Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00485/14.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ISENÇÃO DE IMI
MONUMENTO NACIONAL
CENTRO HISTÓRICO
Sumário:I) Numa acção administrativa especial, toda a matéria relativa à defesa da entidade demandada deve, nos termos do artigo 83º do CPTA, ser vertida, de forma articulada na contestação. Não padece, pois, de omissão de pronúncia, a sentença que não aprecia os fundamentos apenas invocados em sede de alegações, dado não se tratarem de fundamentos de conhecimento superveniente.
II) Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:P..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 01-08-2017, que julgou procedente a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL interposta pela sociedade “P…, S.A.” com referência à decisão da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 5 que determinou a cessação da isenção de IMI de que beneficiou o prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 6... (anterior artigo 2... da freguesia da Sé), com a consequente reposição da tributação para os anos de 2009 a 2012.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 296-337), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1.ª Por via do presente recurso pretende o Recorrente reagir contra a sentença proferida a pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que determinou a anulação da decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI relativo ao prédio urbano propriedade da Recorrida e a condenação da Recorrente a reconhecer tal isenção com as consequências legais daí advenientes;
2.ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de: (i) nulidade, atento o facto de ter omitido pronúncia sobre questões, tendo sido suscitadas, deveriam ter sido apreciadas; (ii) subsidiariamente parede de erro de julgamento, atento o facto de não ter apreciado devidamente a prova inclusa nos autos e de não ter interpretado correctamente a lei aplicável ao caso vertente; e (iii) cumulativamente de padece de inconstitucionalidade, pelo facto de a interpretação efectuada pelo referido tribunal ofender os princípios (iii.a) da igualdade tributária, (iii.b) da capacidade contributiva, (iii.c) da justiça fiscal, (iii.d) da autonomia local, (iii.e) da participação na decisão e (iii.f) de reserva de lei.
~I ~
3.ª A sentença padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido questões sobre as quais se deveria ter pronunciado;
4.ª Por via da Acção Administrativa Especial deduzida pelo Recorrido, visou este último colocar em crise o indeferimento do pedido de isenção de IMI em torno do prédio urbano do qual é proprietário;
5.ª Além da Contestação tempestivamente deduzida, a Recorrente apresentou ainda as suas alegações finais, por via das quais: (i) salientou o exercício de confundibilidade de conceitos jurídico-patrimoniais em que incorreu a Recorrida; (ii) alertou para a indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio; (iii) salientou o erro veiculado na certidão emitida pela DRCN;
6.ª Cada uma destas questões era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;
7.ª O tribunal a quo entendeu que a questão a decidir se limitava ao seguinte: «Ao Tribunal cumpre decidir se o despacho impugnado padece de vício de violação de lei ao concluir que o imóvel em causa não tinha direito à isenção de IMI, requerida ao abrigo do art. 44.º n.º alínea n) do EBF.»;
8.ª Contudo, não só este “elenco de questões” fixado pelo tribunal a quo veio omitir a questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio;
9.ª Como também – e mais importante ainda – a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquelas questões não despiciendas;
10.ª A problemática em torno da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio, constitui verdadeira questão e não meros argumentos;
11.ª Tão-pouco o tribunal a quo justificou – como se lhe impunha – a razão ou as razões que o levaram a não conhecer das restantes questões em causa suscitadas pela Recorrente;
12.ª A problemática em torno da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e não era (nem é) questão cuja resolução da (única) questão delimitada pelo tribunal a quo;
13.ª Ainda que o tribunal a quo tenha aderido à tese propalada pela Recorrida, permanece por conhecer: se a interpretação sobre o benefício fiscal aqui em causa poderá ser aplicada a uma universalidade de prédios, quando bem se sabe que uma universalidade não se subsume no conceito fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do IMI;
14.ª A sentença não padece de uma “mera” fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”;
15.ª Face ao exposto, deverá a sentença sub judice ser declarada nula;
~II ~
16.ª Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a mesma sentença padece de erro de julgamento;
17.ª Uma das circunstâncias que motivou o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo reside no facto deste ter confundido os conceitos de Classificação e de Designação patentes na LBPC;
18.ª Analisada a evolução do conceito de Classificação ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, verifica-se que: (a) na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação (Monumento Nacional); (b) na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação (Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público); (c) no Estado Novo previam-se três graduações de Classificação (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); (d) no início da 3.ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido regulamentada; e (e) durante a 3.ª República e até ao surgimento da LBPC continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo;
19.ª A inegável tecnicidade do Direito do Património Cultural levou a que o tribunal a quo tenha incorrido em várias confusões, designadamente à utilização indiferenciada de conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação, razão pela qual alega que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
20.ª O artigo 15.º da LBPC veio consagrar três conceitos jurídico-patrimoniais distintos e com um recorte técnico preciso, a saber: (a) a Categoria, (b) a Classificação e (c) a Designação;
21.ª São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições, para o que releva no caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972;
22.ª São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal, organizadas numa escala de graduação decrescente;
23.ª A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15.º/3), ou seja, ao monumento, conjunto ou sítio (i.e., categorias) que se encontre classificado como sendo de Interesse Nacional (i.e., classificações) é-lhe ainda atribuída a designação de Monumento Nacional;
24.ª Ao afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional o tribunal a quo incorreu num erro de análise, na medida em que: (a) confundiu os atuais conceitos de Classificação e de Designação; e (b) confundiu o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em vigor da LBPC;
25.ª Desde 2001 que não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
26.ª O Centro Histórico do Porto está classificado desde 2010-07-30, com a publicação do Aviso n.º 15173/2010, portanto, seria manifestamente impossível classificar em 2010, como Monumento Nacional, um bem cultural com uma classificação que não existe desde 2001;
27.ª Por outro lado, o conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de designação de Monumento Nacional constante da LBPC, pelo que também é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
28.ª Outra confusão e imprecisão prende-se com a circunstância de se afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como sendo Monumento Nacional em decorrência directa daquele ter sido “classificado como Património Mundial da UNESCO”, quando, na realidade, não existe qualquer classificação da UNESCO;
29.ª A “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só uma lista que está a cargo do Comité do Património Mundial;
30.ª Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem, pois a classificação de um bem cultural depende sempre de prévio procedimento administrativo de Classificação (cfr. artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015 e de 1991; artigo 18.º da LBPC e artigo 1.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro);
31.ª A inscrição do Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial não foi precedida de qualquer procedimento administrativo visando um ato de classificação, uma vez que: (a) o Comité do Património Cultural da UNESCO não integra a Administração Pública portuguesa; (b) o Estado Português não delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação do Centro Histórico do Porto; (c) o Estado Português jamais procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial”;
32.ª Ainda que ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “procedimento da UNESCO” sempre seria inválido, porquanto não houve, por exemplo, lugar a audição prévia por parte dos interessados que in casu reveste a forma de consulta pública;
33.ª Mais, ainda que, ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “classificação como Património Mundial da UNESCO” sempre seria ineficaz, porquanto não houve publicação da decisão do Comité do Património Mundial no jornal oficial português (até, porque, as decisões daquele comité não se inserem nos atos de publicação obrigatória no Diário da República – cfr. artigo 119.º da Constituição);
34.ª O artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009 ao determinar a abertura oficiosa de um procedimento de classificação após a inclusão de um bem na lista da UNESCO, mais não está a dizer ao intérprete da lei que até àquela abertura oficiosa não existia tal classificação, pelo que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” não constitui qualquer Classificação, mas, sim, “apenas” na atribuição de um novo estatuto honorífico ao bem em causa: de bem cultural nacional passa a ser (também) um bem cultural mundial;
35.ª Da articulação do Aviso n.º 15.173/2010, de 30 de julho, da LBPC e do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, resulta que: (a) somente com a publicação do Aviso n.º 15.173/2010 é que o Centro Histórico do Porto foi classificado; (b) ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não procedeu a qualquer classificação do Centro Histórico do Porto, apenas inseriu mais um registo numa lista de bens culturais de valor mundial; (c) de entre as três categorias possíveis (i.e., Monumento, Conjunto e Sítio) o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto; (d) o Centro Histórico do Porto estará, quanto muito, classificado como de Interesse Nacional, logo é manifestamente impossível afirmar aquele está classificado como Monumento Nacional;
36.ª Além de o tribunal a quo não ter interpretado correctamente a lei aplicável (nomeadamente o Aviso n.º 15.173/2010), ele não apreciou devidamente a certidão emitida pela DRCN, pois a mesma enferma e veicula um grave erro e assevera uma realidade que não existe;
37.ª Não é minimamente compreensível que a dita certidão certifique que, quer o prédio urbano quer o Centro Histórico do Porto, estão ambos classificados como Monumento Nacional à luz da LBPC, quando desde 2001: (a) não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal; e (b) o conceito de Classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de Designação de Monumento Nacional constante da LBPC, isto é, Classificação não é a mesma coisa que Designação;
38.ª A certidão em causa nunca poderia atestar que o prédio urbano aqui em causa está classificado como Monumento Nacional porquanto aquele prédio não está inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, mas apenas o Centro Histórico do Porto, distorcendo, assim, quer aquilo que consta da referida lista quer aquilo que consta do teor do Aviso n.º 15.173/2010;
39.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis estado-novenses que antecederam a LBPC, porquanto estas leis (face à ausência de regulamentação da Lei 13/85) só previam três classificações possíveis (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio);
40.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF reporta-se à classificação de Monumento Nacional que vigorou no nosso ordenamento jurídico à entrada em vigor da LBPC, Classificação aquela que não pode ser confundida com o conceito de Designação de Monumento Nacional patente, para o que ali releva, nos artigos 15.º/3 e 15.º/7 da LBPC;
41.ª Ainda que assim não fosse o tribunal a quo continuaria desprovido de razão, porquanto o conceito de Conjunto constante do artigo 1.º da Convenção da UNESCO de 1972 admite que no seio daquele último possam existir imóveis desprovidos de valor cultural, sendo por isso abusiva a interpretação de que todos os prédios que inseridos no interior de um “conjunto”, se encontram, apenas por esse facto, isentos de IMI;
42.ª Este é, aliás, o entendimento subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (que assim contraria o errado entendimento veiculado nas certidões emitidas pela Delegação Regional), a qual refere que «(…) tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de “Conjunto”, não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos»;
43.ª Apesar da similitude das duas expressões, a classificação do Centro Histórico do Porto como bem cultural de “Interesse Nacional” (artigo 15.º/3 da LBPC e Aviso n.º 15173/2010) não equivale à classificação como “Monumento Nacional” (artigo 24.º do Decreto 20.985 de 1932), pois que – mesmo olvidando o basilar princípio da legalidade e se concedesse supremacia a analogia – o próprio legislador patrimonial não previu, até hoje, um mecanismo de conversão/equivalência patrimonial-fiscal entre a classificação estado-novense “Monumento Nacional” (patente no Decreto 20.985 de 1932) e a classificação “Interesse Nacional” (patente na LBPC), sendo que tal matéria é da competência do legislador patrimonial [artigo 165.º/1-g) da Constituição], sob pena de violação da separação de poderes;
44.ª O erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo é ainda revelado pela indiferença perante o facto de o benefício fiscal em causa estar indissociavelmente recortado sobre o conceito fiscal de prédio, ou seja, a isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF só pode ser atribuída a um prédio, pelo que a noção deste necessariamente terá de ser encontrada à luz do artigo 2.º do CIMI;
45.ª O raciocínio do tribunal a quo padece de um grave equívoco, qual seja o de que o conjunto denominado Centro Histórico do Porto é UM PRÉDIO, quando, o Aviso n.º 15.173/2010 é bem claro ao referir que aquele centro histórico pertence à categoria de Conjunto (n.º 1 do Aviso), ou seja, um conjunto nunca poderá ser UM prédio (no sentido fiscal), mas sim uma PLURALIDADE de prédios;
46.ª A acrescer à confusão de conceitos, à ausência de conversibilidade de classificações e à não verificação de um pressuposto legal para a aplicação da isenção de IMI, o equívoco empreendido pelo tribunal a quo atenta contra a unidade do sistema jurídico e conduz a resultados absurdos, como claramente demonstram dois exemplos;
47.ª Se se considerasse que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo do esvaziamento do artigo 44.º/10 do EBF e do artigo 112.º/3 do CIMI, ou seja, tal entendimento traduzir-se-ia na atribuição de uma isenção fiscal a prédios em ruínas, apenas por se encontrarem dentro de um conjunto inscrito na “Lista de Património Mundial” da UNESCO, frustrando os fins extrafiscais visados pelo próprio legislador fiscal (i.e., políticas públicas de reabilitação urbana e de conservação do património cultural) quando, através da diferenciação das taxas de IMI, pretendeu compelir os proprietários de prédios naquelas condições a efectuar a sua recuperação;
48.ª Ora, o legislador não pretendeu recompensar e, menos ainda, incentivar comportamentos lesivos para a comunidade, como sejam, os riscos normalmente associados à existência de prédios em ruínas, designadamente, os riscos para a segurança de pessoas, veículos e construções adjacentes, os riscos para a saúde pública, bem como de depreciação estética ou patrimonial do espaço envolvente;
49.ª Se se considerasse ainda que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo e desproporcionado de todo e qualquer prédio localizado no interior de um conjunto ser insusceptível de ser adquirido por usucapião (artigo 34.º da LBPC), resultado este ainda mais absurdo e desproporcionado quando aplicado às paisagens culturais, como é exemplo a Região Vinhateira do Alto Douro, pois que, a ser assim, desde 2001 que não mais é possível a realização de escrituras públicas de usucapião nos concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa e que toda e qualquer escritura pública de usucapião referente a prédios ali localizados é nula;
50.ª Aliando estes dois exemplos à presunção patente no artigo 9.º/3 do Código Civil e à consideração da unidade do sistema jurídica a que alude o n.º 1 daquele mesmo artigo e código, não se poderá deixar de concluir pela exigência da classificação individual de cada um dos prédios que integram o conjunto Centro Histórico de Porto;
51.ª Acresce que este é o entendimento veiculado pela Doutrina mais relevante (JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO) e pela Jurisprudência (designadamente do próprio Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) produzidas sobre esta matéria, a par da própria doutrina administrativa da Direcção-Geral do Património Cultural;
52.ª Pelo que, não tendo a Recorrida demonstrado que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício do artigo 44.º/1-n) do EBF e que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não encontra suporte factual e legal;
~III ~
53.ª Além de padecer de erro de julgamento, a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo padece ainda de várias inconstitucionalidades;
54.ª A interpretação proposta pelo tribunal a quo é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, o Recorrido pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;
55.ª A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;
56.ª A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que o Recorrido, enquanto proprietário de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efectivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa à Recorrida traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;
57.ª A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;
58.ª Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996 como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centro, sendo que parte da sua receita local, foi, de uma assentada só, decidida indiretamente por um organismo (i.e., Comité do Património Mundial) que: (a) não integra os órgãos do Estado Português; (b) não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; (c) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996; (d) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996.
59.ª Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto;
60.ª Finalmente, a interpretação veiculada pelo Recorrido e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo;
61.ª Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efectuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente;
62.ª E em decorrência directa desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932;
63.ª E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei;
64.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.

A Recorrida “P, S.A.”, apresentou contra alegações em defesa da manutenção da sentença sob recurso, tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 344-361):
“(…)
A) Bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a acção administrativa especial instaurada pela Recorrida e ao declarar, nos termos e para os efeitos do disposto pela alínea n), do n.° 1, do artigo 44.°, do EBF, a isenção de IMI do prédio urbano inscrito na matriz predial da União de freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 6... (a que correspondia o anterior artigo 2... da freguesia da Sé).
B) A douta sentença proferida deu como provado, pela certidão emitida pela Direcção Regional de Cultura do Norte, que o prédio da Recorrida foi classificado como monumento nacional.
C) A Recorrente interpôs recurso daquela decisão, alegando em suma, que a mesma padece dos seguintes vícios: (i) nulidade por omissão de pronúncia; (ii) erro de julgamento; e (iii) inconstitucionalidade.
D) Não assiste, porém, razão à Entidade Demandada.
E) Os argumentos de que a Entidade Demandada reclama pronúncia não são verdadeiras questões, mas argumentos e, por esse motivo o Tribunal não tinha qualquer obrigação de se debruçar sobre os mesmos, pelo que a sua análise afigura-se absolutamente inócua para a validade da decisão recorrida.
F) De todo o modo, ainda que assim não se entenda - não concedendo mas, ainda assim, por cautela no exercício do patrocínio, se equaciona - e se considere que, porventura, os argumentos defendidos pela Entidade Demandada são “questões”, as mesmas nunca poderiam ter sido tomadas em consideração já que:
G) o argumento da confundibilidade de conceitos foi apresentado, pela primeira vez, agora, em sede de alegações de recurso;
H) o argumento da dicotomia entre o conceito de prédio para fins culturais e o conceito fiscal de prédio foi apenas avançado em sede de alegações finais; e
I) o argumento do erro veiculado na certidão emitida pela DRCN também não foi alegado nem em sede de Contestação nem sequer em Alegações Finais - a este respeito a Entidade Demandada arguiu apenas, em sede de Alegações Finais que a certidão não atestava que o prédio estava classificado como monumento nacional.
J) Em face do que, os argumentos de que a Recorrida reclama pronúncia não são verdadeiras questões, mas argumentos e, por esse motivo o Tribunal a quo não tinha qualquer obrigação de se debruçar sobre os mesmos.
K) Mas, mesmo que aqueles argumentos configurassem questões, as mesmas não poderiam ter sido apreciadas, já que as mesmas não foram alegadas em sede de Contestação, não integrando, assim, objecto da acção,
L) razão pela qual, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura.
M) Em segundo lugar, a sentença proferida também não padece do vício de erro de julgamento de que a Entidade Demandada a acusa,
N) na medida em que o Tribunal não fez qualquer confusão dos conceitos de classificação e de designação, porquanto da leitura da previsão da alínea n) do n.° 1 do artigo 44.° do EBF, resultam duas realidades: (i) a isenção de IMI para os prédios classificados como monumentos nacionais e (ii) a isenção de IMI para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou municipal.
O) De acordo com as disposições conjugadas do artigo 15.°, n.°1, n.° 2 e n.° 3 da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro, os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, sendo que imóveis classificados como de interesse nacional, sejam monumentos, conjuntos ou sítios, designar-se-ão por monumento nacional.
P) Referindo o n.° 7 da mesma norma que os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.
Q) Da articulação de todos estes preceitos com o disposto no Decreto-Lei n.° 309/2009, de 23 de Outubro, é forçoso concluir que os imóveis situados dentro do perímetro dos centros históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, designando-se por monumentos nacionais, ainda que pertencendo à categoria de conjunto,
R) beneficiando, por esta razão, da isenção prevista na alínea n), do n.° 1, do artigo 44.°, do EBF.
S) O Tribunal a quo limitou-se a interpretar as disposições legais aplicáveis.
T) Apesar de no caso do prédio da Recorrida não ser necessária, nos termos da lei, a classificação individual, a verdade é que, a certidão emitida pela Direcção Regional de Cultura do Norte atestou que aquele prédio é um monumento nacional,
U) facto dado como provado na sentença recorrida.
V) A certidão emitida pela Direcção Regional de Cultura do Norte não veicula qualquer erro ou sequer assevera uma realidade que não existe e, mesmo que assim não fosse,
W) tal como entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão proferido em 01.06.2017, no processo n.° 693/14.1BEPRT, a validade do conteúdo da certidão não é matéria que caiba no âmbito das competências da AT mas sim da Direcção Regional da Cultura do Norte, entidade competente para tal,
X) pelo que, também por esta razão deve o alegado vício de erro de julgamento improceder.
Y) Contrariamente ao que afirma a Entidade Demandada - certamente por lapso - o entendimento jurisprudencial a respeito vai no sentido em que decidiu a sentença ora recorrida.
Z) A única sentença referida pela Entidade Demandada foi revogada pelo Tribunal Central Administrativo, no mesmo sentido da decisão ora discutida,
AA) pelo que a alegação do sentido da Jurisprudência avançada pela Entidade Demandada resulta contrariada.
BB) A sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios (i) da igualdade tributária, (ii) da capacidade contributiva, (iii) da justiça fiscal, (iv) da autonomia local, (v) da participação na decisão e, (vi) da reserva de lei, contrariamente ao que alega a Entidade Demandada.
CC) Não há qualquer violação dos princípios da igualdade tributária, justiça fiscal e capacidade contributiva, pelo facto de não ter ficado provado nos autos que o prédio em causa não tinha valor cultural individual, antes pelo contrário.
DD) Nessa medida, não pode a Entidade Demandada afirmar que a “Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados”,
EE) nem, tão-pouco, que a interpretação vertida na sentença implica uma violação do princípio da igualdade tributária.
FF) Idêntico raciocínio vale, salvo melhor juízo, para a alegada inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva.
GG) Na verdade, a Recorrida, em razão do elevado valor cultural do seu imóvel, vê limitada a sua utilização,
HH) representando o benefício fiscal da isenção de IMI como que uma compensação pelas restrições que o direito de propriedade dos titulares dos imóveis abrangidos sofre em virtude de estes terem sido classificados como património nacional e como tal serem protegidos.
II) Resulta, assim, que subjacente à atribuição do benefício fiscal em causa, ao imóvel da Recorrida esteve uma ponderação de valores resolvida, pelo legislador, a favor da isenção, donde decorre que a atribuição do benefício só poderia ser posta em causa se se lograsse demonstrar que, no caso concreto, as razões conducentes à concessão do benefício fiscal não se verificavam e,
JJ) tal demonstração não foi levada a cabo pela Recorrente no caso sub judice.
KK) Por último, e no que à alegada inconstitucionalidade por subversão do princípio de justiça na repartição da carga fiscal diz respeito,
LL) cabe apenas afirmar que, não tendo sido demonstrado que as faculdades da Recorrida enquanto proprietária do imóvel em causa não eram substancialmente distintas - nomeadamente mais amplas -, do que as dos proprietários de prédios em idênticas circunstâncias, não se vê como se pode razoavelmente sustentar que a manutenção do benefício fiscal represente uma violação do princípio da justiça na repartição da carga fiscal.
MM) A Recorrente reputa, ainda, a sentença recorrida de inconstitucional por violação dos princípios da autonomia local e da participação na decisão.
NN) Considera a Recorrida que esta alegação deve ser totalmente rejeitada.
OO) A Recorrente, substituindo-se ao Município do Porto, vem em juízo encetar a defesa de um direito que este último, enquanto verdadeiro titular do direito em causa, nunca encetou, pelo simples facto de, salvo melhor opinião nunca o ter considerado posto em causa, já que outra conclusão não se pode retirar do comportamento de defesa activa da isenção sob discussão, levado a cabo pela Câmara Municipal do Porto.
PP) Acresce que, foi a própria Câmara Municipal do Porto que, em 1991, apresentou, junto da UNESCO, a candidatura do Centro Histórico do Porto a Património Cultural da Humanidade, tendo esta candidatura sido aprovada em Dezembro de 1996, pelo que resulta incompreensível em que medida deveria ter participado na decisão que aprovou a sua candidatura.
QQ) Por último, alega a Recorrente que a interpretação efectuada na sentença padece de uma inconstitucionalidade orgânica, em virtude ter procedido a uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas em vários diplomas legislativos, “quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo”.
RR) Com efeito, na sentença recorrida, não se detecta qualquer indício de adopção da metodologia interpretativa que a Recorrente defende ter sido adoptada, mas apenas a correcta interpretação nas normas aplicáveis.
SS) De facto, e recuperando a exímia argumentação vertida por este Tribunal no já citado Acórdão de 04.05.2017, proferida no âmbito do processo n.° 01480/14.2BEPRT, um imóvel classificado como de interesse nacional - cfr. artigo 3.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 309/2009, de 23 de Outubro - é um monumento nacional, não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade orgânica” (sublinhado nosso).
TT) Encontrando-se os prédios situados dentro do perímetro dos centros históricos, integrados na Lista do Património Mundial da UNESCO, nos termos da lei, classificados como monumento nacional, é evidente que beneficiam da isenção de IMI, prevista na alínea n), do n.° 1, do artigo 44.°, do EBF.
UU) Em face de tudo o que resulta exposto, não assiste qualquer razão à Entidade Demandada na medida em que o Acórdão recorrido, como vimos supra, não padece de qualquer vício, seja de omissão de pronúncia, erro de julgamento ou de inconstitucionalidade, tendo efectuado uma exemplar aplicação do Direito, aplicação essa que, de resto, tem vindo a ser corroborada de forma sistemática e unânime pelos nossos tribunais superiores.
Em face de toda a factualidade exposta, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao recurso apresentado pela Entidade Demandada.”

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade de sentença por omissão de pronúncia e bem assim apreciar o suscitado erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais: isenção de IMI de prédios classificados, sem olvidar a matéria das inconstitucionalidades.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Autora foi notificada pelo Serviço de Finanças Porto 5 para audição prévia quanto à intenção de revogação da isenção de IMI prevista no art.º 44º, n.º 1, alínea n), do EBF, de que beneficiava o prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 6... (anterior artigo 2... da freguesia da Sé), face à alteração dos pressupostos para o reconhecimento da isenção que resultou da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – cfr. fls. 23 e 24 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) A Autora exerceu audição prévia nos termos e com os fundamentos insertos a fls. 3 a 10 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 02/12/2013, a Autora foi notificada pela Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 5 de que não tinham sido apresentados novos elementos a provar que o prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 6... reunia os pressupostos de isenção de IMI, pelo que se mantinha o projeto de revogação da isenção de IMI, com a consequente liquidação do imposto nos anos de 2009 a 2012 – cfr. fls. 1 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
Mais se provou que,
D) Em 21/09/2010, a Direção Regional de Cultura do Norte certificou que o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Sé sob o artigo 2... «(…) está classificado como Monumento Nacional (…) de acordo com o n.º 3 e n.º 7 do art.º 15º da Lei n.º 107/2001 (…), por estar inscrito na Lista do Património Mundial, da Unesco, em 1996, como “Centro Histórico do Porto”» – cfr. fls. 14 e 15 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados assentou na análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estaria cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente defende que a sentença padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido questões sobre as quais se deveria ter pronunciado, na medida em que, por via da Acção Administrativa Especial deduzida pelo Recorrido, visou este último colocar em crise o indeferimento do pedido de isenção de IMI em torno do prédio urbano do qual é proprietário e além da Contestação tempestivamente deduzida, a Recorrente apresentou ainda as suas alegações finais, por via das quais: (i) salientou o exercício de confundibilidade de conceitos jurídico-patrimoniais em que incorreu a Recorrida; (ii) alertou para a indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio; (iii) salientou o erro veiculado na certidão emitida pela DRCN, verificando-se que cada uma destas questões era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor e o tribunal a quo entendeu que a questão a decidir se limitava ao seguinte: «Ao Tribunal cumpre decidir se o despacho impugnado padece de vício de violação de lei ao concluir que o imóvel em causa não tinha direito à isenção de IMI, requerida ao abrigo do art. 44.º n.º alínea n) do EBF.»;
Contudo, não só este “elenco de questões” fixado pelo tribunal a quo veio omitir a questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio como também – e mais importante ainda – a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquelas questões não despiciendas, até porque a problemática em torno da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio, constitui verdadeira questão e não meros argumentos e tão-pouco o tribunal a quo justificou - como se lhe impunha - a razão ou as razões que o levaram a não conhecer das restantes questões em causa suscitadas pela Recorrente;
A problemática em torno da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e não era (nem é) questão cuja resolução da (única) questão delimitada pelo tribunal a quo e ainda que o tribunal a quo tenha aderido à tese propalada pela Recorrida, permanece por conhecer: se a interpretação sobre o benefício fiscal aqui em causa poderá ser aplicada a uma universalidade de prédios, quando bem se sabe que uma universalidade não se subsume no conceito fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do IMI, o que significa que a sentença não padece de uma “mera” fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”, pelo que, deverá a sentença sub judice ser declarada nula.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Diga-se ainda que a omissão de pronúncia só existe quando o Tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, relevando aqui apenas que o Tribunal decida a questão posta, não se impondo a apreciação de todos os fundamentos ou razões em que a parte se apoia para sustentar a sua pretensão.
No caso em análise, estamos perante um acção administrativa especial, como já referido, cuja tramitação processual se encontra definido no artigo 78º e ss do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Como se retira do nº 1 do artigo 83º do CPTA, dedicado à contestação da entidade administrativa e dos contra-interessados, “na contestação deve a entidade demandada de deduzir, de forma articulada, toda a matéria relativa à defesa e juntar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja prova se propõe fazer”.
Em anotações a este artigo 83º referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, Almedina, pag. 417: “O nº 1 estabelece uma regra de oportunidade de dedução de defesa, implicando que, por correspondência com o disposto nos artigos 487º, 488º e 489º do CPC a entidade demandada deduza nessa peça processual tanto a defesa por excepção como a defesa por impugnação, especificando separadamente as excepções que possam obstar ao conhecimento d0 objecto da causa e as razões de facto e de direito que se poderão opor à pretensão do autor.(…)”
Lida atentamente a contestação, fácil é concluir, que a reaçidade agora posta em evidência não foi aí suscitada. A Recorrente alega que apenas o foi em sede alegações de direito.
Ora, as alegações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual. É certo que o nº 5 do artigo 91º do CPTA, com a epigrafe “discussão da matéria de facto e alegações facultativas” refere que “nas alegações pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente (…)” . Todavia, mesmo aplicando este normativo à entidade reclamada, apenas podem ser atendidos fundamentos de conhecimento superveniente, o que não é o caso nos presentes autos.
Assim, não tendo a matéria em crise sido suscitada na contestação, era vedado ao tribunal conhecer daquilo que a Recorrente pretende agora ver integrado na discussão do presente recurso.
Ocorrendo apenas omissão de pronúncia quando tribunal deixa de conhecer questão que devesse conhecer, não se verifica a alegada nulidade por omissão de pronúncia.

Quanto ao mais, diga-se que a Recorrente não inova no que concerne ao exposto no âmbito do Ac. deste TCAN de 12-04-2018, Proc. nº 581/14.1BEPRT, ainda inédito, onde se aponta que:
“…
II.2.2 Do Erro de Julgamento

II.2.2.1 A Recorrente insurge-se contra a sentença, alegando erro de julgamento porquanto a sentença confunde os conceitos de Categoria, a Classificação e a Designação patentes na LBPC (Lei de Bases do Património Cultural), utilizando de forma indiferenciada os conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si. E que por isso considera que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional. Que nos termos do nº 1 do artigo 15ºda LBPC, estão previstas três Categorias (Monumento, Conjunto e Sítio). Que nos termos do nº 2 do mesmo artigo estão previstas três Classificações: Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal. Que a designação de Monumento Nacional está reservada, nos termos do nº 3 do referido artigo 15º da LBPC, exclusivamente, para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional. Que desde 2001 não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, pelo que é impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional.
Alega ainda que a sentença incorre noutra confusão e imprecisão ao afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como sendo Monumento Nacional em decorrência directa daquele ter sido “ classificado como Património Mundial da UNESCO”, quando na realidade não existe qualquer classificação da UNESCO. Da articulação do Aviso nº 15.173/2010, de 30 de julho, da LBPC e do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro resulta que: a) somente com a publicação do Aviso nº 15.173/2010 e que o Centro Histórico do porto foi classificado; b) ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não procedeu a qualquer classificação do Centro Histórico do Porto, apenas inseriu mais um registo numa lista de bens culturais de valor mundial; c) de entre as categorias possíveis (i.e. Monumento, Conjunto e Sítio) o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto; d) o Centro Histórico do Porto estará quanto muito classificado como de Interesse Nacional, logo é manifestamente impossível afirmar que aquele está classificado como Monumento Nacional (Conclusões 17ª a 36ª).
O discurso fundamentador da sentença foi, como agora se transcreve:”(…) como configurado pela alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: (…) n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”
Assim e perante tal preceito legal, desde logo se constata a distinção entre prédios classificados como monumentos nacionais e os classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
Ademais, decorre do n.º 5 daquele preceito legal, com a redacção introduzida pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, que “A isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos.”
A par, decorre do artigo 15º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro que "1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII. 2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal. 3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional». 4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.”
O artigo 15.º n.º 7 daquela Lei refere por sua vez que “os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".
O Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23.10, que veio estabelecer o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda, veio de igual forma prever no seu artigo 2.º a possibilidade de classificação dos imóveis “nas categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional”, decorrendo assim do n.º 1 do artigo 3.º que “um bem imóvel pode ser classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.”
Ora, a Zona Histórica do Porto foi inscrita na Lista do património Mundial da UNESCO, como decorre do Aviso n.º 15173/10, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, de onde decorre o seguinte: “Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro, torna-se público que, em 1996, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por centro histórico do Porto, localizado nas freguesias da Sé, São Nicolau, da Vitória e de Miragaia, concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia, distrito do Porto.”
Retornando ao acaso dos autos e como resulta provado no acervo probatório, ponto 3., em 22.09.2011 o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico certificou que o prédio sito na Rua da ... n.º 32/36, Porto, fracções A a I, está classificado como monumento nacional pelo artigo 15º do Decreto n.º 107/2001 e ainda que fazem parte integrante do conjunto denominado Zona histórica do Porto, classificado como imóvel de interesse público.
Ademais e como vertido no probatório, ponto 1), o prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória sob o artigo 7..., fracção A, a que correspondia o anterior artigo 2...º da freguesia da Sé, situa-se na Rua da ... n.º 32/36, Porto.
Assim, in casu, para além do prédio em questão estar inserido no Centro Histórico do Porto, também está classificado como Monumento Nacional, não persistindo qualquer dúvida quanto ao enquadramento deste no disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do CIMI.
Com efeito, apesar de entendermos que perante a redacção do disposto naquele preceito legal não é necessária a classificação individual como monumento nacional, para a obtenção da isenção ao abrigo do EBF, no caso presente o próprio prédio foi classificado como Monumento Nacional.
Assim sendo, o prédio em questão nos presentes autos beneficia da isenção que decorre da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do CIMI, tendo andado mal a Entidade Demandada ao indeferir o pedido de isenção de IMI requerido pelo aqui A., devendo reconhecer a isenção de IMI e restituir todos os montantes eventualmente pagos pelo A. na sequência do indeferimento do requerido.”
Não tem a Recorrente razão, nem se nos afigura séria a sua alegação.
Vejamos.
Da leitura da fundamentação da sentença, não se vislumbra qualquer confusão de conceitos, porquanto a sentença nunca referiu que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional, como propalado pela Recorrente. Pelo contrário o que ali se referiu foi que “(…) o prédio sito na Rua da ... n.º 32/36, Porto, fracções A a I, está classificado como monumento nacional pelo artigo 15º do Decreto n.º 107/2001 e ainda que fazem parte integrante do conjunto denominado Zona histórica do Porto, classificado como imóvel de interesse público (…)”. (destacado nosso)
Ou seja, o que se encontra classificado como Monumento Nacional é o prédio, que por sua vez faz parte integrante da Zona Histórica do Porto se encontra classificada como de Interesse Público e não o que a Recorrente trouxe às conclusões de recurso.
Acresce que a conclusão errónea imputada à sentença foi apresentada, sim, pela agora Recorrente, no artigo 54º, 55º e 103º da sua contestação 54º Ora, no caso em apreço o que está classificado como Monumento Nacional é o Conjunto, o Centro histórico do Porto e não os imóveis de que o A. é proprietário. 55º Acresce ainda que nos termos do citado artº 56º do Decreto-Lei nº 309/2009, de 23.10, resulta claro que a classificação de um conjunto não implica necessariamente a classificação dos imóveis que integram o conjunto. 103º Ora, no caso em apreço o que está classificado como Monumento Nacional ó Conjunto Histórico do Porto e não os imóveis de que o Autor é proprietário”.
Em face do exposto, nada há a apontar à sentença recorrida.
II.2.2.2 A Recorrente imputa ainda erro de julgamento à sentença por considerar que a sentença não apreciou devidamente a certidão emitida pelo IGESPAR do Norte, pois a mesma enferma e veicula um grave erro e assevera uma realidade que não existe. A certidão emitida já tinha perdido a sua validade aquando do pedido de isenção. Que a dita certidão tinha por efeito autorizar a transmissão onerosa do direito de propriedade dos imóveis em questão e não a instrução do processo para obtenção de isenção de IMI. Não é compreensível que a dita certidão certifique que, quer o prédio urbano, quer o Centro Histórico do Porto, estão ambos classificados como Monumento Nacional à luz da LBPC. A certidão nunca poderia atestar que o prédio urbano está classificado como Monumento Nacional porquanto aquele prédio não está inscrito na “ Lista do Património Mundial da UNESCO”, mas apenas o Centro Histórico do Porto (Conclusões 37ª a 42ª)

Sublinhe-se que em face da leitura da contestação apresentada, o agora alegado configura uma questão nova. A única alusão efectuada pela aqui Recorrente na sua contestação foi no artigo 81º onde afirmou “Não obstante, nos termos da certidão apresentada resulta claro que os referidos imóveis não estão individualmente classificados e que não existe nenhum acto individual e classificação especificamente dirigido ao imóvel para o qual é solicitada a isenção”.
Ora, como resulta do disposto no nº1 do artigo 627º do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Volume II, 2007, pág. 786.
Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.
Em face do exposto, não se conhece do presente segmento de recurso.
II.2.2.3 A Recorrente imputa, também, erro de julgamento à sentença, por considerar que errou ao considerar preenchidos os pressupostos previstos na alínea n) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), dado que tal isenção só pode ser atribuída a um prédio e por isso visando a unidade do sistema jurídico, não se pode deixar de concluir pela exigência da classificação individual de cada um dos prédios que integram o conjunto Centro Histórico do Porto. Não tendo a Recorrida demonstrado que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado, forçoso será de concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício do artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF a decisão não encontra suporte factual e legal. (Conclusões 48ª a 56ª)
Diga-se, mais uma vez, que a Recorrente não tem razão.
Desde logo, como resulta da leitura da sentença, foi dado como provado no ponto 3 do probatório que:” Em 22.09.2011 o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico certificou que as fracções A e I do prédio sito na Rua de ... nº 32/35 está classificado como monumento nacional pelo artigo 15º do Decreto-Lei nº 107/2001 e ainda que fazem parte integrante do conjunto denominado Zona Histórica do Porto, classificado como imóvel de interesse público. – cfr. fls 8 do PA junto aos autos”.
No discurso fundamentador da sentença, sublinhou-se que “(…) para além do prédio em questão estar inserido no Centro Histórico do Porto, também está classificado como Monumento Nacional, não persistindo qualquer dúvida quanto ao enquadramento deste no disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do CIMI.
Com efeito, apesar de entendermos que perante a redacção do disposto naquele preceito legal não é necessária a classificação individual como monumento nacional, para a obtenção da isenção ao abrigo do EBF, no caso presente o próprio prédio foi classificado como Monumento Nacional. (…)” (destacado nosso)
Ora, a Recorrente não impugnou a presente matéria dada como provada. Não resulta do recurso interposto que o mesmo tivesse afrontado a decisão quanto à fixação do facto acima transcrito. O que a Recorrente trouxe ao recurso, e que foi considerado questão nova, não foi atacar o facto dado como provado no ponto 3 do probatório, mas assacar ao meio probatório que lhe esteve na base, ilegalidades. Mesmo que assim não fosse, e se devesse entender que pretendia atacar a matéria de facto, o que não se concede, sempre seria de concluir que não cumpriu, de todo, os pressupostos da impugnação da matéria de facto constantes do artigo 640º do CPC. Não foram identificados sequer os pontos que considerava incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diferente e qual decisão que no seu entender devia ser proferida sobe as questões de facto impugnadas.
A ser assim, e tendo sido dado como provado que se encontra certificado pela entidade competente que as fracções A e I do prédio sito na Rua de ... nº 32/35 está classificado como monumento nacional pelo artigo 15º do Decreto-Lei nº 107/2001, não se verifica qualquer erro de julgamento, dado se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários para gozar da isenção de IMI prevista na alínea n) do nº 1 do artigo 44 do EBF.
Como se afirmou no Acórdão deste TCAN, de 01.06.2017, no processo 693/14BEPRT, que a aqui relatora subscreveu como primeira adjunta, “ parece-nos bem claro que a alínea n) do art. 44º EBF prevê duas realidades elegíveis para isenção de IMI: (i) os prédios classificados como monumentos nacionais e os (ii) prédios individualmente classificados como de interesse público ou interesse municipal.
Só os últimos requerem classificação individual para beneficiarem de isenção. Para os primeiros, basta a comunicação da classificação como monumentos nacionais (art. 44º/5 EBF) para que os imóveis nele integrados assumam esta classificação, como resulta também do art.º 15º/3 da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro Cujos n.ºs 1 a 3 dizem o seguinte:
1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
(...).

Paralelamente, como resulta do disposto nos artigos 20º e 21º da mesma lei, estes imóveis não carecem de classificação individual para beneficiarem dos direitos
Artigo 20.º Direitos especiais dos detentores
Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados gozam, entre outros, dos seguintes direitos específicos:
a) O direito de informação quanto aos actos da administração do património cultural que possam repercutir-se no âmbito da respectiva esfera jurídica;
b) O direito de conhecer as prioridades e as medidas políticas já estabelecidas para a conservação e valorização do património cultural;
c) O direito de se pronunciar sobre a definição da política e de colaborar na gestão do património cultural, pelas formas organizatórias e nos termos procedimentais que a lei definir;
d) O direito a uma indemnização sempre que do acto de classificação resultar uma proibição ou uma restrição grave à utilização habitualmente dada ao bem;
e) O direito de requerer a expropriação, desde que a lei o preveja. ou dos especiais deveres que recaem sobre os respetivos detentores.
Artigo 21.º Deveres especiais dos detentores
1 - Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados estão especificamente adstritos aos seguintes deveres:
a) Facilitar à administração do património cultural a informação que resulte necessária para execução da presente lei;
b) Conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração;
c) Adequar o destino, o aproveitamento e a utilização do bem à garantia da respectiva conservação.
2 - Sobre os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados incidem ainda os seguintes deveres:
a) Observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais;
b) Executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do bem.
Na interpretação defendida pela AT estes direitos – mas especialmente os deveres – apenas seriam exigíveis se os imóveis fossem individualmente classificados, o que não é de todo a interpretação que se colhe dos preceitos em análise.
Contudo, devemos ainda salientar que o imóvel em causa está individualmente classificado como Monumento nacional (…)”
E, ainda como afirmado no Acórdão deste TCAN, de 07.12.2016, no processo 134/14, que o Acórdão, agora citado, segue de perto, saber se a classificação atribuída ao sobredito imóvel está ou não correcta é matéria que consideramos não caber no âmbito das competências da AT, mas sim da Direcção Regional da Cultura do Norte, entidade competente para tal.
Sucumbem, portanto, as conclusões quanto ao presente segmento de recurso.

II.2.2.4 Por último, a Recorrente imputa várias inconstitucionalidades à interpretação da lei efectuada pela sentença recorrida, (Conclusões 57 a 67ª) nomeadamente por violação do princípio da igualdade tributária, do princípio da justiça fiscal, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da autonomia local, do princípio da participação.
Sucintamente se diga, que não se verificam as inconstitucionalidades invocadas, desde logo por toda a alegação da Recorrente ter como premissa estarmos perante um prédio destituído de valor cultural individual, o que no caso não se verifica, pois como resulta da matéria de facto dada como provada, e acima amplamente sublinhado, estamos perante um prédio classificado individualmente, como “Monumento Nacional”.
Soçobram, em face do exposto, todas as conclusões de recurso, sendo de lhe negar provimento e manter a sentença recorrida na ordem jurídica. …”.
Perante a bondade do que fica exposto e não encontrando na realidade descrita pela Recorrente matéria capaz de inverter o que ficou dito, até porque consta do probatório que em 21/09/2010, a Direção Regional de Cultura do Norte certificou que o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Sé sob o artigo 2... «(…) está classificado como Monumento Nacional (…) de acordo com o n.º 3 e n.º 7 do art.º 15º da Lei n.º 107/2001 (…), por estar inscrito na Lista do Património Mundial, da Unesco, em 1996, como “Centro Histórico do Porto”», cremos que não pode conceder-se abrigo à pretensão da Recorrente.
Diga-se ainda, para cabal enquadramento da situação descrita nos autos, crê-se ainda pertinente fazer alusão ao Ac. deste Tribunal de 04-05-2017, Proc. nº 01480/14.2BEPRT, www.dgsi.pt, onde se aponta que “… Ora, estando o prédio em questão integrado na Zona Histórica do Porto, legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção de IMI, devendo, por isso, confirmar-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
Na verdade, as conclusões das alegações de recurso são infirmadas pela abordagem legal que deixámos exposta, inexistindo o alegado erro de julgamento, uma vez que, mesmo que possa ter havido alguma confusão nos conceitos técnico-jurídicos aplicados na sentença recorrida, o certo é que o resultado e a solução do litígio alcançados são os mesmos, pois para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, se adoptou a designação «monumento nacional» (artigo 15.º, n.º 3 da LBPC). Assim, quando a norma do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF se refere aos prédios classificados como monumentos nacionais só pode estar a dirigir-se aos imóveis classificados como de interesse nacional, dado que estes adoptam a designação "monumento nacional”.
Aliás, como referimos supra, o facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. n.º 2). Por esse motivo se compreende que o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.
Todavia, o Recorrente defende que a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo, e que aqui se validou, padece de várias inconstitucionalidades:
Essa é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, a Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;
A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;
A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que a Recorrida, enquanto proprietária de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efectivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa à Recorrida traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;
A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;
Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996 como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centro, sendo que parte da sua receita local, foi, de uma assentada só, decidida indirectamente por um organismo (i.e., Comité do Património Mundial) que: (a) não integra os órgãos do Estado Português; (b) não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; (c) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996; (d) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996.
Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto;
Finalmente, a interpretação veiculada pela Recorrida e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo;
Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efectuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente;
E em decorrência directa desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932;
E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei.
Embora a inconstitucionalidade da lei se trate de matéria de conhecimento oficioso, como vimos, a intervenção do tribunal tem que se circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade, pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional - cfr. artigo 281.º, da CRP.
De todo o modo, na sentença e/ou no recurso dela interposto para o TCA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-oficio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação ou a isenção, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta igualmente da emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21/09/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03872/10.
Como já afirmamos, anteriormente, que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões.
De qualquer forma, o intérprete da lei e/ou o julgador limitaram-se a constatar a previsão da norma do artigo 44º, n.º 1, alínea n) do EBF, que menciona expressamente que os prédios classificados como monumentos nacionais estão isentos de IMI.
Relembramos as normas que constam do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, dado que um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional". Assim, entendemos que o paralelismo é efectuado pela própria lei vigente, não tendo nem a Recorrida, nem o tribunal, efectuado qualquer interpretação consubstanciada numa equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na Lei de Bases do Património Cultural (LBPC), ou seja, numa equivalência entre a classificação de Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação de Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC).
A Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro) estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e foi elaborada pela Assembleia da República, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, para valer como lei geral da República. Nesta conformidade, a equivalência ou equiparação que é efectuada no artigo 15.º, n.º 3 desta Lei não padece de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que resulta de lei do Parlamento. Foi a própria Assembleia da República que, no artigo 15.º, n.º 3 da LBPC estabeleceu expressamente que um bem classificado como de interesse nacional é um monumento nacional.
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, o Governo decretou, através do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, que a designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios – cfr. artigo 3.º, n.º 3.
Assim, um imóvel classificado como de interesse nacional – cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – é um monumento nacional, pois dessa forma é designado legalmente – cfr. artigo 3.º, n.º 3 deste Decreto-Lei e artigo 15.º, n.º 3 da LBPC, não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade orgânica.
Muito menos se mostra violado o disposto no artigo 10.º do EBF, dado que não foi efectuada qualquer integração analógica, pela simples razão de inexistir qualquer lacuna na lei necessitada de integração.
Brande, ainda, o Recorrente que a interpretação proposta pelo Tribunal “a quo” é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária, na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, a Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados.

O princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença.
Ora, desde logo, falha um pressuposto para apreciar a violação deste princípio constitucional. Na verdade, não resultou provado que o prédio da Autora, ora Recorrida, seja destituído de valor cultural. Pelo contrário, logrou provar-se que o imóvel em causa está situado no Centro Histórico do Porto, incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO.
Lembramos que, nos termos do artigo 15.º, n.º 7 da LBPC, os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional. Por outro lado, não obstante o prédio estar inserido num conjunto, o certo é que para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional».
Nesta conformidade, falhando o pressuposto de facto de o imóvel em apreço ser destituído de valor cultural (individual), por ter inexistido prova nesse sentido - cfr. decisão da matéria de facto, improcede necessariamente a alegada inconstitucionalidade material, por violação da igualdade tributária, na medida em que a mesma sempre teria que ser apreciada em concreto; resultando claro que o imóvel da Recorrida está em igualdade de circunstâncias em relação a todos os restantes prédios inseridos no Centro Histórico do Porto.
Mais uma vez, o Recorrente faz depender a arguição da inconstitucionalidade, por a interpretação dada pela Recorrida ser ofensiva do princípio da capacidade contributiva, do facto de o prédio urbano ser destituído de valor cultural individual.
O princípio da igualdade perante os encargos públicos resulta da necessidade de impor sacrifícios patrimoniais, que a todos diz respeito, devendo ser afectadas, por igual, as esferas da generalidade dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva. Isto é, este princípio exige que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos; todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva.
Efectivamente, não resulta provado que, em concreto, a Recorrida, enquanto proprietária do imóvel, não esteja sujeita a regras e imposições especiais por o mesmo estar inserido no Centro Histórico do Porto, designadamente, que não suporte encargos relacionados com a conservação e restauro daquele bem, que não pode deixar de ser apelidado de cultural, na medida em que está integrado no referido conjunto.
Julgamos pertinente o contra-alegado pela Recorrida a este respeito: “(…) atendendo concretamente ao benefício fiscal ora em apreço, o mesmo acarreta contrapartidas limitativas que coartam a autonomia dos proprietários dos referidos prédios, que se vêem limitados na sua actuação enquanto proprietários,
maxime no que concerne à execução de obras nos prédios em causa. O que se torna compreensível por de património mundial se tratar. (…)”
Reiteramos, por isso, resultar claro que o imóvel da Recorrida está em igualdade de circunstâncias em relação a todos os restantes prédios inseridos no Centro Histórico do Porto. Logo, todos os proprietários de prédios aí integrados beneficiarão, de igual forma, do benefício fiscal em causa, não se vislumbrando o desrespeito do princípio da capacidade contributiva, dado que não resultou demonstrado que a Recorrida, em concreto, não esteja sujeita a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que outros proprietários de imóveis não inseridos no conjunto.
Por outro lado, também não resultou apurado que as faculdades de disposição, transformação e fruição da Recorrida, em concreto no que tange ao seu imóvel inserido no conjunto classificado, sejam diferentes das que são permitidas ao titular de um prédio individualmente classificado; pelo que se mostra impossibilitada a apreciação da alegada subversão do princípio da justiça na repartição da carga fiscal.
Por último, resta o argumento mais destituído de fundamento, concernente à violação do princípio da autonomia local, dado parecer que o Recorrente quis defender um interesse do Município do Porto que ele próprio se absteve de fazer, apontando, mesmo, a sua conduta para o contrário.

Efectivamente, tal como a lei indica (artigo 44.º, n.º 5 do EBF, na redacção conferida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, referido supra), o reconhecimento da isenção em causa é automático e a sua comunicação compete às Câmaras Municipais territorialmente competentes, sendo que junto aos autos existe ofício camarário no qual a Câmara Municipal do Porto afirma que o imóvel propriedade da aqui Recorrida está isento de IMI. Não se podendo, igualmente, dizer que nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda de receita do IMI, quando abundam os documentos juntos aos autos acerca desta matéria – cfr. fls. 39 a 60 do processo físico.
Nesta conformidade, mais uma vez, falham as provas quanto aos pressupostos de facto, dado que os elementos dos autos evidenciam, antes, participação, conhecimento e “reconhecimento” por parte da autarquia portuense da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis quanto à situação concreta; não se vislumbrando, também, que a interpretação efectuada pela Recorrida e pelo Tribunal “a quo” enfermem da invocada inconstitucionalidade. …”.
Perante a alegação da Recorrente, cremos que o ora exposto evidencia de forma cabal toda a realidade em equação, reforçando de forma sustentada a argumentação no sentido de que, apesar do esforço da Recorrente, a sua pretensão está condenada ao insucesso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos