Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01511/07.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO, PENHORA, OBRIGAÇÕES, AUTORIDADE DO CASO JULGADO;
Sumário:I - A autoridade de caso julgado significa que os Tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros quanto a questões essenciais. Assim, se a decisão da causa foi determinante para a procedência ou improcedência da ação, impõe-se aquela autoridade não podendo o tribunal da segunda ação julgá-la em sentido contrário.

II - Para decidir se uma determinada decisão tem “autoridade de caso julgado” potencialmente extensível a outro processo, há que interpretar o conteúdo da decisão de modo a identificar qual o segmento da mesma que se impõe de forma obrigatória fora e dentro do processo em que foi proferida.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., SA
Recorrido 1:Instituto da Vinha e do Vinho, IP, e Outra
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I – E., S.A. (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual se julgou improcedente os embargos de terceiro que deduziu no presente processo de execução fiscal.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

1. Vem o presente Recurso interposto da sentença de fls. que julgou improcedentes os embargos deduzidos pela ora Recorrente e, consequentemente, decidiu pela manutenção da penhora das obrigações emitidas pela embargante em 1989 e depositadas na conta de valores mobiliários n.º (...) do Banco (...), titulada pela C. Lda.
2. Considerou aquele decidendo não ter resultado demonstrado que a embargante, conforme ónus que sobre si impendia, tivesse visto lesada ou ofendida a sua posse, ou qualquer direito incompatível com a penhora, para efeitos do disposto no art.º 324.º/1 Código Civil.
3. E fundamentou a sua decisão da forma seguinte:
"Segundo alega a embargante, todos os créditos titulados pelas obrigações por si emitidas foram reclamadas no processo de reclamação de crédito, bem como todos os créditos da C. sobre a Embargante, tendo ficado sujeitos às medidas de recuperação homologadas judicialmente, as quais foram integralmente cumpridas, e por isso, encontram-se liquidados.
"Ora, da leitura atenta do requerimento de reclamação de créditos apresentada pela C. Lda, em 05/09/1997, no âmbito do processo de recuperação e junto aos autos, no seguimento do despacho de 09/12/2012, não é possível extrair essa conclusão.
"Com efeito, da informação nela contida o Tribunal não conclui que os créditos referentes às obrigações emitidas pela embargante, depositadas na conta bancária penhorada, foram efectivamente reclamados pela executada, que foram abrangidos pelas medidas de recuperação aplicadas, que foram integralmente cumpridas e que encontram pagas."
"Também da prova testemunhal produzida não é possível concluir o alegado pela embargante, sendo certo que, sobre ela impende o ónus da prova da lesão ou ofensa da posse ou do seu direito, ao abrigo do disposto no art.º 324.º, n.º 1 do CC."
4. E o Tribunal Recorrido suporta a sua decisão no facto de não resultar, quer do requerimento de reclamação de créditos da C., quer da prova testemunhal produzida, suporte da alegação da embargante.
5. E já em sede de "motivação da matéria de facto", a sentença recorrida considerara, após análise da prova testemunhal produzida, que "dos documentos constantes dos autos não é possível concluir que a conta bancária penhorada nos autos é constituída por títulos de crédito que já não titulam qualquer dívida por a mesma se encontrar extinta."
6. O Tribunal a quo fez errada apreciação da prova carreada para os autos.
7. A alegação da embargante supra vertida, encontra-se integralmente suportada documentalmente.
8. Desde logo, importa evidenciar que a emissão de obrigações está sujeita a registo (cfr. alínea 1) do nº 1 do artigo 3º do Código de Registo Comercial).
9. E, cfr. resulta da certidão permanente com o código de acesso nº 112-7052-5301 - que dispensa a apresentação da certidão em papel, nos termos do nº 5 do artigo 75º do Código de Registo Comercial -, no ano de 1987, a ora Recorrente procedeu à emissão de 200.000 obrigações, em títulos ao portador de 5, 10 e 50, os quais foram agrupados em duas series (A e B) de 100.000 obrigações cada uma, no valor nominal de Esc. 1.000$00, emissão essa registada sob a Ap. 03/19880219.
10. No ano de 1988, a Embargante procedeu à emissão de 200.000 obrigações, em títulos ao portador de 10, 50 ou 100, os quais foram agrupados em duas series de Esc. 100.000.000$00 cada uma, emissão essa, registada sob a Ap. 02/19890203. (cfr. mesma certidão permanente).
11. No ano de 1989, a ora Recorrente procedeu à emissão de 250.000 obrigações ao portador no valor nominal de Esc. 1.000$00 cada uma, emissão essa registada sob a Ap. 06/19900322. (cfr. certidão permanente)
12. Da mesma certidão resulta que a embargante só procedeu à emissão de obrigações nos anos de 1987, 1988 e 1989.
13. A certidão comercial da embargante encontra-se junta aos autos como Doc 1 oferecido com os Embargos.
14. Daquele documento, e com relevância para prova da alegação da Embargante, podemos concluir que a embargante emitiu obrigações no ano de 1987, no valor de 200.000$00 cfr ap. 03/19880219 e que a embargante emitiu obrigações nos anos, e apenas nos anos de 1987, 1988 e 1989, no valor global de 650.000$00 cfr aps. 03/19880219, 02/19890203 e 06/19900322.
15. Se atentarmos na fundamentação de facto da sentença recorrida., resulta do n.º 4 da mesma que "No âmbito do processo de recuperação de empresa o gestor judicial apresentou o relatório de fls. 59 a 68 dos autos, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
Fazendo jus ao princípio da igualdade de tratamento de todos os credores "par conditio creditorium" opta-se por medida que irá atingir por igual a totalidade dos credores privilegiados e comuns, traduzida por uma reformulação do passivo através da redução de 70% dos créditos segundo esquema a seguir indicado:
No Período de pagamento não correrão juros de qualquer espécie sobre os créditos reformulados, beneficiando a empresa de isenção de juros vincendos, bem como dos juros vencidos sobre os créditos aprovados que serão expurgados do serviço da dívida (...)
O período de carência será de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória da deliberação da Assembleia de Credores. (...) Amortização parcial das dívidas e juros
As dívidas deverão ser amortizadas num prazo dilatado e sem pagamento de juros (art.º 88.º, n.º 1, b), da forma que se segue:
C. Limitada — dívida de esc. 660.947.439$00
Pagamento em 10 anos, com dois de carência, de 30% da dívida (...) Empréstimos para obrigações Esc. 650.000.000$00 e juros de 211.334.206$00 Pagamento em 10 anos, com dois de carência, de 30% da dívida (..."
16. E o n.º 5 da fundamentação de facto da sentença acrescenta: "Por deliberação unânime da Assembleia de Credores, de 27/02/1998, foi aprovado o relatório do Gestor Judicial, excepto no que respeita aos créditos do Estado e Segurança Social cfr fls 69 e ss. dos autos..."
17. Sob o n.º 6 dá o Tribunal a quo como provado que: "por sentença de 01/04/1998 foi homologada a deliberação da Assembleia de Credores referida no ponto anterior - cfr fls. 71/73 dos autos"
18. Sob o n.º 7 que "em 07/02/1999 teve lugar a Assembleia de Credores na qual foi aprovada a cessação das medidas de recuperação da empresa por cumprimento das mesmas, cfr fls. 78 e 79 dos autos".
19. E sob o n.º 9 considerou provado que "Por sentença de 20/02/1999 foi homologada a deliberação da Assembleia de Credores aludida na alínea anterior."
20. Em suma, conforme resulta do relatório considerado sob a alínea D) da matéria assente, o relatório do Gestor Judicial contemplou uma rúbrica relativa a "Empréstimos para obrigações Esc. 650.000.000$00 e juros de 211.334.206$00", sujeita a pagamento de 30% da dívida, com dois anos de carência.
21. E, conforme resulta dos pontos 6, 7 e 8 da mesma fundamentação de facto, aquele relatório veio a ser aprovado pela Assembleia de Credores por deliberação, posteriormente, homologada por sentença.
22. Da análise comparada da certidão de registo comercial da ora Recorrente com a demais factualidade reconhecida como assente pela sentença recorrida, podemos e temos de concluir que:
23. Todos os créditos titulados por obrigações emitidas pela Embargante ora recorrente, foram reconhecidos no processo de Recuperação da mesma.
24. Tendo sido sujeitas às medidas de recuperação homologadas judicialmente,
25. As quais foram integralmente cumpridas.
26. Na verdade, não pode colher o argumento usado pela sentença recorrida para suportar a falta de prova da alegação de que os créditos inerentes às obrigações penhoradas foram abrangidos pelo plano de recuperação, porque as mesmas não constam do requerimento de reclamação de créditos apresentado pela C..
27. Com o devido respeito, nem tinham de constar !!!
28. Conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 44 do CPEREF "Os credores, ainda que preferentes, que pretendam intervir na assembleia devem reclamar os seus créditos, se antes o não houverem feito..."
29. A reclamação dos créditos visa apenas assegurar a participação do credor reclamante na Assembleia de credores.
30. A falta de reclamação não extingue nem afecta o crédito do respectivo titular, apenas o impede de participar na assembleia, com as consequências daí decorrentes.
31. E a análise da legitimidade da participação da Cruz Lider na Assembleia de Credores no Processo de Recuperação da ora Recorrente, mostra-se, nesta fase e contexto, prejudicada.
32. Decisivo para a decisão da causa é tais créditos terem sido reconhecidos e terem as medidas de reestruturação incidido sobre os mesmos, independentemente de "por quem" e "sob que forma" foram levados ao processo.
33. Ora, a inclusão daqueles créditos no relatório do Gestor Judicial resulta provada.
34. A incidência da aprovação pela Assembleia sobre aqueles créditos resulta provada.
35. A sua abrangência pela sentença homologatória resulta provada.
36. Pelo que, tais factos, alegados pela embargante, deveriam ter integrado a fundamentação de facto da sentença recorrida.
37. Acresce que, embora tal não fosse sequer determinante para a boa decisão da causa, a embargante fez também prova da liquidação da totalidade das suas obrigações emergentes das medidas de recuperação homologadas.
38. Todos os créditos da C., designadamente aqueles que decorriam da titularidade das obrigações emitidas nos anos de 1987, 1988 e 1989, foram reduzidos a 30% desse valor no processo de recuperação da embargante ora recorrente - cfr pontos 4, 5 e 6 da matéria julgada como provada.
39. E para o respectivo pagamento foi fixado o prazo de 10 anos, com dois anos de carência.
40. Ora, foram juntos aos autos pela ora Recorrente, por requerimento de 05/03/2010, não tendo sido impugnados, documentos que comprovam o pagamento por esta, à C., da totalidade dos seus créditos, titulados pela decisão da Assembleia e respectiva homologação judicial, e em cumprimento destas.
41. Pelo que, a par das demais, também a alegação por parte da embargante, da liquidação da totalidade dos créditos à C. emergentes das medidas de reestruturação aprovadas, encontra-se também provada.
42. Mas reitera-se: da prova de tal facto não dependia a boa decisão da causa, uma vez que tais créditos resultavam não das obrigações penhoradas, mas da decisão da assembleia e respectiva homologação.
43. Independentemente de se encontrarem cumpridas as obrigações da embargante, emergentes das medidas de reestruturação adoptadas, os títulos depositados e ora penhorados, não incorporam qualquer direito, a partir do momento em que os créditos que titulavam foram considerados no processo de recuperação.
44. A sentença recorrida faz também errada aplicação do Direito.
45. Em sede de fundamentação de direito, aquela sentença elegeu como questão a resolver, a de saber quais são as consequências da homologação judicial definitiva das medidas de recuperação?
46. E concluiu até que, após citar os art.ºs 94.º e 95.º do CPEREF, “da conjugação dos citados preceitos resulta que, depois de homologada a deliberação da Assembleia de Credores, pela qual foram aprovadas as medidas de recuperação, por sentença transitada em julgado, tais medidas impõe-se a terceiros, operando-se uma modificação dos títulos executivos de que os credores envolvidos eram titulares, passando agora a valer como título executivo" a certidão da deliberação tomada e da respectiva homologação judicial."
47. Ora, tal construção não merece qualquer reparo.
48. A mesma permite-nos mesmo concluir exactamente que, na sequência da homologação judicial da decisão de aprovação das medidas de reestruturação, que incluíram, como vimos e sem qualquer dúvida, todos os créditos da C. titulados por obrigações emitidas pela aí Recuperanda, aqueles títulos restaram destituídos de qualquer valor e vazios da titularidade de qualquer crédito.
49. Os créditos titulados pelas obrigações em causa foram modificados, reduzidos, com caracter obrigatório, a partir e nos precisos termos da homologação da aprovação pela assembleia de credores das referidas medidas.
50. Sendo a certidão daquela aprovação e homologação o único título executivo dos direitos e obrigações resultantes de tais medidas, em caso de incumprimento das mesmas.
51. No entanto, a sentença Recorrida conclui em sentido diverso e em manifesta contradição com o enquadramento jurídico que desenhara.
52. A decisão recorrida acaba pois por reconhecer, “contra legem", a sobrevivência de outros títulos (as obrigações penhoradas) a par, ou mesmo para além, das certidões do processo de recuperação eleitas pelo n.º 2 do art.º 92.º do CPEREF.
53. Ora, considerando as disposições legais citadas pela própria sentença, não pode qualquer crédito reconhecido no processo de Recuperação "sobreviver" assente em título diverso da certidão da aprovação e homologação das medidas de reestruturação.
54. E tal consequência opera independentemente de o crédito ter sido reconhecido ou reclamado no processo de recuperação.
55. Basta para tal que o crédito seja anterior à acção de recuperação.
56. A não reclamação de um crédito pré-existente à acção de Recuperação, ou o seu não reconhecimento na mesma, não acarreta a sua sobrevivência.
57. Pelo contrário, implica a preclusão da sua inexigibilidade posterior.
58. Não podendo, caso não tenha sido reclamado ou reconhecido, suportar-se sequer na aprovação e homologação das medidas de recuperação.
59. Resulta assim que a certidão da aprovação e homologação das medidas de reestruturação é o único título que pode integrar qualquer direito dos credores da recuperanda, sobre esta, por quaisquer créditos anteriores àquele processo, nos termos nelas estabelecidos e em caso de incumprimento das mesmas.
60. A verificação pelo Tribunal a quo de que as obrigações penhoradas foram emitidas no ano de 1987, e de que o Processo de Recuperação da ora Recorrente correu termos em data posterior àquela, não poderia conduzir, sem necessidade de quaisquer outras considerações, à conclusão que não fosse a da procedência dos Embargos.
61. Já que a anterioridade dos títulos, relativamente à acção de Recuperação acarretou o seu esvaziamento e a inexigibilidade dos créditos que outrora titulara.
Termina a Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
Os Recorridos, apesar de regularmente notificados para o efeito, não apresentaram contra-alegações.
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O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 304 a 306 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1. Em 01.06.1995 o Banco Nacional Ultramarino instaurou contra a sociedade C., S.A. uma ação especial de declaração de falência, que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, sob o n.º 130/95. – cfr. certidão a fls. 48 dos autos.
2. Por sentença de 19.06.1997, transitada em julgado, foi ordenado o prosseguimento dos autos como processo de recuperação de empresa. – cfr. sentença de fls. 52 e ss. dos autos.
3. Em 05.09.1997, a executada C., Lda. reclamou os seus créditos no referido processo, através do requerimento de fls. 169 e ss. dos autos, cujo teor se tem por reproduzido.
4. No âmbito do processo de recuperação de empresa o Gestor Judicial apresentou o relatório de fls. 59 a 68 dos autos, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]”
MEDIDAS DE REESTRUTURAÇÃO FINANCEIRA
Redução do valor dos créditos e prazo de reembolso
Fazendo jus ao princípio da igualdade de tratamento de todos os credores “par conditio creditorium”, opta-se por medida que irá atingir por igual a totalidade dos credores privilegiados e comuns, traduzida por uma reformulação do passivo, através da redução de 70% dos créditos segundo esquema a seguir indicado.
No período de pagamento não correrão juros de qualquer espécie sobre os créditos reformulados, beneficiando a empresa de isenção de juros vincendos, bem como dos juros vencidos sobre os créditos aprovados que, serão expurgados do serviço da dívida.
Atendendo à exiguidade dos meios financeiros a libertar pela empresa face ao passivo a liquidar, há a necessidade do relançamento da actividade, durante a qual a Recuperanda apenas satisfará os pagamentos correntes e os custos decorrentes do investimento financeiro.
O prazo de carência será de 2 anos contados a partir do trânsito em julgado da Sentença homologatória da deliberação da Assembleia de Credores.
Apenas constitui excepção ao que ora se propõe os créditos devidos ao Estado, face à singularidade do que estes créditos se revestem a existir proposta efectuada para liquidação ao abrigo do Plano Mateus e que por aqui se mantém e reitera.
Serão amortizadas as dívidas aprovadas pela Assembleia de Credores.

Amortização parcial das dívidas e juros
As dívidas deverão ser amortizadas num prazo dilatado e sem pagamento de juros (art.º 88º, nº 1, b) e c), da forma que se segue:
C. Limitada – divida de esc.660.947.439$00
Pagamento em 10 anos, com dois de carência, de 30% da dívida.
C. Limitada – divida de esc. 950.686.000$00 de diversos créditos
adquiridos a instituições bancárias e ou financeiras ou outras, por cessões de crédito
Pagamento em 10 anos, com dois de carência, de 30% da dívida.
(excepção feita a um valor remanescente de 10.000 contos que deve incorporar -se no aumento do capital social).
Empréstimos p/ obrigações – esc. 650.000.000$00 e juros de 211.334.206$00.
pagamento em 10 anos, com dois de carência, de 30% da dívida.
[…]”.
5. Por deliberação unânime da Assembleia de Credores, de 27.02.1998, foi aprovado o relatório do Gestor Judicial, exceto no que respeita aos créditos do Estado e Segurança Social. – cfr. fls. 69 e ss. dos autos.
6. Por sentença de 01.04.1998 foi homologada a deliberação da Assembleia de Credores referida no ponto anterior. – cfr. fls. 71/73 dos autos.
7. Em 07.12.1999 teve lugar a Assembleia de Credores na qual foi aprovada a cessação das medidas de recuperação de empresa por cumprimento das mesmas. – cfr. fls. 78/79 dos autos.
8. Por sentença de 20.12.1999, foi homologada a deliberação da Assembleia de Credores referida no ponto anterior. – cfr. fls. 81/82 dos autos.
9. Contra C., Lda., NIPC (…), foi instaurado e corre termos no Serviço de Finanças de Tondela o processo de execução fiscal n.º 2704200401002597, destinado à cobrança coerciva de 172.045,20 €, respeitante à taxa de promoção devida ao I.V.V., I.P. referente ao período 2003/02-08. – cfr. fls. 85 dos autos.
10. No âmbito do processo executivo referido no ponto 16 foi penhorada a conta de valores mobiliários n.º (...), domiciliada no Banco (...., que tem como titular a executada e é constituída por 48722 obrigações emitidas pela C., ora Embargante, no valor de 243.024,30 €. – cfr. fls. 87 dos autos.
11. Através do ofício n.º 2899, de 30.07.2007, o Serviço de Finanças de Tondela solicitou ao Banco (...) esclarecimentos sobre a conta n.º (...). – cfr. fls. 87 dos autos.
12. O Banco (...), em resposta, informou o órgão de execução fiscal que a conta n.º (...) apresenta o NIB 00330000000(...)05, que da mesma é titular a executada C., S.A., tendo os seus legais representantes poderes para movimentá-la. – cfr. fls. 88 dos autos.
13. Por escritura pública de alteração de pacto social, celebrada em 09.05.2006, a sociedade
C. passou a adotar a denominação E., S.A. – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
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Na sentença recorrida deu-se como não provado que:
Para além dos supra referidos, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.
A prova testemunhal oferecida pela Embargante não contribuiu para dar como assente os factos probandos, pelas razões que de seguida se explanarão.
O., Diretor Financeiro de várias empresas, inclusive da Embargante, apenas ingressou na sociedade em 2001, não tendo acompanhado o processo de recuperação, pelo que não possui conhecimento direto dos factos. Não obstante, afirmou que tem presente que houve perdão de parte da dívida (juros e capital) da Embargante.
Referiu ainda que a C. era um dos principais credores da Embargante.
Por último, relativamente à penhora do saldo da conta bancária afirmou que as obrigações emitidas titulam uma dívida há muito extinta, que fez parte do acordo judicial de recuperação da empresa e que os títulos encontravam-se na posse da C. por esquecimento. Todavia, como se referiu, a testemunha não possui conhecimento direto dos factos uma vez que não acompanhou o processo de recuperação de empresa da Embargante.
Por outro lado, tais afirmações teriam que ser coadjuvadas com prova documental o que não sucedeu. Com efeito, dos documentos constantes dos autos não é possível concluir que a conta bancária penhorada nos autos é constituída por títulos de crédito que já não titulam qualquer dívida por se a mesma se encontrar extinta.
Também, acolhendo, por hipótese, a versão da Embargante, afigura-se estranho que estando os créditos alegadamente pagos, decorridos mais de oito anos, a conta bancária ainda mantenha um saldo relativo aos valores mobiliários em causa.
*
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 211.º do CPPT e tratando-se de prova documental não infirmada e de conhecimento superveniente, adita-se à matéria de facto o seguinte:
14. Por sentença proferida em 13.06.2019, em ação de processo comum, movida por E., S.A., (aqui Embargante e Recorrente) contra C., Lda., Instituto da Vinha e do Vinho, Banco (...), SA e Autoridade Tributária e Aduaneira, e que correu termo sob o nº 36/14.4T8RMR no Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que julgou a ação procedente e decidiu-se que:
1) A não era devedora à R. C., Lda, de qualquer quantia, por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no Procº, nº 130/95, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior;
2) As seguintes obrigações:
a) 97.445 obrigações C. 87 Série A;
b) 98.815 obrigações C. 87 Série B;
c) 95.050 obrigações C. 88 Série A;
d) 90.900 obrigações C. 88 Série B;
c) 200.430 obrigações C. 89,
depositadas na conta de títulos nº (...), da R. C., Lda, no Banco (...), não incorporavam qualquer dívida; e
3) determinou-se a restituição à A. das obrigações atrás referidas.
(cf. doc. a fls. 318 a 331 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
15. Por acórdão da Relação de Évora, datado de 27.02.2020, proferido no processo referido no número anterior, transitado em julgado em 26.06.2020, foi confirmada a sentença naquele referida.
(cf. docs. a fls. 398 a 442 dos autos – paginação do processo em suporte físico – e 523 a 602 do processo em suporte digital).
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir da admissibilidade da junção aos autos de documentos de conhecimento superveniente, assim como das questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso, delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, da admissibilidade da junção ao autos de documentos em sede de recurso e a de saber se a sentença incorreu em erro do julgamento.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na qual se julgou improcedente os presentes embargos de terceiro.

Passemos, então, a analisar das questões que se colocam no presente recurso.
IV.1 Da admissibilidade da junção de documentos em sede recursiva.

Dos autos resulta que após a prolação da decisão recorrida e após a apresentação das suas alegações, veio a Recorrente a juntar àquelas um documento constituído por cópia de uma decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém. Posteriormente, veio a mesma Recorrente, juntar aos autos cópia do acórdão da Relação de Évora, pelo qual se confirmava o sentido decisório da sentença recorrida.
Após a referida junção, o Tribunal ordenou a junção aos autos de certidão com nota de trânsito em julgado do aludido acórdão da Relação de Évora. Posteriormente à junção da referida certidão aos presentes autos, as partes foram notificadas da mesma, mas nada vieram a opor.
Ora, sob a admissibilidade de junção aos autos daqueles documentos apresentados pela Recorrente e em situação idêntica à presente, já teve esta instância a oportunidade de sobre a mesma se pronunciar no acórdão proferido em 25.02.2021, no processo n.º 1508/07.2BEVIS, em que as partes são as mesmas e as questões em sede de recurso são idênticas. Assim, neste aresto, a cujos fundamentos aderimos e que são integralmente transponíveis para a situação presente, relatou-se que:
“[…] Já após a subida dos autos a este Tribunal de recurso, a Recorrente juntou aos autos em momentos distintos dois documentos:
- Em 18.06.2019, uma sentença proferida em 13.06.2019, em acção de processo comum, movida por E., S.A., (aqui Embargante e Recorrente) contra C., Lda, Instituto da Vinha e do Vinho, Banco (...), SA e Autoridade Tributária e Aduaneira, e que correu termo sob o nº 36/14.4T8RMR no Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que julgou a acção procedente e, em consequência, (1) declarou que a A não era devedora à R. C., Lda, de qualquer quantia, por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no Procº, nº 130/95, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior; (2) declarou que as seguintes obrigações:
a) 97.445 obrigações C. 87 Série A;
b) 98.815 obrigações C. 87 Série B;
c) 95.050 obrigações C. 88 Série A;
d) 90.900 obrigações C. 88 Série B;
c) 200.430 obrigações C. 89,
depositadas na conta de títulos nº (...), da R. C., Lda, no Banco (...), não incorporavam qualquer dívida; e (3) determinou a restituição à A. das obrigações atrás referidas, e que faz folhas 323 a 338 dos presentes autos.
- Em 11.03.2020, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 27.02.2020 que confirmou a sentença anteriormente junta aos presentes autos, negando provimento aos recursos interpostos e que faz folhas 349 a 373 dos presentes autos.
Sobre a junção dos documentos agora identificados, apenas o Recorrido IVV, exequente no processo de execução fiscal, de que estes embargos são incidente, se pronunciou, como infra desenvolveremos.
Como afirmado no acórdão deste TCAN, de 14.07.2017, no processo 04955/04-Viseu, relatado, também, pela aqui relatora, sobre a possibilidade da junção de documentos, em fase de recurso...”(…)Nos termos do disposto no artigo 425º CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o nº 1 do artigo 651.º do citado normativo que ”as partes só podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”
Nos termos do artigo 206º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e do nº 1 do artigo 423º do CPC, a regra é a de todos os documentos serem apresentados com a petição inicial. No caso do contencioso tributário a sua junção pode ainda ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para alegações. Todavia, a junção tardia originará o pagamento de uma multa, caso a parte não prove que os não pôde oferecer com o articulado. - cfr. artº 423º, nº 2 do CPC. (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.04.2009, proferido no processo 685/08).
Decorrido tal prazo, só serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior, nos termos do artigo 423.º n. 3 do CPC.
Em sede de recurso e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume, assim, carácter excepcional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei (cf.artigo 651º, nº 1, CPC).
Seguindo de perto o explanado pelo Cons. Abrantes Geraldes , em sede de recurso será legitimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva - documento formado depois de ter sido proferida a decisão – ou, subjectiva - documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
Note-se que, a possibilidade resultante desta última hipótese (superveniência subjectiva) só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» - cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 533 e 534.
Deste modo, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» - cfr. ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., págs. 533 e 534).
Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95) (…)”.
Exposto o regime jurídico sobre a possibilidade de junção de documentos em sede de recurso, apreciemos a possibilidade de junção dos documentos que se nos apresentam.
Como acima referido, os documentos cuja admissão aos autos a Recorrente pretende, são uma sentença e acórdão do Tribunal da Relação de Évora que a confirma, e têm ambos data de elaboração posterior à prolação da sentença nos presentes autos. Referem-se ambos os documentos a uma acção em processo comum deduzida pela aqui Recorrente/embargante, contra a aqui executada, exequente e outro, onde foi pedida a declaração de que as obrigações emitidas pela aqui embargante nos anos de 1987, 1988 e 1989 deixaram de ter validade e existência jurídica, estando desprovidas de qualquer valor, dado não incorporarem qualquer dívida, e ainda que fosse declarado que a autora não era devedora à R. C., Lda de qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no âmbito do proc.130/95 que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior.
Importa, por isso, saber, apesar de se tratarem de documentos cuja superveniência é objectiva, se os mesmos se encontram relacionados com os presentes autos.
Expliquemos.
Como resulta da matéria de facto dada como provada na sentença, ora junta, a dívida que subjaz àquela acção é a mesma que originou a penhora dos valores mobiliários, ali em apreciação, em diversos processos de execução fiscal, entre eles o processo executivo de que os presente embargos são incidente – cfr. pontos 36 a 39 e 39 a) da matéria de facto dada como provada na sentença e acórdão juntos aos autos pela Recorrente.
Em face da superveniência objectiva dos ditos documentos, é de admitir a sua junção aos autos.”

Ora, também na presente situação são de admitir os documentos juntos aos autos pela ora Recorrente, por idênticos motivos aos referidos no acórdão supra mencionado, ou seja atendendo à sua pertinência e superveniência objetiva. Por outro lado, é incontestada a possibilidade desta instância proceder, por sua iniciativa, à junção oficiosa de documentos necessários para melhor decisão da causa.

Assim, admite-se a junção dos supra aludidos documentos aos presentes autos.

IV.2 – Do mérito do presente recurso.

As questões presentes neste recurso são em tudo idênticas às que foram afloradas no acórdão deste Tribunal supra citado e cujas conclusões e fundamentos aqui aderimos, sendo os mesmos, com as devidas adaptações subsumíveis ao presente caso. Assim, no aludido acórdão relatou-se e decidiu-se que:
“[…] II.2.1 A Recorrente invectiva contra a sentença, assacando-lhe, desde logo, erro nas ilações de facto, por aquela retiradas.
Todavia, em face dos documentos juntos em sede de recurso, impõe-se apreciar a questão prévia, traduzida na possível verificação da autoridade do caso julgado, formado pela decisão tomada na acção de processo comum que correu termos sob o nº 36/14.T8RMR.E2 no 1º juízo do Tribunal de Comarca de Santarém, deduzida pela aqui Recorrente contra a aqui Recorrida e outros, e que declarou que a Recorrente não era devedora de qualquer quantia, por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no processo 130/95, à aqui Recorrida. A sentença declarou ainda que as obrigações (já supra identificadas) depositadas na conta de títulos nº (...) da C., Lda, no Banco (...) não incorporavam qualquer dívida. Por fim naquela sentença foi determinada a restituição das obrigações à aqui Recorrente, ali autora.
Saliente-se que, sobre a junção da sentença e acórdão aos presente autos, a exequente, Instituto da Vinha e do Vinho, no processo executivo instaurado contra C., Lda, de que estes embargos são incidente, pronunciou-se em 20.08.2020, dizendo, para além do mais, o seguinte: “(…) 1. O Acórdão junto pela Recorrente aos autos pôs término ao processo nº 36/14.T8RMR.E2, que correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, e, em sede de recurso, no Tribunal da Relação de Évora.
2.No âmbito daquela acção discutia-se a existência jurídica e a validade das obrigações cuja penhora foi objecto de embargo nos presentes autos, tendo-se decidido, a final, confirmar a sentença emitida em primeira instância (…).
(…)
4. A inexistência de um crédito da C. sobre a Embargante em nada belisca a existência do crédito da ora requerente sobre a C., Lda (…)
(…)
8. Em suma, independentemente do desfecho do presente processo, em face dos arestos juntos aos Autos, dele não poderá extrai-se qualquer consequência relativamente quer à dívida por taxas de promoção devidas e não pagas ao IVV, quer ao processo de execução fiscal instaurado para a respectiva cobrança.
(…)” ( destacado nosso)
Esclareça-se, antes de prosseguirmos, que os embargos de terceiro são um dos incidentes da execução fiscal previstos no artigo 166, nomeadamente, no nº 1, alínea a) do CPPT, constituindo um meio específico de reacção contra a penhora por parte de quem não é parte na execução, baseando-se na impenhorabilidade subjectiva dos bens – nestes termos, José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva”, 2ª edição, Coimbra Editora, pag 237.
Nos termos do artigo 237º, nº 1 do CPPT “quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.
Desta norma decorre, portanto, serem pressuposto da procedência dos embargos de terceiro: (i) a embargante ter a qualidade de terceiro; (ii) haver um acto de apreensão ou entrega de bens (vg. arresto, penhora, arrolamento); (iii) aquele acto ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência.
Tendo presente estas noções, avancemos para a apreciação da questão prévia materializada na possível verificação da autoridade do caso julgado.
Para melhor intelecção da questão em análise, refira-se o disposto no nº 1 do artigo 619º do CPC “Transitada em julgado a sentença, (…) a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Por sua vez, alude o artigo 621º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja ao efeito imperativo atribuída à decisão transitada em julgado-artigo 628º do CPC- que tenha recaído sobre a relação material controvertida.
Como, há muito, afirmado por Alberto dos Reis ”O caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva, b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada em tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade (…); servindo de base à execução o caso julgado afirma inequivocamente a sua força obrigatória (…). A função negativa exerce-se através da excepção do caso julgado.”
Dito de outra forma, a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado, enquanto a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição da causa – cfr. artigo 580º do CPC.
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica, ou nas palavras do Alberto dos reis, “ duas faces da mesma figura”.
Como escreveu o Lebre de Freitas “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito” enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o carácter positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.”
No mesmo sentido, ainda Miguel Teixeira de Sousa, ”a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão o conteúdo da decisão anterior”, já, “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante á vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”. Sobre a distinção de ambas as figuras vejam-se, ainda, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pag 320, Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol III, pag 384, Mariana França Gouveia, in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa”, pag 394.
A jurisprudência maioritária tem entendido que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do CPC, pressupondo, porém, que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser apreciada. Vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402 e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1.
Assim, com a autoridade de caso julgado os tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros quanto a questões essenciais. Se a decisão da causa foi decisiva para a procedência ou improcedência da acção, impõe-se aquela autoridade não podendo o tribunal da segunda acção julgá-la em contrário.
Haverá, por isso, para decidir se uma determinada decisão tem “autoridade de caso julgado” em outro processo, que interpretar o conteúdo da decisão de modo a identificar qual o segmento da mesma se impõe de forma obrigatória fora e dentro do processo em que foi proferida.
Feito este pequeno introito, analisemos, no caso que nos ocupa, se se verifica “autoridade de caso julgado” da decisão prolatada na acção de processo comum, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que correu termos sob o nº 36/14.4T8RMR, impondo-se por isso nos presentes autos.
Como referido supra, naqueles autos, a Autora é a aqui Recorrente, e os Réus são os aqui Recorridos. Ali se pediu que fosse declarado que as obrigações emitidas pelas C. (antiga denominação da E.) nos anos de 1987, 1988 e 1989 deixaram de ter validade e existência jurídica e estão desprovidas de qualquer valor, por já não incorporarem qualquer dívida; que fosse declarado que a Autora, aqui Recorrente não era devedora à C., Lda, aqui Recorrida, de qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa aprovada no âmbito dos autos que, sob o nº 130/95, correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior; E, por fim, que fosse declarado que se ordenasse a destruição, ou caso assim não se entendesse, condenar-se os Réus a restituírem à autora as obrigações emitidas pelas C. nos anos de 1987, 1988 e 1989.
A ação foi julgada procedente, e em consequência a sentença:
1) declarou que a A não era devedora à R. C., Lda, de qualquer quantia, por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no Procº, nº 130/95, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior;
2) declarou que as seguintes obrigações:
a) 97.445 obrigações C. 87 Série A;
b) 98.815 obrigações C. 87 Série B;
c) 95.050 obrigações C. 88 Série A;
d) 90.900 obrigações C. 88 Série B;
c) 200.430 obrigações C. 89,
depositadas na conta de títulos nº (...), da R. C., Lda, no Banco (...), não incorporavam qualquer dívida;
3) determinou a restituição à A. das obrigações atrás referidas, e que faz folhas 323 a 338 dos presentes autos.

Sublinhe-se que naqueles autos, para a prolação de tal decisão, e para o que aqui releva, foi dado como provado no ponto 14, que “os empréstimos obrigacionistas emitidos pela ora autora e acima identificados foram reconhecidos pela sua totalidade (no montante de Esc. 650.000.000$00 e juros de 211.334.206$00) [leia-se no processo de recuperação de empresa identificado no ponto 9 do probatório] e abrangidos pela mesma proposta de restruturação financeira (pagamento de 30% da dívida e perdão dos restante 70%).
Nos pontos 20º, 21º e 22º daquele probatório fixou-se o seguinte: “20º- Por sentença de 20/12/1999, foi homologada a deliberação da Assembleia de Credores de 07/12/1999 que decidiu a cessação das medidas de recuperação de empresa por cumprimento das mesmas. 21 – Em virtude dessa homologação o processo foi extinto. 22 – Todas as decisões, sentenças e despachos proferidos no Proc nº 130/95, do 1º Juízo do tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, transitaram em julgado, sem terem sido objecto de qualquer recurso”
E no ponto 39 da mesma matéria de facto dada foi vertido, para o que aqui releva, que “Correm termos no Serviço de Finanças de Tondela os seguintes processos de execução fiscal contra a C., Lda” no âmbito dos quais foram penhoradas as obrigações emitidas por “C.” que igualmente se identificam:
a) PEF nº 2704200401002570: processo instaurado em 2004-06-02 por dívidas de taxas devidas ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), pela quantia de €81.595,72, no âmbito do qual foi efectuada a penhora dos saldos da conta de valores mobiliários nº (...), constituída por 156.000 obrigações emitidas pelas C. no valor de 311.249,95; (…)”
Tendo presente o agora exposto e concatenando-o com os factos dados como provados nos presentes autos, haverá que concluir que se tratam dos mesmo factos, sendo que a questão decidida naquele processo é prejudicial à questão aqui a resolver. Por um lado, foi ali decidido que a E. não era devedora à C. de qualquer quantia por conta das medidas de recuperação de empresa aprovadas no processo 130/95. Ora, tendo as obrigações a que se reporta a penhora aqui colocada em causa sido reconhecidos na totalidade no processo de recuperação de empresa a abrangidos pela proposta de restruturação, conforme dado como provado naqueles autos, é de concluir que aquela decisão se impõe nos presentes autos. E tanto assim é que naqueles autos, é feita uma específica referência, na matéria de facto fixada, à penhora das obrigações efectuada no processo executivo, de que os presentes embargos são incidente.
Por outro lado, e confirmando a identidade das obrigações, nomeadamente das emitidas em 1989, pelas C., estamos perante a mesma conta de valores mobiliários do Banco (...) onde foram depositadas tais obrigações.
Dúvidas não existem de que se tratam das mesmas obrigações, reconhecidas no mesmo plano de restruturação.
A ser assim, é, também, de concluir que o decidido naquele processo se impõe nos presentes autos, pela verificação da “autoridade do caso julgado”.
Ali se fundamentou, para o que para aqui releva, como se transcreve:”: “ (…) tendo em consideração a extinção do processo das medidas de recuperação, por estarem cumpridas as medidas de recuperação de empresa aplicadas à A. não pode deixar de se considerar que, no âmbito do processo de reestruturação, foi cumprido pela A. o plano de pagamentos estipulado, incluindo o pagamento do crédito obrigacionista, quer se trate das obrigações detidas pela C., quer as restantes que não se sabe quem as detém. Com a extinção do processo de restruturação por cumprimento do plano estabelecido, sendo conhecida a existência de obrigações no montante reconhecido de 650.000.000$00, como é referido no relatório do Gestor Judicial ( nº 14 dos factos provados-cfr. fls 25 verso), (…) estas deveriam ter sido devolvidas à A, por já não incorporarem qualquer crédito.
Conclui-se, assim, que as 582.640 obrigações que a R. C. detinha em carteira não incorporam qualquer crédito e deveriam ter sido restituídas à A. após trânsito em julgado da sentença que extinguiu o processo de restruturação(…)”
Ora, considerando a orientação jurisprudencial supra citada que aqui acolhemos, dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, cabe subsumir a presente situação à referida matriz decisória.
Do que vai supra dito e atendendo ao teor da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, concluímos que todas as obrigações penhoradas no âmbito do presente processo de execução fiscal e que fundamentam os presentes embargos, foram reconhecidos no processo de recuperação a que a Recorrente foi sujeita. Por outro lado, também resulta de tal aresto que todas as obrigações foram pagas e que tão somente não foram devolvidos os respetivos títulos.

Acresce que a penhora a que se faz alusão nos presente embargos, apenas ocorreu em 2007, muito tempo após o trânsito em julgado da sentença que extinguiu o processo de restruturação. Por isso e tal como se fez a sentença proferida no processo judicial supra referido, as obrigações que a R. C. continha em carteira não incluíam qualquer crédito após tal data, pelo que deviam ter sido restituídas. Por isso a penhora aqui realizada ofende o direito que a Recorrente detinha incidente sobre os referidos títulos obrigacionistas.
Por isso, assim, ter-se-á que conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se os presentes embargos de terceiro procedentes, ficando prejudicadas as demais questões aqui suscitadas.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I - A autoridade de caso julgado significa que os Tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros quanto a questões essenciais. Assim, se a decisão da causa foi determinante para a procedência ou improcedência da ação, impõe-se aquela autoridade não podendo o tribunal da segunda ação julgá-la em sentido contrário.

II - Para decidir se uma determinada decisão tem “autoridade de caso julgado” potencialmente extensível a outro processo, há que interpretar o conteúdo da decisão de modo a identificar qual o segmento da mesma que se impõe de forma obrigatória fora e dentro do processo em que foi proferida.
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente os presentes embargos.
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Custas pelos Recorridos.
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Porto, 29 de abril de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Ana Patrocínio