Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00002/07.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRS; RENDIMENTOS DE TRABALHO; FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL; ÓNUS DA PROVA; FALTA DE AUDIÇÃO;
Sumário:I- Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

II- Por força do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, no procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

III- Decorre da interpretação do n.º 1 e 2 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo ser efetuada o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária e nesse caso é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J., e Outros
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida no TAF de 31.10.2018, que julgou a impugnação procedente anulou as liquidações de IRS, do ano de 2002 e 2003, no valor global de € 2 132,01 da qual interpôs o presente recurso jurisdicional.

Em 30.09.2014, foi proferida sentença a qual foi objeto de recurso, tendo sido proferido acórdão neste TACN, em 13.10.2016, no qual foi concedido provimento, revogada a decisão judicial recorrida julgando o ato tributário suficientemente fundamentado, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para julgamento de facto e de direito das demais questões.

No presente recurso, a Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
(...)
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida por J. e mulher contra as liquidações adicionais de IRS referentes aos anos de 2002 e 2003.
B. O objecto do presente recurso centra-se em saber se a douta sentença padece de erro de julgamento por ter considerado que o acto de liquidação não se encontra materialmente fundamentado, nos precisos termos vertidos em tal decisão.
C. Considerou o Tribunal recorrido que não existe nos autos qualquer elemento probatório que permita demonstrar a primeira premissa de que a AT partiu para proceder às correcções na esfera dos impugnantes: que a conta bancária n.º (...), do Banco (...), era uma conta pertencente à sociedade “A., Lda.”, da qual o impugnante marido era sócio-gerente.
D. No entanto, o próprio Tribunal a quo ordenou a junção aos autos do Relatório Inspectivo referente à sociedade A., Lda., devendo – em consequência – ser dados como provados os factos constantes do ponto 6. da motivação, para o qual se remete.
E. Deste modo, face aos elementos junto aos autos (Relatórios Inspectivos referentes à A., Lda., cfr. ponto 8. da motivação e aos impugnantes, cfr. ponto 9. da motivação), não será de manter o entendimento seguido pelo Tribunal a quo quanto à inexistência de qualquer meio probatório que demonstre que a aludida conta bancária do Banco (...) era uma conta pertencente à sociedade A., Lda.
F. Destarte, a AT deu cumprimento ao ónus probatório que sobre si impendia, permitindo concluir que se encontrava legitimada, sem necessidade de mais aprofundada actividade instrutória, a proceder às liquidações adicionais nos moldes em que o fez.
G. Em sentido inverso, os impugnantes não lograram invocar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de que a AT se arroga neste particular.
H. Por conseguinte, e sempre com o devido respeito, existe na douta sentença uma deficiente selecção da matéria de facto dada como provada, incorrendo-se em erro de julgamento, assim se violando o disposto no n.º 1 do artigo 74.º, bem como no artigo 58.º, ambos da LGT.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA. (…)”

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações:

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer, defendendo, em síntese, que o recurso merece provimento para além da sentença padecer de nulidade por falta de especificação e fundamentação de facto que abrange também a falta de exame crítico da prova, previstos no art.ºs 615.º n. º1 alínea b) do CPC e art.º 125 n.º 1 do CPPT.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, e pelo ilustre magistrado do Ministerio Público, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida (i) incorre em nulidade nos termos dos art.ºs 615.º n.º 1 alínea b) do CPC e art.º 125.º n.º 1 do CPPT. (ii) erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por ter violado o disposto nos artigos 74.º e 58.º, ambos da LGT.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1) Pela Ordem de Serviço n.º OI200601035, emitida em 19-04-2006, foram os ora impugnantes alvos de acção de inspecção incidente sobre IRS relativo aos anos de 2002 e 2003, iniciada em 12-06-2006 – cfr. resulta de fls. 6 e 48 dos PA apensos;

2) Elaborado Projecto de Relatório de Inspecção Tributário foram os ora impugnantes notificados para, sobre o mesmo, exercerem o seu direito de audição prévia – cfr. resulta de fls. 52 a 54 dos PA apensos;

3) Por requerimento datado de 25-08-2006 vieram os impugnantes exercer o seu direito de audição prévia, concluindo que não deverá ser feita qualquer correcção à matéria tributável dos anos de 2002 e 2003 – cfr. fls. 55 a 59 dos PA apensos;

4) A Administração Tributária pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelos impugnantes no exercício do seu direito de audição, nos termos que constam de fls. 10 a 18 dos PA apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, concluindo pela sua improcedência;

5) Em 25-08-2006, foi elaborado RIT, o qual consta de fls. 4 a 18 dos PA apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, donde se destaca o seguinte:
«(…)
II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
Foi efectuada uma acção de inspecção junto da empresa “A., Lda”, com o NIF: (…), da qual o sujeito passivo A, J., NIF: (…), é sócio-gerente, conjuntamente com os seus dois irmãos E., NIF: (…) e M., NIF: (…). No decurso dessa acção, detectou-se que nos anos objecto de fiscalização a mesma utilizou uma conta bancária onde efectuou depósitos de valores recebidos de clientes, por vendas omissas à contabilidade (conta do Banco (...) nº (...)). Esses valores foram posteriormente utilizados para pagamentos a fornecedores, para pagamentos de salários a empregados e ainda aos três gerentes da empresa, valores igualmente omissos à contabilidade da empresa e que não foram declarados pelos beneficiários em sede de IRS.
Por esse motivo, foi emitida a presente Ordem de Serviço de âmbito parcial em sede de IRS, incidindo nos anos de 2002 e 2003, a fim de se proceder ao apuramento e liquidação dos tributos em falta.

II.3. VALORES RECEBIDOS PELO SUJEITO PASSIVO PROVENIENTES DA CONTA BANCÁRIA DO Banco (...) Nº (...)
Nos anos de 2002 e 2003 foram os seguintes os valores dos recebimentos auferidos pelo sujeito passivo A pagos através da mencionada conta bancária, constantes de cheques que foram levantados ao balcão ou depositados na sua conta bancária particular:
ANO DE 2002
DataNº chequeValor
02-05-200215652371800,00
06-11-200216857124602,00
06-12-200216857135602,00
TOTAL2.004,00

ANO DE 2003
DataNº chequeValor
08-01-2003168571631.203,00
23-01-200316857171602,00
20-02-200316857212602,00
21-03-200318992016500,00
07-04-2003189920221.180,00
07-04-200318992023300,00
07-05-2003189920541.250,00
05-06-2003189920821.250,00
04-07-200318992092732,00
28-07-200320155800545,00
08-08-2003201558031.205,00
06-10-200320155839202,56
06-10-200320155822602,00
28-10-200320155841602,00
07-11-200320155876602,00
29-12-20032121446265,00
TOTAL11.442,56

Analisando as declarações modelo 3 de IRS entregues pelo agregado familiar onde o sujeito passivo se integra referentes aos anos de 2002 e 2003, verifica-se que o mesmo não mencionou nas referidas declarações ter auferido estes rendimentos, donde resultou o apuramento de um rendimento tributável inferior ao devido.
II.4. ENQUADRAMENTO FISCAL DOS RENDIMENTOS RECEBIDOS E NÃO DECLARADOS

Conforme se pode verificar pela análise dos dois quadros constantes do ponto II.3. deste relatório, os valores recebidos pelo sujeito passivo provenientes da mencionada conta bancária assumem carácter de grande regularidade, tendo ainda na maioria dos casos valores bastante aproximados. Tal facto permite-nos, desta forma, concluir estarmos perante a atribuição de uma remuneração mensal adicional atribuída ao referido gerente, quer como remuneração pela função de gerente, quer pelo trabalho desenvolvido no seio da empresa. Por esse motivo, consideram-se os referidos valores como rendimentos de trabalho dependente, nos termos da alínea a), do nº 1, do artigo 2º do Código do IRS.
II.5. OUTRAS VERIFICAÇÕES EFECTUADAS NO DECURSO DESTA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
No decurso da inspecção realizada procedemos à verificação do suporte documental dos valores de deduções à colecta declarados pelo sujeito passivo nos anos objecto de fiscalização, não se tendo detectado incorrecções.
Ao nível dos restantes rendimentos declarados e respectivas retenções na fonte de IRS também não se detectaram incorrecções.
F. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
________________________________________________________________________
III.1. EXERCÍCIOS DE 2002 E 2003
________________________________________________________________________
III.1.1. Em sede de IRS
_______________________________________________________________________
III.1.1.1. Rendimentos da Categoria A recebidos e não declarados
Conforme referido no ponto II deste relatório, o sujeito passivo auferiu nos anos de 2002 e 2003 rendimentos da categoria A, trabalho dependente, que não mencionou na declaração modelo 3 entregue referente a esses anos. Esses rendimentos atingiram o valor de 2.004,00 € em 2002 e 11.442,56 € em 2003.
Por esse motivo, procedemos à correcção dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo nesses anos, acrescentando aos mesmos os valores referidos no parágrafo anterior. Temos assim, que o rendimento global em sede de IRS apurado pelo agregado familiar em que se integra o sujeito passivo nos anos de 2002 e 2003 foi o seguinte:
AnoValor declaradoCorrecçãoValor corrigido
20028.277,75 €2.004,0010.281,75
200310.040,28 €11.442,5621.482,84

Verifica-se desta forma a existência de inexactidões nas declarações modelo 3 de IRS entregues pelo sujeito passivo com referência aos anos de 2002 e 2003, que este se encontra obrigado a entregar nos termos do nº 1 do artigo 57º do Código do IRS, incorrendo o mesmo por esse facto na prática de uma contra-ordenação prevista e punível nos termos do nº 1 do artigo 119º do RGIT.
(…)»;

6) Sobre as conclusões do RIT bem como sobre a proposta de correcção mencionada no ponto anterior recaiu Parecer e Despacho concordantes – cfr. fls. 4 dos PA apensos;

7) Em 06-09-2006, foram os ora impugnantes notificados das correcções aritméticas efectuadas aos exercícios de 2002 e 2003, relativamente a IRS – cfr. fls. 1 a 3 dos PA apensos;

8) Em 13-09-2006, foi emitida a liquidação n.º 2006 5004463461, referente a IRS/2002, da qual resultou imposto a reembolsar no montante de € 138,22 – cfr. fls. 18 do processo físico n.º 1/07.8BEVIS;

9) Em 15-09-2006 foi efectuada a compensação entre a liquidação n.º 2006 5004463461 [€ 138,22] com o estorno da primeira liquidação de IRS/2002 com o n.º 2003 5003898944 [€ 142,15], resultando um saldo apurado de -3,93 €, dizendo-se que «não há lugar ao pagamento ou reembolso do saldo apurado, por ser inferior ao limite mínimo previsto nos arts. 82.º do CIRC e 95.º do CIRS.» - cfr. fls. 19 do processo físico n.º 1/07.8BEVIS;

10) Em 13-09-2006, foi emitida a liquidação n.º 2006 5004463962, referente a IRS/2003, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 1.412,97 e juros compensatórios na quantia de € 173,25, tudo perfazendo o total de € 1.586,22 – cfr. fls. 19 e 20 do processo físico n.º 2/07.6BEVIS;

a) Em 15-09-2006 foi efectuada a compensação entre a liquidação mencionada no ponto anterior [€ 1.586,22] com o estorno da primeira liquidação de IRS/2003 com o n.º 2004 5003248383 [€ 545,79], resultando um saldo apurado a pagar de € 2.132,01, a pagar até 25-10-2006 – cfr. fls. 18 do processo físico n.º 2/07.6BEVIS;

12) Em 19-12-2006 deu entrada no Serviço de Finanças da Feira-1 duas impugnações judiciais apresentadas pelos ora impugnantes, uma contra a liquidação de IRS/2002 e a outra contra a liquidação de IRS/2003, dando origem aos processos n.º 1/07.8BEVIS e 2/07.6BEVIS, respectivamente – cfr. resulta de fls. 3 dos processos físicos n.º 1/07.8BEVIS e 2/07.6BEVIS.
***
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
***
O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos processos n.º 1/07.8BEVIS e 2/07.6BEVIS e aos respectivos PA apensos.
Quanto à prova testemunhal produzida nos presentes autos nada de relevante se extraiu com interesse para a decisão da causa.(…)”

3.2 Nas conclusões D., E. e H. a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de facto pugnado pelo aditamento de factos ao probatório. Tendo a Recorrente cumprido o ónus do art.º 640.º do CPC, que sobre si impedia e importa verificar da relevância do aditamento de factos.
Tendo em conta o decidido no acórdão do TCAN proferido nos presentes autos, e face às diligências probatórias efetuadas após a prolação do mesmo, resultar provados vão ser aditados os factos 13), 14) 15) e 16) e ainda aditado ao facto 5) no qual se extrata parte do relatório após ser exercido o direito de audição com o n.º 5- A).

5-A) Do relatório de inspeção a J. e C., para além do referido no ponto 5 consta ainda, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)

13) Pela Ordem de Serviço n.º 35390 emitida em 21.01.2004, foi realizada uma ação de inspeção à sociedade A., Lda., e posteriormente ampliado o prazo de conclusão pela ordem n.º OI200400499, em sede de IVA e IRC, referente aos anos de 2001, 2002 e 2003, iniciada em 19.07.2004 (fls. 1 a 13 e 78/versus e 79 processo administrativo apenso aos autos em suporte físico) ;
14) Em 22.04.2005 foi elaborado o RIT, onde foi alterada a matéria coletável por recurso a métodos indiretos sendo fixado o IRC, para os anos de 2001, 2002 e 2003 no valor de 18 315,33, € 18 935,20 e € 9 957,87 e IVA de € 55 943,35, € 44 670,96 e € 46 882,52, respetivamente, conforme consta do Relatório de Inspeção e da notificação efetuada. (fls. 1 a 13 e 78/versus e 79 processo administrativo apenso aos autos em suporte físico).
15) Sobre as conclusões do RIT, bem como sobre a proposta de correção mencionada no ponto anterior, recaiu Parecer e Despacho concordante em 28.04.2005 (fls. 1 a 13 e 78/versus e 79 processo administrativo apenso aos autos em suporte físico).
16) Em 22.04.2005, foi elaborado RIT, o qual consta de fls.1 a 13 dos PA apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, donde se destaca o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Por seu turno,

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A primeira questão que importa decidir é a saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e falta de exame crítico da prova, previstos no art.ºs 615.º n.º1 alínea b) do CPC e art.º 125.º n.º 1 do CPPT.

Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do art.º 125º do CPPT, (correspondente ao art.º 615º) constituem causas de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

Determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC relativamente à matéria de facto que a decisão proferida declarará “quais os facto que julga provados e quais os que não julga não provados, analisando criticamente as provas, ….. e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção..”
O n.º 5 do art.º 607.º do CPC determina que o tribunal aprecia livremente as provas decidindo o segundo a seu prudente convicção acerca de cada facto.

Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 615.º CPC e 607.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

Assim, a fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro.

No que concerne exame crítico da prova, o juiz deve revelar, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões porque se valorizou um em detrimento do outro.

Se a sentença não contiver análise crítica da prova documental e testemunhal e outras provas produzidas no processo e que foram relevantes para a decisão incorre em nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 125.º n.º 1 do CPPT alínea b) do art.º 615.º CPC.

Acresce ainda referir que tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, quer deste TCAN quer STA, que só se verifica nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e direito, quando ocorre absoluta falta de fundamentação.

E que dever-se-á distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta sendo a insuficiência ou mediocridade uma espécie diferente que afeta o valor doutrinal da sentença sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada. (CFR. Alberto do Reis, Código Processo Civil Anotado, volume V, pag 140, Ac. STA 510/08 de 14.07.2008, 540/08 de 03.12.2008).

Baixando ao caso dos autos, nos factos provados, a sentença recorrida identifica os documentos em que sustentou a sua decisão.
No que concerne aos factos não provados, refere que não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão.

Relativamente à apreciação critica foi efetuada embora a sentença recorrida use uma fórmula tabelar, o Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos processos n.ºs 1/07.8BEVIS e 2/07.6BEVIS e aos respetivos PA apensos e quanto à prova testemunhal produzida refere que dela nada se extraiu de relevante e com interesse para a decisão da causa.

Face ao exposto, a sentença recorrida cumpre minimamente a fundamentação dos factos provados e não provados e exame crítico da prova, pelo que não incorre em nulidade.

4.2 A Recorrente alega que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, violando o disposto nos artigos 74.º e 58.º, ambos da LGT.

Vejamos:
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação por considerar que não existe nos autos qualquer elemento probatório que permita demonstrar a primeira premissa de que a Administração Tributária partiu para proceder às correções na esfera dos impugnantes: que a conta bancária n.º (...), do Banco (...), era uma conta pertencente à sociedade “A., Lda.”, da qual o Impugnante marido era sócio-gerente.

Com efeito não andou bem a sentença recorrida na medida em que ignora o acórdão do TCAN proferido nos presentes autos, não levando ao probatório os factos supra aditados ignorando as diligências probatórias ordenadas e efetuadas e os documentos juntos aos autos, que se traduz essencialmente no relatório de inspeção feita à sociedade A., Lda.

Prevê o n.º 1 do art.º 74.º da LGT, relativamente ao ónus da prova, que a prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Por força do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, no procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência os factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Assim, a Administração Tributária terá de carrear elementos que demonstrem com um elevado grau de certeza que 2002 e 2003 que o Recorrido marido auferiu rendimentos, com caracter remuneratório, de trabalho dependente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS.

Vejamos então se os elementos carreados pela Administração, demonstram a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação, ou seja, se esta cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia.
Resulta da matéria de facto provada - factos nas alíneas 5), 5-A) e nas 13) a 15 neste acórdão aditados que os incrementos patrimoniais do Recorrido derivam da conta bancária n.º (...), do Banco (...), conta paralela pertencente à sociedade A., LDA., cujas quantias se encontram discriminadas em II.2, através de cheques levantados ao balcão ou depositados na sua conta bancária.
Esta subjacente ao relatório de inspeção em causa nestes autos, a inspeção efetuada à sociedade A., Lda., onde o Recorrido, marido é sócio gerente conjuntamente com mais dois irmãos, onde foram apuradas irregularidades.
O relatório refere que: “No decurso dessa acção, detectou-se que nos anos objecto de fiscalização a mesma utilizou uma conta bancária onde efectuou depósitos de valores recebidos de clientes, por vendas omissas à contabilidade (conta do Banco (...) n.º (...)10001). Esses valores foram posteriormente utilizados para pagamentos a fornecedores, para pagamentos de salários a empregados e ainda aos três gerentes da empresa, valores igualmente omissos à contabilidade da empresa e que não foram declarados pelos beneficiários em sede IRS.(…)”
O relatório de inspeção dos Recorridos, prossegue apurando os valores recebidos pelo sujeito passivo provenientes da conta bancária do Banco (...) referindo que: “Nos anos de 2002 e 2003 foram os seguintes os valores dos recebimentos auferidos pelo sujeito passivo A pagos através da mencionada conta bancária, constantes de cheques que foram levantados ao balcão ou depositados na sua conta bancária particular (…).
Tendo concluído que “Analisando as declarações modelo 3 de IRS entregues pelo agregado familiar onde o sujeito passivo se integra referentes aos anos de 2002 e 2003, verifica-se que o mesmo não mencionou nas referidas declarações ter auferido estes rendimentos, donde resultou o apuramento de um rendimento tributável inferior ao devido.

Para proceder ao enquadramento legal refere o relatório que: “Conforme se pode verificar pela análise dos dois quadros constantes do ponto II.3 deste relatório, os valores recebidos pelo sujeito passivo provenientes da mencionada conta bancária assumem carácter de grande regularidade, tendo ainda na maioria dos casos valores bastante aproximados. Tal facto permite-nos, dessa forma, concluir estarmos perante a atribuição de uma remuneração mensal adicional atribuída ao referido gerente, quer como remuneração pela função de gerente, quer pelo trabalho desenvolvido no seio da empresa. Por esse motivo, consideram-se os referidos valores como rendimentos de trabalho dependente, nos termos da alínea a), do nº 1 do artigo 2º do Código do IRS. “

Decorre ainda da matéria de facto provada e aditada neste acórdão que pela Ordem de Serviço n.º 35390 emitida em 21.01.2004, foi realizada uma ação de inspeção à sociedade A., Lda., e posteriormente ampliado o prazo de conclusão pela ordem n.º OI200400499, em sede de IVA e IRC, referente aos anos de 2001, 2002 e 2003, iniciada em 19.07.2004.
Em 22.04.2005 foi elaborado o RIT, onde foi alterada a matéria coletável por recurso a métodos indiretos sendo fixado o IRC, para os anos de 2001, 2002 e 2003 no valor de € 18 315,33, € 18 935,20 e € 9 957,87 e IVA de € 55 943,35, € 44 670,96 e € 46 882,52, respetivamente, conforme consta do Relatório de Inspeção e da notificação efetuada.
Sobre as conclusões do RIT, bem como sobre a proposta de correção mencionada no ponto anterior, recaiu parecer e Despacho de concordância em 28.04.2005.

Em 22.04.2005, foi elaborado RIT, donde se destaca o seguinte:
Ø -a inspeção teve origem numa comunicação dos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, decorrente de participação feita pelo TOC, M., onde denuncia a existência de conta bancária n.º (...), do Banco (...), paralela às das sociedade onde são movimentados valores elevados, sendo titulares M., E. e J., sócios e gerentes da mesma.
Ø A conta não se encontra relevada na contabilidade da empresa.
Ø Dessa conta foram emitidos cheques que se destinaram ao pagamento de salários de funcionários da empresa, que não foram declarados (nem pela empresa nem pelos trabalhadores). Pagamentos de salários ao próprios gerentes e pagamento de despesas particulares dos mesmos.
Ø Foi apurado pelo SIT, junto da instituição bancária e outros elementos bancários que nessa conta eram depositados os recebimentos de vendas aos seus clientes que não eram relevadas na contabilidade.
Ø Que os cheques depositados nessa conta provinham integralmente de vendas efetuadas pela sociedade aos seus clientes, vendas essas que não era emitida a correspondente fatura ou outro documento equivalente tratando-se assim de vendas omissas.
Ø Houveram inúmeras transferências entre essa conta e as contas “ilegais” da empresa movimentos que na contabilidade da empresa foram relevados ou como suprimentos de sócios ou como meros movimentos financeiros entre a conta “Caixa” e a conta de “Depósitos à Ordem”.
Ø Os valores recebidos foram igualmente usados pela sociedade para pagamento de compras aos seus fornecedores, compras igualmente omissas.
Nesta conformidade, e contrariamente ao entendimento da sentença recorrida, quer no relatório e respetivos anexos relativos ao procedimento desenvolvido junto dos Impugnantes/Recorridos quer no relatório e respetivos anexos atinentes ao procedimento realizado à sociedade à A., Lda., encontram-se elementos probatórios dotados de suficiente relevância para que se encontre demonstrada que a conta do Banco (...) era, efetivamente, uma conta paralela pertencente à sociedade e da qual foram pagos as quantias aqui em questão a título de remuneração.
Como supra se disse por força do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, a Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação, o que no caso resultam devidamente comprovado pelo que competia ao sujeito passivo o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Analisada a sua petição inicial, constata-se que os Recorridos limitam-se a referir que a conta do Banco (...) é uma conta titulada pelo Impugnante/Recorrido marido e pelos outros sócios e que não está em nome da sociedade A., Lda., e que a conta diz apenas respeito à esfera particular dos sócios, não tendo qualquer ligação à sociedade.
Que as quantias em causa não têm qualquer relação com a prestação do trabalho do Impugnante/Recorrido, na medida em que a contabilidade da A., Lda., não refletiu essa situação, inexistindo registos contabilísticos do pagamento de tais montantes.
Limitam-se a confirmar o que foi detetado pela Inspeção não se preocupando em demonstrar a realidade diferente, nomeadamente a proveniência dos valores que caucionavam as contas e a razão das saídas regulares e mensais de tais quantitativos para a sua conta particular.
Face o exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, pelo que procede a pretensão da Recorrente.

4.3. Aqui chegado cumpre referir que a impugnação judical tinha por objeto, para além da falta de fundamentação e da ilegalidade da liquidação a preterição de formalidades legais essenciais.

Por força do art.º 665.º do CPC cabe a este tribunal conhecer do mérito dessa parte, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos.

Com efeito o n.º 2 art.º 665.º do CPC prevê se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente as que considere prejudicadas pela solução do litigio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.

No caso sub judice, o tribunal à quo na sentença recorrida, fixou a matéria de facto relativa às demais questões suscitadas, pelo que se impõe a sua apreciação.

Vejamos.
Na petição inicial nos pontos 56.º a 75.º os Recorrentes alegam vicio de lei por violação do direito de participação, uma vez que não foram notificados de qualquer decisão final antes do ato de liquidação, mas tão só do projeto das conclusões de Relatório de inspeção.
A questão decidenda é a de saber se a ato administrativo e fiscal padece de ilegalidade por falta de audição antes das liquidações do IRS.
Vejamos:
O artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) na redação à data dos factos, preceituava o seguinte: “(…) 1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado (…)

Decorre da interpretação do n.º 1 e 2 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo ser efetuada o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária e nesse caso é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
Como decorre da matéria de facto provada – factos das alíneas 2) e 3) - os Impugnantes foram notificados do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para exercerem o direito de audição.
Por requerimento datado de 25.08.2006 vieram os Impugnantes exercer o direito de audição prévia, concluindo que não deverá ser feita qualquer correção à matéria tributável dos anos de 2002 e 2003 e não trazendo ao processo factos novos.

A Administração Tributária pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelos impugnantes no exercício do seu direito de audição, e procedeu à elaboração final do relatório, tal como consta do facto provado em 5-A) aditado neste acórdão.

Nesta conformidade, os Impugnantes foram ouvidos antes da conclusão do relatório da inspeção tributária pelo que não tinha que ser notificados para audição em fase posterior, ou seja antes da liquidação.

Face ao exposto, improcede a pretensão dos Impugnantes, não ocorrendo violação do direito de audição ou de qualquer outra preterição de formalidade essencial.

4.4. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I- Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

II- Por força do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, no procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito

III- Decorre da interpretação do n.º 1 e 2 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo ser efetuada o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária e nesse caso é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

5. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão judicial recorrida julgar totalmente improcedente a impugnação judicial.
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Custas pelos Recorridos, em ambas as instâncias, com dispensa da taxa de justiça, uma vez que não contra alegaram.
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Porto, 29 de abril de 2021

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes