Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00606/05.1BECBR-A-S
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO; NULIDADES DA SENTENÇA; CASOS JULGADOS CONTRADITÓRIOS.
Sumário:1 - As causas de nulidade de sentença a que se reporta o artigo 615.º do CPC são de enumeração taxativa, pelo que, não se reconduzindo o argumentário invocado pelo Recorrente em nenhuma das hipóteses ali previstas, carece de sustentação legal a pretensão de ver a decisão recorrida fulminada com a sanção de invalidade mais gravosa.
2 - Não encerrando a Sentença recorrida de qualquer contradição com caso julgado anterior, e mostrando-se que aquela já mostra cristalizada na ordem jurídica, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [devidamente identificado nos autos] inconformado, veio apresentar recurso da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 22 de setembro de 2021, pela qual foi julgado procedente o pedido atinente à execução do Acórdão proferido por este TCA Norte no Processo 606/05.1BECBR-A, datado de 12 de junho de 2019 [incorporado no SITAF em 14 de junho de 2019], e que condenou (i) os Ministérios executados [das Finanças, e da Administração Interna] a, no prazo de 30 dias, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que o exequente efetivamente auferiu desde 1 de junho de 2000 até 22 de julho de 2017, e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril; assim como, (ii) fixou em 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, o prazo para que se dê integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento ao exequente do valor da indemnização calculada nos termos supra mencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“EM CONCLUSÃO:
1) A decisão ora recorrida labora em erro do direito aplicável ao caso em juízo;
2) A decisão ora recorrida propõe-se executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019 que decreta a reconstituição da situação atual hipotética do Exequente HE.... na carreira de inspetor de viação;
3) A decisão ora recorrida ignora o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 sobre a mesma relação material controvertida em que é reconhecido ao Exequente A o direito à indemnização por impossibilidade superveniente da regulamentação da carreira de inspetor de viação;
4) O acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 já transitou há muito em julgado, como reconheceram tempestiva e sucessivamente o TAFC-UO 1 e o próprio TCAN nos autos dos Processos n.os 606/05.1BECBR, 606/05.1BECBR-A e 606/05.1BECBR-A-S;
5) Somente o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 é aplicável à pretensão do Exequente HE...., por força do disposto nos artigos 625.º e 628.º do Código de Processo Civil, segundo a remissão supletiva do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
6) Em consequência, a decisão ora recorrida padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Termos em que, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta Sentença ref.ª n.º 005102168 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra-Unidade Orgânica 1 em 28 de setembro de 2021 ser revogada, sendo as Alegações constantes do presente RECURSO dadas como provadas nos autos do presente Processo de execução n.º 606/05.1BECBR-A-S e o Ministério da Administração Interna absolvido do dever de reconstituição da carreira de inspetor de viação de HE.....
[…]”

**

O Recorrido HE.... não apresentou Contra alegações.
*

O Tribunal a quo proferiu despacho de não ocorrência das nulidades invocadas, assim como de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
*

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão que vem suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões das suas Alegações resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida enferma das apontadas nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 4 do CPC.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Compulsados os autos e analisada a prova documental consideram-se provados os factos seguintes, com relevância e bastantes para a decisão da causa:

1. Em sentença de 09.04.2010, proferida no processo n.º 606/05.1BECBR, consignou-se, entre o mais:

“(…) concorda-se que para efetivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos (possíveis) destinatários poderem auferir o suplemento de função inspetiva, o DL nº 112/2001, de 6 de Abril carecia da publicação do referido decreto regulamentar, sem o qual o regime instituído naquele não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Por outro lado, é pacífico que até hoje, relativamente aos funcionários da extinta DGV, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.
Ocorre, por isso, uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, nos termos do nº 1 do artigo 77º do CPTA, que estabelece existe uma situação de ilegalidade por omissão das normas quando a sua adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.
Porém, nos termos do nº 2 do citado preceito, quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, julga procedente a ação e disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.
Neste aspeto, face à extinção da DGV, ocorre uma situação de impossibilidade, sendo aparentemente inútil a emanação de tal injunção.
No entanto, é notório o paralelismo entre a situação dos autos e a examinada no citado acórdão.
Desde logo porque, independentemente das funções que cabem aos autores atualmente, a sua situação estatutária como funcionários da DGV deixou de ser necessária. Ou seja, perante o novo quadro legal, a situação atual não carece de qualquer regulamentação: não há necessidade de regulamentar as carreiras inspetivas (inexistentes) da DGV. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações atuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de ato legislativo – ainda - carente de regulamentação).
Neste ponto, cumpre assinalar que, por isso mesmo, o novo Ministério da tutela não carecia de ser chamado à ação, porque não se cura de regular para futuro a nova situação dos autores. E, do mesmo modo, porque é a situação passada que está em desconformidade com o ordenamento jurídico, apenas deve ser chamado à colação quem, no passado, tinha o dever regulamentar que foi omitido, assim se mantendo o interesse dos réus em contradizer.
Mas, tal como acontece na situação contemplada pelo acórdão transcrito, as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal, efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica e, por outro lado, já não é possível emitir um regulamento que corrija essa ilegalidade.
Ou seja, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação atual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é suscetível de ser regulada através de ¯normas gerais e abstratas.
No entanto, à semelhança do que sucede no caso analisado pelo STA, a improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA.
(…)
DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julgo improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento; 2) Fixo, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.”. – cf. fls. 266 e ss. dos referidos autos no SITAF;

2. Por acórdão proferido em 06.03.2015, no âmbito do processo mencionado no ponto antecedente, o TCA Norte julgou verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, e confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores, entre o mais, com os seguintes fundamentos:

“(…)
No caso concreto e, como vimos, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verifica uma omissão ilegal de regulamentar; pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores.
Voltamos aqui a citar o teor do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2012, no processo n.° 0337/11, com o qual também neste trecho se concorda:
“(...)
A revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da revogação a necessidade da sua regulamentação. Por isso, a partir de então, ou seja, a partir do momento em que o ato legislativo deixa de vigorar, deixa de existir uma condição de procedência.
No entanto, esta evidência não afasta a possibilidade de, durante a vigência da norma carente de regulamentação, se ter tomado exigível a obrigação de emitir as normas e, por esse motivo, a Administração se encontrar já numa situação de “ilegalidade por omissão”.
Por isso a revogação da lei carente de regulamentação, só por si, não afasta a existência de uma situação de ilegalidade por omissão ocorrida durante a sua vigência. Não é, pois exacto, concluir que a revogação da lei carente de regulamentação implica necessariamente a improcedência da ação de condenação na emissão do regulamento.
Para determinar os efeitos de tal revogação, toma-se necessário averiguar várias coisas: (i) se a revogação ocorre antes ou depois de proposta a ação; (ii) se a revogação é retractiva; (iii) se durante a vigência da norma revogada, chegou a constituir-se na esfera jurídica dos interessados o direito ou interesse legítimo de exigir a condenação da Administração na emissão das normas.
Se a revogação da norma ocorre antes da propositura da ação, esta deve ser julgada improcedente, sem aplicação do art. 45°, 1 do CPTA. Falta um requisito de procedência: vigência da lei carente de regulamentação. Se durante o período de vigência da norma chegou a haver uma ilegalidade por omissão, só resta ao interessado lesado pedir a respetiva indemnização através da ação para efetivação da responsabilidade civil.”
É que, em face dessa revogação, não existem situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, como este STA tem reafirmado, também não é juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos de 23/4/2008 e de 19/10/2010, proferidos nos recursos n.°s 897/07 e 460/08, respetivamente). (...)”
No caso concreto a revogação da norma ocorreu depois da propositura da ação.
A Direcção-Geral de Viação foi extinta com a criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, operada pelo DL n.º 77/07, de 29 de março, que no seu artigo 13° revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 484/99.
E a presente ação foi proposta em 19.10.2005 - ver fls. 1.
Pelo que, verificando-se em relação a este grupo de autores fundamento válido para o pedido deduzido na ação, de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento, impõe-se em relação a eles a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.(…)”. – cf. acórdão a fls. 1506 e ss. dos referidos autos no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

3. Por acórdão proferido em 12.06.2019, no âmbito de ação administrativa intentada, entre outros, pela ora exequente, contra o MAI e o MF, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 606/05.1BECBR-A, e na sequência de recurso interposto em 22.06.2017, foram as entidades demandadas condenadas a «pagar a cada dos Recorrentes (…) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (…) recurso – ou à data da sua aposentação se anterior – e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados».– cf. certidão junta com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

4. Em julho de 2000 o exequente era técnica profissional principal da carreira de inspetor de viação e estava posicionado no escalão 1 – cf. informação remetida pelo IMT;

5. Em 01.02.2001 progrediu para o escalão 2 – cf. informação remetida pelo IMT;

6. Em 26.03.2002 foi nomeado técnico profissional especialista da mesma carreira, ficando posicionado no escalão 1 – cf. processo administrativo remetido pelo IMT;

7. Em 01.11.2007, o exequente transitou para o mapa de pessoal do IMTT – cf. processo administrativo remetido pelo IMT;

8. Em 01.01.2009, o exequente transitou para a carreira de assistente técnico do mapa de pessoal do IMTT – cf. processo administrativo remetido pelo IMT;

9. Nos anos de 2000 a 2017 o exequente auferiu as remunerações e suplementos que se inferem das tabelas insertas no artigo 15.º do requerimento executivo, e que aqui se dão por reproduzidas – cf. ainda recibos de vencimento e informação do IMT;

10. O MAI e o MF não procederam, até ao momento, ao pagamento de qualquer indemnização ao exequente – acordo.
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Factos não provados
Considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
*

Motivação
A decisão da matéria de facto efetuou-se, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito (artigos 607.º, n.º 3 e 596.º do CPC), com base no exame dos documentos juntos aos autos (não impugnados; artigos 374.º e 376.º do Código Civil e cuja veracidade não foi colocada em crise; artigos 370.º a 372.º do Código Civil), tal como se encontra especificado nas várias alíneas da matéria de facto julgada como provada.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 22 de setembro de 2021, proferida na acção de execução deduzida pelo Autor HE...., ora Recorrido, contra o Ministério das Finanças e o Ministério da Administração Interna [ambos devidamente identificados nos autos],
autos], pela qual foi julgado procedente o pedido atinente à execução do Acórdão proferido por este TCA Norte no Processo 606/05.1BECBR-A, datado de 12 de junho de 2019, e que, em suma, condenou os Ministérios executados [das Finanças, e da Administração Interna] a procederem ao cálculo da diferença, no prazo de 30 dias, entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que o exequente efetivamente auferiu desde 1 de junho de 2000 até 22 de julho de 2017, e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de abril, assim como a procederem ao pagamento dos valores devidos no ulterior prazo de 30 dias, acrescidos dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento.

Esse seu julgamento em matéria de direito teve na sua base a apreciação da matéria de facto constante do probatório, assente em documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo [sobre o que a Recorrente não faz incidir a sua pretensão recursiva], assim como decorrente do conhecimento do Tribunal, tendo em sede do discurso fundamentador aportado na Sentença recorrida, decidido conforme para aqui se extracta o que segue:

Início da transcrição
“[…]
Como se expôs supra, o exequente, considerando que o MAI e o MF não deram execução à decisão exequenda, pretende que estes, no prazo de 15 dias, procedam aos cálculos aritméticos dos diferenciais entre montantes remuneratórios que lhe foram pagos e as remunerações mensais que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção - e que o Exequente apurou, como supra descrito.
*
O MAI, uma vez chamado, deduziu oposição, invocando existir uma patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A.

Mais alega que o Decreto-Lei n.º 112/2001 cessou a sua vigência em 4 de agosto de 2009, por força do estatuído no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 170/2009, de 3 de agosto (diploma que estabelece o regime da carreira especial de inspeção, procedendo à transição dos trabalhadores integrados nos corpos e carreiras de regime especial das inspeções-gerais), e que o exequente foi integrado na carreira de assistente técnico do mapa de pessoal do IMTT, nos exatos termos fixados nos n.ºs 1 e 2 do Despacho n.º 11803/2009, de 29 de abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 94, em 15 de maio de 2009, tal como consta do respetivo Mapa I – Quadro II – Serviços desconcentrados.

Conclui que lhe é objetiva e materialmente impossível cumprir a decisão vertida na parte IV do Acórdão ref.ª n.º 006957305.
[...]
Ora, remetendo para os factos dados como provados, deles se extrai que foi proferida decisão judicial pelo TCAN em 12.06.2019, que condenou o MF e MAI, a:
(i) pagar a cada dos Recorrentes (…) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (…) recurso – ou à data da sua aposentação se anterior – e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril;
(ii) pagar o diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001;
(iii) pagar juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias;
(iv) comunicar à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados.

Tal condenação estribou-se no entendimento de que a indemnização pela impossibilidade de regulamentar a carreira prevista no DL n.º 112/2001, de 6 de abril deve compensar a exequente pela perda de posição em que a mesma teria ficado colocado se tivesse sido possível fazê-lo, pelo que, sendo possível determinar, com recurso ao artigo 15.º do referido diploma, qual o escalão para o qual a aqui exequente transitaria, se aquele tivesse sido regulamentado, e, bem assim, com recurso ao seu artigo 12.º, n.º 2, qual o aumento percentual do subsídio de inspeção que então auferia, a indemnização pela causa legitima de inexecução, deverá corresponder à diferença entre o que a exequente auferia, e o que viria a auferir na nova (e potencial) carreira.

Estabelece como limite temporal para o computo das diferenças salariais a data de interposição do recurso – 22.06.2017 – ou a data da aposentação dos AA., se anterior.

Na mesma decisão refere-se que as referidas alterações remuneratórias deverão ter reflexo no montante da aposentação dos recorrentes que, entretanto, se tenham aposentado.

Todavia, também nestes autos, no processo principal, foi proferida decisão, transitada em julgado previamente àquela cuja execução é aqui visada, na qual se decidiu que, não existindo situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, não sendo juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter se imporia, em relação aos recorrentes inseridos na carreira de inspetor de viação, a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo, por isso, sido as partes convidadas a acordar no montante da indemnização.

Ora, do que vem invocado pelos Ministérios executados em sede de oposição, apenas consubstancia fundamento válido de oposição a existência de uma contradição, no plano decisório, entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A, na medida em que tal circunstância se reconduz à existência de caso julgado anterior à decisão que se visa executar (cf. artigo 729.º, al. f) do Código de Processo Civil).

Tudo o que mais vem invocado (vg. falta de documentação atinente à carreira/categoria e correspondente percurso profissional da A. e cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 112/2001) são circunstâncias prévias ao título executivo (o Acórdão de 12.06.2019), ou meras dificuldades ultrapassáveis com recurso à colaboração de outras entidades, pelo que, não constituindo causas legítimas de inexecução, jamais poderiam as oposições proceder com esse fundamento.

De resto, a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 112/2001 operada pelo artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 170/2009 apenas operou quanto aos trabalhadores por este abrangidos, não estando o exequente nessa situação por não estar integrado em nenhum dos serviços de inspeção mencionados no artigo 2.º do referido diploma.

Efetivamente, no que se refere à comunicação à CGA do valor das remunerações que aquela teria auferido do que vem invocado pelos Ministérios executados, afigura-se-nos não poder a mesma ser ordenada pelo Tribunal, por se entender que existe uma contradição, no plano decisório, entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A (reconduzindo-se tal circunstância à existência de caso julgado anterior à decisão que se visa executar - cf. artigo 729.º, al. f) do Código de Processo Civil).

Todavia, tal comunicação também não vem peticionada pelo exequente nos presentes autos pelo que o caso julgado formado pelo acórdão de 06.03.2015 não obsta à execução do acórdão proferido em 12.06.2019, nos termos em que a mesma vem peticionada.

Conforme temos sustentado nas diversas execuções que correm termos neste Tribunal relativamente à questão em análise, a decisão exequenda não belisca o caso julgado formado pelo acórdão proferido previamente nos autos principais, na parte em que condena o MAI e o MF a pagar aos ali autores uma indemnização, que não deixa de o ser por se reportar aos diferenciais entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento remuneratório) que o exequente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data do recurso e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
As remunerações que o exequente teria recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, hão de ser calculadas tendo por base a regra geral de transição prevista no artigo 15.º do referido decreto-lei, segundo a qual os funcionários dos serviços e organismos abrangidos pelo presente diploma, integrados em carreiras de inspeção, transitam para carreira com iguais requisitos habilitacionais de ingresso, sendo que a categoria de integração na nova carreira é a equivalente à detida na data da transição, e a transição faz-se para o escalão igual ao que o funcionário detém na categoria de origem.

Os requisitos de ingresso a atender, para os efeitos supra mencionados, serão os previstos nos artigos 36.º a 38.º do Decreto-Lei n.º 484/99, de 10/11, e os previstos nos artigos 4.º a 6.º Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.

Por outro lado, o suplemento de inspeção do exequente teria um aumento de 2,5% (cf. artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4), passando a ser de 22,5% da remuneração, e o seu cálculo far-se-á através de uma mera operação aritmética, uma vez determinadas as carreira e categoria em que aquele estaria inserido, e tendo por base a respetiva remuneração.

O limite temporal a considerar para efeitos de apurar os diferenciais remuneratórios é claro e foi expressamente definido na decisão exequenda: 22 de junho de 2017 ou a data da aposentação, se anterior.

Assim a indemnização a pagar ao exequente corresponderá conforme resulta expressamente do acórdão exequendo, à diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que aquele efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data do recurso (22.06.2017), e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido naquele período, se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril.

Concretizando:

O exequente foi técnico profissional principal (desde julho de 2000 a março de 2002), e técnico profissional especialista, da carreira de técnico profissional de viação, cujo ingresso era feito entre indivíduos habilitados com o 11.º ano de escolaridade ou equivalente, com carta de condução e com idade não inferior a 21 anos, aprovados em estágio com a duração de um ano que integra um curso de formação específico (cf. artigo 38.º do referido Decreto-Lei n.º 484/99, de 10/11).

A carreira prevista no Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4 com idênticos requisitos de ingresso corresponde à de inspetor-adjunto (cf. o respetivo artigo 6.º, n.º 2).

Assim, os Ministérios executados, tendo por referência os índices previstos no mapa anexo ao Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o valor das remunerações pagas ao exequente e o valor das remunerações que seriam devidas a um inspetor-adjunto principal e a um inspetor-adjunto especialista, tendo em conta os escalões em que aquele esteve inserido.

Bem assim terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o suplemento de inspeção que foi pago ao exequente e aquele que lhe deveria ter sido pago à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, no mesmo período, e dos juros que são devidos, conforme consta da decisão exequenda.

Face à documentação trazida aos autos pelo IMT, e tendo em conta os factos dados como provados, tais cálculos podem, e devem, ser efetuados pelos Ministérios executados, já que estes têm na sua posse todos os elementos de que necessitam para determinar qual a remuneração que caberia à carreira, categoria, e escalão para a qual o exequente transitaria, à luz do disposto no artigo 15.º do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, procedendo ao cálculo do valor da indemnização devida à exequente, e dos respetivos juros, e, posteriormente, ao seu pagamento.

Tudo conforme infra se determinará.

Ora, tudo visto e ponderado, tendo ainda em conta a inércia da Administração e o tempo já decorrido, justifica-se a fixação de prazo limite para que se adotem os atos necessários à execução da presente decisão (cf. artigos 168.º, n.º 1, 176.º, 4 e 179.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), o que se fará em sede de dispositivo.
[...]“
Fim da transcrição

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente MAI, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada na ocorrência das nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 4, do Código de Processo Civil, decorrente de um erro de julgamento, fundado no facto de a Sentença recorrida se propôr executar o acórdão deste TCA Norte proferido em 12 de junho de 2019 que decreta a reconstituição da situação atual hipotética do Exequente ora Recorrido HE...., ignorando o Acórdão também deste TCA Norte proferido em 6 de março de 2015, que refere ser atinente à mesma elação material controvertida em que é reconhecido ao mesmo o direito à indemnização por impossibilidade superveniente da regulamentação da carreira de inspetor de viação, por ter este Acórdão já transitado há muito em julgado.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Ora, acerca da matéria objecto dos autos, já foram prolatados vários Acórdãos por este TCA Norte, que produziram jurisprudência reiterada, sendo assim que, neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão proferido no Processo n.º 606/05.1BECBR-A-V, datado de 28 de janeiro de 2022, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que para aqui extractamos como segue:

Início da transcrição
“[…]
Os presentes autos foram intentados com vista obter a execução da decisão proferida em 14.06.2019, nos autos 606/05.1BECBR-A.
Compreende-se melhor o fio condutor da discordância do recorrente com atenção ao que vem em corpo de alegações, imputando que “o citado aresto do TCAN de 12 de junho de 2019 contraria frontalmente o sentido material da decisão explanada no Sumário e ínsita na parte IV do Acórdão de 6 de março de 2015 (Doc. 2) também proferido pelo mesmo Tribunal no âmbito do Processo n.º 606/05.1BECBR, no qual esta instância jurisdicional julgou «[…] verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial [declaração de ilegalidade por omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta Direção-Geral de Viação (DGV)], em relação aos autores integrados na carreira de inspector de viação [um dos quais sendo o Exequente SA....]», mais decretando com este fundamento «[…] a convolação objectiva do processo […], nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»” (cfr. art.º 3º).
A seu ver:
«(…)
o TCAN decidiu duas vezes sobre a mesma pretensão material do Exequente SA....:
a) Primeiro, no acórdão de 6 de março de 2015, foi decidido que o Exequente tem direito a uma indemnização pela omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta DGV;
e
b) Depois, no acórdão de 12 de junho de 2019, a mesma instância veio, ao invés, a decidir que o Exequente tem direito à reconstituição da respetiva situação atual hipotética na carreira de inspeção de viação de acordo com a estrutura retrovigente das carreiras de inspeção da Administração Pública aprovada pelo há muito revogado Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de abril.
7.º
Pelo exposto, constata-se existir uma patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.os 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A,
8.º
A qual é resolvida de maneira expressa pelo artigo 625.º do Código de Processo Civil (CPC) conjugado com o artigo 628.º do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no artigo 1.º do CPTA: cumpre-se o acórdão de 6 de março de 2015, por ter transitado em julgado em primeiro lugar”.
9.º
E não o posterior acórdão de 12 de junho de 2019, entretanto invocado como fundamento da presente execução pelo saneador-sentença ora recorrido…
10.º
Porquanto, conforme se extrai diretamente dos números 5, 7 e 8 do Sumário do acórdão de 6 de março de 2015, os quais remetem para o regime de modificação do objeto do processo consagrado no artigo 45.º do CPTA: «a revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da [data da sua] revogação (1 de maio de 2007) a necessidade da sua regulamentação», sendo a declaração de ilegalidade por omissão de regulamento fundamento válido para o pedido deduzido na ação, com a consequente convolação do mesmo em pretensão indemnizatória do Exequente SA.....

11.º
O que prejudica definitivamente qualquer posterior decisão jurisdicional de decretação da reconstituição da situação atual hipotética do Exequente SA.... na carreira de inspetor de viação,
12.º
E que constitui fundamento legal e processual radicalmente distinto de qualquer causa legítima de inexecução acolhida no CPTA mas nunca invocada pelo MAI, ora Recorrente, em nenhum passo do presente Processo n.º 606/05.1BECBR-A-V, não obstante a reiterada confusão conceitual em que labora e naufraga a sentença ora recorrida do TAFC-UO 1…”.
(…)».
Resultará, a seu ver, que a decisão recorrida “é absolutamente nula nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, em virtude de condenar o MAI, ora Recorrente, a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019, em vez do decidido sobre a mesma relação material controvertida no acórdão da mesma instância jurisdicional proferido em 6 de março de 2015 que primeiro transitou definitivamente em julgado” (cfr. art.º 13º).
O domínio em que o recorrente coloca esta última imputação é o das nulidades da sentença, em que o art. 615.º, n.º 1, do CPC, enumera taxativamente as específicas causas, determinando que (apenas) podem consistir na omissão da assinatura do juiz [al.a)]; na omissão da especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [al.b)]; na contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al.c)]; na omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia [al.d)]; na condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [al.e)]; o seu n.º 4 disciplina perante qual tribunal devem ser arguidas.
Como se recolhe na prática, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
E no caso, logo pela enunciação expositiva das hipóteses legais, confrontando com o que vem alegado, é claro que nada do que vem apontado em recurso consubstancia qualquer nulidade tipificada no “artigo 615.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil”.
O ponto não merece mais desenvoltura.
A questão de fundo relativa a uma “patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.os 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A”, reconduz-se apenas a uma questão de (ine)eficácia; já ensinava Alberto dos Reis, a eficácia jurídica da segunda decisão fica prejudicada, paralisada pela força e autoridade do caso julgado anterior (“Código Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra Editora, 1952, págs. 196/7); no mesmo sentido, referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 693) que a prolação de decisão de mérito que o caso julgado impediria conduz a que ela seja ineficaz; tb, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 218.
Vejamos.
Dispõe o art. 625º do CPC que:
«1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».
O recorrente entende que ao caso se aplica este regime.
A razão pode servir de causa; os efeitos da violação do caso julgado são remediados através de regra que concede prevalência à decisão que transitou em primeiro lugar e que redunda na ineficácia da sentença coberta por trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729º, al. f) do CPC) - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I Almedina 2018, pág. 748.
Mas o recurso é destituído dessa boa razão.
Nada o recurso censura que se esteja a “a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019” (no proc. n.º 606/05.1BECBR-A).
Com o que o recorrente não se conforma é que a execução siga seu comando.
Aproveitando o texto do Ac. do STA, de 12-12-2019, proferido na sequência da revista (não admitida) interposta deste último referido aresto (Ac. deste TCAN de 12/6/2019; proc. n.º 606/05.1BECBR-A), e melhor dando síntese elucidativa:
«Os vários autores a quem o TCA Norte, por acórdão de 6/3/2015, já reconhecera o direito de obterem dos aludidos Ministérios, nos termos do art. 45º do CPTA, indemnizações por omissão ilegal de regulamentação, solicitaram «in judicio» que elas fossem liquidadas, condenando-se os réus nesse pagamento.
O TAF fixou em € 15.000,00 o valor da indemnização devida, a esse título, a cada autor.
Mas o TCA Norte revogou tal pronúncia; e condenou o MAI e o MFAP a pagar aos autores as diferenças remuneratórias – relativamente à carreira de inspecção que deveria ter sido regulamentada – desde 1/7/2000, bem como os respectivos juros moratórios, e a comunicar à CGA o valor das «novas remunerações» dos autores já aposentados para que «se proceda ao recálculo» das respectivas pensões.».
Na visão do recorrente, o Ac. deste TCAN de 12/6/2019 (proc. n.º 606/05.1BECBR-A), é infiel ao antes decidido (em 6/3/2015, proc. n.º 606/05.1BECBR), atingindo o caso julgado.
Mas sem razão, quando aí, e para o que agora é pertinente, apenas - sem a projecção suposta pelo recorrente - se confirmou “a decisão recorrida quanto à convolação objectiva do processo” (quanto a um grupo de autores).
[Aí se determinou a final:
«(…) IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que:
1. Revogam parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:
1.1. Julgam a acção improcedente relativamente aos autores que não integravam a carreira de inspector de viação, absolvendo as entidades demandadas do pedido.
1.2. Julgam verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspector de viação.
2. Confirmam a decisão recorrida quanto à convolação objectiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores. (…)»]
No âmbito de uma execução, não se estranhará chamar à colação o caso julgado.
Mas é precisamente o que retira razão ao recorrente.
A contradição de casos julgados, seja material ou simplesmente formal, exige uma relação de identidade – ou ao menos de prejudicialidade – entre o objecto das decisões transitadas em julgado” – Ac. TRC, de 17-04-2012, proc. n.º 116/11.8T2VGS.C1.
Certamente que o decidido em 6/3/2015 (também) adquiriu força de caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo e efeitos jurídicos estabilizados e vinculativos, mas nos precisos limites e termos em que se julgou.
Decorrendo do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença (os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo), devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença, esta tem a autoridade do caso julgado – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo” – Ac. TRC, de 13-05-2014, proc. n.º 1734/10.7TBFIG-G.C1.
Ora, de pretérito (Ac. de 6/3/2015) confirmou-se tão só, para o que agora importa, “a convolação objectiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Nada se estatuiu, em termos de definição substantiva, quanto ao pudesse advir (em) fruto dessa convolação; não foi res judicata.
Essa só depois ocorreu; após uma primeira pronúncia do TAF (fixando em € 15.000,00 o valor da indemnização devida) acabou por a final pertencer ao referido Ac. deste TCAN de 12/6/2019, prevalecendo seu diferente dictum.
Entre o antes decidido em 6/3/2015 e o que veio a ser decidido em 12/6/2019 não há vislumbre de qualquer contrariedade (seja por constituírem duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, como o recorrente aduz, seja por se poder assinalar contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, fosse assim que merecessem ambas “pretensões” qualificação adjectiva).
A oportunidade ao recorrente para, na desenvoltura da instância, dar contributo (e foi dado) ao direito alcançado pela decisão de 12/6/2019, esgotou-se, atingido seu trânsito.
“A decisão judicial não tem por objecto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida” (Ac. RC, de 09-09-2015, proc. n.º 175/07.8TASRT-B.C1); a sentença que agora se executa, ao invés do que entende o executado, não surge contraditória com anterior julgado, caso em que seria ineficaz; e tendo já por ela ficado definido o direito, sem tal contradição, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.
[...]“
Fim da transcrição

Ora, a questão que foi objecto do recurso jurisdicional deduzida no Processo nº. 606/05.1BECBR-A-V, que é precisamente a mesma a que se reporta a que se aprecia no presente recurso, foi a de apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida incorreu nas nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.ºs 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, e a que não foi dado provimento.

Face ao que deixamos extraído supra, e tendo presente que as Alegações e respectivas conclusões que o aqui Recorrente MAI apresentou naquele Processo n.º 606/05.1BECBR-A-V, são idênticas na sua substância, àquelas que apresenta neste recurso jurisdicional, portanto, sem qualquer questão inovatória que justifique um julgamento adicional deste TCA Norte, porque inexiste qualquer violação de caso julgado anterior entre os Acórdãos sinalizados pelo Recorrente, datados de 6 de março de 2015 e 12 de junho de 2019, nem tampouco qualquer contradição, pois que o Tribunal a quo o que fez foi prosseguir, estritamente, na administração da justiça, e desta feita, inverificada a ocorrência das invocadas nulidades, a pretensão recursiva do Ministério da Administração tem assim, forçosamente, de improceder.
*

E assim formulamos a seguinte CONCLUSÂO/SUMÁRIO:

Descritores: Execução de julgado; Nulidades da Sentença; Casos julgados contraditórios.

1 - As causas de nulidade de sentença a que se reporta o artigo 615.º do CPC são de enumeração taxativa, pelo que, não se reconduzindo o argumentário invocado pelo Recorrente em nenhuma das hipóteses ali previstas, carece de sustentação legal a pretensão de ver a decisão recorrida fulminada com a sanção de invalidade mais gravosa.
2 - Não encerrando a Sentença recorrida de qualquer contradição com caso julgado anterior, e mostrando-se que aquela já mostra cristalizada na ordem jurídica, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.
***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Ministério da Administração Interna, mantendo a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 29 de abril de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro