Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00584/07.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/24/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FIXAÇÃO VPT
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
VALOR DE MERCADO
DESPACHOS INTERLOCUTÓRIOS
APOIO JUDICIÁRIO
HERANÇA INDIVISA
ARTIGOS 587.º E 588.º DO CPC
Sumário:I - Deve considerar-se em situação de insuficiência económica a herança cujo acervo de bens não produz rendimentos suficientes para pagamento de preparos e custas se não se encontrar o seu administrador em condições de poder adiantar o dinheiro necessário a tais despesas judiciais por ele próprio ter sido considerado em situação de insuficiência económica, justificando-se que se torne extensível à herança indivisa o apoio judiciário.
II - Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.
III – Não se mostrando as conclusões do relatório elaborado pelos peritos devidamente fundamentadas, justifica-se a reclamação prevista no artigo 587.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). Pelo que o tribunal recorrido devia ter ordenado que os peritos fundamentassem, por escrito, o relatório apresentado – cfr. artigo 587.º, n.º 3 do CPC.
IV - Nos termos do artigo 588.º do CPC, quando alguma das partes o requeira, os peritos comparecerão na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos.
V - Antes da nova redacção dada ao artigo 76.º, n.º 4, do CIMI, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o desvalor entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado podia servir de fundamento à anulação da segunda avaliação, enquanto manifestação ou refracção do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensão da adequação e da proibição do excesso.
VI - O princípio da proporcionalidade funcionaria como válvula de escape de modo a permitir fundamentar a ilegalidade da actuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial, colmatando de alguma forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no artigo 45.º do CIMI, devendo para o efeito este preceito ser interpretado em conjugação com o disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
VII - Assim sendo, estando em causa a avaliação de um terreno para construção, em que a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação depende, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, do coeficiente de localização, o critério do valor de mercado, enquanto refracção do princípio da proporcionalidade, já deveria ser tido em conta na densificação daquele coeficiente, designadamente na avaliação e ponderação de conceitos, tais como, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transporte público e a localização em zonas de levado valor de mercado imobiliário, sendo que em especial a ponderação deste último factor não pode ser desligada de eventual situação de crise que se possa viver no mercado imobiliário.
VIII – Se vier a considerar-se que a segunda avaliação enferma de ilegalidade, por chegar a um resultado que, atendendo ao valor de mercado do terreno, é manifestamente desadequado e desproporcionado, conclui-se que deve proceder-se a uma nova avaliação, nos termos que passaram a ser previstos no artigo 76.º, nºs 2 a 5 do CIMI, segundo a nova redacção, dada pela Lei n.º 64º-A/2008, de 31 de Dezembro.
IX - O facto de a nova redacção do artigo 76.º do CIMI ter entrado em vigor apenas no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que possa vir a ser efectuada na sequência de eventual anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI) é de cariz procedimental e, por conseguinte, de aplicação imediata.
X - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Herança individa por óbito de A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento aos recursos dos despachos interlocutórios e julgado prejudicado o conhecimento do recurso da sentença final.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Herança Indivisa aberta por óbito de A…, contribuinte fiscal n.º 7…, representada por C..., Arl... e R..., residentes na Rua…, Penafiel, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 25/02/2011, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de fixação do valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Penafiel, sob o artigo 1..., no valor de 365.310,00 €.
De igual forma, esses representantes da referida herança indivisa interpuseram mais dois recursos: um do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008 e outro do despacho interlocutório proferido em 07/10/2008.
Estes recursos dos despachos interlocutórios foram admitidos para o STA em 25/11/2008, tendo este decidido que os mesmos somente deveriam subir com o recurso que for interposto da decisão final, se for caso disso.
Tendo a Recorrente recorrido da sentença final, desde logo requereu a subida de todos os recursos a este Tribunal Central Administrativo Norte.
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A Recorrente terminou as suas alegações de recurso da sentença final formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1.- As avaliações não tiveram em conta o valor do mercado.
2.- Foram requeridos esclarecimentos, bem como a notificação dos senhores peritos para estarem presentes na audiência de julgamento e não o tendo sido, houve violação do princípio da descoberta da verdade material.
3.- Na alínea M) da Matéria dada como provada, há erro quando se consideram os valores de mercado pelos Senhores peritos do Tribunal e da Fazenda Pública, porquanto estes apenas se ativeram a factores objectivos, não havendo uma única prova que referia quem é que está disposto a oferecer o valor por si atribuído.
4.- Há também erro de direito na douta sentença, porquanto não assegurou os direitos constitucionalmente protegidos à recorrente.
5.- O disposto no art.º 45º do CIMI é inconstitucional quando, face aos valores de mercado, estes são inferiores aos valores apurados objectivamente.
6.- A douta sentença violou, entre o mais, o disposto nos artigos 268º CRP, 45º CIMI, 587º, 588º e 668 CPC.
TERMOS EM QUE REVOGANDO A DOUTA SENTENÇA, SE FARÁ JUSTIÇA

Não houve contra-alegações.
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A Recorrente terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1.- Foi requerida peritagem colegial, no sentido do apuramento do valor real do mercado do terreno em discussão nos autos.
2.- Feita a mesma, foram pedidos esclarecimentos e requerida a comparência dos peritos em audiência de Julgamento.
3.- O requerimento foi indeferido pela Meritíssima Juiz.
4.- Não estão assegurados os direitos de defesa dos impugnantes, ora recorrentes.
5.- Os peritos do Tribunal e da Fazenda Pública não procederam à avaliação com base no valor real do terreno, mas apenas com base em fórmulas, métodos estes que, aliás, foram os impugnados.
6.- A Meritíssima Juiz errou, ao não autorizar o pedido de esclarecimentos feito.
7.- Violou também a Meritíssima Juiz o disposto no art° 581° CPC, atentando contra o princípio da descoberta da verdade material.
8.- Violando também o disposto no art° 588° CPC, porquanto devia assegurar que os peritos fossem notificados para comparecer em audiência de julgamento, tendo indeferido, errando, com o devido respeito.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO, ANULANDO OU ALTERANDO O DOUTO DESPACHO, SE FARÁ JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.
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O terceiro recurso tem por base um despacho interlocutório proferido em 07/10/2008 que ordenou a notificação da Recorrente para proceder ao pagamento de multa por não ter sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial devida pelo primeiro recurso interlocutório interposto a 18/07/2008. Tratando-se, pois, de recursos que estão numa relação de dependência.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 07/10/2008 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. - Há lugar a protecção jurídica e apoio judiciário.
2. – O(s) recorrente(s) haviam sido, como agora, os herdeiros.
3. - Embora não se conceba nem conceda, a haver divergência, deveria o recurso não ser admitido.
4. - No entanto e sem prescindir, a herança indivisa não é pessoa colectiva, apenas tendo personalidade judiciária, mas é representada pelos herdeiros.
5. - Não é possível requerer apoio judiciário em nome de Herança indivisa, por não se tratar de pessoa colectiva.
6. - Só é possível obter apoio judiciário através dos herdeiros.
7. - O douto despacho errou na matéria de facto e violou, entre o mais, o disposto no Dec. Lei 129/98, Lei n° 34/2004, Lei nº 47/2007, art.° 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigos 13° e 20° CRP.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO, ANULANDO OU ALTERANDO O DOUTO DESPACHO SE FARÁ JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso interposto da sentença final.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa resolver:
a) No recurso do despacho interlocutório proferido em 07/10/2008: se a impugnante beneficia de apoio judiciário;
b) No recurso do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008: se foi violado o direito de defesa da impugnante, o princípio da descoberta da verdade material e o disposto no artigo 588.º do CPC – comparência dos peritos em audiência de julgamento;
c) No recurso da sentença final: se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, impondo-se apreciar a relevância do valor de mercado, a violação dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade e a inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI.


III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença final prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) Em 15/2/2005 a impugnante, motivada pela primeira transmissão na vigência do CIMI, apresentou no Serviço de Finanças de Penafiel a declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz – Modelo 1 do IMI – relativa ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Penafiel sob o artigo 1..., composto por um terreno para construção, com a área total de 718 m2, área de implantação do prédio de 593 m2 e área bruta de construção de 3.253 m2, com data de passagem a urbano em 23/10/ e descoberta de 9.867,25 1995 (fls. 12 e 13).
B) Na primeira avaliação realizada ao prédio foi fixado o valor patrimonial tributário de 560.230,00 €, de acordo com a avaliação constante da notificação de fls. 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
C) A impugnante requereu segunda avaliação em que foi fixado o valor patrimonial tributário de 365.310,00 € (fls. 15 e 22).
D) A alteração do valor patrimonial tributário resultou da diminuição da área bruta dependente de 1867,95 m2, para 925 m2 e foi calculado nos termos da ficha de avaliação junta de fls. 31 a 33 do apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 22).
E) O perito da impugnante não aceitou a avaliação nos seguintes termos: “Perito da parte não aceita a avaliação efectuada porquanto, sem prejuízo e sem renunciar à oportuna invocação de outros fundamentos, o valor da área de implantação considerado está mal calculado, enfermando de erro quanto aos seus pressupostos.
Acresce que, a avaliação efectuada reflecte a duplicação do valor do metro quadrado da área do terreno de implantação, duplicação essa resultante da errada interpretação do disposto no nº 1 do artigo 39º com o nº 2 do artigo 45º, ambos do Código do IMI.
Por fim, verificando-se que o valor da avaliação ora efectuada, excede o valor da avaliação reclamada, aceite pelo Serviço de Finanças e com a qual se conformou, são violados os princípios do trânsito em julgado e da proibição da “Reformatio in Pejus“, não excedendo o valor tributário do prédio, fixado de acordo com o critério legal, os 262.020,00 Euros invocado no requerimento da reclamação” (fls. 32 do apenso).
F) O prédio do art. 1....º é um terreno para construção que corresponde ao Lote n.º 2 do Alvará de Loteamento n.º 34/95 da Câmara Municipal de Penafiel, tem uma área de 718 m2, prevendo a área de implantação de 593 m2, a área de construção de 3.252 m2 com uma volumetria de 9.756 m3 e cércea de 7 pisos, sendo quatro acima da cota da soleira e 3 abaixo da mesma, em relação à Rua…, em Penafiel, destinado a habitação plurifamiliar e comércio (fls. 21, 80 e 87 e testemunhas).
G) O lote confronta do lado Poente com arruamento da urbanização, que não tem saída, do Nascente com a Rua…, que faz ligação rodoviária ao centro de Penafiel e à zona do Estádio Municipal “25 de Abril” e tem continuidade para o concelho de Lousada (fls. 21, 80 e 87).
H) Entre estes dois arruamentos existe uma diferença de cotas, cerca de 9 metros, sendo que o arruamento da urbanização está à cota inferior (fls. 87).
I) Os arruamentos públicos dispõem de pavimentação, rede de energia eléctrica em baixa tensão, rede de telefones, rede domiciliária de abastecimento de água e rede de saneamento (fls. 80 e 87).
J) O terreno não está situado fora do centro de Penafiel (fls. 80 e 87).
K) O terreno está situado nas proximidades do centro urbano e cívico da cidade de Penafiel, mas não no seu centro (fls. 80 e 87 e testemunha L…).
L) O terreno fica localizado perto do campo de futebol do Penafiel (fls. 80 e 87).
M) Os peritos do tribunal e da Fazenda Pública atribuíram ao lote um valor de mercado de 401.486,00 €, que corresponde ao valor do prédio pelo método do IMI de 341.263,00 €/0,85, e um valor de 401.934,00 €, pelo método comparativo e de custo, que equivale a um preço de 560,00 €/m2 (fls. 77).
N) O perito da impugnante atribui um valor de mercado máximo de 200 €/m2, a que corresponde um valor máximo de 143.600,00 € (fls. 90).
O) A testemunha L… declarou que o valor de mercado do terreno é de cerca de 150.000,00 € a 160.000,00 € e que o valor do terreno era de cerca de 200,00 € / m2.
P) A testemunha L... declarou que o valor praticado naquela zona para os lotes de terreno para construção de moradias ronda os 80,00 €/m2.
Q) A testemunha L... declarou que a única proposta de compra do terreno, não foi uma proposta firme, não se recordando da identidade do proponente e foi no valor de 50.000,00 €.
R) Os representantes da impugnante celebraram com a “I…, Ld.ª”, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Paços de Ferreira, um contrato de mediação imobiliária em 20/3/2006, para vendo do prédio inscrito no artigo 1... da matriz predial urbana da freguesia de Penafiel, do mesmo concelho, pelo preço de 250.000,00 € (fls. 27).
S) Este contrato foi denunciado pela impugnante em 26/6/2007 (fls. 26).
T) Os representantes da impugnante celebraram com a “António…, Ld.ª”, pessoa colectiva n.º 5…, com sede no lugar…, Paredes, um contrato de mediação imobiliária em 30/7/2009, para venda do prédio inscrito no artigo 1... da matriz predial urbana da freguesia de Penafiel, do mesmo concelho, pelo preço de 160.000,00 € (fls. 220).
U) A impugnante tem o lote de terreno para construção à venda há cerca de dois anos (fls. 27 e testemunhas).
Matéria de facto julgada não provada:
1 – O valor real do terreno para construção não ultrapassa o preço de 150,00 €/m2 e ao valor total de 107.700,00 €.
2 – O terreno fica localizado em zona retirada do centro de Penafiel.
3 – Junto a uma rua não pavimentada.
4 – A localização do terreno é má, pois fica distante do centro Penafiel, não está em zona de comércio, não é local de passagem normal de pessoas, está numa rua sem saída e com fraca acessibilidade.
5 – O valor praticado naquela zona para os lotes de terreno para construção de moradias ronda os 50,00 €/m2.
6 – Até à data o melhor preço oferecido foi de 100.000,00 € (testemunha Ang…).
3.1.1 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados, identificados em cada um dos factos, à prova pericial produzida e / ou nos depoimentos das testemunhas identificadas em cada um deles.
Os depoimentos das testemunhas apesar de serem sinceros, têm de ser valorados distintamente, pela diferença de assertividade e espontaneidade com que foram produzidos.
O depoimento da testemunha Ang… foi em determinados pontos bastante vago e pouco assertivo. Embora não possa dizer-se que não foi sincero, não foi suficientemente verosímil para formar a convicção do tribunal.
O depoimento da testemunha L... foi mais espontâneo e assertivo. Contudo, no que respeita ao valor do terreno, face às divergências objectivas com a prova pericial junta aos autos, não foi suficiente para convencer o tribunal que o valor declarado é o valor real de mercado.
Por isso, nessa parte o tribunal não tendo ficado convencido do preço, julgou provado apenas o teor do depoimento da testemunha e o teor dos relatórios periciais.
A matéria de facto julgada não provada resultou da ausência de prova ou da prova do contrário.
A matéria de facto não provada dos números 1) a 5) resultam da prova do contrário.
Embora não se tivesse julgado provado o valor real de mercado do terreno em questão, na prova produzida não houve qualquer referência a um valor de 150,00 €/m2 e a um valor total de 107.700,00 €. Apesar de divergentes, todos os valores referidos foram sempre superiores a estes. Apesar de não poder dizer-se qual foi o valor de mercado, pode dizer-se que o valor máximo é superior a 150,00 €/m2, porque o valor mínimo referido pelas testemunhas é superior a este (N.º 1).
Quanto à localização do terreno, os peritos e a testemunha L..., contrariaram o depoimento de Ang…, que declarou que o terreno não ficava no centro de Penafiel, e que por isso não relevou para a convicção do tribunal, tendo declarado que o terreno não está situado fora do centro de Penafiel, fica situado nas proximidades do centro urbano e cívico da cidade de Penafiel, mas não no seu centro (n.º 2).
A prova produzida afirma peremptoriamente que as ruas que circundam o terreno estão pavimentadas (n.º 3).
A matéria de facto julgada não provada no número 4 também resultou da prova do contrário. Desde logo, o dizer-se que a localização do terreno é má é um conceito parcialmente conclusivo, mas não pode chegar-se a essa conclusão quando se diz que o terreno está situado nas proximidades do centro da cidade de Penafiel, junto ao Estádio 25 de Abril, onde existem outras habitações e zona comercial (a testemunha L... declarou que a empresa onde trabalha tem outras lojas e propriedades para vender naquela zona), com acessibilidades e demais condições julgadas provadas. Por isso também não pode dizer-se que o terreno fica distante do centro Penafiel e que não está em zona de comércio, não é local de passagem normal de pessoas (estes factos foram desmentidos pela testemunha L... que declarou que naquela zona a empresa onde trabalha tem outras lojas para venda o que significa que, embora possa não ser um local de comércio e de passagem de pessoas por excelência, tem movimento comercial e de pessoas, relevando ainda aqui o facto de estar próximo do campo de futebol, que é por definição um local de acesso de muitas pessoas), está numa rua sem saída (uma das confrontações do terreno é com uma rua sem saída – Rua…– mas não significa que o terreno está numa rua sem saída porque uma das outras confrontações – com a Rua…– é uma rua que liga o centro da cidade de Penafiel ao Estádio 25 de Abril e dá ligação para o concelho de Lousada) e com fraca acessibilidade (Aqui basta atentar na matéria de facto provada que diz o contrário).
Julgou-se não provado que o valor praticado naquela zona para os lotes de terreno para construção de moradias ronda os 50,00 €/m2, porque a única testemunha que prestou depoimento sobre essa matéria referiu um valor de 80,00 €/m2 (n.º 5).
Julgou-se não provado que até à data o melhor preço oferecido foi de 100.000,00 €, porquanto apesar da testemunha Ang… ter referido esse valor, fê-lo de forma pouco consistente e vaga (declarando sem assertividade ”julgo que era uma imobiliária”, “julgo que era a Rema”). Apesar do seu depoimento o tribunal não ficou convencido desse facto, pela forma pouco espontânea dessa parte do depoimento.
Por outro lado, a testemunha L... também referiu apenas uma alegada proposta de 50.000,00 € que ela própria desvalorizou por ser um valor inaceitável.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por revelar-se inútil para a decisão da causa ou por constituir conceito de direito ou alegação conclusiva.
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2. O Direito

Por a admissibilidade do recurso interposto do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008 estar dependente do julgamento que se vier a efectuar do recurso do despacho proferido em 07/10/2008, começaremos por apreciar o teor deste último:
Analisada a petição verificamos que a impugnante é a herança indivisa aberta por óbito de A…. A impugnação decorre do pedido de declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, conforme decorre do documento junto com a petição inicial a fls. 12, o qual foi apresentado pela cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de A... e em sua representação.
A herança indivisa tem personalidade judiciária tributária (arts. 3°, n.° 1, e 15.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 2°, n.° 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC)) e capacidade tributária, sendo representada pelo cabeça-de-casal (arts. 3°, n.° 2, e 16°, n.°s 1 a 3, do CPPT e 2079.° do Código Civil (CC)).
Neste sentido pode ver-se o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/07/2002, proferido no recurso n.° 39/02 (in www.dgsi.pt).
No caso em apreço a impugnante nestes autos é a herança indivisa aberta por óbito de A... e não os seus herdeiros.
A legitimidade para a impugnação pertence à referida herança indivisa e não a cada um dos seus herdeiros. Daí que a responsável pelo pagamento da taxa de justiça inicial e das custas do processo seja também a herança e não cada um dos seus herdeiros.
Compulsados os autos verificamos que o recurso interposto de fls. 127 a 132 não foi acompanhado do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial do recurso (art. 23°, n.° 1, do Código das Custas Judiciais (CCJ)) ou do pedido de apoio judiciário da impugnante (Cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/1997, recurso n.° 9731139, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto e atento o disposto no art. 28.° do CCJ, com cópia deste despacho cumpra o artigo 685.°-D, n.° 1, do CPC. (…)”
Não tendo a Recorrente procedido ao pagamento da taxa de justiça, nem da multa, devida pelo impulso processual da interposição do recurso do despacho proferido em 18/07/2008, apresentou este recurso por entender não serem as mesmas devidas, já que há protecção jurídica e apoio judiciário para os presentes autos. Alertou não ser possível requerer apoio judiciário em nome de herança indivisa, por não se tratar de pessoa colectiva, apenas o sendo através dos herdeiros.
Efectivamente, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto – Acesso ao Direito e aos Tribunais – delimita, nas suas disposições gerais, o âmbito pessoal da protecção jurídica, englobando, portanto, as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário. Assim, têm direito a estes benefícios os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica e, ainda, as pessoas colectivas sem fins lucrativos (estas somente têm direito a apoio judiciário) – cfr. artigo 7.º do mencionado diploma.
Na verdade, os herdeiros da herança indivisa em causa assumiram-se na petição inicial como representantes desta: “A Herança Indivisa aberta por óbito de A..., (…), representada por C..., Arl... e R... (…)”. Logo, o requerimento de apoio judiciário formulado por cada um destes herdeiros para os presentes autos deve aceitar-se como pedido de apoio judiciário para a impugnante.
A filosofia inspiradora do direito de acesso aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e do respectivo regime estabelecido na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, justifica que se torne extensível à herança indivisa o apoio judiciário.
Para esse fim, deve considerar-se em situação de insuficiência económica a herança cujo acervo de bens não produz rendimentos suficientes para pagamento de preparos e custas se não se encontrar o seu administrador em condições de poder adiantar o dinheiro necessário a tais despesas judiciais por ele próprio ter sido considerado em situação de insuficiência económica – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/07/1994, proferido no âmbito do processo n.º 9430437.
No caso, não só o cabeça-de-casal, C..., como os restantes herdeiros que representam a herança indivisa, beneficiam de apoio judiciário para os presentes autos na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – cfr. as decisões do Instituto da Segurança Social, I.P. juntas aos autos a fls. 117 a 120, 121 a 124 e 152 a 155 do processo físico.
Mesmo que assim não fosse, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, por sentença prolatada em 30/05/2011, declarou habilitados, como adquirentes do prédio urbano a que respeita a impugnação judicial, precisamente C..., Arl... e R..., a fim de prosseguirem os termos do processo – cfr. processo apenso aos autos n.º 584/07.2BEPNF-A.
Logo, beneficiando estes de apoio judiciário na modalidade referida, nenhum óbice se vislumbra na admissão e prossecução do recurso relativo ao despacho interlocutório de 18/07/2008, sendo, portanto, de conceder provimento a este recurso, revogando a decisão recorrida proferida em 07/10/2008, dando-se, consequentemente, sem efeito a guia para pagamento de multa ínsita a fls. 134 do processo físico.

Vejamos, agora, o teor do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008:
“Fls. 104 e ss. dos autos.
Pelo requerimento de fls. supra mencionadas vem a impugnante requerer, no âmbito da perícia colegial realizada, esclarecimentos aos senhores peritos.
Sucede, porém, que analisados os itens sujeitos à perícia e as respostas formuladas pelos srs. peritos concluiu-se que os quesitos em questão foram alvo de resposta concreta e precisa, considerando assim que nada mais há a esclarecer.
Além do mais os esclarecimentos pretendidos ultrapassam já o teor da perícia autorizada.
Ante o exposto, indefiro o pedido de esclarecimentos solicitado. (…)”
Antes de mais, cumpre, então, apreciar a fundamentação do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008. Este tribunal fará um controlo objectivo, que passará sempre pela verificação e conhecimento da fundamentação ínsita no despacho recorrido; pois é, designadamente, em face da motivação aventada no despacho em crise que se poderá discernir se as razões são aplicáveis ao caso. Em síntese, a fundamentação do despacho ditará se a motivação do tribunal a quo se adequa ao pedido da recorrente.
Lembramos que, de harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Na verdade, nunca se deve perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
É aqui pertinente o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”
Ora, havia sido autorizada perícia cujo objecto se prendia com a determinação do valor de mercado do terreno para construção em causa nos autos, pressupondo a resposta aos seguintes quesitos:
1 – O lote de terreno para construção está situado numa rua sem saída?
2 – Está situado fora do centro de Penafiel?
3 – Quais as características do terreno?
4 – Qual o seu valor de mercado?
5 – Qual o preço por metro quadrado?
Após a notificação dos relatórios periciais, a impugnante veio alertar que os senhores peritos nomeados pelo Tribunal e pela Fazenda Pública procederam a avaliações nos termos do Código do IMI e tendo por base o método comparativo e de custo. Conclui que não foi esta a perícia requerida, não se tendo atendido ao valor de mercado, havendo exorbitância. Nesta conformidade, a impugnante formulou um pedido de esclarecimentos aos peritos, no sentido de informar qual o valor que se obtém pela compra/venda do terreno, dado que o valor de mercado é o valor pelo qual possa ser transaccionado, havendo comprador e vendedor interessados no preço. Pediu expressamente que os peritos esclarecessem e identificassem quais as pessoas (singulares ou colectivas) que pretendem adquirir o terreno em causa e qual o valor oferecido. Devendo, ainda, esclarecer as razões das divergências entre os valores dos relatórios tão diferenciadas. Requereu, por fim, a notificação dos senhores peritos para estarem presentes na audiência de julgamento e prestarem depoimento sobre os factos contidos nos relatórios.
A título de nota explicativa, pode ler-se no relatório elaborado pelo perito do Tribunal e pelo perito da Impugnada: “(…) A metodologia seguida compreendeu a análise dos dados fornecidos constantes do processo, pelo levantamento das características dos imóveis e da sua envolvente, tendo como objectivo caracterizar com o maior rigor o mercado existente naquela zona de preços.
Assim, na determinação do Valor do Mercado para o terreno em questão, foram utilizados dois métodos tradicionais de avaliação, em que os valores de venda das unidades autónomas de construção previstas edificar neste imóvel são os resultados da aplicação do Método Comparativo e a avaliação do imóvel será obtida pela aplicação do Método do Custo.
Pretendeu-se desta forma estimar o valor de mercado que um potencial comprador estaria disposto a oferecer pelo terreno em questão.”
De seguida, sob o título “Método Comparativo” refere-se o seguinte:
“Tem como objectivo relacionar o valor de um imóvel, com os dados relativos à transacção de imóveis com características semelhantes, ou comparáveis. Após este conhecimento podemos segundo critérios de homogeneidade, definir quais as características mais relevantes dos imóveis e aplicar as técnicas de homogeneização das amostras recolhidas e assim obtermos os valores de transacção/mercado que servirão para estimar o valor de mercado das habitações previstas para a utilização futura do terreno.”
Sem mais, conclui-se de imediato: “Do resultado da homogeneização obtivemos o valor de venda por metro quadrado de construção Habitação Multifamiliar de 900,00€/m2. A construção em cave a 350,00€/m2. O valor do comércio foi considerado o mesmo da Habitação ou seja a 900,00€/m2. (…)”
Nesta conformidade, desconhece-se, em concreto, como foram obtidos estes valores, justificando-se plenamente os esclarecimento peticionados pela impugnante, principalmente porque o perito da impugnante indicou o preço de 200€/m2 para o valor de mercado do mesmo terreno para construção, juntando documentação e efectuando uma análise comparativa, em concreto com os terrenos de toda a Área Metropolitana do Porto – cfr. estudo sobre a evolução do mercado imobiliário no Grande Porto.
Nestes termos, encontramos pertinência em dilucidar o motivo de tão acentuada divergência entre as respostas dos relatórios aos quesitos 4 e 5, na medida em que o relatório dos peritos do Tribunal e da Impugnada não avança que amostras concretas recolheu, impossibilitando a compreensão e o acompanhamento do percurso que terá sido efectuado para chegar ao preço de €560,00€/m2 para o terreno com as características em causa.
Na verdade, entendemos que as conclusões do relatório elaborado pelos peritos do Tribunal e da Impugnada não se mostram devidamente fundamentadas, justificando-se a reclamação que foi formulada pela impugnante, nos termos do disposto no artigo 587.º, n.º 2 do CPC. Pelo que a Meritíssima Juíza “a quo” devia ter ordenado que os peritos fundamentassem, por escrito, o relatório apresentado – cfr. artigo 587.º, n.º 3 do CPC.
Não se compreende, assim, como pôde a Meritíssima Juíza “a quo” concluir que os quesitos em questão foram alvo de resposta concreta e precisa e considerar que nada mais há a esclarecer.
Para fundar a sua decisão acrescentou que os esclarecimentos pretendidos ultrapassam já o teor da perícia autorizada. Apesar de a motivação subjacente a esta conclusão não se encontrar espelhada no despacho, pelo que só podemos inferir que o despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado; sempre diremos que o pedido de identificação das pessoas (singulares ou colectivas) que pretendem adquirir o terreno em causa e qual o valor oferecido ultrapassa o âmbito da perícia. Os peritos devem fundamentar o seu laudo, mas não têm que identificar as pessoas que pretendem adquirir o terreno. Apesar de o relatório pericial se referir aos dados relativos à transacção de imóveis com características semelhantes, ou comparáveis, a critérios de homogeneidade, à definição das características mais relevantes dos imóveis e à aplicação de técnicas de homogeneização das amostras recolhidas, a verdade é que inexiste qualquer menção concreta a estas amostras, devendo os peritos esclarecer os seus cálculos/operações.
Por outro lado, na mesma peça processual, a impugnante requereu a comparência dos peritos na audiência final a fim de prestarem esclarecimentos. Saliente-se que a Meritíssima Juíza indeferiu in totum o requerimento da impugnante. Contudo, nos termos do artigo 588.º do CPC, quando alguma das partes o requeira, os peritos comparecerão na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos.
O certo é que os peritos não estiveram presentes na diligência de inquirição de testemunhas realizada em 21/06/2010, porque para a mesma não foram convocados, não obstante o requerimento expresso nesse sentido da impugnante – cfr. acta de fls. 222 a 224 do processo físico.
É impossível considerar devida e suficientemente fundamentado um despacho judicial que unicamente assenta em conclusões sem que se concretizem quaisquer factos sustentadores que permitam retirar essas ilações, principalmente quando a realidade concreta aponta, pelo menos em parte, no sentido inverso, como referimos. A nossa convicção vai, portanto, no sentido de considerar potencialmente útil a requerida diligência de esclarecimentos.
Face ao exposto, o recurso deste despacho interlocutório também merece provimento.
No entanto, o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.
«Efectivamente, apenas faz sentido conceder provimento à impugnação de qualquer decisão interlocutória se tal interferir na decisão final ou se, em alternativa, for visível um interesse processual autónomo no provimento que não se confunde com um mero interesse subjectivo, de ordem moral ou académica» - cfr. Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2.ª ed., a pág.227.
Na sentença recorrida assumiu-se expressamente a irrelevância do apuramento do valor de mercado. Mas, se tal julgamento estiver correcto, então não se compreende a utilidade da própria perícia que foi ordenada pelo tribunal “a quo”, que visava precisamente determinar o valor de mercado do terreno para construção.
A dado momento, a sentença em crise refere: “(…) para concluir-se da subjectividade do alegado conceito de valor de mercado.
Por isso, o tribunal também não fixou o valor de mercado por não ter ficado convencido do valor de mercado efectivo.
Porém, a falta do valor de mercado também não é relevante, porquanto não é um elemento que integre a fixação do valor patrimonial tributário.
O acto de fixação do valor patrimonial tributário impugnado foi determinado com recurso aos elementos objectivos e uniformes fixados na lei, por avaliação realizada nos termos do CIMI, designadamente nos termos estabelecidos no art. 45.º, por remissão do art. 76.º, n.º 2, cujo cálculo está demonstrado na notificação da avaliação de fls. 22 e na ficha de avaliação de fls. 31 a 33 do apenso, que aqui se dão por reproduzidos. E esses elementos da avaliação não foram contestados pela impugnante, que discorda apenas do valor final da avaliação e da sua disparidade com o valor de mercado invocado por si.
Daí que não exista qualquer ilegalidade, por preterição de formalidade legal ou por erro de facto ou de direito na fixação do valor patrimonial tributário impugnado.
Acresce que a impugnante também não invoca qualquer ilegalidade dos critérios objectivos fixados pelo CIMI para realização da avaliação. Isto é, a impugnante não invoca a ilegalidade dos critérios, elementos e coeficientes fixados pelo CIMI e Portarias aí previstas, que foram utilizados na realização da avaliação e na determinação do valor patrimonial tributário.
A impugnante alega que o valor fixado pela segunda avaliação é superior ao valor real e viola o princípio da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Mas não tem razão. (…)”
Sobre a relevância do valor de mercado, pela sua expressividade, não podemos deixar de remeter para o decidido no Acórdão do STA, de 02/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 01131/11, uma vez que a impugnante invoca expressamente na sua petição inicial a violação do princípio da proporcionalidade (referindo-se a um valor que conduz a uma tributação excessiva e desproporcionada - cfr. artigos 37.º e 38.º):
«(…) Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção (Determinação realizada com base no disposto no art. 45º do CIMI, que tinha, à data dos factos, a seguinte redacção:
“1- O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2- O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3- Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.
4- O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º”.
Por sua vez, o nº 3 do artigo 42º tinha a seguinte redacção:
“Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.”), a Administração fiscal é chamada a aplicar conceitos técnicos e discricionários que lhe conferem ampla margem de liberdade de apreciação, margem esta de liberdade que terá, porém, de ser reequilibrada através do funcionamento do princípio jurídico fundamental da proporcionalidade.
Segundo GOMES CANOTILHO (Cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 264.), embora o campo de eleição do princípio da proporcionalidade seja o da restrição de direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos, o domínio lógico de aplicação estende-se “aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie” e a todas as modalidades de “actos dos poderes públicos”, vinculando o “legislador, a administração e a jurisdição”.
No que se refere à administração, o princípio da proporcionalidade é entendido como limite interno da discricionariedade administrativa (Cfr. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 116 e ss.) o que significa que a administração não está apenas obrigada a prosseguir o interesse público, mas a alcançá-lo utilizando os meios menos gravosos ou que impliquem um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares (Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 28 de Maio de 1997, in AD nº 432, p. 1416 e ss.).
O funcionamento deste princípio é especialmente importante em matéria tributária onde a obrigação nuclear, a de pagar impostos, se “traduz sempre numa ablação pecuniária dos contribuintes” (Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 2007, p. 1093. ). Daí que o art. 55º da LTG estabeleça que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”
Tendo por referência o conteúdo normativo do princípio da proporcionalidade, alguma doutrina pondera que o mesmo “obriga a administração a não afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” (Cfr. DIOGO LEITE CAMPOS e OUTROS, Lei Geral Tributária, 1999, VISLIS, Editores, pp. 162 ss.), impondo, em especial, à Administração tributária que se abstenha de impor aos contribuintes obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que visa prosseguir.
Aplicando o exposto ao caso em apreço, há-de concluir-se que a invocada “distorção entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado” haveria já de relevar, mesmo antes da sua consagração expressa, como manifestação do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensões da adequação e da proibição do excesso. O princípio funcionaria como válvula de escape, colmatando de alguma forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no art. 45º do CIMI, permitindo fundamentar a ilegalidade da actuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial.
Assim sendo, estando em causa a avaliação de um terreno para construção, em que a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação depende, nos termos do disposto no nº 3 do art. 45º do CIMI, do coeficiente de localização, o critério do valor de mercado, enquanto refracção do princípio da proporcionalidade, já deveria ser tido em conta na densificação daquele coeficiente (Cfr. o nº 3 do art. 4º do CIMI, aplicável por remissão do nº 3 do art. 45º do CIMI.), designadamente na avaliação e ponderação de conceitos, tais como, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transporte público e a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Acresce ainda que em especial a ponderação deste último factor não poderia ser desligada da situação de grave crise que se vive no mercado imobiliário.
Segundo este modo de ver as coisas, aplicar-se-ia o 45º do CIMI, em conjugação com as normas previstas no art. 266º, nº 2, da CRP, e no art. 55º da LGT, preceitos que impõem aos órgãos da Administração tributária uma actuação respeitadora de vários princípios jurídicos fundamentais (No caso em apreço poderia igualmente chamar-se à colação, juntamente com o princípio da proporcionalidade, o princípio da justiça várias vezes aplicado por este Supremo Tribunal (cfr., entre outros, o Acórdão de 19/11/2008 e o Acórdão de 2/4/2008, proc. nº 0807/2008).), incluindo o da proporcionalidade, enquanto princípio fundamental norteador de toda a actuação da Administração Pública em geral e, em especial, a Administração tributária. Sobre a relevância jurídica autónoma dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no art. 266º, nº 2, da CRP, ficou consignado, no Acórdão do STA, de 19/11/2008, proc nº 0325/08, que estes princípios constitucionais têm um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados, cuja “não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei.”
A corroborar esta interpretação aponta-se o facto de, nos termos do disposto no art. 77º, nº 2, do CIMI, a impugnação judicial relativa à segunda avaliação poder ter como fundamento “qualquer ilegalidade”, incluindo, por conseguinte, a que resulta da violação das exigências do princípio da proporcionalidade, como acontece no caso em apreço.
Esta é a solução que vem, aliás, ao encontro do alegado pelo recorrido, pois, como resulta do ponto F do probatório, no pedido da segunda avaliação, aquele invocou, entre o mais, “o excessivo, para não dizer, absurdo valor atribuído ao terreno do qual agora se reclama” (ponto 5 fls. 24 do PA), tendo sobretudo em conta, por ser “público e notório” o mercado imobiliário atravessar uma crise “de graves proporções” (ponto 13 fls. 25 do PA).
Assim sendo, considerando-se que a segunda avaliação enferma de ilegalidade, por chegar a um resultado que, atendendo ao valor de mercado do terreno e à situação de grave crise que se vive no mercado imobiliário, é manifestamente desadequada e desproporcionado, conclui-se que deve proceder-se a uma nova avaliação, nos termos que passaram a ser previstos no art. 76º, nºs 2 a 5, do CIMI, segundo a nova redacção, em conformidade, aliás, com o decidido pelo Juiz “a quo” e o acolhido no parecer do Ministério Público.
Com efeito, tal como ficou consignado no Acórdão do STA, de 18/11/2008, “o facto de a nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI ter entrado em vigor apenas no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efectuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI), é de cariz procedimental”, e, por conseguinte de aplicação imediata, a menos que tal aplicação prejudique garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes (cfr. o nº 3 do art. 12º da LGT), o que não ocorre no caso. (…)»
Sendo pertinente o apuramento do valor de mercado do terreno em questão para apreciação do invocado vício de violação do princípio da proporcionalidade, obviamente que os esclarecimentos solicitados pela impugnante relativamente aos relatórios periciais, bem como a presença dos peritos em sede de audiência final para os efeitos do disposto no artigo 588.º do CPC, se apresentam essenciais à descoberta da verdade material, in casu.
Na verdade, independentemente do eventual apuramento da verdade material poder vir a revelar-se favorável ou não à impugnante, em primeira linha, estando em causa uma decisão que lhe é desfavorável, sempre o provimento do(s) recurso(s) interlocutório(s) lhe interessa ostensivamente; podendo ou não, em segunda linha, reflectir-se em modificação da sentença recorrida.
Pelo exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso do despacho interlocutório proferido em 18/07/2008, mostrando-se prejudicado o conhecimento do recurso da sentença final.
Logo, deverão remeter-se os presentes autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para cumprimento do disposto nos artigos 587.º, n.º 3 e 588.º, ambos do CPC, na redacção aplicável à data, e, posteriormente, ser proferida nova decisão final, se a tal nada mais obstar.

Conclusões/Sumário

I - Deve considerar-se em situação de insuficiência económica a herança cujo acervo de bens não produz rendimentos suficientes para pagamento de preparos e custas se não se encontrar o seu administrador em condições de poder adiantar o dinheiro necessário a tais despesas judiciais por ele próprio ter sido considerado em situação de insuficiência económica, justificando-se que se torne extensível à herança indivisa o apoio judiciário.
II - Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.
III – Não se mostrando as conclusões do relatório elaborado pelos peritos devidamente fundamentadas, justifica-se a reclamação prevista no artigo 587.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). Pelo que o tribunal recorrido devia ter ordenado que os peritos fundamentassem, por escrito, o relatório apresentado – cfr. artigo 587.º, n.º 3 do CPC.
IV - Nos termos do artigo 588.º do CPC, quando alguma das partes o requeira, os peritos comparecerão na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos.
V - Antes da nova redacção dada ao artigo 76.º, n.º 4, do CIMI, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o desvalor entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado podia servir de fundamento à anulação da segunda avaliação, enquanto manifestação ou refracção do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensão da adequação e da proibição do excesso.
VI - O princípio da proporcionalidade funcionaria como válvula de escape de modo a permitir fundamentar a ilegalidade da actuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial, colmatando de alguma forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no artigo 45.º do CIMI, devendo para o efeito este preceito ser interpretado em conjugação com o disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
VII - Assim sendo, estando em causa a avaliação de um terreno para construção, em que a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação depende, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, do coeficiente de localização, o critério do valor de mercado, enquanto refracção do princípio da proporcionalidade, já deveria ser tido em conta na densificação daquele coeficiente, designadamente na avaliação e ponderação de conceitos, tais como, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transporte público e a localização em zonas de levado valor de mercado imobiliário, sendo que em especial a ponderação deste último factor não pode ser desligada de eventual situação de crise que se possa viver no mercado imobiliário.
VIII – Se vier a considerar-se que a segunda avaliação enferma de ilegalidade, por chegar a um resultado que, atendendo ao valor de mercado do terreno, é manifestamente desadequado e desproporcionado, conclui-se que deve proceder-se a uma nova avaliação, nos termos que passaram a ser previstos no artigo 76.º, nºs 2 a 5 do CIMI, segundo a nova redacção, dada pela Lei n.º 64º-A/2008, de 31 de Dezembro.
IX - O facto de a nova redacção do artigo 76.º do CIMI ter entrado em vigor apenas no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que possa vir a ser efectuada na sequência de eventual anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI) é de cariz procedimental e, por conseguinte, de aplicação imediata.
X - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento a ambos os recursos dos despachos interlocutórios, revogar as respectivas decisões recorridas bem como todos os actos subsequentes com elas incompatíveis, determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e julgar prejudicado o conhecimento do recurso da sentença final.
Sem custas.
D.N.
Porto, 24 de Novembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo