Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01624/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; PROVA DO PREÇO EFETIVO; INFORMAÇÃO BANCÁRIA DOS ADMINISTRADORES;
CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ATO DEVIDO
Sumário:I - O artigo 139.º, n.º 6, do CIRC não padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da reserva da intimidade da vida privada, Estado de Direito, acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e tributação pelo rendimento real.

II - O facto de o autor formular um pedido de condenação à prática do ato devido com um determinado conteúdo não impede o Tribunal de formular uma pronúncia condenatória de conteúdo diverso, conquanto seja essa que consubstancie o ato a cuja prática o administrado tem efetivamente direito.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:BANCO (...)
Recorrido 1:Ministério das Finanças
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

1.1. BANCO (...), S.A., devidamente identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07.05.2018, que julgou procedente a ação administrativa especial deduzida contra a decisão que indeferiu o requerimento de prova do preço efetivo na transmissão do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de (...) sob o artigo 5010, e condenou a Entidade demandada a admitir o requerimento do autor para efeito de subsequente apreciação, por não se conformar com a parte da decisão recorrida em que não julga verificada a inconstitucionalidade do artigo 139.º do Código do IRC e não condena a AT a deferir o pedido de prova do preço efetivo.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«1.ª A douta decisão recorrida julgou procedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho, proferido por delegação de poderes, do Chefe de Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. Dr. C., datado de 03.03.2010, exarado na Informação n.º 10/2010 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 14284/0208, de 03.03.2010, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Autor, ora Recorrente, em 29.01.2010, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia e concelho de (...) inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5010;

2.ª O Recorrente tem legitimidade para a dedução do presente recurso, tendo decaído nos vícios de inconstitucionalidade invocados e no pedido de condenação da administração tributária à prolação de uma decisão de deferimento do pedido de prova do preço efetivo;
3.ª Tendo presente a factualidade acima indicada, resulta evidente que a norma constante do n.º 6, do artigo 139.º do Código do IRC, tal como foi aplicada ao caso vertente pela administração tributária, e nessa medida a decisão sub judice, incorrem em manifesta violação de alguns dos mais basilares princípios consagrados na CRP, tais como os princípios da reserva à intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da tributação do rendimento real, vertidos, respetivamente, nos artigos 26.º, n.º 1, 2.º, 20.º, n.os 1 e 4, 17.º, 286.º, n.º 4, e 104.º, n.º 2, daquele diploma legal, devendo, então, a sentença recorrida ser anulada com fundamento em erro de julgamento;
4.ª No que concerne à violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, tal consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;
5.ª Efetivamente, e muito embora se reconheça o direito do Estado a cobrar impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos;
6.ª Ora, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;
7.ª Pelo que, uma vez que não se vislumbra qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado naquela norma, razão pela qual é, desde logo, evidente que o preceito sob análise incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;
8.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
9.ª Efetivamente, o efeito imediato da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;
10.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
11.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no aludido aresto, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

12.ª Para além das violações acima aludidas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e a sua aplicação nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade;

13.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito, inexistindo, assim, na previsão daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qualquer razoabilidade mas, ao invés, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;
14.ª E nem sequer se invoque, aliás, que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores constitui uma condição sine qua non do procedimento de prova do preço efetivo, na medida em que é a própria administração tributária que vem referir, no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “ (…) uma prova absoluta de que o preço efectivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”, donde decorre que, efetivamente, a aludida derrogação não é imprescindível para a prova do preço efetivo;
15.ª Pelo que se constata, assim, que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;
16.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre também na sua vertente mais estrita, face à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, quando não está na sua esfera de decisão e de poderes autorizar o acesso à informação bancária daqueles;
17.ª Nessa medida, e em face do exposto, deve a decisão sub judice ser anulada, também com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade;
18.ª Por último, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Autor, ora Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP;
19.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º, enformando aquela norma, no entendimento do Autor, ora Recorrente, de inconstitucionalidade;
20.ª Efetivamente, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “ (…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva;
21.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, impondo-se, também com esse fundamento, a imediata anulação da decisão em crise;
22.ª Razão pela qual, estando também por demais evidenciadas as referidas inconstitucionalidades, deve a presente sentença ser revogada, por aplicação de norma inconstitucional;
23.ª É ainda evidente que o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC não colhe enquadramento nos princípios gerais que, relativamente à derrogação do sigilo bancário em matéria tributária, foram expressamente fixados pelo legislador ordinário no artigo 63.º-B da LGT;
24.ª Isto porque, estabelecendo a referida norma os limites até aos quais o legislador ordinário entendeu que o regime da derrogação do sigilo bancário por razões de ordem fiscal estaria conforme com os princípios e direitos constitucionais, nomeadamente, restringindo aquele acesso, mesmo quando o sujeito passivo não dê o seu consentimento, às situações em que haja indícios concretos da prática de um crime fiscal ou da falta de veracidade do declarado e exigindo a autorização judicial prévia nos casos de derrogação do sigilo bancário de terceiros, é por demais evidente que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, extravasou, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT;
25.ª Com efeito, não constituindo os factos tributários a apreciar no âmbito do procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC uma situação que exija um especial controlo por parte da administração tributária, nomeadamente mais apertado do que aquele se verifica, por exemplo, com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, a qual se rege pelas regras previstas naquele artigo 63.º-B da LGT, nada justifica, também, que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e dos terceiros se processe, no âmbito daquele artigo 139.º, ao arrepio das regras e dos princípios constantes do artigo 63.º-B da LGT;
26.ª Note-se que não se trata de colocar em causa, por si só, o acesso à informação bancária nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, mas antes de questionar a legalidade da interpretação sufragada pelos serviços da administração tributária no sentido de se impor o acesso à informação bancária do Recorrente e dos seus administradores, ou de indeferir o requerimento de prova do preço efetivo por mera circunstância de aquela autorização não ter sido apresentada, o que para o Recorrente se afigura manifestamente ilegal à luz dos princípios da derrogação do sigilo bancário que se encontram previstos no artigo 63.º-B da LGT;
27.ª O Tribunal recorrido julgou que não devia conhecer do pedido de deferimento do pedido de prova do preço efetivo formulado pelo Recorrente, não se substituindo à administração tributária na sua apreciação, o que, salvo o devido respeito, se afigura ilegal, impondo-se ao Tribunal que conheça do pedido de prova do preço efetivo, condenando a administração tributária à prática de ato devido;
28.ª Na verdade, à luz da factualidade dada como provada na decisão recorrida e que se encontra assente entre as partes, assim como das normas e princípios aplicáveis, a condenação à prática do ato devido no caso sub judice deveria consistir na imposição da emissão de um ato decisório sobre o pedido de prova do preço efetivo;
29.ª Com efeito, em concretização do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual cada direito e interesse legalmente protegido dos cidadãos deve encontrar na jurisdição administrativa-tributária uma tutela adequada, e dando cumprimento ao disposto no artigo 268.º, n.º 4, da mesma Lei Fundamental, e, bem assim, do disposto nos artigos 66.º e seguintes do CPTA, subjaz ao alcance da condenação à prática do ato devido, também, a apreciação da situação material controvertida, podendo o Tribunal fixar à administração tributária os elementos do ato que deve emitir;
30.ª Ora, atendendo aos pressupostos de facto e de direito dados como assentes na decisão recorrida, é possível concluir que o ato legalmente devido no caso em apreço é o ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo;
31.ª De facto, encontrando-se juntos aos autos todos os elementos que permitem a prova do preço efetivo, nada impede a condenação da administração tributária à prática do ato devido, qual seja, o ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo;

32.ª A esta conclusão não obsta nem o princípio da separação de poderes entre a administração tributária e os tribunais, nem a certeza de que o Tribunal está obrigado a respeitar a esfera própria de exercício dos poderes discricionários da administração tributária;
33.ª Com efeito, sendo certo que o Tribunal não está autorizado a imiscuir-se no espaço próprio da administração tributária, em obediência ao princípio da separação e da interdependência dos poderes, conforme resulta do disposto no artigo 3.º do CPTA, não deixa de ser verdade que o Tribunal está obrigado a determinar todas as vinculações a observar pela administração tributária na emissão do ato devido, na senda do que dispõe o artigo 2.º do CPTA;
34.ª Ora, no caso sub judice, não há discricionariedade atribuída à administração tributária na conformação do conteúdo do ato;
35.ª Com efeito, à luz dos factos dados como assentes na decisão recorrida, o Recorrente instruiu o requerimento de prova do preço efetivo com todos os elementos que permitem a prolação de uma decisão de deferimento daquele pedido;
36.ª Deste modo, a conclusão é a de que deve condenar-se a administração tributária à prática do ato devido;
37.ª Assim, resulta evidente o erro em que incorreu a decisão recorrida, nesta parte, uma vez que se impunha a condenação da administração tributária à emissão de um ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo;
38.ª Em face de todo o exposto, resulta evidente a ilegalidade em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada, julgando-se a ação administrativa especial procedente nos termos peticionados.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte ora objeto de recurso e, nessa medida, condenando-se a administração tributária à prática do ato devido, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!».

1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos autos.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida e se enferma de erro de julgamento de direito por não julgar verificada a alegada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC e por não ter condenado o Réu à prática do ato devido.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A sentença recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 08.04.2009, foi celebrada escritura pública de compra e venda, pela qual o Autor declarou vender, pelo preço de € 74 820,00, a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do chão destinado a comércio e serviços, afeta ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), em (...), freguesia e concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3542 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5010, nessa data com o valor patrimonial tributário de € 14 391,6 (cf. fls. 7 a 11 do processo administrativo, doravante, apenas, PA).---
2. Em 09.06.2009, foi remetido, ao Autor, “notificação da avaliação da ficha n.º 002758861”, pela qual lhe foi comunicada a atribuição, ao prédio identificado no n.º anterior, do VPT de € 83 960,00, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. fls. 19 do PA).---
3. Em 29.01.2010, o Autor apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efectivo da respectiva transmissão, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC (cf. fls. 2 a 20 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido).---
4. Tal requerimento foi acompanhado de cópia da escritura pública de compra e venda do prédio, extracto contabilístico no qual consta o crédito, em 8.4.2009, de € 74820,00, na conta de B., por transferência bancária da S. Lda. declaração de autorização de acesso à informação bancária do BANCO (...), SA (cf. fls. 13 do PA).---
5. Em 01.02.2008, foi remetido, ao Autor, pelo Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto o ofício n.º 7484/0208, no qual se refere que o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis efectuado em 29.01.2010 “não reúne todos os requisitos, nomeadamente a falta de nomeação de perito da parte e a junção dos documentos de autorização para a Administração Fiscal poder aceder à informação bancária dos administradores, em conformidade com o determinado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 139.º do CIRC e n.º 1 do artigo 91.º da Lei Geral Tributária. Assim sendo, ficam desta forma notificados para no prazo de quinze dias (…) suprir as faltas acima indicadas, sob pena de o pedido ser liminarmente indeferido por falta de requisitos legais(cf. fls. 21 do PA).---
6. Em 05.02.2010, o Autor apresentou resposta ao ofício identificado no n.º anterior, na qual forneceu os elementos de identificação do perito (cf. fls. 24 cujo teor se dá por integralmente reproduzido e 25 (verso) ambas do PA).---
7. Através do ofício n.º 9590/0208, de 09.02.2010, foi remetido, ao Autor, para efeitos do artigo 60.º da LGT, projecto de decisão do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direcção de Finanças do Porto, da mesma data, exarada na informação n.º 5/2010, no sentido do indeferimento do pedido de prova do preço efectivo na transmissão do imóvel, por falta de requisitos legais (cf. fls. 26 a 30 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido).---
8. Da informação n.º 5/2010, consta, entre o mais, que “o pedido apresentava deficiências, designadamente a não indicação de perito da parte e a falta dos correspondentes documentos de autorização para acesso à conta bancária dos administradores‖ e que ¯notificada a requerente para suprir as referidas faltas, sob pena do indeferimento do pedido, veio a comunicar (…) o nome do perito da parte mas não foram juntos os documentos de autorização de acesso à conta bancária dos administradores (cf. fls. 30 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido).---
9. Em 22.02.2010, o Autor apresentou requerimento através do qual exerceu o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão referido no n.º anterior (cf. fls. 31 a 38 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido).---
10. Através do ofício n.º 14284/0208, de 03.03.2010, foi comunicado, ao Autor, o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do SACR da Direção de Finanças do Porto, exarado na informação n.º 10/2010, nos termos do qual foi indeferido o pedido de prova do preço efetivo apresentado nos termos do artigo 139.º do CIRC por falta de requisitos legais (cf. fls. 42 a 45 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).---
11. A presente ação foi intentada em 2.06.2010 (cf. comprovativo de entrega da peça processual no SITAF a fls. 1 dos autos).---

Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão a proferir.-
*** ***
A convicção do tribunal acerca da factualidade provada baseou-se na apreciação da prova documental constante dos autos, tal como indicado ao longo do elenco de factos provados.---».

3.2. De Direito

A Recorrente não se conforma por a sentença recorrida não ter julgado verificada a arguida inconstitucionalidade da norma do n.º 6, do artigo 139.º do CIRC, por violação dos princípios da reserva da intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da tributação pelo rendimento real.

Mais entende que, tendo apresentado todos os documentos necessários à apreciação do seu pedido e face à factualidade provada nos autos, estão verificadas as condições de procedência do pedido que dirigiu à ATA, pelo que o Réu devia ter sido condenado à prática do ato peticionado e devido e que, ao não ter decido neste sentido, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento.

Em causa está a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, efetuado ao abrigo do artigo 139.º do CIRC, por falta de requisitos legais. A Recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo das transmissões referidas, nos termos dessa norma, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC. Tendo sido notificada para apresentar documentos de autorização de levantamento do sigilo bancário referente aos seus administradores, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado e mandado arquivar por falta de requisitos legais, invocou que a interpretação que se faz da norma contida no n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, como vem sendo aplicada pela administração tributária, isto é, no sentido da necessidade de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes dos contribuintes requerentes, sob pena de indeferimento liminar do pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis por falta de observância de requisitos legais, constitui manifesta violação de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.

A sentença recorrida deu provimento à ação pois, considerando embora que não se verifica arguida inconstitucionalidade, entendeu que «(…) consideradas as circunstâncias do caso concreto, o indeferimento liminar do pedido do Autor sem qualquer apreciação sobre a suficiência dos demais elementos apresentados para prova do preço efectivo afigura-se ilegal, designadamente por violação do princípio da proporcionalidade.». Por este motivo, anulou o ato impugnado e condenou a Entidade demandada na sua substituição por outro que admita o pedido de prova do preço efetivo formulado pelo autor e a sua subsequente apreciação.

O assim decidido não nos merece qualquer reparo, pelos motivos que passamos a expor.

Nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, «Sempre que, nas transmissões onerosas …, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.».

Por seu turno, o artigo 139.º do CIRC estabelece, que:
«1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
(…)
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
(…)
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.».

Como vem sendo entendido, designadamente por este TCAN, no acórdão de 25.02.2021, processo n.º 735/12.5BEPRT, que aqui vamos acompanhar de perto, da interpretação conjugada das disposições citadas resulta que, quando o valor constante do contrato seja inferior ao VPT, será este o valor a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável do sujeito passivo alienante, a não ser que este demonstre que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT fixado.

Sendo incontroverso que a Recorrente não anexou os documentos de autorização acima mencionados, na apreciação dos vícios imputados à decisão impugnada, a sentença recorrida acolheu jurisprudência dos tribunais superiores, com sustentação em jurisprudência do Tribunal Constitucional, que também nós subscrevemos.

É abundante a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, a que corresponde o artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, aqui em causa, sendo uniformemente entendido que não é de desaplicar no caso concreto este preceito legal, por não se verificar a inconstitucionalidade da norma.

A título de mero exemplo, e porque reúne a apreciação dos princípios que a Recorrente considera aqui violados, fazendo apelo aos vários Acórdãos que já foram proferidos pelo Tribunal Constitucional, quer no âmbito da apreciação da constitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, quer no âmbito da redação posterior a que corresponde o artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), aderimos ao Acórdão do STA, de 20/04/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01639/10.1BELRA 030/18, que apresenta o seguinte sumário: “O n.º 6 do art. 129.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 1, da CRP, 3º, nº 1, al. a), e 17º, nº 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º, nº 1 e 4 e 104º, nº 1 da CRP) ”.

Assim, refere aquele douto Aresto que:
«(…) Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C..
Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
De acordo com o que neste acórdão se refere:“10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).
Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efectivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100).
Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.”
Ou seja, a previsão legal constante do referido art. 104.º, n.º 2, da C.R.P., comporta que, em alguns sectores possam ser presumidos lucros e, que, resultando tributação por excesso ou por defeito, sejam previstos deveres declarativos acrescidos para fiscalização por parte da administração.
Tal o que ocorre no caso de transmissão de imóveis, em que de acordo com o art. 129.º (actual 139.º) do C.I.R.C., os preços efectivamente praticados podem ser demonstrados pelo contribuinte, em detrimento dos valores patrimoniais tributários, apurados de acordo com o previsto no artigo 58.º-A (actual 64.º) do C.I.R.C. e assim deixem de ser presumidos lucros.
Ao se prever no n.º 6 do dito 129.º, o dever de anexação, para acesso a contas bancárias, de declarações por parte de administradores e gerentes, não só se insere em tais deveres, como ainda no dever geral “de lealdade, no interesse da sociedade”, previsto no art. 64.º do C.S.C., na redacção dada pelo art. 4.º do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/3, por parte de administradores e gerentes.
Aliás, segundo as invocadas normas do IRC em que alegadamente o dito princípio obteve expressão, no caso das pessoas colectivas e das outras entidades nas mesmas mencionadas, resulta que o lucro se apura pela soma de variações patrimoniais positivas e negativas, determinadas com base em contabilidade, eventualmente corrigidas, o que só vem confirmar que o constante da contabilidade não é absoluto.
Assim sendo, não resulta a violação do dito princípio da tributação pelo rendimento real.
O previsto no art. 129.º n.º 6 do C.I.R.C. obedece ao princípio da proporcionalidade, a que se refere o art. 18.º, n.º 2 da C.R.P., e nas suas várias vertentes, de adequação, necessidade e, especificamente, da justa medida.
Tal o que resulta dos fins em vista, de proporcionar ainda desse modo um controle por parte da A.T. da elisão de presunção de rendimento do imóvel transmitido, mediante a prova do preço real, bem como é necessário, a se alcançar a verdade fiscal, pois aquele controle não pode ficar dependente apenas da prova oferecida.
Nesse mesmo sentido se pronunciou o referido acórdão do T.C. n.º 517/2015, reiterando o já decidido anteriormente pelo acórdão n.º 145/2014, citado na sentença recorrida, bem como no referido parecer da magistrada do Ministério Público, e que se encontra também acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
A esse propósito, foi aí ainda apreciado o seguinte, a que se adere:
“(…) a situação versada no acórdão nº 442/2007 Invocado pela recorrente não é inteiramente coincidente com a do presente processo. Ali discutia-se, na situação de reclamação graciosa ou de impugnação judicial de atos tributários, a possibilidade de a Administração Fiscal aceder diretamente e, por isso, sem o consentimento prévio do interessado e sem necessidade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo reclamante ou impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a situação tributária objeto da reclamação ou impugnação.
No caso vertente, ainda que esteja em causa um procedimento tributário que é também da iniciativa do sujeito passivo – e que constitui uma faculdade garantística dos contribuintes -, ele destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.”
Assim sendo, a justa medida não é também afetada.
III.2.3. Quanto à inconstitucionalidade por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada se referem os ditos acórdãos 145/2014 e 517/2015, essa inconstitucionalidade não ocorre, numa análise decorrente do bem protegido pelo sigilo bancário, a que também se adere:
“Como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007 (…) na linha de anterior jurisprudência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República.
(…)
Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.
Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95).
Por outro lado – como ainda se anotou no acórdão n.º 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro).
Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, pág. 619).
Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.
Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58º e 59º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária.”
No que respeita à violação do direito à tutela judicial efectiva, e ainda de acordo com o que consta no referido acórdão n.º 517/2015, do T.C., por referência ao anteriormente decidido no n.º 145/2014, salienta-se agora o seguinte:
“No tocante à referência à violação do artigo 266.º da Constituição, igualmente não assiste razão à recorrente, porquanto, como se refere no citado acórdão, este preceito condensa vários princípios que consubstanciam “as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração.” (…)».

Perante estes dados, resulta claro que a exigência a que alude a Recorrente não coloca em causa a Lei Fundamental nos termos propostos, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar a própria Requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço, estando devidamente balizada nos termos apontados no aresto do STA acima descrito e noutros, como o Acórdão do STA-2ª.Secção, de 05/09/2012, recurso n.º 0837/12; ou o Acórdão do TCA Sul-2ª. Secção, de 19/02/2013, processo n.º 6091/12; ou o Acórdão do TCA Norte, de 11/02/2021, proferido no âmbito do processo n.º 216/09.4BEPRT.

Na medida em que não se consideraram verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, haverá que apreciar se o ato em crise infringiu o disposto no artigo 63.º - B da LGT.

O artigo 63.º-B da LGT refere-se às situações em que é a própria Autoridade Tributária, independentemente de autorização do tribunal ou do interessado, que decide aceder à totalidade dos documentos cobertos pelo sigilo bancário.

Assim sendo, mais uma vez, acompanhamos e confirmamos o que é referido na sentença recorrida: “(…) no procedimento previsto no artigo 139.º do C.I.R.C. não existe uma derrogação de sigilo bancário da iniciativa da A.T. mas sim da iniciativa do contribuinte. O âmbito de aplicação daquele procedimento não se confunde com o do artigo 63.º-B da L.G.T., pois estamos perante um acto voluntário do contribuinte, ou seja, não é A.T. que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte.
De facto, nos termos do artigo 139.º do C.I.R.C., a derrogação do sigilo bancário carece sempre de autorização do requerente e dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em caso de recusa ou de não apresentação dos documentos de autorização, a A.T. não pode aceder directamente, ao contrário do que prevê o artigo 63.º-B da L.G.T. (…)”.
Diversamente, o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes, não pressupõe qualquer derrogação de sigilo bancário por iniciativa da Autoridade Tributária, mas sim do contribuinte e tem em vista o seu interesse – de obviar à aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que impõe a realização de correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis quando inferior ao VPT - e não o da AT. A derrogação do sigilo aqui prevista não é o fim visado pela norma, mas apenas um meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e afastamento de uma norma anti abuso).

Destarte, tratando-se de preceitos distintos cujo âmbito é diverso e que não se confundem, não se vê em que medida é que a exigência das declarações de autorização para a AT aceder aos documentos bancários dos administradores encerra em si qualquer ilegalidade e/ou violação de qualquer princípio ou limite imposto pelo legislador, motivo pelo qual improcede o vício alegado.

Cumpre, agora, analisar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por não ter condenado o Réu à prática do ato devido peticionado, para o que temos de atentar no disposto no artigo 71.º do CPTA, atinente aos poderes de pronúncia do Tribunal, no âmbito das ações tendentes à condenação à prática do ato devido, que dispõe nos termos seguintes:
«1 - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido.
2 - Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.
3 - Quando tenha sido pedida a condenação à prática de um ato com um conteúdo determinado, mas se verifique que, embora seja devida a prática de um ato administrativo, não é possível determinar o seu conteúdo, o tribunal não absolve do pedido, mas condena a entidade demandada à emissão do ato em questão, de acordo com os parâmetros estabelecidos no número anterior.».

Este n.º 3, decorrente da revisão de 2015 do CPTA, veio clarificar que, ainda que o pedido formulado respeite a uma condenação à prática de um ato com um determinado conteúdo, a situação em concreto pode não admitir tal condenação, mas sim outra (ou seja, numa situação em que não foi conhecido o mérito da pretensão requerida, por exemplo, ao invés da condenação peticionada à prática de um ato com um conteúdo material determinado condenar-se à prática de um ato que conheça do mérito do requerimento apresentado).

A este respeito, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha que «O n.º 3, aditado pela revisão de 2015, explicita que os poderes de pronúncia do tribunal não estão confinados pelo pedido tal como foi formulado pelo autor na ação. Assim, se o autor tiver formulado um pedido de condenação da Administração à prática de um ato com conteúdo determinado, seja porque entende que o ato em causa é vinculado quanto ao conteúdo e à oportunidade, seja porque considera que, embora a Administração disponha de margem de livre apreciação na conformação do conteúdo do ato, nas circunstâncias do caso, não lhe resta senão uma única solução como legalmente possível, e o tribunal verificar que não pode emitir uma sentença condenatória desse tipo, mas que foram violados normas ou princípios jurídicos que justifiquem uma condenação de alcance mais limitado, o tribunal não profere uma sentença de condenação estrita, como foi requerido, mas não deixa de proferir uma sentença de condenação genérica que (…) determina que a Administração, no reexercício do seu poder administrativo, pratique um novo ato que não reincida nas mesmas ilegalidades» - cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Almedina, 2017, p. 353.

Portanto, o facto de o autor formular um pedido de condenação à prática do ato devido com um determinado conteúdo não impede o Tribunal de formular uma pronúncia condenatória de conteúdo diverso, conquanto seja essa que consubstancie o ato a cuja prática o administrado tem efetivamente direito – neste sentido, cfr. acórdão do TCAS de 07.05.2020, proc. 509/16.4BECTB-A, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/aac96531d7784ca78025856e002e58ac?OpenDocument.

No caso vertente, não estamos em face de um ato de conteúdo vinculado, nem a factualidade provada nos permite concluir com absoluta margem de segurança que o preço efetivamente praticado foi o mencionado na escritura de compra venda. Efetivamente, não obstante constar dos autos o extrato contabilístico no qual consta o crédito, em 8.4.2009, de € 74 820,00, na conta de B., por transferência bancária da S. Lda., bem como a declaração de autorização de acesso à informação bancária do BANCO (...), SA, não sabemos, porque os autos o não evidenciam nem nos é possível aceder à informação bancária do Recorrente, se existem outros movimentos envolvendo as mesmas entidades que respeitem à mesma transação. Admitir a condenação à prática do ato devido nestas condições, seria defraudar a lei, contornando as exigências probatórias legalmente previstas.

Improcedem, pois, todas as conclusões de recurso, impondo-se negar-lhe provimento e confirmar a sentença recorrida.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a decisão recorrida.
*
Custas a cargo do Recorrente, que sai vencido neste recurso (Artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
*
Porto, 29 de abril de 2021



Maria do Rosário Pais – Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.º Adjunto
Cristina da Nova – 2.ª Adjunta