Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02487/15.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/24/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:BANCOS
ACTIVIDADE DE LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA
CÁLCULO PARA A DEDUÇÃO DO IVA EM RELAÇÃO AOS BENS DE UTILIZAÇÃO MISTA
LEGALIDADE DO OFÍCIO CIRCULADO QUE IMPÕE A EXCLUSÃO DA AMORTIZAÇÃO DO CAPITAL NO CÁLCULO DO DIREITO À DEDUÇÃO
Sumário:1. De entre os princípios estruturantes do IVA como imposto geral sobre o consumo assume particular relevo o princípio da neutralidade considerado um dos princípios estruturantes deste imposto.
2. Um imposto é neutro quando não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor) e ao mesmo tempo deixa aos consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade do consumidor).
3. Na perspectiva da neutralidade no produtor, o elemento mais importante do sistema do IVA para assegurar o cumprimento desse princípio está no mecanismo do crédito de imposto, mediante dedução do IVA suportado a montante, fazendo com que os operadores económicos se desonerem do imposto que, assim, não chega a incorporar os custos da sua actividade.
4. O direito à dedução é um mecanismo fundamental para garantir a neutralidade do imposto ao nível da produção, conseguindo que o imposto suportado nos inputs seja inteiramente dedutível (ainda assim com várias restrições legais).
5. O processo de dedução do IVA pelos sujeitos passivos mistos assenta em duas fases.
6. A primeira é feita pela chamada «imputação directa». Como o nome indica, esta “fase” consiste numa imputação (directa) dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA, se esse input for consumido numa actividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA, caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito.
7. Esta fase deve ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível, porque ela constitui a forma mais rigorosa de alcançar resultados neutros, sem «distorções fiscais».
8. Mas podem subsistir alguns “inputs” que são utilizados de forma indistinta ou simultânea, para o exercício de actividades que conferem, e outras que não conferem, o direito à dedução de IVA, o que torna inviável estabelecer uma ligação directa aceitável entre despesas e correspondentes rendimentos.
9. Nestas situações em que não é possível estabelecer-se qualquer nexo directo entre uma dada operação activa e a correspondente operação passiva, corporizando o que se costuma referir como custos “mistos” ou “promíscuos”, torna-se necessário entrar numa segunda fase do processo fazendo, então, apelo à aplicação da norma contida no artigo 23.º do CIVA.
10. Os métodos da percentagem e da afectação real são formas de resolver o problema da “dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista”, como resulta da epígrafe do art. 23º do CIVA.
11. No tratamento dos custos mistos os artigos 173º e 174º da Directiva IVA consagram em primeira linha o método do “prorata”. Este método redunda numa presunção elementar de que os custos mistos das empresas são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que estas operações representam no volume de negócios total de uma empresa.
12. Mas tal presunção pode ser mais ou menos acertada, em função de cada caso concreto. Para as situações “menos acertadas”, a alínea c) do art. 173º da Directiva IVA permite que os estados membros autorizem ou imponham que a dedução seja calculada com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens ou serviços.
13. De acordo com a interpretação do TJUE «O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»
14. Por isso, é legal uma instrução administrativa da AT (ofício circulado) no sentido de obrigar um banco que exerce actividades isentas e não isentas, nomeadamente atividades de locação financeira a incluir, no cálculo para dedução do IVA dos bens e serviços de utilização mista, apenas a componente das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, excluindo a parte de amortização do capital.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

BANCO B... SA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, exarado na informação n.º 47-ADP/2015 que indeferiu a Reclamação Graciosa n.º 3182201504000781 da auto liquidação de IVA de Dezembro/2013 efetuada com base no critério de percentagem de dedução definido pela AT no ofício circulado n.º 30108, dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso vem deduzido contra a sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão que negou provimento à reclamação graciosa da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao ano de 2013, no valor de € 2.087.907,48;
2.ª O Tribunal considerou que, à luz do conteúdo do acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 e do acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-183/13, em 10.07.2014, não assiste razão ao Recorrente no que diz respeito à inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA;
3.ª Adicionalmente, para o Tribunal recorrido não ocorreu qualquer violação do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, nem vício de forma por falta de fundamentação e notificação do Ofício-Circulado n.º 30108;
4.ª Sendo estes os fundamentos em que se estribou a sentença recorrida para julgar a impugnação judicial improcedente, não pode o Recorrente deixar de discordar da mesma;
5.ª Embora, à luz dos princípios basilares da ordem jurídica europeia da interpretação conforme e da uniformidade de aplicação, em consagração do princípio da efetividade, os tribunais nacionais devam obediência às decisões do TJUE, o que resulta dos acórdãos do TJUE são orientações interpretativas sobre uma determinada norma, cabendo ao juiz nacional a aplicação da norma comunitária ao caso concreto;
6.ª No caso sub judice, o Tribunal a quo considerou que é legalmente inadmissível a inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA, embora não seja possível extrair esta conclusão do aludido acórdão;
7.ª Com efeito, há que ter presente que do acórdão do TJUE – e, por conseguinte, do mencionado acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 –, não é possível extrair a conclusão de que o artigo 23.º do Código do IVA e a correspondente norma da Diretiva do IVA (antigo artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA e atual artigo 174.º da Diretiva 2006/112/CE) devem ser interpretados no sentido de se encontrar excluída do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD;
8.ª A questão sobre a qual aqueles acórdãos se debruçam – bem diferente - trata de saber se o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA se opõe a que a administração tributária obrigue um determinado sujeito passivo a excluir essa componente do cálculo do pro rata de dedução, o que não é a mesma coisa que afirmar que uma determinada norma obriga à exclusão de um determinado componente;
9.ª Assim, dúvidas não restam de que o alcance da decisão do TJUE – e, por conseguinte, do acórdão do STA – se circunscreve à aferição da possibilidade de, à luz do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a administração tributária poder obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução;
10.ª O acórdão do TJUE veio pronunciar-se sobre essa possibilidade num contexto muito específico sendo a factualidade bastante diferente da dos presentes autos: estava em causa uma inspeção tributária em que os serviços da administração tributária determinaram o afastamento do método do pro rata geral previsto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA utilizado pelo sujeito passivo, com fundamento na distorção significativa na tributação, colocando-se a questão de saber se a administração tributária poderia determinar o afastamento daquele método obrigando o sujeito passivo a incluir no numerador e denominador da fração destinada ao cálculo do pro rata de dedução apenas a parte das rendas pagas que correspondesse aos juros;
11.ª No que concerne à questão de saber se os Estados-Membros podem excluir do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira, é entendimento do TJUE que os Estados-Membros poderão afastar o método do pro rata geral de dedução e determinar a aplicação da afetação real dos bens e serviços a montante às operações a jusante, prevista no aludido artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva do IVA, com recurso a critérios objetivos com vista a determinar o grau de utilização dos inputs;
12.ª Acrescenta, no entanto, o Tribunal que “(…) há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal (cf. considerandos 33 e 34, sublinhado nosso);
13.ª Em face do conteúdo do acórdão do TJUE, facilmente se constata que a situação subjacente ao caso sub judice é bem diferente e, por conseguinte, crê-se evidenciado o erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito em que incorreu a sentença recorrida;
14.ª No caso sub judice está em causa – e nunca deixou de estar em causa – a aplicação do método do pro rata geral previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, disposição que tem origem no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e no artigo 19.º, n.º 1, ambos da Sexta Diretiva do IVA;
15.ª A administração tributária não determinou o afastamento daquele método, por via de um qualquer ato tributário de liquidação adicional, nem obrigou o Recorrente à utilização do método da afetação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA;
16.ª Acresce que, não poderia a administração tributária ter afastado o método adotado porquanto não se encontravam preenchidos os requisitos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA para a imposição do método da afetação real, quais sejam, que: (i) o sujeito passivo exerça atividades distintas; (ii) a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação; (iii) a administração tributária emita um ato através do qual imponha ao destinatário a adoção daquele critério no âmbito do apuramento do imposto dedutível incorrido na aquisição de bens de utilização mista; (iv) a aplicação do método visado apenas opere a partir da data da sua imposição;
17.ª Contrariamente ao que decorre da sentença recorrida, não basta que se demonstre que a inclusão da totalidade do volume de negócios aumenta a percentagem de dedução para que se encontre demonstrada a exigência de uma distorção na tributação, pois tal aumento reflete tão-somente uma decorrência natural da aplicação do método supletivo em questão, ou seja, se o volume de operações de locação financeira tributadas for significativo face ao volume de negócios global, a fração algébrica de cálculo do pro rata irá refletir essa realidade, não representado isso, per se, qualquer distorção;
18.ª Acresce que, na decisão de reclamação graciosa na origem dos presentes autos, a administração tributária limitou-se a referir que a inclusão da parcela de amortização do capital no cálculo do pro rata afigura-se “(…) suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, o mesmo é dizer, suscetível de conduzir a “distorções significativas na tributação”” (cf. página 14 do doc. n.º 2 da p.i., sublinhado nosso), não particularizando quanto aos critérios que justificaram a desconsideração dos montantes em crise;
19.ª Termos em que, não tendo sida concretizada qualquer correção aos atos tributários através dos quais o Recorrente exerceu o direito à dedução do IVA com base no método do pró rata geral previsto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA assente na existência de uma distorção significativa da tributação no caso concreto só se poderá concluir que a utilização do método do pro rata geral no ano de 2013 não foi afastada por aqueles serviços.
20.ª Deste modo, e para os devidos efeitos legais, não pode o Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a. Na determinação do IVA dedutível relativamente às aquisições de bens e serviços afetas indiscriminadamente às diversas operações do Recorrente (bens de utilização mista), o Recorrente utilizou o método geral e supletivo do pro rata conforme o disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA;
b. Não foi realizada qualquer inspeção tributária, nem concretizada qualquer correção pelos serviços da administração tributária no sentido de afastar o método do pró rata geral utilizado pelo Recorrente com referência ao ano de 2013, nem determinada a sua substituição pelos serviços da administração tributária.
21.ª De igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados;
22.ª Em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão nos termos peticionados pelo Recorrente;
23.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, face ao disposto no artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;
24.ª É também evidente o erro de julgamento de direito em que também incorre a sentença recorrida;
25.ª Embora o TJUE julgue admissível a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução, sempre que os bens e serviços de utilização mista estejam essencialmente ligados ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, essa exclusão é aceite no quadro da aplicação pelos serviços da administração tributária do método da afetação real a que se refere o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA, que tem na sua origem o aludido artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva do IVA, e não do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA;
26.ª Estando em causa no caso sub judice, como supra se evidenciou, a interpretação e aplicação de uma disposição distinta daquela sobre a qual o TJUE se pronunciou, a presente decisão padece de erro ao estribar-se na interpretação constante daquela decisão do TJUE;
27.ª À luz da situação fáctica acima mencionada e do alcance da interpretação vertida no acórdão do TJUE, só pode concluir-se pela inaplicabilidade dos respetivos princípios interpretativos ao caso sub judice, já que a questão controvertida nos presentes autos cinge-se sempre à legalidade de uma liquidação de imposto que reflete a dedução do IVA referente a inputs mistos de acordo com o método do pro rata geral;
28.ª Ou bem que a exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD resultava diretamente da lei – o que, como se verificou, não é o que sucede, nem o TJUE o afirmou – ou, não sendo assim, a única forma de se admitir a sua desconsideração do cálculo da fração do pro rata seria o afastamento do método seguido pelo contribuinte e a sua substituição por outro método, concretizada através de um ato tributário que exteriorizasse os efeitos dessa decisão, não se bastando, como é evidente, com a mera existência de orientações administrativas que, para além de não vinculativas nem para os particulares, nem para os tribunais, não produzem efeitos numa situação concreta e individualizada;
29.ª Acresce que, sendo certo que a alteração de método deve passar pela prova da distorção na tributação a efetuar pela administração tributária, como especialmente o impõem as disposições legais aplicáveis, dificilmente se compaginaria uma situação em que o afastamento de um método e a sua substituição por outro não adviesse de um ato concreto e definidor da situação jurídica de um determinado contribuinte;
30.ª Estando em causa a aplicação do método do pro rata geral de dedução e não se controvertendo que a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD integra o conceito de volume de negócios para efeitos dessa disposição, essa componente não pode ser excluída, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida;
31.ª Importa ter presente que a Diretiva do IVA e o Código do IVA atribuem aos serviços da administração tributária a faculdade de obrigarem os sujeitos passivos a adotarem outro método, não lhe sendo permitido, sem a correção do método utilizado, excluir uma ou outra componente que contribuiria para o seu cálculo, face à desejada neutralidade do IVA;
32.ª Sendo certo que a dedução do IVA suportado nos inputs mistos é sempre falível, porque não é uma afetação direta e imediata, o que importa é que se utilize um método de forma uniforme e consistente, o que não se consegue se houver a exclusão de uma determinada componente;
33.ª Adotar singelamente a conclusão daquele acórdão ao caso em apreço é admitir a exclusão de uma componente que faz parte do volume de negócios para efeitos do pro rata geral de dedução, o que não é admitido à luz do próprio acórdão do TJUE;
34.ª Deste modo, e uma vez que não se está, nem vem invocado que se esteja, perante um “ato claro” suscetível de dispensar a obrigação de reenvio prejudicial, caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário que assume relevância para o presente litígio, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, nos termos do artigo 267.º do TFUE;
35.ª No entendimento do Recorrido outra interpretação daquela norma do TFUE que não esta incorre em violação da Constituição da República Portuguesa (CRP), designadamente do disposto no artigo 20.º, n.º 5, do aludido diploma, já que a interpretação do disposto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, no sentido de estender a interpretação efetuada pelo TJUE no acórdão proferido no processo C-183/13 a toda e qualquer norma constante do artigo 17.º da Sexta Diretiva do IVA ou do atual artigo 174.º da Diretiva 2006/112/CE e, por conseguinte, a todas as disposições do artigo 23.º do Código do IVA, incorre em violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;
36.ª A questão a interpretar pelo TJUE é a seguinte: É compatível com o disposto nos artigos 174.º, n.º 1, da Diretiva do IVA (Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, a interpretação do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA, na redação vigente a 31.12.2007, segundo a qual, para efeitos do cálculo do pro rata geral de dedução, o montante das operações constante do numerador e do denominador da fração deve incluir apenas a componente de juros que integra a renda faturada nos contratos de locação financeira mobiliária e ALD? Ou, atendendo a que o valor tributável sobre que incide o IVA, nos termos da alínea h), do n.º 2, do artigo 16.º do Código do IVA, é a totalidade da renda, sem qualquer segregação entre capital e juros, é esse o montante que deve ser considerado para efeitos de cálculo do pro rata? A não inclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira mobiliária e ALD para efeitos do cálculo do pro rata geral de dedução viola o princípio do direito à dedução e o princípio da neutralidade ínsitos ao sistema comum do IVA?;
37.ª Sem prejuízo do acima exposto, e caso não proceda o que acima se aduziu, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, ainda assim a presente sentença deve ser anulada por falta de verificação da ligação entre a utilização dos bens e serviços e o financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD, como aquele acórdão do TJUE assim o exigia;
38.ª Com efeito, sendo certo que o TJUE julgou admissível a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução, não é menos certo que fez depender essa exclusão da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, o que caberia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, recaindo essa obrigação sobre qualquer órgão jurisdicional que pretenda aplicar o entendimento daquele acórdão do TJUE;
39.ª Efetivamente, ao longo do acórdão do TJUE, são várias as referências nesse sentido (cf. considerandos 33 e 34);
40.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente que sobre o Tribunal recaía a obrigação de pronúncia sobre a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, como, aliás, parece de resto ter entendido o STA no processo n.º 1075/13, em que decidiu baixar os autos ao tribunal de 1.ª instância para a pronúncia sobre as questões que ficaram prejudicadas pela decisão;
41.ª No caso sub judice, a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira não é concretamente aferida pelo Tribunal recorrido;
42.ª Com efeito, e tanto quanto o Recorrente consegue depreender, o Tribunal partiu do pressuposto de que, atento o facto de estarem em causa contratos de natureza primacialmente financeira, deve ter-se por imediatamente evidenciada a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou gestão dos contratos;
43.ª Um entendimento de tal ordem não pode proceder, porque a natureza primacialmente financeira dos contratos de locação financeira não é suficiente para concluir por aquela ligação;
44.ª Com efeito, se o TJUE julgou por necessária aquela verificação, é porque a mesma não decorre da natureza dos contratos, mas das circunstâncias concretas de cada caso;
45.ª De facto, se não fosse necessária essa verificação em concreto, bastaria ao TJUE afirmar como princípio que a componente de capital nunca poderia estar incluída para efeitos de cálculo do pro rata dedução de, pelo que, não o tendo feito, foi porque se impunha sempre a verificação em concreto da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira;
46.ª Deste modo, deve concluir-se que a interpretação que o Tribunal realiza das normas nacionais e comunitárias aplicáveis neste âmbito enferma de ilegalidade;
47.ª De facto, outra interpretação que não esta incorre em inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na CRP, já que a interpretação do artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva do IVA), no sentido de que não se impõe a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira atenta a natureza primacialmente financeira dos contratos, viola quer o princípio da tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, quer os princípios e normas conformadores da construção comunitária constitucionalmente aceites por força do artigo 7.º, n.º 6, da CRP, designadamente os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados;
48.ª Em face do exposto, e atenta a errónea interpretação da sentença recorrida, deve determinar-se de imediato a sua anulação, por manifesto erro de julgamento;
49.ª Sendo anulada a sentença recorrida, como espera o Impugnante, ora Recorrente, deve julgar-se procedente a impugnação judicial e determinar-se a correção do ato de autoliquidação impugnado, o que se impõe à luz das circunstâncias concretas do caso sub judice e tendo presente que a interpretação do acórdão do TJUE no sentido de que se impõe ao contribuinte a demonstração da efetiva ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira é uma prova impossível ou diabólica;
50.ª Com efeito, estando em causa bens e serviços de utilização mista relativamente aos quais se aplica o método do pro rata precisamente pela dificuldade ou impossibilidade na sua afetação direta, não é possível apurar de forma concreta quais dos gastos decorrentes da utilização de bens mistos – por exemplo, telefones ou eletricidade – respeitam à atividade de disponibilização dos veículos e que parte respeita ao financiamento e gestão dos contratos;
51.ª Na verdade, a exigência de tal prova sempre padeceria de óbvia inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º da CRP e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Cidadão, por se consubstanciar na imposição de um ónus tão gravoso ao contribuinte que implica a impossibilidade prática deste se socorrer da faculdade de cumprir de alguma forma o ónus que lhe era imposto por aquele acórdão do TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
52.ª Os princípios acima identificados obrigam assim o intérprete a descobrir um sentido interpretativo que seja conforme com os mesmos e que não seja impeditivo do cumprimento do ónus probatório que impende sobre o Impugnante, ora Recorrente;
53.ª Neste contexto, e seguindo a posição mitigada que os tribunais têm adotado em situações de dificuldade séria de prova e que passa pela menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur” (cf., a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2012, proferido no âmbito do processo n.º 0286/12), conclui-se que inexistem razões para considerar que se verifica a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira e não à disponibilização dos veículos;
54.ª Por último, sempre cumpre invocar ainda, sem prejuízo de todo o exposto, que caso esse Ilustre Tribunal considere necessária a demonstração da ligação entre a utilização mista de bens ou serviços e o financiamento e gestão dos contratos ou a disponibilização dos veículo, sempre se imporia ao Tribunal que, à luz do princípio do inquisitório, promovesse pela realização das diligências necessárias e disponíveis para obter essa prova, designadamente identificando quais os meios de prova idóneos para demonstrar aquela ligação e notificando a parte para a junção dos elementos necessários;
55.ª Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material;
56.ª Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da aludida requisição dos documentos não decorrer a prova desse facto;
57.ª A esta conclusão não obsta as regras do ónus da prova estatuídas no artigo 74.º da LGT, na medida em que o princípio do inquisitório funciona a montante das regras do ónus da prova;
58.ª Pelo que, em face de todo o exposto, resultando evidente o erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu, deve revogar-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais;
59.ª Por último, e sem prejuízo do exposto, incorre ainda o Tribunal em erro de julgamento no que toca à aplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009;
60.ª Com efeito, o referido Ofício-Circulado não constitui fonte de direito fiscal, configurando direito circulatório administrativo, sendo que a validade de tal imposição encontra-se sujeita às mesmas regras de validade dos atos administrativos (artigo 268.º da CRP, artigo 77.º, n.º 1 da LGT e artigo 36.º do CPPT), dependendo de uma válida notificação aos interessados, o que no caso em apreço não sucedeu;
61.ª Acresce que, para que operasse uma válida imposição do método da afetação real (artigo 23.º, alínea b) do Código do IVA), impunha-se à administração tributária a demonstração no referido ato das alegadas distorções significativas na tributação – as quais configuram uma condição sine qua non para a imposição do método da afetação real –, só assim se considerando fundamentado;
62.ª Assim, não tendo havido notificação de ato impositivo de alteração de método de apuramento do IVA, apenas se poderá considerar que a putativa imposição se revela retroativa;
63.ª Deste modo, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e, bem assim, ser corrigido o ato tributário impugnado, com as demais consequências legais;
64.ª Por fim, entende o Recorrente que se verificam os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta a conduta processual das partes e a tramitação processual, razão pela qual se requer, também quanto a este aspeto, a revogação da sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação das decisões administrativas e a correção dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja o Recorrente dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

CONTRA ALEGAÇÕES.
A RECORRIDA contra alegou e concluiu:
I. Constitui objeto do presente Recurso a Douta Sentença proferida nos autos acima melhor identificados, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3182201504000781 apresentada contra a autoliquidação de IVA de 2013.
II. Na base do presente processo de impugnação judicial está uma divergência entre o entendimento seguido pela AT e o entendimento advogado pela Recorrente que consiste, grosso modo, em saber se, no que se refere às rendas auferidas no âmbito dos contratos de locação financeira e de ALD, e no que respeita ao método de dedução de IVA relativo aos bens e serviços de utilização mista a aplicar por sujeitos passivos mistos que realizem também tais operações, aquelas devem ou não ser incluídas, na sua totalidade, no cálculo da percentagem de dedução apurada nos termos previstos nos n.ºs 1 e 4, do artigo 23.º, do CIVA (pro rata geral), ou se, ao invés, deve ser apenas considerado no cálculo da percentagem de dedução o valor dos juros contido nas rendas (excluindo a componente relativa à amortização do capital), aplicando-se, assim, o método da afetação real coadjuvado de um coeficiente de imputação específico, tendo em vista a atenuação, ou até, a eliminação das distorções na tributação que resultam, em tais casos, da aplicação do pro rata geral baseado no volume de negócios.
III. De acordo com a posição advogada pela AT e vertida no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, bem como noutras informações e pareceres, nomeadamente na informação vinculativa n.º 1251, de 15/03/2004, da DSIVA, elaborada a requerimento da Recorrente, no cálculo da percentagem de dedução não deve ser incluída a componente da amortização de capital das rendas auferidas nos contratos de leasing e ALD, mas tão-só a componente relativa aos juros.
IV. Posição esta com a qual a ora Recorrente não concorda por considerar ser de aplicar em tais casos o pro rata geral previsto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 4 do CIVA, tendo em consideração, nomeadamente, o disposto na alínea h), do n.º 2, do artigo 16.º, daquele diploma legal.
V. Na Douta Sentença que constitui objeto do Recurso interposto pela Impugnante, decidiu o Meritíssimo Juiz de Direito pela improcedência da Impugnação apresentada, mantendo-se, em consequência, a decisão impugnada.
VI. Concluiu, então, falecer razão à Impugnante no que se refere aos alegados vícios de lei por violação dos artigos 16.º, n.º 2, alínea h) e 23.º, n.º 4, ambos do CIVA, por violação do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, bem como do alegado vício de forma por falta de fundamentação e por falta de notificação do Ofício-Circulado n.º 30.108.
VII. Aliás, no que concerne àquele primeiro vício, concluiu o Tribunal a quo que “(…) a criação de uma distorção na tributação irá redundar necessariamente na violação do princípio da neutralidade, pois que tal distorção permite ao sujeito passivo deduzir uma percentagem superior ao peso relativo que a atividade dedutível assume na globalidade da sua atividade, saindo, desse modo, beneficiado, face aos demais sujeitos passivos inseridos na cadeia comercial em causa.”.
VIII. Sucede que, tendo tido tal decisão, também, na sua base, o Acórdão do STA, de 29/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, bem como o Acórdão do TJUE, de 10/07/2014, proferido no processo n.º C-183/13, veio a Recorrente invocar que a Sentença proferida incorreu em erro de julgamento, alegando que “(…) [os] princípios orientadores daquele acórdão não são aplicáveis ao caso porque não houve afastamento do método de dedução do pro rata, contrariamente ao que naquele acórdão se previa como pressuposto para a decisão. Deste modo, adotar a conclusão daquele acórdão no caso em apreço é admitir a exclusão de uma componente que faz parte do volume de negócios para efeitos do pro rata geral de dedução. Não se trata, como é evidente, de situação prevista ou sequer admitida pelo aludido acórdão do TJUE. Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve anular-se a sentença recorrida.”.
IX. Refere a Recorrente que a questão sobre a qual incidem os mencionados arestos é substancialmente diferente daquela que ora nos ocupa, argumentação esta com a qual não podemos concordar.
X. Desde logo, porque, e atendendo aos elementos constantes de tais arestos, é possível verificar ser a questão a decidir a mesma que aqui está em causa, não se antevendo como possa a factualidade subjacente àqueles arestos e a factualidade subjacente aos presentes autos ser de tal forma “substancialmente diferente” de molde a determinar a inaplicabilidade daquela jurisprudência ao caso vertente.
XI. É certo que, na base dos litígios subjacentes a tais decisões, estiveram procedimentos inspetivos no âmbito dos quais a Administração Fiscal procedeu à imposição do método segundo o qual na aferição da percentagem de dedução deveria ser apenas considerado o montante das rendas relativo aos juros, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, em detrimento da aplicação do método do pro rata geral previsto no n.º 4, daquele normativo legal.
XII. Contudo, não se nos afigura admissível aceitar que, por estarmos, aqui, face a uma autoliquidação de IVA, a decisão proferida pelos competentes serviços da AT, na sequência da reação encetada contra tal ato pela Recorrente, não pudesse ter, também, a virtualidade de afastar a aplicação do pro rata genérico pretendida pelo Sujeito Passivo.
XIII. Com efeito, resulta do decidido em tais arestos versarem os mesmos sobre a possibilidade da Administração Tributária impor aos sujeitos passivos, em tais situações, a aplicação do método de afetação real coadjuvado daquele coeficiente de imputação específico ao abrigo da alínea c), do terceiro parágrafo, do n.º 5, do artigo 17.º, da Sexta Diretiva a que corresponde, no ordenamento interno, a parte final do n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, tendo em vista uma aferição do IVA dedutível o mais precisa possível, evitando a ocorrência das denominadas “distorções significativas na tributação” (alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA), não querendo, porém, tal conclusão significar, a nosso ver, que a factualidade subjacente a tais decisões judiciais seja “bastante diferente” da factualidade que aqui nos ocupa, no sentido advogado pela Recorrente.
XIV. De facto, não podemos aceitar que a decisão proferida pelo TJUE se circunscreva à legitimidade, ou não, da imposição daquele método por força do n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, nada tendo que ver com o método previsto no n.º 4, daquela norma.
XV. Ao alegar de tal modo incorre a Recorrente, na nossa visão das coisas, em erro de facto e de direito.
XVI. Por um lado, o método que a Recorrente aplicou aquando da elaboração da Declaração Periódica que deu origem à autoliquidação ora mediatamente impugnada, não pode ser, verdadeiramente (embora a Recorrente assim o apelide), considerado como sendo o método do pro rata genérico previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, baseado no volume de negócios.
XVII. Aliás, foi a Recorrente quem, à partida, na Petição Inicial entregue, admitiu ter aplicado o método preconizado no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, o qual, como aí expressamente se refere, não se confunde com o pro rata geral previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA.
XVIII. De facto, está, antes, em causa aqueloutro método em que se determina o IVA dedutível através do cálculo de uma percentagem específica, considerando-se apenas naquele cálculo, a parte das rendas relativa aos juros e não a parte relativa à amortização de capital.
XIX. Na realidade, a Recorrente, na autoliquidação mediatamente impugnada, seguiu de perto o entendimento advogado pela AT.
XX. Ademais, e ao contrário do alegado pela Recorrente, a Administração Fiscal “impôs” de forma individualizada o mencionado método através da decisão exarada no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação, sendo certo que outra coisa não seria exigível porquanto, e afinal, a autoliquidação em causa estava, ab initio, em conformidade com o entendimento advogado pela AT não havendo lugar, à partida, a qualquer tipo de correção.
XXI. Posto isto, não conseguimos vislumbrar como possa a Recorrente vir argumentar que a faculdade de imposição pela AT daquele método teria de ocorrer através da emissão de um ato tributário concretizador da correção efetuada à dedução, como por exemplo a emissão de uma liquidação adicional, porquanto, e repita-se, a autoliquidação inicialmente entregue pela Recorrente e que constituiu objeto daquele procedimento administrativo estava em conformidade com o entendimento da AT.
XXII. Com efeito, no caso sub judice, a atuação da AT limitava-se a não aceitar o novo entendimento da Recorrente, mantendo a autoliquidação em causa, em observância da informação vinculativa n.º 1251 prestada à Recorrente e do Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, cabendo-lhe um poder genérico de imposição daquele método, por traduzir uma mais precisa aferição do IVA dedutível, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, mas também do artigo 87.º, do mesmo diploma, como doutamente decidiu a Sentença recorrida.
XXIII. Invoca, ainda, a Recorrente que a AT não podia, sequer, ter procedido a tal imposição, nos termos do n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, por não estarem verificados, no caso controvertido, os pressupostos legalmente previstos necessários a tal imposição: “(i) o sujeito passivo exerça atividades distintas; (ii) a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação; (iii) a administração tributária emita um ato através do qual imponha ao destinatário a adoção daquele critério no âmbito do apuramento do imposto dedutível incorrido na aquisição de bens de utilização mista; (iv) a aplicação do método visado apenas opere a partir da data da sua imposição”.
XXIV. Logo à partida, refira-se que os requisitos constantes do artigo 23.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CIVA não são de verificação cumulativa, sendo, antes, alternativos, como bem concluiu o Tribunal a quo.
XXV. No que concerne ao alegado pela Recorrente no sentido de nem a AT nem o Tribunal a quo terem concretizado as referidas distorções na tributação, somos a referir que tais distorções resultam inexoravelmente da aplicação do método do pro rata geral previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, por sujeitos passivos mistos que pratiquem, inclusivamente, uma atividade relacionada com a celebração de contratos de leasing e ALD.
XXVI. Aliás, tal situação foi devidamente evidenciada na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na contestação apresentada, bem como na Sentença recorrida, na qual o Meritíssimo Juiz procedeu a uma demonstração cuidada, com recurso a cálculos, das – repita-se – inexoráveis distorções na tributação decorrentes da inclusão no cálculo da percentagem de dedução do montante das rendas relativo à amortização de capital.
XXVII. Neste seguimento, não poderia ser mais clara a decisão proferida pelo Tribunal a quo quando esclarece que “(…) se este tipo de contratos – leasing –, mais não são do que um tipo de financiamento, eles terão de ter um tratamento idêntico àquele que é dado aos demais financiamentos. A contabilização do capital amortizado cria uma falsa aparência, porque leva à consideração de um peso mais preponderante do que aquele que este tipo de financiamentos, na realidade, assume face aos demais contratos de crédito.”.
XXVIII. Posto isto, e face aos factos invocados na 20.ª Conclusão das Alegações de Recurso apresentadas, refira-se que constam já dos autos os elementos necessários à comprovação de que a Recorrente não aplicou, na autoliquidação, o método de percentagem de dedução previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA e de que não foi realizada qualquer inspeção, o que, aliás, não se impunha.
XXIX. Assim, e uma vez que tais factos, por nós referidos, resultam dos elementos constantes dos autos, não devendo, por conseguinte, relevar-se como factos provados os indicados pela Recorrente na sua 20.ª Conclusão, não nos é possível descortinar motivo suficiente pelo qual deva a pretensão da Recorrente, no sentido de serem dados como provados tais factos sendo proferida nova decisão devendo os presentes autos baixar à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto para reapreciação da mesma por este Ilustre Tribunal, ser atendida.
XXX. Outrossim, não poderá olvidar-se, caso se entenda não constarem dos autos os elementos necessários à apreciação de tais factos, o que só por mero exercício académico se admite, “(…) que no contencioso tributário a possibilidade de anulação da sentença proferida na 1.ª instância por não constarem do processo todos os elementos que permitem e sejam indispensáveis à ampliação da matéria de facto, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, deverá ser articulada com a norma especial do n.º 1 do art. 288.º do CPPT, não havendo lugar à anulação da sentença sempre que os elementos em falta para a alteração da matéria de facto devessem constar do processo de execução fiscal ou do processo administrativo e a sua falta possa ser suprida através de diligências levadas a cabo pelo relator ao abrigo do n.º 1 do art. 288.º do CPPT.” Cristina Flora e Margarida Reis, in “Recursos no Contencioso Tributário”, Quid Iuris – Sociedade Editora, página 71.
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XXXI. Em conclusão, e pelo que fica dito, julgamos não incorrer a Sentença recorrida em erro de julgamento em matéria de facto por terem nela sido analisados e dados como provados, ao contrário do advogado pela Recorrente, todos os factos essenciais para a decisão da causa.
XXXII. No que concerne ao erro de julgamento de direito de que alegadamente padece a decisão recorrida, invoca a Recorrente que a jurisprudência do TJUE em que aquela também se baseou não incide sobre o método constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, incidindo antes sobre o disposto no n.º 2, do artigo 23.º, daquele diploma legal.
8 XXXIII. Refere, ainda, a Recorrente que, ou a exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD resultava diretamente da lei, ou, assim não sendo, a única forma de se admitir a sua desconsideração do cálculo do pro rata seria o afastamento do método seguido pelo Contribuinte e a sua substituição por outro método através de um ato tributário capaz de exteriorizar os efeitos da decisão. Neste sentido, afirma a Recorrente que, no caso vertente, persiste um ato administrativo-tributário, o ato de autoliquidação, cujo IVA foi deduzido em observância do método do pro rata geral.
XXXIV. Ora, face ao assim alegado, somos, mais uma vez, a reafirmar que, embora a Recorrente qualifique o método por si utilizado como sendo o método do pro rata geral previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, não se pode o mesmo qualificar como tal.
XXXV. É que, de acordo com o por si exposto na Reclamação Graciosa apresentada e na Petição Inicial do processo de Impugnação Judicial deduzido, a Recorrente procedeu do seguinte modo: na determinação do IVA dedutível relativo aos inputs mistos, em que não foi possível estabelecer uma relação exclusiva entre os inputs e os outputs com direito à dedução, mas tão-só direta, entre certas aquisições de bens e serviços e operações ativas realizadas, foi adotado o método da afetação real, sendo que, em relação aos restantes inputs em que não foi possível estabelecer aquela ligação foi aplicada uma percentagem de dedução na qual foi apenas considerado o montante relativo aos juros das rendas cobradas no âmbito dos contratos de leasing e ALD, em observância do entendimento da AT constante do Ofício-Circulado n.º 30.108/2009.
XXXVI. Refira-se, ainda, que o que ocorre com a adoção daquele método não é a alteração de uma componente do método do pro rata geral, previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, mas sim a adoção do método da afetação real coadjuvado do coeficiente de imputação específico no qual apenas será de considerar, no cálculo da percentagem de dedução, o montante das rendas relativo aos juros, excluindo-se de tal cálculo o montante relativo à amortização de capital.
XXXVII. No que se refere ao peticionado pela Recorrente no sentido da presente jurisdição dever proceder ao reenvio prejudicial da questão por si aduzida, nos termos do artigo 267.º, do TFUE, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrada no n.º 5, do artigo 20.º, da CRP, por nos presentes autos e nas decisões exaradas pelo STA e pelo TJUE estarem alegadamente em causa normas e métodos distintos e face à insuficiente clareza que norteia o ato em causa, não podemos, outrossim, concordar com tal pedido.
XXXVIII. Na verdade, o que aqui está em causa é a interpretação do artigo 23.º como um todo e a concernente dilucidação do melhor método a aplicar, enquanto método capaz de se afigurar como o mais preciso na aferição do IVA dedutível, tendo em vista a observância do princípio da neutralidade.
XXXIX. Ou seja, no encalço da posição vertida nos citados Acórdãos do STA (Processo n.º 01075/13, Acórdãos de 29/10/2014 e 25/02/2015; Processo 0970/13 de 03/06/2015 e de 23/09/2015), e embora no Acórdão do TJUE se venha permitir que, ao abrigo da alínea c), do terceiro parágrafo, do n.º 5, do artigo 17.º, da Sexta Diretiva, as Administrações Fiscais possam impor aos sujeitos passivos a aplicação daquele método, certo é que tal conclusão terá direta influência na aplicação, ou não, do pro rata geral previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, como doutamente se esclarece naquele Acórdão do STA (de 29/10/2014) quando se refere que “[p]ortanto, a interpretação que deve ser feita do artigo 23º do CIVA, no entender do TJUE, deve englobar necessariamente todos os seus números e não apenas os n.ºs. 1 e 4 como parece fazer crer a recorrida.”.
XL. E isto porque, desde logo, as normas e os métodos em presença não são, ao contrário do propugnado pela Recorrente, distintos e insuscetíveis de confusão, não obstando a tal conclusão o facto de subjacentes a tais processos estarem liquidações adicionais ao contrário do que sucede no caso dos presentes autos em que está em causa uma autoliquidação.
XLI. Ademais, se assiste à AT o poder de obrigar o Sujeito Passivo a adotar o método da afetação real, alterando o método por si adotado, quando da aplicação do pro rata de dedução resultem distorções na tributação, ao abrigo do disposto no n.º 2 e alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, nomeadamente através de correções a declarações entregues e da emissão de liquidações adicionais – sendo certo que, no caso em apreço, não era necessária aquela imposição e concernente correção uma vez que o Contribuinte havia adotado o entendimento da AT – podia e devia a AT indeferir o pedido de anulação daquela autoliquidação, assim se concretizando, ao que julgamos, aquela “imposição”.
XLII. Assim sendo, só poderá concluir-se do que fica dito que, ao contrário do alegado pela Recorrente, estavam, afinal, em causa, nos presentes autos, as mesmas disposições e princípios subjacentes às decisões exaradas pelo STA e pelo TJUE a que o Meritíssimo Juiz alude na Sentença objeto de recurso, demonstrando-se, também por esta via, a sua aplicabilidade.
XLIII. Por outro lado, tendo sido a questão que a Recorrente pretende sujeitar a reenvio prejudicial já colocada precisamente da mesma forma que aqui foi e com o mesmo intuito, no âmbito daquele processo n.º 01075/13 (cfr. conclusão 59 das contra-alegações apresentadas pelo aí Recorrido constantes do Acórdão proferido a 29/10/2014), decidiu o STA no âmbito, tanto do Acórdão datado de 29/10/2014, como do Acórdão proferido no âmbito do mesmo processo, a 25/02/2015, não ser de proceder ao requerido reenvio prejudicial por estar em causa questão igual à que foi tratada no processo C-183/13 “Banco Mais” e apreciada pelo TJUE.
XLIV. Traga-se, ainda a este propósito, à colação o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0970/13, a 03/06/2015, no qual estava – como aqui está – em causa, um processo de impugnação judicial deduzido contra uma autoliquidação de IVA, e no qual veio também alegar-se que a jurisprudência do TJUE exarada naquele Acórdão proferido no processo C-183/13 não tinha relevância nos referidos autos, tendo, mais uma vez, o STA decidido não caber razão à Recorrida afirmando, inclusivamente, não proceder a mesma à melhor interpretação do Acórdão do Tribunal de Justiça.
XLV. Sucede que, tendo vindo, na sequência de tal Acórdão, a aí Recorrida arguir a nulidade do mesmo, manteve o STA a sua orientação, em novo Acórdão, datado de 23/09/2015, no que a tal questão diz respeito, considerando inexistir qualquer obrigação de reenvio e, consequentemente, qualquer violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva pelo facto de a questão suscitada ser substancialmente idêntica à questão apreciada pelo TJUE naquele Acórdão.
XLVI. Não obstante considerar que os referidos arestos do TJUE e do STA em que, também, se baseou a Sentença proferida não têm aplicação nos presentes autos, vem a Recorrente assacar à decisão recorrida erro de julgamento na falta de verificação da ligação entre a utilização dos bens e serviços e o financiamento e gestão dos contratos de leasing, como era exigido pelo Acórdão do TJUE.
XLVII. Nas palavras da Recorrente, o TJUE faz depender a possibilidade de exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização de veículos, o que caberia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
XLVIII. Daqui retira a Recorrente, que, se tal ligação é de verificação necessária, daí resulta que o que a lei admite é a substituição de um outro método de dedução e não a exclusão de uma componente que integra o cálculo a efetuar num dado método, sendo que, se tal substituição não ocorre, aquela exclusão de uma componente do cálculo a efetuar no âmbito do método do pro rata genérico de dedução será “manifestamente distorcedor do sistema do direito à dedução”, pois que, se o IVA incide sobre a renda na sua totalidade, nos termos da alínea h), do n.º 2, do artigo 16.º, do CIVA, não será legítimo ficcionar a separação da renda em juros e capital para efeitos do direito à dedução.
XLIX. Face ao aduzido pela Recorrente, reafirme-se que o método advogado pela AT e que encontrou guarida junto do TJUE não é o método constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, mas sim o método da afetação real coadjuvado de um coeficiente específico, não estando em causa uma qualquer legitimação da exclusão de uma componente do método previsto naquela norma.
L. Assente que fica esta premissa, não vem a Recorrente concretizar em que medida a não inclusão daquela componente de capital no cálculo da percentagem de dedução a aplicar aos inputs promíscuos é “manifestamente distorcedor[a] do sistema do direito à dedução”
LI. Na verdade, sendo que, para efeitos de liquidação do IVA, ao abrigo do disposto na alínea h), do n.º 2, do artigo 16.º, do CIVA, o valor tributável ser a renda recebida ou a receber, tal facto não é capaz de invalidar a aplicação do método de dedução advogado pela AT, uma vez que, em observância do princípio da neutralidade, não podia ser outra a opção senão a preconizada na lei a este respeito, pois que, se assim não fosse, não poderia o Estado “reaver” para si o valor deduzido a montante pelo sujeito passivo (locador) aquando da aquisição do bem destinado à locação, não se verificando o normal funcionamento do mecanismo do IVA.
LII. Com efeito, e ao que julgamos, com a aplicação daquele método não se está a criar uma qualquer distorção do sistema de dedução do IVA, uma vez que o montante incorrido com a aquisição dos veículos objeto dos contratos de leasing e ALD foi já efetivamente (liquidado e) deduzido, aquando da respetiva aquisição, havendo, por sua vez, lugar à dedução proporcional do montante de IVA incorrido com os inputs mistos relacionados com o desenvolvimento da atividade de financiamento e gestão dos contratos de leasing.
LIII. Ou seja, com a aplicação do método constante do Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, de 30/01, o Contribuinte em nada sai prejudicado no exercício do respetivo direito à dedução do IVA suportado.
LIV. Pelo que vem sendo dito, e ao contrário do advogado pela Recorrente, bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar inexistir o alegado vício de violação do disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea h), do CIVA, não padecendo a decisão proferida de qualquer erro de julgamento.
LV. No que concerne à, alegadamente, necessária e concreta verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou gestão dos contratos de locação financeira, refira-se que, apesar do Tribunal a quo ter fundamentado a sua decisão na jurisprudência do TJUE, esta não constituiu seu fundamento único.
LVI. Ademais, consideramos que o Tribunal recorrido bem andou ao decidir que aquelas distorções na tributação decorrem inexoravelmente do facto de estarem em causa contratos de cariz eminentemente financeiro.
LVII. Na verdade, o Meritíssimo Juiz fundamentou a sua decisão, sobretudo, no facto de a aplicação do método do pro rata geral, previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, conduzir, inelutavelmente, a distorções significativas na tributação, violadoras do princípio da neutralidade fiscal.
LVIII. Na realidade, e no que se refere à ocorrência de distorções significativas na tributação capazes de motivar, nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, a imposição do método de afetação real, motivadas pelo uso do pro rata geral baseado no volume de negócios, as mesmas são de fácil evidência, pois que, e se, naquela proporção, fossem incluídas as rendas na sua totalidade, incluindo a parte relativa ao capital e a parte relativa aos juros (sendo que o IVA incorrido para aquisição dos veículos havia sido já integralmente deduzido aquando da aquisição), a contabilização daquela parte da renda, naquela percentagem, levaria a uma dupla dedução, a um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns e, por isso, a um direito à dedução ilegítimo.
LIX. Aliás, tal demonstração da ocorrência das mencionadas distorções significativas na tributação resultantes da aplicação, no caso vertente, do pro rata geral, capazes de motivar a imposição daqueloutro método de afetação real coadjuvado daquele coeficiente de imputação específico, nos termos do n.º 2 e da alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, resulta bem patente da informação exarada no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa cuja decisão de indeferimento constitui objeto imediato da presente impugnação, resultando, outrossim, da fundamentação da Sentença recorrida.
LX. Assim sendo, cremos inexistir qualquer violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, bem como aos princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e cooperação leal entre os Estados-Membros, pois, e como afirma a Recorrente, aquela jurisprudência do TJUE deve ser entendida como veiculando orientações interpretativas sobre determinada norma, cabendo, depois, ao juiz nacional a aplicação da norma comunitária ao caso concreto.
LXI. Neste seguimento, afirma a Recorrente que, sendo anulado a decisão recorrida, deverá a presente impugnação judicial ser julgada procedente, determinando-se a correção do ato de autoliquidação impugnado, por considerar ser “(…) a única conclusão que se impõe à luz das circunstâncias concretas do caso sub judice e tendo presente que a interpretação do acórdão do TJUE no sentido de que se impõe ao contribuinte a demonstração da efetiva ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira é uma prova impossível ou diabólica”.
LXII. Mais uma vez, julgamos não assistir razão à Recorrente. É que, se, por um lado, vem afirmar que a aplicação do Acórdão do TJUE não pode ser automática, sendo necessário verificar se a ligação dos bens e serviços de utilização mista são sobretudo determinados para a parte da atividade relativa à gestão e financiamento dos contratos de leasing e não para a disponibilização dos veículos, sob pena de, usando do argumento de que tal verificação é dispensável por estarmos perante contratos de natureza primacialmente financeira, se estar a violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva e os princípios da atribuição, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados, vem, por outro lado, afirmar dever ser julgada a impugnação procedente, determinando-se a correção do ato de autoliquidação impugnado, uma vez que a aplicação do mencionado Acórdão e a demonstração daquela ligação configura uma “prova impossível ou diabólica” atentatória dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, da CRP e do artigo 6.º, da CEDH, padecendo tal exigência de prova de inconstitucionalidade material.
LXIII. Por outro lado, salvo melhor opinião em contrário, julgamos não estar em causa uma prova de tal maneira impossível que seja capaz de alterar as normas relativas à repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º, da LGT e do artigo 342.º, do CC, das quais resulta caber, no caso em apreço, ao Contribuinte, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca.
LXIV. Na verdade, a Recorrente não conseguiu, ao longo das Alegações de Recurso apresentadas, justificar o motivo e em que medida tal prova seria impossível, afigurando-se-nos pertinente questionar como poderia o TJUE fazer alusão a uma prova completamente impossível para o Contribuinte.
LXV. Pelo que, não se tratando, ao que julgamos, de uma situação de efetiva impossibilidade prática, uma eventual dificuldade de prova não é relevante no que concerne à observância das normas legais relativas à repartição do ónus da prova.
LXVI. Não obstante o que se disse a este respeito, não poderá olvidar-se o facto de, da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, nos casos em apreço, resultarem inexoravelmente distorções significativas na tributação nos termos expostos, como, aliás, ficou demonstrado na Douta Sentença proferida.
LXVII. No entanto, e caso se entendesse ser aquela prova impossível, o que sem conceder se admite, como argumenta a Recorrente, verificando-se a necessidade de uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, tal não poderia significar inexistirem razões para considerar que a referida ligação dos inputs mistos sobretudo ao financiamento e à gestão daqueles contratos se verificava.
LXVIII. Posto isto, dúvidas não podem restar de que, caso aquela prova fosse considerada manifestamente impossível, o que sem conceder se admite, sempre redundaria a menor exigência probatória daí resultante na consideração de que na maioria dos casos aquela ligação se verifica e, sobretudo, que a adoção daquele método do pro rata genérico implica a existência de distorções significativas na tributação evitáveis através da aplicação do método advogado pela AT e aceite pelo TJUE, bem como pelo STA.
LXIX. No que concerne ao aduzido pela Recorrente quanto à alegada inobservância do princípio do inquisitório pelo Tribunal a quo, julgamos não lhe caber razão, não sendo a decisão recorrida de anular, pelos seguintes motivos.
LXX. Embora o princípio do inquisitório deva ser observado no âmbito do Processo Tributário tendo em vista a consecução da verdade material, certo é que não podem ser desconsideradas as normas relativas à repartição do ónus da prova, sob pena das mesmas deixarem de ter qualquer efeito útil no âmbito deste Processo.
LXXI. Tal conclusão é aliás coadjuvada pela jurisprudência exarada pelo TCA Sul e pelo TCA Norte, nomeadamente nos Acórdãos de 30/10/2014 e 29/01/2015, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 07231/13 e 02419/08.0BEPRT, respetivamente.
LXXII. Na realidade, não tendo a Recorrente oferecido, nos presentes autos, a almejada prova, o que devia ter sucedido, tal falta de prova sibi imputet.
LXXIII. Refira-se, ainda, que, no caso vertente, o Tribunal a quo entendeu, e bem, a nosso ver, não serem necessárias quaisquer outras diligências de prova porquanto as referidas distorções na tributação são uma decorrência necessária da aplicação, neste setor de atividade, e no caso de sujeitos passivos mistos que também desenvolvam a atividade de celebração de contratos de leasing e ALD, do método de percentagem de dedução apurado com base no volume de negócios, constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA.
LXXIV. Em conclusão, e pelo exposto, julgamos não ter a Sentença proferida incorrido numa errónea interpretação da lei ou da jurisprudência do TJUE, motivo pelo qual somos a advogar a inexistência do alegado erro de julgamento, devendo, a nosso ver e salvo melhor opinião em contrário, aquela decisão manter-se na ordem jurídica.
LXXV. Invoca, ainda, a Recorrente padecer a decisão sub judice de erro de julgamento quanto à aplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30.108, afirmando, para tanto, que o mesmo não é fonte de direito fiscal, configurando direito circulatório administrativo, pelo que, pretendendo a Administração Fiscal impor um comportamento a um conjunto de determinados sujeitos passivos, tal orientação não cumpre os requisitos necessários à valida imposição de tal método.
LXXVI. Na verdade, e logo à partida, nem na lei, mais precisamente no n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, se prevê qual o modo pelo qual se deve operar aquela imposição, sendo certo que, face à obrigação presente na lei de observância dos Ofícios-Circulados pelos serviços da Administração Tributária, só poderia considerar-se estarem estes serviços em condições de, com base em tal orientação administrativa, “impor” ao Sujeito Passivo a aplicação da mesma através da prolação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa devidamente notificada à Recorrente, sendo certo que, como se refere na douta sentença proferida “(…) a validade do ato de indeferimento da reclamação graciosa impugnado nos presentes autos não depende da validade ou da existência de uma tal circular, na medida em que encontra sustento legal direto na lei aplicável”, motivos pelos quais não pode proceder, salvo melhor opinião em contrário, a pretensão da Recorrente.
LXXVII. Não poderá olvidar-se a possibilidade “genérica” que é dada aos Estados-Membros, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º, da Diretiva IVA, e dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, no sentido de poderem impor aos sujeitos passivos outros métodos mais precisos de determinação do IVA dedutível, obstando à ocorrência de distorções significativas na tributação. Assim, e como bem decidiu o Tribunal recorrido, à AT assiste um poder genérico de imposição de determinados métodos de dedução quando dos mesmos resulte uma aferição mais precisa do IVA dedutível, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, mas também do artigo 87.º, todos do CIVA.
LXXVIII. Contudo, não deverá ser despiciendo que a eventual procedência do invocado vício de falta de notificação, que só por mero raciocínio académico se admite, apenas faria sentido no caso de se entender que tal ofício-circulado é um ato administrativo, com efeitos vinculativos sobre os Contribuintes, o que não se verifica. De facto, os Ofícios-Circulados são instruções emanadas pelos serviços no sentido de uniformizar a interpretação e a aplicação das normas tributárias, não configurando atos administrativos como se encontram definidos no artigo 148.º, do CPA, nos termos do qual “[p]ara efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.” (os negritos e os sublinhados são nossos).
LXXIX. No caso vertente, aquela “imposição” efetivou-se e foi devidamente notificada ao Sujeito Passivo. Como se afirma na Douta Sentença recorrida “(…) se a AT estava legalmente legitimada a proceder a correções de declarações anteriores, também pode, por maioria de razão, indeferir um pedido de anulação de uma autoliquidação feita de acordo com as instruções genéricas por si emanadas.”.
LXXX. Na realidade, na situação sub judice, não existia sequer uma necessidade de imposição, uma vez que o Contribuinte observou o entendimento da AT reafirmado e devidamente fundamentado na decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e notificado ao Sujeito Passivo para a concreta situação controvertida, de acordo com o disposto nos artigos 268.º da CRP, 77.º, n.º 1, da LGT e 36.º do CPPT.
LXXXI. Com efeito, só poderá, outrossim, concluir-se inexistir a alegada retroatividade de uma putativa imposição, sendo lícito à AT impor determinado método ou procedimento relativamente a operações concretizadas, ao que acresce o facto de estar aqui em causa um entendimento que encontra guarida nas respetivas normas do CIVA e da Diretiva IVA vigentes à data dos factos, como concluiu o Tribunal a quo, cuja decisão, também nesta parte, merece o nosso aplauso.
LXXXII. Refira-se, ainda, que mesmo que se entendesse ser de proceder a argumentação da Recorrente a este respeito, o que só por mero exercício académico se admite, não poderia ser despiciendo o facto de a mesma ter requerido aos competentes serviços uma informação vinculativa sobre a matéria aqui controvertida, a qual não foi revogada, tendo, por isso, à data dos factos, conhecimento do entendimento da Administração Tributária e do facto de a mesma estar obrigada à respetiva observância.
LXXXIII. No que concerne à decisão de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça elaborado nos termos do n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, somos a acompanhar a posição advogada pela Recorrente, por redundar a obrigação de pagamento do remanescente, no caso concreto, numa injustiça excessiva, desproporcionada e inconstitucional, porque violadora dos mais básicos e essenciais princípios do nosso Direito, mormente o princípio da proporcionalidade e até da igualdade.
LXXXIV. Acrescente-se, tão-só, que, e caso não se entenda dever ocorrer tal dispensa, julgamos dever proceder-se ao ajustamento do valor da causa para efeitos de custas para um montante considerado justo e equilibrado, adotando-se uma solução que não choque com o comum sentimento de justiça.
LXXXV. Em conclusão, e por tudo o quanto ficou dito, deverá o presente Recurso Jurisdicional ser julgado improcedente, por não assistir razão à Recorrente, mantendo-se a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por não estar ferida de qualquer vício capaz de levar à sua anulação, salvo no que respeita ao segmento decisório no qual foi indeferido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Termos em que, atento o exposto, deverá o presente Recurso Jurisdicional ser julgado improcedente, por não provado, devendo, em consequência, a Douta Sentença do Tribunal a quo manter-se, para todos os devidos efeitos legais, salvo no que se refere ao segmento decisório em que se indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

Em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, desde já se requer a V.ª Ex.ª, que, nos termos do n.º 7, do artigo 6.º. do Regulamento das Custas Processuais, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso, revogação da sentença recorrida e baixa dos autos ao TAF do Porto para ampliação da matéria de facto.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra o despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa na qual o Impugnante pretendia que o montante da amortização do capital nas rendas de locação financeira deveriam integrar o cálculo para apuramento da percentagem do IVA a deduzir.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. O Impugnante é uma instituição de crédito que exerce, a título principal, atividade no âmbito de “OUTRA INTERMEDIAÇÃO MONETÁRIA” (CAE 64190) (cfr. informação a fls. 27 e 28 do p.a.).
2. Em 30.01.2009, foi emitido o Ofício-circulado n.º 30108, do qual consta, entre outros, o seguinte:
(…) Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.” (cfr. informação a fls. 34 do p.a.).
3. No ano de 2013, o Impugnante encontrava-se enquadrado no regime normal de IVA, com periodicidade mensal (cfr. informação fls. 45 do processo administrativo de impugnação).
4. No exercício de 2013, o Impugnante era considerado um sujeito passivo “misto”, na medida em que desenvolvia atividades que permitiam a dedução do IVA e simultaneamente que não a permitiam, por serem operações financeiras isentas (cfr. informação a fls. 28 do p.a.).
5. No desenvolvimento da sua atividade, o Impugnante celebra contratos de locação financeira, nos quais figura como locador, adquirindo os bens a terceiros fornecedores e entregando-os de imediato para uso e fruição dos locatários, que pagam rendas como contrapartida, as quais contêm uma parcela de amortização de capital e outra de juros e encargos e nos termos dos quais é concedida ao locatário a possibilidade de, mediante o pagamento de um valor residual, adquirir o bem.
6. Em 10.02.2014, o Impugnante apresentou a declaração periódica de IVA n.º 112055966170, relativa ao período de dezembro de 2013 (cfr. informação a fls. 27 do p.a. e declaração a fls. 48 e ss dos presentes autos físicos).
7. Na declaração referida em 6, foi considerado um valor com a aquisição de recursos utilizados nas operações de utilização mista no valor de 23.198.972,00 EUR de que resultou uma dedução de IVA equivalente a 5% daquele valor, no montante de 1.159.948,60 EUR (cfr. informação a fls. 33 do p.a.).
8. Em 02.03.2015, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA referida em 6, pedindo a anulação parcial da mesma, a restituição do IVA pago em excesso no montante de 2.087.907,48 EUR e o pagamento de juros indemnizatórios (cfr. reclamação graciosa a fls. 2 e ss do p.a.).
9. Em 17.06.2015, foi exarado projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida em 8, com base nos fundamentos da Informação n.º 47-ADP/2015 (cfr. despacho de fls. 26 e ss do p.a.).
10. O projeto de despacho referido em 9 foi notificado ao Impugnante para efeitos de audição prévia, através do ofício n.º 1979, datado de 17.06.2015 (cfr. ofício e comprovativo de registo a fls. 45 e ss do p.a.).
11. Em 20.07.2015, foi exarado despacho definitivo de indeferimento da reclamação graciosa referida em 8, que foi notificado ao Impugnante através do ofício n.º 2431, datado de 15.07.2015 (cfr. despacho de indeferimento a fls. 47 e ss e ofício e comprovativo de registo a fls. 66 e ss do p.a.).
12. A p.i. da presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 19.10.2015 (cfr. comprovativo da entrega da p.i. a fls. 2 dos presentes autos físicos).
*
Factos não provados
Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
*
Motivação da matéria de facto
No que respeita aos factos provados, a decisão da matéria de facto constante dos pontos 1 a 4 e 6 a 12 do probatório efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos e indicados no elenco de factos provados, à frente de cada facto, em conjugação com a posição assumida pelas partes, ao longo dos seus articulados.
No que respeita ao ponto 5 do probatório, a factualidade nele vertida resulta de confissão por parte do Impugnante, na medida em que traduz o reconhecimento da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, nos termos do art. 352.º do Código Civil (CC). Na verdade, ao assumir, nos artigos 4.º a 6.º da p.i., a configuração dos contratos descrita no ponto 5 do probatório, o Impugnante reconhece a sua natureza de financiamento, o que consubstancia um facto determinante para a procedência do entendimento que vem sufragado pela Fazenda Pública nos presentes autos. A este respeito, é de salientar que a confissão produz força probatória plena, nos termos do art. 358.º, n.º 1, do CC.



IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O presente processo de impugnação foi instaurado contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada em 3/2/2015 ao Exmo. Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, a qual veio a ser indeferida por despacho de 20/7/2015.

Nesta Reclamação Graciosa o B..., ora Recorrente, alegava ter procedido ao cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo de 2013 na DP de IVA referente ao último período do ano, obedecendo aos ditames da AT constantes do Ofício Circulado n.º 30108, por força da qual excluiu o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira do cálculo da percentagem de dedução definitiva.
Em consequência, apurou uma percentagem de dedução inferior à que resultaria da inclusão daquele valor e deduziu/recuperou menos IVA do que aquele a que tinha direito, resultando na entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
Com efeito, diz, na auto liquidação reclamada apurou-se uma percentagem de dedução de 5% que aplicada ao total do IVA incorrido nos encargos (bens e serviços adquiridos) de utilização mista no montante de € 23.198.972,00 se materializou no valor de € 1.159.948,60 de IVA dedutível.
Mas se tivesse considerado no cálculo o valor das amortizações financeiras relativas ao leasing, a correspondente percentagem de dedução não seria de 5% mas sim superior a 14%, a que corresponderia a dedução de € 3.247.856,08.
A diferença € 2.087.907,48 (3.247.856,08-1.159.948,60) corresponde a uma prestação tributária paga em excesso, que por isso lhe deve ser restituída.

O Banco é um sujeito passivo misto para efeitos de IVA. Realiza operações financeiras isentas (enquadráveis na isenção constante do art. 9º, n.º 27 do CIVA) que não conferem o direito à dedução e operações financeiras ou acessórias que conferem o direito à dedução do imposto, nomeadamente operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos etc.
Nos contratos de locação financeira mobiliária o Banco assume a posição de locador, adquire os bens (viaturas ou equipamentos) acrescidos de IVA a terceiros fornecedores, entregando-os para uso e fruição aos locatários.
Pela locação destes bens, cobra rendas (prestações) acrescidas de IVA que o locatário fica obrigado a pagar.
Estas prestações contêm uma componente de amortização de capital e outra relativa a juros e outros encargos.

O Banco utiliza o método da imputação direta no âmbito da aquisição dos bens que são objeto do contrato de locação financeira, por exemplo, a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira, em relação aos quais deduz na íntegra o IVA suportado, por tais bens estarem unicamente ligados a operações de locação financeira tributadas e que conferem o direito à dedução.

Nas situações em que identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) realizadas e conseguiu determinar critérios objetivos do grau de utilização efetiva aplicou o método da afetação real (como refere ser o caso da aquisição dos terminais de pagamento automático).

Para as demais aquisições de bens e serviços afetas indistintamente às diversas operações de utilização mista (que correspondem a custos comuns ou residuais, como são os casos de consumo de eletricidade, água, papel, material informático, telecomunicações, etc.), aplicou o método da percentagem da dedução, previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 23º do CIVA.

Defendeu que os art. 173º a 175º da Directiva do IVA, em especial o seu art. 174º n.º 2 consagram a enumeração taxativa dos montantes que não são tomados em consideração no cálculo da percentagem de dedução e que são as transmissões de bens de investimento, por um lado e operações imobiliárias e financeiras quando sejam acessórias por outro. E nada mais.

Relativamente aos métodos alternativos à percentagem de dedução pro rata acrescentou que a Directiva IVA apenas prevê a possibilidade de os Estados Membros (i) permitirem ou obrigarem os sujeito passivos mistos a determinarem um pro rata para cada sector de actividade, ou (ii) permitirem ou obrigarem os sujeito passivos mistos a deduzir o IVA com base na afectação real dos bens ou serviços adquiridos.

A primeira hipótese não se aplica ao Banco na medida em que apenas exerce uma única actividade, a financeira. A segunda alternativa é admissível, nos termos do art. 23º CIVA, se o sujeito passivo optar pelo método da afectação real, ou por imposição da AT se cumulativamente se verificarem dois requisitos: o sujeito passivo exercer actividades económicas distintas e a aplicação do "pro rata" conduzir a distorções significativas na tributação.

O Banco não optou pelo método da afectação real, e não exerce actividades económicas distintas. E quanto às distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem da dedução a AT tão pouco as fundamentou, ou concretizou.

Enunciados sumariamente os argumentos do Recorrente, vejamos agora o mérito do recurso.

De entre os princípios estruturantes do IVA como imposto geral sobre o consumo assume particular relevo o princípio da neutralidade Outros princípios que norteiam este imposto são os princípios da igualdade, da tributação no destino e da proibição do abuso., considerado um dos princípios estruturantes deste imposto Ac. do STA n.º 01455/12 de 07-10-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: III - O princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo..
Um imposto é neutro quando não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor) e ao mesmo tempo deixa aos consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade do consumidor). Ao contrário dos impostos especiais sobre o consumo em que a base de incidência está seletivamente voltada para a reorientação das escolhas.

Na perspectiva da neutralidade no produtor, o elemento mais importante do sistema do IVA para assegurar o cumprimento desse princípio está no mecanismo do crédito de imposto, mediante dedução do IVA suportado a montante, fazendo com que os operadores económicos se desonerem do imposto que, assim, não chega a incorporar os custos da sua actividade.

Por isso, o art.º 1º da Directiva IVA de 2006 estabelece logo no seu artigo 1º n.º 2 que
2. O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.
Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.

O direito à dedução é, assim, um mecanismo fundamental para garantir a neutralidade do imposto ao nível da produção, conseguindo que o imposto suportado nos inputs seja inteiramente dedutível (ainda assim com várias restrições legais).

Podemos dizer que o processo de dedução do IVA pelos sujeitos passivos mistos assenta em duas fases.

A primeira é feita pela chamada «imputação directa». Como o nome indica, esta “fase” consiste numa imputação (directa) dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA, se esse input for consumido numa actividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA, caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito.

Nesta fase não há que falar em «afectação real» ou “pro rata” de dedução. Estamos num domínio em que a dedução de IVA é regulada pelas disposições contidas nos artigos 19.º, 20.º e 21.º do CIVA, pelo que é completamente desnecessário recorrer à norma do artigo 23.º CIVA.

Esta fase de «imputação directa» deve ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível, porque ela constitui a forma mais rigorosa de alcançar resultados neutros, sem «distorções fiscais».

Mas podem subsistir alguns “inputs” que são utilizados de forma indistinta ou simultânea, para o exercício de actividades que conferem, e outras que não conferem, o direito à dedução de IVA, o que torna inviável estabelecer uma ligação directa aceitável entre despesas e correspondentes rendimentos Cfr. ac. do STA n.º 01497/12 de 28-10-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Para efeitos da dedução do IVA contido nos bens e serviços adquiridos por uma sociedade que exerce actividades que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, deve adoptar-se um procedimento de imputação directa: faz-se a alocação directa dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA se o input for consumido numa actividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito.
II - Só depois dessa fase, e relativamente aos inputs que subsistam, porque utilizados de forma indistinta ou simultânea (inputs promíscuos),para exercício de actividades que conferem e outras que não concedem o direito à dedução de IVA, se deve passar à segunda fase do processo, da repartição do imposto residual, com aplicação das regras do art. 23.º do CIVA, ou seja, com aplicação dos métodos da percentagem (ou do pro rata)ou da afectação real.
III - Em todo o caso, o método do pro rata só poderá ser adoptado na impossibilidade do uso de um método mais objectivo (que reflicta melhor a intensidade do uso dos bens de produção comuns aos dois ramos de actividade) e desde que não conduza a distorções de tributação..

Nestas situações em que não é possível estabelecer-se qualquer nexo directo entre uma dada operação activa e a correspondente operação passiva, dando corpo ao que se costuma referir como custos “mistos” ou “promíscuos”, como sejam o caso do consumo de electricidade, água, papel, material informático, telecomunicações, etc. utilizados pelo Banco simultaneamente na realização de operações que conferem o direito e operações que não conferem o direito à dedução, torna-se necessário entrar numa segunda fase do processo fazendo, então, apelo à aplicação da norma contida no artigo 23.º do CIVA.

É precisamente neste ponto que nos encontramos.

No caso em que o sujeito passivo realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, as alíneas a) e b) do art. 23º CIVA dispõem o seguinte:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

Do exposto retira-se que os métodos da percentagem e da afectação real são formas de resolver o problema da “dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista”, como resulta da epígrafe do art. 23º do CIVA.

Acrescenta depois o n.º 2 deste artigo que
“Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.”

Ora, para calcular a percentagem do IVA dedutível nas operações de utilização mista, o Recorrente sustenta que no método do “pro rata” a aplicar o cálculo deve incluir as rendas pagas no âmbito dos contratos de leasing, incluindo a parte relativa à amortização do capital.

Em sentido contrário, a AT defende que a inclusão da parte relativa à amortização do capital cria distorção na tributação. Por isso, determinou a exclusão da parte relativa à amortização do capital do cálculo da percentagem do imposto a deduzir.

No tratamento dos custos mistos os artigos 173º e 174º da Directiva IVA consagram em primeira linha o método do “prorata”. Este método redunda numa presunção elementar de que os custos mistos das empresas são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que estas operações representam no volume de negócios total de uma empresa Seguimos de perto Sérgio Vasques in “O Imposto Sobre o Valor Acrescentado” Almedina, 2015, pp. 352 e segs..

Mas como parece claro, tal presunção pode ser mais ou menos acertada, em função de cada caso concreto. Para as situações “menos acertadas”, a alínea c) do art. 173º da Directiva IVA permite que os estados membros autorizem ou imponham que a dedução seja calculada com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens ou serviços.

Com este método - método de afectação real-, substitui-se a presunção simples em que assenta o “pro rata” por indicadores alheios ao volume de negócios, imputando os custos mistos a operações com direito a dedução e a operações sem direito a dedução de acordo com indicadores diferentes, mais adequados à actividade do sujeito passivo e, naturalmente, ao respeito pelo princípio da neutralidade que deve nortear o IVA.

No caso concreto, o MMº Juiz enfrentou a questão com notável acerto clarificando, e demonstrando matematicamente, a preponderância injustificada que o financiamento destes contratos (de leasing) assume face aos demais contratos de crédito, se fosse incluído o valor da amortização do capital nas rendas na fórmula de cálculo da dedução:

“Ora, no caso dos presentes autos, resultou provado que a contrapartida dos contratos de leasing celebrados pelo Impugnante eram compostos por uma parcela de amortização de capital e outra de juros e encargos, bem como que nos termos dos mesmos é concedida ao locatário a possibilidade de aquisição dos bens (cfr. ponto 5 do probatório), pelo que claramente estão em causa contratos de natureza financeira, que têm em vista, primacialmente, o financiamento dos veículos.
É esta a caraterística dos contratos em causa que vai ser determinante para a presente análise.
Com efeito, se aquilo que o legislador pretende, com a fórmula prevista no art. 23.º, n.º 4, do CIVA, é alcançar um peso relativo de uma determinada atividade, terá de ser utilizado um critério homogéneo para atividades semelhantes.
Ou seja, se este tipo de contratos –leasing –, mais não são do que um tipo de financiamento, eles terão de ter um tratamento idêntico àquele que é dado aos demais financiamentos.
A contabilização do capital amortizado cria uma falsa aparência, porque leva à consideração de um peso mais preponderante do que aquele que este tipo de financiamentos, na realidade, assume face aos demais contratos de crédito.
Exemplificando em termos meramente abstratos, se, para determinar a percentagem da dedução de bens de utilização mista, for considerada uma fração em que o numerador é composto por operações dedutíveis que ascendem a 100, porque o capital amortizado é contabilizado, e no denominador for considerado 100 + 20, em que 20 corresponde às operações que não dão lugar a dedução, porque não é nelas contabilizado o capital amortizado, obteremos uma percentagem de dedução de IVA de cerca de 83,33%.
Esta percentagem já será significativamente menor se forem contabilizados apenas os juros obtidos em ambas as atividades, porque assim será também menor o peso relativo dos financiamentos dedutíveis. Continuando a exemplificação, se fosse considerada uma fração em que o numerador é composto por apenas 10 e o denominador 10 + 20, obter-se-ia uma percentagem de apenas 33,33%.”

Portanto, como bem demonstrou o MMº juiz, se fosse utilizado o método de cálculo preconizado pelo Impugnante, seria manifesta a distorção na tributação em violação frontal do princípio da neutralidade, permitindo ao sujeito passivo deduzir IVA numa percentagem superior ao peso relativo que a actividade dedutível assume no universo da sua actividade.

Assim ao contrário do que defende o RECORRENTE, o cálculo da dedução de IVA que preconiza provoca uma distorção significativa na tributação, levando a AT “a impor condições especiais”, como resulta do disposto na parte final do n.º 2 do art. 23º do CIVA e alínea c) do art. 173º da Directiva IVA.

A questão de saber se a AT podia ou não impor condições especiais para evitar distorções significativas na tributação foi originalmente colocada no ac. do STA n.º 01017/12 de 16-01-2013 (Relator: VALENTE TORRÃO) cuja questão a decidir era idêntica à que nos ocupa, como se vê do sumário do acórdão E que é o seguinte: “Uma vez que, num contrato de locação financeira, a renda paga pelo locatário abrange amortizações de capital, juros e outros encargos, suscitando-se a dúvida, em face do artºs 23º, nº 4 do CIVA e 17º, nº 5 e 19º, nº 1, ambos da Directiva 77/388, sobre se no denominador da fracção a que se referem os artºs 23º e 19º citados devem ou não ser incluídas as amortizações, estando em causa a interpretação de normas de direito comunitário, justifica-se o reenvio prejudicial para o TJUE para conhecimento dessa questão”.
.

A pergunta que neste douto acórdão se formulou ao TJUE foi precisamente a de saber se
“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

A resposta foi dada pelo acórdão de 10 de Julho de 2014, na qual o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu o seguinte:
«O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

Posteriormente, o acórdão do STA n.º 01075/13 de 29-10-2014 retomou a questão praticamente idêntica à que nos ocupa, decidindo o seguinte:
“Na questão apreciada pelo TJUE, no seu acórdão datado de 10/07/2014 e constante de fls. 303 a 312 dos autos, a questão a dilucidar era a seguinte -e cujo enquadramento resulta do próprio texto do dito acórdão:
“10 Na sequência de uma inspeção tributária, realizada em 2007, que teve por objeto o exercício fiscal de 2004, o Banco B………… ficou sujeito, por decisão da Fazenda Pública de 7 de fevereiro de 2008, ao pagamento de um adicional de IVA, acrescido de juros compensatórios, com o fundamento de que o método utilizado por essa sociedade para determinar o seu direito à dedução tinha levado a uma distorção significativa na determinação do montante de imposto devido.
11 Nessa decisão, a Fazenda Pública não pôs em causa a possibilidade de o Banco B………… calcular o seu pro rata de dedução, no que respeita às suas operações de crédito diferentes da locação financeira, por referência, em substância, à parte das remunerações recebidas referente a operações que conferem direito à dedução. Em contrapartida, considerou, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução.
12 Por impugnação judicial apresentada em 6 de maio de 2008, o Banco B………… contestou no Tribunal Tributário de Lisboa a decisão da Fazenda Pública de 7 de fevereiro de 2008.
13 Esse órgão jurisdicional julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Banco B…………, com o fundamento de que a administração tributária tinha feito uma interpretação contra legem do artigo 23.°, n.° 4, do CIVA, uma vez que esta disposição previa, sem estabelecer qualquer exceção no que respeita às atividades de locação financeira, que o pro rata a utilizar para os bens e serviços de utilização mista devia ser calculado por referência à parte do volume de negócios relativa às operações que conferem direito à dedução. Em conformidade com esta disposição, o Banco B………… deveria ter sido autorizado a ter em consideração a totalidade das rendas pagas pelos locatários.
14 A Fazenda Pública recorreu da sentença proferida em primeira instância para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, em substância, que o litígio não tem por objeto a interpretação do n.° 4 do artigo 23.° do CIVA, que precisa a regra de dedução prevista no n.° 1 desse artigo, mas a possibilidade de a administração exigir que um sujeito passivo determine o alcance do seu direito à dedução segundo a afetação dos bens e dos serviços em causa, a fim de sanar uma distorção significativa na tributação. Com efeito, o método utilizado pelo Banco B…………, que consistia em incluir no numerador e no denominador da fração que lhe serviu para estabelecer o pro rata de dedução a totalidade das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, levava a essa distorção, uma vez que, nomeadamente, a parte das rendas que compensava a aquisição dos veículos não refletia a parte real das despesas relativas aos bens e serviços de utilização mista suscetível de ser imputada às operações tributadas.
15 Foi nestas circunstâncias que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?»

E seguidamente, fazendo o enquadramento jurídico da questão, escreveu-se naquele acórdão:
“16 Decorre dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o litígio no processo principal tem por objeto a legalidade da decisão da Fazenda Pública que recalcula o direito à dedução do Banco B………… no que respeita aos bens e serviços de utilização mista, por aplicação do regime de dedução previsto no artigo 23.°, n.° 2, do CIVA.
17 Ora, segundo esta disposição, conjugada com o artigo 23.°, n.° 3, do CIVA, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, um sujeito passivo pode ser obrigado a efetuar a dedução do IVA em função da afetação real da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados.
18 Assim, a referida disposição reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, e 19.°, n.° 1, dessa diretiva.
19 Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.°, n.° 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva.
20 Nestas condições, há que considerar que a questão submetida visa, em substância, saber se o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros.
Da leitura atenta que fazemos deste acórdão, podemos concluir, ao contrário do recorrido, que efectivamente a questão que aqui está em discussão é exactamente a mesma, sendo a mesma a norma em apreciação, ou seja, o artigo 23º do CIVA, na redacção com interesse.
Efectivamente, não desconhecendo o TJUE o disposto no artigo 23º do CIVA, porque o cita expressamente, e que foi com base na interpretação que o Tribunal Nacional fez daquele artigo 23º, n.º 4, para julgar procedente a impugnação, identificou a questão a decidir como a de saber se um Estado-Membro pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros.

Aliás, a formulação da questão nestes termos, é coincidente com a formulação apresentada pela recorrida nas suas contra-alegações, e que passava por saber se “É compatível com o disposto nos artigos 17, nº 5 e 19, n.º 1, da Sexta Diretiva do IVA a interpretação do artigo 23º, n.º 4, do Código do IVA, na redação vigente a 31.12.2006, segundo a qual, para efeitos do cálculo do pro rata geral de dedução, o montante das operações constante do numerador e do denominador da fração deve incluir apenas a componente de juros que integra a renda faturada nos contratos de locação financeira mobiliária e ALD?”.

Portanto, a interpretação que deve ser feita do artigo 23º do CIVA, no entender do TJUE, deve englobar necessariamente todos os seus números e não apenas os n.ºs. 1 e 4 como parece fazer crer a recorrida.
E portanto, o TJUE ao determinar que, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, pronunciou-se expressamente sobre a concreta situação dos autos. O sublinhado é nosso.
Não há qualquer dúvida que também no caso dos autos a AT impôs à recorrida um critério e método diferente de cálculo, precisamente por questionar e não concordar com os resultados produzidos pelo método de cálculo utilizado pela recorrida. E isso resulta claramente do segmento do relatório da AT reproduzido na matéria de facto, encontrando-se aí claramente indicadas as razões que determinam o critério adoptado pela AT, quer o próprio critério em si mesmo considerado, cfr. fls. 47 a 49 do relatório junto ao PA apenso.

Ora, não se conseguindo vislumbrar, face aos argumentos trazidos pela recorrida aos autos, quando se pronunciou sobre o acórdão do TJUE, que esta solução jurídica definida pelo TJUE não seja coincidente com a situação de facto e de direito retratada no presente processo, não vemos como não lhe aplicar tal doutrina e, por consequência, teremos que concluir que a sentença recorrida errou ao julgar procedente esta ilegalidade que vinha assacada ao acto de liquidação impugnado.”.

Com efeito, a questão que ora tratamos é, na sua substância, absolutamente igual à que foi submetida em recurso para o STA e que obteve decisão do TJUE transcrita, apenas com uma nota de que no presente recurso se trata de uma auto liquidação com base nos critérios definidos no ofício circulado n.º 30108 e nos recursos para o STA n.ºs 1075/13, de 29/10/2014 e 1017/12 de 16-01-2013 (este último, após acórdão do TJUE deu origem a acórdão com o mesmo número proferido em 4/3/2015) se trata de um liquidação adicional que os sujeitos passivos impugnaram.

Mas a diferença de procedimentos (liquidação adicional num caso e auto liquidação conforme o ofício circulado, noutro) não acarreta qualquer especialidade de análise. Decorrem ambas de uma imposição da AT, sendo o fundo da questão exatamente o mesmo, ao contrário do que sustenta o Recorrente.

Ora, assim sendo, não há qualquer necessidade de proceder a reenvio, porque a questão foi já totalmente esclarecida pelo TJUE com todos os contornos relevantes para a decisão da causa, como também nesse mesmo sentido já decidiram os acs. do STA n.º 10785/13 de 29/10/2014 e 0970/13 de 03/06/2015, não havendo que suscitar nova pronúncia sobre o mesmo assunto, sem que daí advenha qualquer violação de norma constitucional, em especial o seu n.º 5 do art. 20º da CRP, nem diminuição das garantias de defesa ou da tutela jurisdicional efectiva.

E no que respeita à questão de saber se os bens ou serviços de utilização mista é sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira e não pela disponibilização dos veículos, é uma questão que nunca foi colocada pelo Impugnante/Recorrente pelo que também não tinha o tribunal recorrido de sobre ela se pronunciar. Nem qualquer dever de oficiosamente averiguar tal matéria, uma vez que, a nosso ver, tal ligação não está em causa nem é questionada.

É certo que no acórdão do STA nº 01017/12 de 04-03-2015 ordenou-se a baixa dos autos para esclarecimento dessa questão, mas isso aconteceu porque, como ali se deixou expresso, o acórdão do TJUE não era conhecido das partes, e portanto não podiam contar, na data, com a interpretação ali veiculada O sumário (parcial) do douto acórdão é o seguinte:
II - Por força da interpretação dada pelo TJUE em processo de reenvio prejudicial, que as partes não podiam ter em conta dadas nos articulados que apresentaram, muito antes da sua prolação, importa, pois, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.
III - Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram, formulados a partir de critérios da experiência, são, ainda, a matéria de facto, o que impede que possam ser formulados ou reapreciadas pelo tribunal de revista, por neste caso, não existir qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que violem uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, em conformidade com o disposto nos arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artº 2º, e) e 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Sublinhado nosso..
Manifestamente não é esse o caso dos autos, uma vez que a impugnação foi apresentada em 19/10/2015, muito depois de conhecido o ac. do TJUE, que a Impugnante, aliás, parcialmente transcreve no art. 120º da douta petição inicial.

Por outro lado, nunca a impugnante alegou que a utilização dos “inputs” mistos não fosse (sobretudo) determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos, nem isso faz parte da causa de pedir.

Com efeito, a remuneração pela atividade de financiamento e gestão dos contratos foi uma questão “pacífica” nos autos, que o Impugnante não pôs em causa, porque a sua divergência residia “apenas” no critério determinado pela AT de excluir do cálculo da percentagem da dedução a parte da amortização financeira incluída na renda.

O que bem se compreende, pois sendo estes contratos de natureza financeira Nos termos do art. 1º do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de junho, locação financeira “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
, a sua outorga por uma entidade que se dedica à concessão de crédito visa precisamente este objectivo (concessão de crédito) e não propriamente a comercialização de veículos automóveis.

Ou seja, não estamos na presença de uma actividade de compra e venda de automóveis, em que a disponibilização do veículo constitui o essencial da actividade, mas sim perante contratos nos quais o objectivio principal é a concessão de crédito para aquisição de veículos e cuja remuneração é feita pelos juros e outros encargos financeiros.

Como consequência, parece também claro que a utilização dos bens “mistos” é neste caso concreto, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização de veículos.

Facto que o Recorrente também não põe em causa, afirmando o contrário. Limita-se a dizer que a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos não é concretamente aferida pelo Tribunal recorrido e que a natureza primacialmente financeira dos contratos de locação financeira não é suficiente para concluir por aquela ligação, não sendo possível apurar de forma concreta quais os gastos decorrentes da utilização de bens mistos respeitam à actividade de disponibilização dos veículos e que parte respeita ao financiamento e gestão dos contratos (alegações 41º-43º-50º).

Devemos notar que o advérbio “sobretudo” não significa exclusivamente mas sim principalmente. Daí não ser de excluir que a actividade de disponibilização dos veículos também utilize bens mistos, só que não o faz a título principal, ou sobretudo.

Sem jamais negar a existência dessa ligação, o Recorrente pretende, ainda assim, que se averigue uma ligação que ninguém nos autos (nem o próprio) questiona.

Tudo razões para que, a nosso ver, neste caso concreto, se torne desnecessária a indagação de tal ligação.

Nas conclusões 20º a 23º o Recorrente defende que deveriam ser dados como provados dois factos:
a. Na determinação do IVA dedutível relativamente às aquisições de bens e serviços afetas indiscriminadamente às diversas operações do Recorrente (bens de utilização mista), o Recorrente utilizou o método geral e supletivo do pro rata conforme o disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA;
b. Não foi realizada qualquer inspeção tributária, nem concretizada qualquer correção pelos serviços da administração tributária no sentido de afastar o método do pró rata geral utilizado pelo Recorrente com referência ao ano de 2013, nem determinada a sua substituição pelos serviços da administração tributária.

Sdr não vemos qualquer necessidade de incluir no probatório estes factos, uma vez que o processo contém todos os elementos necessários para a decisão.

É que não se trata de saber se o Recorrente utilizou o método geral e supletivo do "pro rata", nem isso está minimamente em causa nos autos (mas é evidente que não aplicou, por força da doutrina do ofício circulado), nem tão pouco saber se foi concretizada qualquer correção pelos serviços da AT em relação à autoliquidação que constitui objecto mediato da impugnação.

Esse “conhecimento” advém-nos logo do cabeçalho da douta petição inicial no qual o impugnante anuncia que deduz impugnação judicial do “Despacho do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu a Reclamação Graciosa (...) da auto liquidação de IVA. E consta dos factos provados n.º 8, nos termos do qual o impugnante apresentou reclamação graciosa da auto liquidação de IVA (...) pedindo a anulação parcial da mesma (...), interpondo impugnação judicial do despacho definitivo do seu indeferimento.

Ou seja, são factos em relação aos quais não descortinamos qualquer necessidade em determinar a sua inclusão no probatório.

Em relação à aplicabilidade do ofício circulado n.º 30108, o Recorrente defende ter havido erro de julgamento porquanto
O referido Ofício-Circulado não constitui fonte de direito fiscal, configurando direito circulatório administrativo, sendo que a validade de tal imposição encontra-se sujeita às mesmas regras de validade dos atos administrativos (artigo 268.º da CRP, artigo 77.º, n.º 1 da LGT e artigo 36.º do CPPT), dependendo de uma válida notificação aos interessados, o que no caso em apreço não sucedeu;
Acresce que, para que operasse uma válida imposição do método da afetação real (artigo 23.º, alínea b) do Código do IVA), impunha-se à administração tributária a demonstração no referido ato das alegadas distorções significativas na tributação – as quais configuram uma condição sine qua non para a imposição do método da afetação real –, só assim se considerando fundamentado;
Assim, não tendo havido notificação de ato impositivo de alteração de método de apuramento do IVA, apenas se poderá considerar que a putativa imposição se revela retroativa;
Deste modo, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e, bem assim, ser corrigido o ato tributário impugnado, com as demais consequências legais” (Conclusões 60º a 63º).

Os Ofícios-Circulados são instruções emanadas pelos serviços da AT visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias na cadeia hierárquica dos seus serviços. Não correspondem a atos administrativos como se encontram definidos no artigo 148.º do CPA; as instruções vinculam apenas os respetivos serviços, sem poder derrogar o princípio da legalidade tributária.

Mas tendo presente o conteúdo da alínea c), do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA, e dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA claramente se admite a possibilidade de a DGI (Órgão do Estado Membro) impor aos sujeitos passivos a observância de condições especiais ou fazer cessar o cálculo da dedução previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 23º, impondo condições mais precisas de determinação do IVA dedutível, no caso de se verificar que os adotados provocam, ou podem provocar, distorções significativas na tributação.

Como bem decidiu o Tribunal recorrido

“...há que ter presente que ambas as alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA correspondem a situações alternativas em que a administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com a afetação real.
Assim, basta que a aplicação do método pro rata conduza a distorções significativas na tributação para a que a AT possa, ao abrigo deste n.º 3, obrigar o sujeito passivo a deduzir segundo o método da afetação real.
Por outro lado, o n.º 2 do art. 23.º do CIVA prevê a possibilidade de o sujeito passivo optar pela dedução segundo o método da afetação real, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
Da conjugação de ambos estes preceitos decorre uma clara vontade do legislador no sentido de conferir à AT poderes genéricos de introduzir correções aos métodos utilizados ou mesmo a imposição de outros métodos, com vista a evitar a existência de distorções significativas na tributação.
De resto, estes preceitos traduzem a transposição do art. 173.º, n.º 2, al. c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (correspondente ao art. 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva 77/338/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977), no sentido de que a existência de uma fórmula pré-determinada para alcançar o pro rata de dedução não impede que o Estado membro, entre outros, autorize ou obrigue o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
Na já citada decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, este tribunal reconhece expressamente que as disposições conjugadas do n.º 2 e do n.º 3 do CIVA implicam que(…) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, um sujeito passivo pode ser obrigado a efetuar a dedução do IVA em função da afetação real da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados.” (cfr. § 16 do Ac. do TJUE de 18.07.2007, Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/55, in http://eurlex. europa.eu).
Noutra ocasião, já havia referido este mesmo tribunal que “A Sexta Diretiva não se opõe, portanto, a que, no exercício desse poder [do art. 17.º, n.º 5], os Estados Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, nomeadamente o método baseado na área em causa no processo principal, desde que o método seguido garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios.” (cfr. § 24 do Ac. do TJUE de 08.11.2012, BLC Baumarkt, C511/10, in http://eur-lex.europa.eu)
Também o Supremo Tribunal Administrativo, na senda das decisões comunitárias a este respeito, considerou perfeitamente legítimo que, no caso daqueles autos, “(…) a AT impôs à recorrida um critério e método diferente de cálculo, precisamente por questionar e não concordar com os resultados produzidos pelo método de cálculo utilizado pela recorrida.”
Não pode pois proceder a interpretação formalista preconizada pelo Impugnante, no sentido de que a Administração Tributária, ou bem que segue a fórmula determinada para o cálculo do pro rata, ou bem que impõe o método de afetação real, caso em que se impõe que o faça através de ato administrativo com efeitos meramente futuros.
De facto, a Administração Tributária tem um poder genérico de impor determinados métodos de cálculo, mais ou menos próximos do método de afetação real ou da fórmula de determinação pro rata, desde que o método de cálculo traduza uma mais precisa determinação da percentagem a deduzir, face à realidade económica do sujeito passivo.
E pode fazê-lo - como de facto fez -, quanto a uma determinada operação já concretizada e liquidada, como resulta à saciedade da jurisprudência comunitária e nacional que vem referida. Vejam-se, por elucidativas, as seguintes palavras do TJUE, que considera que “(…) a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (…)” (cfr. Ac. do TJUE de 10.07.2014, Banco Mais, C- 183/13, § 32, in http://eur-lex.europa.eu).
Tal faculdade legal advém claramente da conjugação dos já referidos preceitos contidos no art. 23.º, n.º 2 e 3, do CIVA, mas também do art. 87.º do mesmo diploma.
Nos termos deste art. 87.º, n.º 1, a Direção-Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.”

Acrescenta o MMº juiz, em termos que inteiramente sufragamos
“No caso concreto, não foi sequer necessária esta imposição, pois o contribuinte, aqui Impugnante, voluntariamente procedeu à liquidação de acordo com o Ofício circulado que havia sido emitido pela AT. Mas se a AT estava legalmente legitimada a proceder a correções de declarações anteriores, também pode, por maioria de razão, indeferir um pedido de anulação de uma autoliquidação feita de acordo com as instruções genéricas por si emanadas.
Nada na lei impõe, ao contrário do que pretende o Impugnante, um “enquadramento” administrativo num ou noutro método de afetação, prévio às operações em causa. O entendimento da AT pode legitimamente surgir perante operações já concretizadas, como forma de obstar às indesejadas distorções significativas na tributação.
Não está em causa, pois, nos presentes autos, de todo em todo, a aplicação retroativa de lei fiscal, tendo os factos tributários que deram origem à correção aqui impugnada ocorrido na vigência do Código do IVA e de todas as disposições que já vimos legitimarem a imposição de correções ao método de determinação do pro rata a deduzir.
Por aqui falece toda a argumentação do Impugnante quanto à natureza não vinculativa do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 2009/01/30 referido no ponto 2 do probatório.
Na verdade, a existência ou inexistência de efeitos jurídicos vinculativos decorrentes de tais atos em nada afeta a validade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cfr. ponto 8 do probatório), que vimos dispor de sustento legal bastante para a sua emissão.”

Por outro lado, o alegado vício de falta de notificação faria sentido se admitíssemos que ofício-circulado era um ato administrativo tributário, com efeitos vinculativos sobre os Contribuintes, e por isso a carecer de notificação (cfr. art. 36º/1 do CPPT).
Mas um ofício circulado não tem, de modo nenhum essa caraterística.

Quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Como se deixou patente, a questão fática e jurídica apreciada neste recurso foi já objecto de decisão pelo STA, o que tem sido entendido também por este Supremo Tribunal como um fundamento para efectiva dispensa de tal remanescente considerando que a repetição da questão jurídica a impunha.

Assim, escreveu-se no acórdão do STA de 18/03/2015, recurso n.º 0890/13:
“Pediu a Requerente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
(…)
Apesar de a questão em si mesma não pode ser considerada de complexidade inferior à comum, antes pelo contrário, na medida em que exigiu, não só a apreciação de legislação nacional, como também do direito comunitário e de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a verdade é que havia já jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consolidada sobre o tema; de tal modo que se entendeu, fazendo uso da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CCP, remeter para a fundamentação expendida por acórdão anterior, dispensando a junção de cópia do mesmo, por ter já sido publicado no jornal oficial.
Podemos, pois, concluir que houve simplificação da tramitação processual, em razão do uso dessa faculdade.
Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente, afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, a justificar a dispensa do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.
Tudo visto, concluímos que a decisão de negar provimento ao recurso conduziu à condenação da recorrente em custas, como não podia deixar de ser, não decorrendo tal condenação em custas de qualquer erro, lapso ou sequer descuido em que tenha incorrido o acórdão cuja reforma é peticionada, antes da estrita aplicação das normas legais que determinam a responsabilidade por custas (art. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que nada há a reformar no acórdão quanto a custas.
No entanto, atento o que deixámos dito quanto à simplificação da tramitação processual, entendemos como justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela Requerente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, sendo também que a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.”.

Também na concreta situação que nos é submetida o tratamento da questão foi facilitado não só porque a matéria de facto resultou exclusivamente dos elementos documentais juntos aos autos, mas também porque o tratamento jurídico da matéria não era novo e portanto não exigiu do julgador o mesmo labor na elaboração da decisão que teria exigido se se tratasse de questão nova.

Assim, é de proceder o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6º do RCP.
Porto, 24 de janeiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira