura lateral direita e esquerda do veículo, porta da mala, assentos, volante, vidros, lâmpadas - cfr. resposta ao quesito 5.º da base instrutória.

N) Para a reparação do veículo do Autor tornou-se necessário custear o pagamento dos quites de reparação dos vidros, aplicar juntas, frisos e activadores dos vidros, bem como proceder à pintura das peças - cfr. resposta ao quesito 6.º da base instrutória.

O) Para a reparação do MV, o Autor teria de despender, em 2008, a quantia de € 7.121,54 acrescido de IVA à taxa de 21%, no total de € 8.617,06, e actualmente o valor/hora da mão-de-obra ascende a € 26,70 - cfr. resposta explicativa ao quesito 7.º da base instrutória.

P) O orçamento para a reparação do MV datado de 01/04/2008 foi emitido por “AMG” apesar de no orçamento constar “AMG, Lda.” - cfr. resposta explicativa ao quesito 8.º da base instrutória.

Q) O Autor ainda não efectuou a reparação do MV por dificuldades financeiras - cfr. resposta ao quesito 9.º da base instrutória.

R) A reparação do MV demorará 20 dias úteis - cfr. resposta ao quesito 11.º da base instrutória.

S) O Autor sofreu escoriações e dores - cfr. resposta ao quesito 14.º da base instrutória.

T) Pelas quais foi assistido no Hospital PA de Penafiel - cfr. resposta ao quesito 15.º da base instrutória.

U) O autor pagou a taxa moderadora do episódio de urgência no valor de € 8,20 - cfr. resposta restritiva ao quesito 16.º da base instrutória.

V) Desde a queda do pinheiro, o Autor ficou incapaz de estar no interior de qualquer veículo estacionado num parque com árvores - cfr. resposta ao quesito 18.º da base instrutória.

W) E incapaz de falar com naturalidade quando relata a queda do pinheiro -cfr. resposta ao quesito 19.º da base instrutória.

X) O Autor reclamou os estragos junto da Câmara Municipal de P... - cfr. resposta ao quesito 20.º da base instrutória.

Y) A Câmara Municipal de P... indicou que o Autor devia dirigir-se à Escola EB 2/3 de P...-cfr. resposta ao quesito 21.º da base instrutória.

Z) Provado apenas que o Autor dirigiu-se à referida Escola e, uma vez no local, assinou uma carta cujos funcionários da Escola EB 2/3 de P... ajudaram a redigir - cfr. resposta explicativa ao quesito 22.º da base instrutória.

AA) A qual depois seguiria para o Ministério da Educação - cfr. resposta explicativa ao quesito 23.º da base instrutória.

BB) As palavras “situação atmosférica insólita” foram introduzidas na carta pelo funcionário da escola que ajudou a redigi-la por ser a linguagem mais adequada à situação relatada pelo Autor não tendo este questionado aquela linguagem que a assinou- cfr. resposta explicativa ao quesito 24.º da base instrutória.

CC) Provado apenas que na semana em que ocorreu a queda do pinheiro houve chuva e ventos, tendo sido publicados os avisos referidos nos pontos E) e F) do probatório - cfr. resposta restritiva ao quesito 25.º da base instrutória.

DD) Provado apenas que o pinheiro foi objecto de vigilância por parte de dois funcionários da Escola EB 2/3 de P... sem formação específica na área - cfr. resposta restritiva ao quesito 29.º da base instrutória.

EE) O veículo do Autor é do ano de 1999 - cfr. resposta restritiva ao quesito 31.º da base instrutória.

FF) Provado que o valor venal do veículo 00-00-MV à data do acidente ascendia a € 6.000,00 - cfr. resposta restritiva ao quesito 32.º da base instrutória.

GG) O pinheiro em causa nos presentes autos caiu danificando diversas viaturas, sendo que o TCA Norte já se pronunciou sobre a responsabilidade do Estado Português no âmbito de acção intentada por um dos lesados que correu os seus termos neste TAF sob o n.º 413/09.5BEPNF por acórdão de 23/09/2011 (não publicado) – cfr. SITAF - facto que ao Tribunal é lícito conhecer por o conhecimento advir do exercício das funções (cfr. art.º 3.º, n.º 2, c) do NCPC).

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De igual modo, deixamos transcritos, os FACTOS que o Tribunal a quo deu como NÃO PROVADOS:
«1) O pinheiro apresentava-se sem preservação, com problemas ao nível do acondicionamento e enraizamento – Quesito 2.º da base instrutória.

2) À data da queda do pinheiro, inexistia qualquer doença ou praga que o enfraquecesse ou pusesse em causa a sua firmeza, nomeadamente, no tronco, ramos e folhas - Quesito 28.º da base instrutória.

3) A Escola EB 2/3 de P... conhecia o estado do pinheiro que caiu - Quesito 26.º da base instrutória.

4) Apesar da reparação, o MV sofrerá uma desvalorização de € 1.000,00 - Quesito 10.º da base instrutória.

5) No momento em que o pinheiro caiu o Autor encontrava-se no interior da viatura - Quesito 12.º da base instrutória.

6) Ficando impossibilitado de fugir à queda do pinheiro - Quesito 13.º da base instrutória.

7) O Autor sentiu medo de perder a vida quando se apercebeu que o seu veículo ia ser atingido pelo pinheiro e verificando que se encontrava impossibilitado de fugir a tempo - Quesito 17.º da base instrutória.

8) Esses funcionários verificavam semanalmente o estado fitossanitário do pinheiro - Quesito 30.º da base instrutória».


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3.2. DE DIREITO
3.2.1.Do Erro de Julgamento Sobre a Matéria de Facto
O Recorrente assaca à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto derivado da resposta restritiva dada pelo tribunal a quo à matéria do quesito 3.º da base instrutória, do facto de considerar não provada, ao invés de dar como provada, a matéria quesitada nos artigos 26.º, 28.º e 30.º e, bem assim, por não ter relevado na decisão recorrida a matéria vertida nos artigos 5.º, 9.º, 16.º e 18.º da contestação, que considera com interesse para a boa decisão da causa, e relativamente à qual foi produzida, em audiência de julgamento, prova testemunhal que a atesta e confirma, como se impunha que tivesse feito, em observância do disposto no art° 5°, n° 1 do NCPCivi1.

Para conhecer do invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto, há que se proceder a uma reapreciação dos meios de prova que foram apresentados perante o tribunal de primeira instância, e que no caso são, não só de natureza documental, como testemunhal.
É jurisprudência corrente que na reapreciação dos meios de prova, o tribunal ad quem procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, assim assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância- [cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ – STJ -, ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ – STJ -, ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt]. Nesse sentido, impõe-se-lhe que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” – cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Todavia, estando em causa a reapreciação de prova testemunhal que foi produzida perante o tribunal de 1.ª instância, o tribunal ad quem não poderá ignorar que a reapreciação que terá de efetuar não pode contar com a oralidade e a imediação que determinaram a decisão de primeira instância, e bem assim, que a gravação da prova, por sua natureza, não consegue transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram percecionados, diretamente, por quem primeiro julgou, razão pela qual, o tribunal superior, deve, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal de primeira instância, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da ciência, da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável [ver, entre outros, AC STA de 19.10.05, Rº394/05; AC STA de 14.03.06, Rº1015/05; AC STA de 19.11.2008, Rº601/07; AC STA 27.01.2010, Rº358/09; AC STA de 14.04.2010, Rº0751/07; AC STA de 02.06.2010, Rº200/09; AC STA de 02.06.2010, Rº0161/10 e AC STA de 21.09.2010, Rº01010/09].
Outrossim, importa enfatizar que a livre apreciação da prova aponta para uma decisão de facto emergente de uma certeza relativa, empírica, dotada de grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, não se exigindo uma certeza absoluta, própria das ciências matemáticas.
Em sede de recurso jurisdicional, o tribunal superior, em princípio, apenas deve alterar a matéria de facto, na qual assenta a decisão recorrida, se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, segundo a razoabilidade, foi mal julgada na instância de origem.

Isto dito, a lei adjetiva impõe ao Recorrente que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância o cumprimento de certos ónus, determinando-se, a esse respeito, no artigo 640.º do Código de Processo Civil, que:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
…».
No caso, cremos que o Recorrente observou de forma adequada os ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC, na medida em que cuidou de identificar os factos concretos que entendeu erradamente julgados pelo tribunal de 1.ª instância, bem como os meios probatórios, de natureza testemunhal, existentes no processo, que o tribunal a quo não considerou devidamente, e cuja correta ponderação impediria um julgamento como o que foi efetuado.
Vejamos se lhe assiste razão.

3.2.2. No quesito 3.º da base instrutória perguntava-se: «O pinheiro cedeu ao vento?».
A resposta dada pelo Tribunal a quo a este ponto, que consta da alínea K) da fundamentação de facto da decisão recorrida, foi a seguinte: «Provado apenas que quando o pinheiro caiu estava vento forte».

O Recorrente entende que o assentamento da matéria do quesito 3.º da base instrutória se impunha em face dos depoimentos das testemunhas JR (1.28.43s - 1.29.10s), JRd (4.23.32s — 4.24.32s) e CA (5.16.24s - 5.17.24s), conjugada com a matéria do ponto H dos factos provados;
De igual modo, o Recorrente clama que a matéria que constava dos pontos 5.º e 9.º da contestação devia ter sido considerada, por se encontrar provada.
Desses pontos consta o seguinte:
Ponto 5.º- «E isto porque importa especificar, completando o ali alegado, que se tratou de vento forte e muito forte, acompanhado de precipitação e integrado em situação atmosférica considerada anormal e insólita para o local e época do ano»;
Ponto 9.º- «Assim, a queda da falada árvore ficou a dever-se, exclusivamente, às condições atmosféricas de vento-soprado com rajadas e de intensidade moderada (15 a 35 Km/h), forte (36 a 55 Km/h) e muito forte (70 a 80 Km/h)- e chuva que no referido dia 22/03/2008 se fizeram sentir na cidade de P...».
Assim, no que concerne aos factos alegados nos arts. 5° e 9° da contestação, o Recorrente sustenta a sua demonstração na consideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas JR (1.26.30s - 1.39.59s), MOP (4.01.59s - 4.02.35s), JRd (4.23.32s - 4.24.32s) e CA (5.16.24s ­5.17.24s e 5.21.02s - 5.24.01s e 5.30.50s - 5.31.08s) e corroborada, quanto à caracterização da situação atmosférica em causa, pela constante dos pontos G e H, dos nela elencados factos provados;
Mas sem razão.

Como fundamentação da sua convicção quanto à prova da matéria contida no quesito 3.º o tribunal recorrido adiantou o seguinte: «A convicção do Tribunal resultou do facto de não ter sido provado que a causa determinante da queda do pinheiro tenha sido as fortes condições climatéricas adversas, pois nenhuma das testemunhas inquiridas foi capaz de demonstrar que o vento que se instalou no momento da queda tenha assumido proporções anormais e tenha sido a causa determinante da mesma. Com efeito, como vimos, JAAR, feirante, declarou apenas que se tinha levantado um vento forte pouco tempo antes da queda que levantou algumas tendas, toldos e mandou artigos para a linha do comboio, mas foi incapaz de demonstrar que esse vento tenha assumido proporções anormais. Por sua vez, JFNR, assistente operacional ao serviço da Escola EB 2/3 de P... que mora em frente à escola a este respeito declarou que na altura da queda levantou-se um vento forte, mas também foi incapaz de demonstrar que esse vento assumiu proporções anormais. Além disso, JLCM, Director Geral dos Bombeiros Voluntários de P... confirmou o auto de ocorrência elaborado na altura referindo que comandou as operações de remoção da árvore e afirmou não se recordar de outros incidentes por causa do tempo que se fez sentir o que nos leva a concluir que as condições meteorológicas não assumiram proporções ciclónicas. Por fim, CAFA que se encontrava nas imediações à data da queda qualificou o vento que se fez sentir como uma “rabanada de vento”, que as janelas abanaram o que indicia apenas um vento forte. Assim, estas circunstâncias impedem o Tribunal de concluir que foram condições meteorológicas fora do normal a provocar a queda do pinheiro sendo forçoso dar como não provado que o pinheiro tenha cedido ao vento, mas apenas que quando o pinheiro caiu o vento era forte».

Considerados os depoimentos prestados por todas as testemunhas, e tomando particularmente em consideração os depoimentos das testemunhas apontadas pelo Recorrente, que o mesmo, em parte, transcreveu, e considerando ainda o documento emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia, entendemos que a decisão proferida pelo tribunal recorrido não padece de erro de julgamento. Aliás, outra resposta não se podia dar ao quesito 3.º e, como tal também, não podia dar-se como provada a facticidade incluída nos pontos 5.º e 9.º da contestação. É que da consideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas sobre a questão em análise, que tivemos o cuidado de analisar, não pode concluir-se que o vento verificado nesse dia fosse capaz de derrubar árvores e que, consequentemente, a queda da árvore sobre o veículo aconteceu porque a mesma cedeu ao vento.
Dos depoimentos prestados, de seguro, apenas se extrai que nesse dia estava vento, um vento forte, é certo, mas não ciclónico, capaz de derrubar árvores.
Note-se que, à pergunta se nesse dia tinham caído outras árvores, nenhuma testemunha afirmou ter notícia de um tal acontecimento, o que não deixa de ser estranho caso o vento que se fez sentir nesse dia tivesse sido anormal, facto que aponta no sentido que foi julgado pelo tribunal a quo.
Por outra via, a circunstância da testemunha JAAR, feirante, ter afirmado que nesse dia se tinha levantado um vento forte pouco tempo antes da queda da árvore, que levantou algumas tendas, toldos e mandou artigos para a linha do comboio, não permite concluir que o vento que então se fez sentir fosse anormal ou ciclónico. É que, como bem se sabe, por ser um facto notório que decorre da normal experiência de vida, as tendas utilizadas pelos feirantes são instalações amovíveis, que se encontram fixas ao solo de forma frágil ou pouco estável, sendo facilmente deslocadas ou, até derrubadas, pelos ventos que se fazem sentir em dias mais rigorosos.
Daí que, deve manter-se a resposta dada pelo tribunal a quo a esse ponto da base instrutória, não assistindo igualmente razão ao Recorrente quando pretende terem-se provado os factos insertos nos aludidos pontos 5.º e 9.º da sua contestação, matéria que, contrariamente ao por si invocado, se encontra questionada nos quesitos 1.º, 3.º e 27.º da base instrutória.

No que concerne ao quesito 26.º da B.I., perguntava-se: «A Escola EB 2/3 de P... conhecia o estado do pinheiro que caiu?», tendo o tribunal a quo dado como não provada essa matéria.
No quesito 28.º da B.I. perguntava-se: «Á data da queda do pinheiro inexistia qualquer doença ou praga que o enfraquecesse ou pusesse em causa a sua firmeza, nomeadamente, no tronco, ramos e folhas?», tendo o tribunal recorrido dado como não provada a matéria em causa.
O Recorrente considera que a matéria vertida nestes pontos devia ter-se dado como provada, por a mesma resultar ­evidenciada pelos depoimentos das testemunhas JM (3.27.10s - 3.37.32s), MOP (3.56.10s - 3.36.49s), JRd (4.24.38s - ­4.24.55s, 4.25.38s - 4.25.43s e 4.29.29s a 4.29.31s), JN (4.40.07s - 4.41.21s) e CA (5.14.57s 5.15.29s).
Entende também o Recorrente que a matéria que constava dos pontos 16.º e 18.º da contestação devia ter sido quesitada e que a sua prova resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas JM (3.27.10s - 3.27.57s e 3.28.36s - 3.30.30s), MOP (4.02.43s - 4.04.09s), JRd (3.24.33s - 4.24.47s e 4.24.36s - 4.29.31s), JN (4.40.08s - 4.41.27s) e CA (5.14.50s - 5.15.29s, 5.16.15s e 5.17.13s - 5.17.37s).
Nesses pontos vinha alegado que:
-Ponto 16.º:«Mostrando-se, outrossim, bem preservada e enraizada»;
-Ponto 18.º: «Nada fazendo prever, pois, a sua queda, mesmo em condições atmosféricas adversas».
Mas não lhe assiste razão.

Na fundamentação que o tribunal a quo adiantou como justificação para a não prova da matéria a que reportam os pontos 26.º e 28.º da base instrutória, cujo âmbito abrange o alegado nos referidos pontos da contestação, escreveu-se o seguinte: «Estes factos dão-se como não provados atendendo a que nenhuma testemunha atestou com fiabilidade o estado fitossanitário e implantação (raízes) do pinheiro. Com efeito, as testemunhas que demonstraram ter conhecimento do pinheiro foram JFNR, JMFN e CAFA, todos assistentes operacionais ao serviço da Escola EB 2/3 de P... que a este respeito foram unânimes em declarar que o pinheiro em questão estaria de boa saúde, pois não tinha ramos secos, casca seca, não era visível qualquer praga e as raízes não eram visíveis. Contudo, as referidas testemunhas também disseram que não tinham formação específica naquela área pelo que os seus depoimentos foram no sentido do estado aparente da árvore. De facto, a este respeito a testemunha JFNR declarou não ter conhecimento sobre a matéria e só saber o “que estava à vista” referindo que o pinheiro em causa nos presentes autos já não seria objecto de intervenção por ser muito alto. Por sua vez, JMFN, assistente operacional da Escola em causa, com funções de porteiro, quanto ao estado do pinheiro referiu que estaria bom, sem doenças, sem pragas, com as raízes enterradas, as pinhas não caíam, que a resina escorreu quando foi cortado. Contudo, soube dizer que não tem conhecimentos técnicos sobre a matéria e que a sua experiência advém de fazer podas no seu quintal referindo, também, que o pinheiro já não seria objecto de intervenção por ser muito alto e não precisar de poda. Por fim, CAFA, porteiro da escola, também depôs sobre o estado aparente da árvore, aquilo que lhe parecia a olho nu, mas também não tem formação específica. Desta forma, estas testemunhas não demonstraram o real estado fitossanitário e implantação (raízes) do pinheiro, pois apesar de zelarem pelo jardim da escola não dispõem de conhecimentos técnicos que permitam atestá-lo com segurança e fiabilidade. Com efeito, para atestar o estado fitossanitário e implantação (raízes) de um pinheiro como o dos autos (cerca de 10 metros de altura) não basta o senso comum, a aparência ou “o que salta à vista”, pois há muitos riscos associados com doenças, pragas, problemas estruturais ou ao nível do solo que interferem com a estabilidade do pinheiro cuja avaliação não está ao alcance do homem médio. Consequentemente, se não ficou demonstrado o estado do pinheiro temos que concluir que não ficou provado que a Escola tivesse conhecimento do mesmo. Em conclusão, o Tribunal é forçado a dar como não provados estes quesitos».

Também no que concerne ao erro de julgamento assacado à decisão recorrida por ter dado como não provada a matéria vertida nestes pontos da base instrutória, nenhuma razão assiste ao Recorrente. Na verdade, ouvidos os depoimentos prestados pelas testemunhas que a senhora juiz cuidou de identificar na fundamentação que apresentou para a formação da sua convicção, a não prova dessa matéria impunha-se. Como o tribunal a quo bem cuidou de frisar as testemunhas que se pronunciaram sobre o estado fitossanitário da árvore que caiu sobre o veículo do autor não tinham conhecimentos técnicos que lhes permitisse atestar, de forma credível, o estado fitossanitário dessa árvore, facto que foi confirmado pela testemunha MOV que disse expressamente que os funcionários que cuidavam das árvores da escola não tinham formação específica que lhes permitisse averiguar se determinada planta ou árvore padecia de doença. Como tal, o tribunal a quo não tinha fundamento válido para dar como provada a inexistência de qualquer doença ou praga que enfraquecesse ou pusesse em causa a firmeza dessa árvore, aquando da sua queda.

Termos em que, pelas razões expostas, se impõe julgar como improcedente o apontado erro de julgamento.

Por sua vez, relativamente ao quesito 30.º perguntava-se: «Esses funcionários verificavam semanalmente o estado fitossanitário do pinheiro?», matéria que o tribunal a quo considerou não provada.
O Recorrente considera que o tribunal a quo devia ter dado como provada a facticidade contida neste ponto da B.I., por a mesma resultar evidenciada pelos depoimentos das testemunhas MOP (3.55.15s - 3.55.30s), JN (4. 40.00s - 4.41.16) e CA (5.18.54 - 5.19.26), relevando igualmente a por eles afirmada coadjuvação dos competentes serviços camarários.
Mas sem razão.

Analisados os depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas, não vislumbramos razão para não acompanharmos o julgamento que foi realizado pelo tribunal de primeira instância, uma vez que dos depoimentos em causa, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não resulta evidenciada a facticidade em causa nesse ponto da base instrutória.
Na fundamentação da resposta dada a este ponto da base instrutória o tribunal recorrido disse o seguinte: «O Tribunal não ficou convencido destes factos, já que os funcionários inquiridos JMFN e CAFA não lograram convencer desta factualidade. Com efeito, JMFN declarou que não existia nem era imposto um plano de vigilância definido pela Escola, sendo que a vigilância (como e quando) era de acordo com o seu critério. Mais declarou que o pinheiro em causa não era objecto de intervenção, pois em virtude da altura já não era podado. Por sua vez, CAFA também referiu que, em regra, uma vez por semana davam uma volta ao jardim da escola, mas que este pinheiro já não era podado e que dava uma vista de olhos para ver se estava tudo bem. Além disso, estas testemunhas referiram que funcionários da Câmara iriam à escola de 3 em 3 meses fazer as podas, mas também declararam que este pinheiro já não era podado em virtude da sua altura (cerca de 10 metros) o que põe em causa a eficácia da verificação do estado fitossanitário e implantação do pinheiro. Assim, o Tribunal não ficou convencido se o estado fitossanitário do pinheiro era semanalmente verificado, pelo que há que dar como não provado este facto».
E o depoimento prestado pela testemunha MOP nada adianta que seja suscetível de infirmar a resposta dada pelo tribunal a quo, tendo-se limitado, a este respeito, a afirmar que aquela árvore era objeto de vigilância por parte de dois funcionários da escola, que não tinham formação específica nessa área, e que de 3 em 3 meses eram coadjuvados pela Secção do Ambiente da Câmara.
Termos em que improcede o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto.


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3.3. Do Erro de Julgamento Sobre a Matéria de Direito.
3.3.1.O Recorrente sustenta que, não tendo o Autor logrado demonstrar - ­como lhe competia, de acordo com as regras do ónus da prova - que a árvore aqui em causa se apresentava - como havia alegado ­- sem preservação e com problemas ao nível do acondicionamento e enraizamento (art° 2° da base instrutória) -, afastada fica a verificação do aludido requisito, indispensável, também ele, à emergência da invocada responsabilidade civil do Estado, pelo que ao assim não considerar, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, as normas contidas nos arts 7°, n°1 e 9°, n°1 da Lei n° 67/2007, de 31/12;
Mas a razão não o acompanha.

A questão primordial que ao tribunal a quo se impunha decidir, era saber se no caso estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos, tendo em conta que a causa de pedir elencada pelo autor se traduzia na imputação de um facto ilícito e culposo à Escola EB 2/3 de P..., traduzido na queda de uma árvore, pertença do património arbóreo da dita Escola e o acidente decorrer da violação por parte da Escola dos deveres de conservação e vigilância daquele património.

Nesse propósito, o tribunal recorrido, depois de enunciar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e de tecer algumas considerações sobre o significado dogmático de cada um desses elementos e o que sobre eles a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo, cuidou de enquadrar a situação em apreço nos autos no âmbito do artigo 493.º do C.Civil, preceito legal que, como se refere na decisão recorrida, se aplica igualmente à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos – cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 25.10.2000, recurso n.º 37510, entre outros.

E, após ter procedido à transcrição de vária jurisprudência sobre o modo como este preceito legal tem vindo a ser considerado pelos tribunais desta jurisdição, e de concluir que no mesmo preceito se encontra consagrada uma presunção de culpa, que «em bom rigor é também uma presunção de ilicitude», sobre quem tem o dever de vigiar a coisa que foi origem dos danos sofridos pelo lesado, que pode ser afastada mediante a prova da inexistência de culpa ou da demonstração de que os danos se teriam produzido do mesmo modo, mesmo sem culpa, cuidou de subsumir a factualidade apurada a este preceito legal.

Nesse domínio, consignou-se na decisão recorrida que:
«Estatui o art.º 350.º do Código Civil que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz podendo ser ilidida mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
Assim, ao Autor cabe provar que ocorreu a queda de uma árvore do património arbóreo do Réu e que lhe provocou danos e ao Réu enquanto possuidor da coisa (in casu, um pinheiro) cabe provar o emprego de todas as providências tendentes a evitar o evento danoso e que este só ocorreu por motivos que não lhe foi possível controlar.
No caso dos autos, o Autor demonstrou que um pinheiro do património arbóreo do Réu (Escola EB 2/3 de P...) caiu sobre o seu veículo causando-lhe danos.
Ora, sendo inequívoco que o pinheiro pertence ao património arbóreo da Escola EB 2/3 de P... sobre o Réu (Escola EB 2/3 de P...) impende o dever de o conservar e preservar, pois se a Escola possui esse património é sua obrigação mantê-lo em bom estado de conservação, manutenção e segurança para quem circula dentro e fora da escola.
Colhe-se do probatório que o pinheiro foi objecto de vigilância por parte de dois funcionários da Escola EB 2/3 de P... sem formação específica na área, pelo que é forçoso concluir que a Escola não dispõe de um serviço organizado e eficaz que providencie pela boa manutenção e fiscalização do património arbóreo da Escola, pois os funcionários incumbidos dessa tarefa não dispõe dos conhecimentos técnicos para o efeito. De facto, para atestar o estado fitossanitário e implantação (raízes) de um pinheiro como o dos autos não é suficiente uma vigilância levada a cabo por dois funcionários sem conhecimentos técnicos, pois há muitos riscos associados cuja avaliação exige os conhecimentos de técnicos qualificados para uma avaliação criteriosa, riscos associados, designadamente, com doenças, pragas, problemas estruturais ou ao nível do solo que interferem com a estabilidade do pinheiro.
Assim, o Réu omitiu o seu dever de vigilância e manutenção do pinheiro pertencente ao património arbóreo da Escola EB 2/3 de P....
Acresce que o Réu não logrou demonstrar que a árvore estava saudável e caiu devido a caso fortuito ou força maior, pois não se provou o estado fitossanitário e de implantação (raízes) do pinheiro nem se provou que ocorreram condições meteorológicas anormais que provocaram a queda da árvore.

Com efeito, colhe-se do probatório que:
(i) No dia do sinistro o vento era forte;
(ii) O Instituto de Meteorologia certificou que naquele dia o vento teria soprado moderado (15 a 35 km/h) a forte (36 a 55 km/h com rajadas” verificando-se condições que “a intensidade máxima instantânea do vento tenha atingido valores de 70 a 80 km/h”, “a quantidade de precipitação acumulada durante este dia tenha sido de 5 a 7 mm” e “a quantidade de precipitação acumulada durante este dia tenha sido de 5 a 7 mm” e “a quantidade máxima de precipitação em 10 minutos tenha atingido valores de 1 a 2 mm” correspondendo aquela dia a uma situação de “mau tempo”, com vento de “intensidade relativamente elevada e sobretudo rajadas que, pontualmente foram fortes”;
(iii) A edição do Jornal de Notícias de 20 de Março de 2008 anunciava para o fim-de-semana – compreendendo o dia 22/03 – a previsão de ventos fortes;
(iv) O Instituto Nacional de Meteorologia, em 19/03/2008, avisava que para o período da Páscoa de 2008 (compreendido entre 21 de Março a 23 de Março), se esperava para todo o continente, a partir de sexta-feira dia 21, vento a soprar de Norte “com intensidade nas terras altas”;
(v) Não se provou que naquele dia tenham ocorrido incidentes como o dos autos na cidade de P... ou incidentes que indiciassem uma situação catastrófica.

Por conseguinte, no dia do sinistro ocorreram ventos fortes que não podem ser qualificados como anormais potenciadores de queda de árvores, tanto mais que o Instituto de Meteorologia utiliza a expressão “intensidade relativamente elevada e sobretudo rajadas que, pontualmente foram fortes”, ou seja, em nenhum momento qualifica como tempestade. Assim, rajadas pontualmente fortes não podem integrar tempestade ou fenómeno idêntico que provoquem a queda de árvores. Além disso, a circunstância de constar da carta do Autor dirigida ao Sr. Presidente da Comissão Executiva Instaladora a expressão “situação atmosférica insólita” não afasta a conclusão a que o Tribunal chegou, pois ficou provado que essas palavras foram introduzidas na carta pelo funcionário da escola que ajudou a redigi-la por ser a linguagem mais adequada à situação relatada pelo Autor. Assim, o funcionário da escola terá qualificado o tempo relatado pelo Autor com aquelas expressões o que significa que o Autor pode não ter usado essa expressão ou que a situação relatada poderá ter sido erradamente qualificada, daí que a existência dessa expressão não é circunstância bastante para abalar a convicção do Tribunal de que não ocorreu tempestade ou fenómeno idêntico que provoque a queda de árvores.
Desta forma, não é possível concluir que a queda da árvore em causa se deveu a acontecimento meteorológico anormal, designadamente, pela ocorrência de tempestade susceptível de provocar a queda de árvore.
Em face do exposto, face à presunção legal de culpa que impende sobre o Réu este não logrou provar que adoptou todas as providências adequadas a evitar o perigo de queda do pinheiro prevenindo a ocorrência dos danos e de que o evento danoso se teria verificado ainda que não tivesse cumprido os deveres de vigilância e manutenção do pinheiro, pois não provou que a árvore caiu devido a forças maiores (tempestade), pelo que temos que concluir que o Réu não afastou a presunção de culpa prevista no art.º 493.º, n.º 1 do CC.

Como se afirma no acórdão de 16-05-96, in AP DR de 23-10-98, 3697, “o regime da presunção de culpa nada tem de violento, injusto, ou desrazoavelmente oneroso para os entes públicos, uma vez que o serviço público obrigado a vigilância pode ilidir a presunção demonstrando, quer a intercorrência de caso fortuito ou ele força maior, quer a adopção das providências para uma adequada, continuada e sistemática fiscalização do estado e comportamento da coisa em ordem a evitar o evento danoso. Trata-se de factos positivos, estes últimos inerentes à organização e desenvolvimento da actividade do ente público, cuja demonstração em juízo está ao seu alcance, em regra por meios probatórios extraídos dos seus próprios serviços.”

Assim, é inequívoco que se mostra preenchido o primeiro e segundo pressuposto da responsabilidade, a ilicitude e a culpa, porquanto estabelecendo a norma do art.º 493.º, n.º 1 do CC uma presunção de culpa que é simultaneamente uma presunção de ilicitude a actuação dos serviços do Réu violaram aquele normativo por incumprimento do dever de vigiar o bem sendo tal violação suficiente para a consideração da ilicitude e da culpa cuja presunção o Réu não logrou afastar.»

Na decisão recorrida, a senhora juiz deu ainda conta que a queda da aludida árvore danificou vários carros e de que «… o TCA Norte já se pronunciou sobre a responsabilidade do Estado Português no âmbito de acção intentada por um dos lesados que correu os seus termos neste TAF sob o n.º 413/09.5BEPNF por acórdão de 23/09/2011 (não publicado)», tendo reproduzido o seguinte trecho desse acórdão:

“[…]
Daqui decorre que no dia em que ocorreu o evento lesivo em discussão nos autos as condições climatéricas eram adversas, adversidade essa que, todavia, não resultou demonstrado ter sido a causadora da queda da árvore, De facto não se pode considerar que o incidente lesivo em apreciação nos autos tenha sido apenas motivado ou gerado pelas referidas condições climatéricas.
Com efeito, se é certo o quadro de instabilidade climatérica vivido naquele dia, também não podemos deixar de ter presente que era Março e que não ficou demonstrada a ligação factual e causal entre tal instabilidade c a queda da árvore; por outro lado, o Réu apenas logrou demonstrar que o pinheiro referido era objecto de vigilância e tratamentos semanais por parte de dois funcionários da Escola que, sendo os responsáveis pela vigilância e manutenção do pinheiro, não eram possuidores de formação específica de jardinagem.
Ora, tratando-se de dano provocado pela queda de uma árvore, integrante do património arbóreo do R., competia a este proceder à vigilância do seu estado de conservação, intervindo atempadamente de forma a salvaguardar a segurança de pessoas e bens.
Dito de outro modo, o R. não conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si impendia, eximindo-se da responsabilidade por força da ocorrência de circunstância de todo imprevisíveis e que no caso dos autos se traduziria na verificada ocorrência de ventos fortes bem como na circunstância de que mantinha uma organização funcional adequada à vigilância do "estado de saúde" das árvores existentes no local, de forma a prevenir situações como aquela que ocorreu.
É que no que concerne ao facto de no dia do acidente se terem verificado condições atmosféricas adversas e o vento ter apresentado intensidade elevada com rajadas pontualmente fortes, -valores de 70/80 km/h- tal não constitui facto suficiente para se concluir que a queda da árvore se tenha ficado a dever a esse caso fortuito.
Não se desvalorizando o facto de a árvore se encontrar, à data, bem condicionada, preservada e enraizada e de nada fazer prever a sua queda, o facto é que caiu, não sendo possível concluir que o pinheiro em questão não necessitava de qualquer intervenção por parte de pessoal devidamente habilitado. Ou seja, pese embora esse aspecto exterior, caiu sobre o veículo da A. e danificou-o, pelo que, não sendo possível conhecer as causas dessa queda, deve a falta de esclarecimento dessa matéria funcionar contra o R., por força da falada presunção de culpa contida no artº 493° n° 1 do CC. Em suma, não foi afastada a presunção de culpa que sobre o réu recaía, o que conduz ao insucesso do recurso -sobre esta temática, cfr. o acórdão do

[…] ”

E concluiu, a final, estarem demonstrados os «pressupostos de que depende a responsabilidade civil do Estado Português devendo este ser condenado a pagar ao Autor a quantia de € 8.724,26».

Não vemos qualquer razão para divergir da sentença proferida que fez um correto enquadramento legal da factualidade apurada.

Na verdade, é insofismável que, aplicando-se in casu, como é pacífico, a solução normativa contida no artigo 493º nº1 do CC, a ter-se como provado que foi a queda da árvore que determinou causalmente os prejuízos sofridos pelo autor, era ao réu que se impunha, enquanto entidade que tinha o dever de vigilância sobre o estado fitossanitário da aludida árvore, para que a mesma não causasse ilicitamente danos a terceiros, o ónus de provar que manteve sobre a dita árvore, a vigilância e o cuidado exigível a um bonus pater familias na sua circunstância ou que a queda da mesma sempre ocorreria qualquer que fosse o seu cuidado, o que não sucedeu.

Assim, bem andou a decisão recorrida ao considerar o réu como responsável civil pelos danos sofridos pelo autor.

Termos em que se impõe julgar totalmente improcedente o presente recurso, e confirmar integralmente a decisão recorrida.


*
4.DECISÃO.
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
DN.
*
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
*
Porto, 05 de junho de 2015.
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins.