Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02833/11.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CONFISSÃO DE GERÊNCIA EFETIVA E INDIVISIBILIDADE DA CONFISSÃO
Sumário:1. A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos.
2. A responsabilidade subsidiária depende do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
3. Embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.
4. Se a prova de gerência efectiva resulta apenas de confissão do oponente na petição inicial, tal confissão teria de ser ponderada e aceite em relação a todos os elementos descritos pelo Oponente, por força da indivisibilidade da confissão prevista no art. 360º do C. Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:N...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão da execução por dívidas de IVA no valor de € 7.229,45 relativa ao período de 200410, de que é devedora originária “G…, Lda” dela interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efetuada contra o aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 3379200501003860, instaurado pelo Serviço de Finanças de Porto 4 para cobrança de dívidas referentes a IVA de 2004-10, no montante de € 8.403,24, em que é executada a devedora originária G…, Lda., NIPC 5….

B) Decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade do aqui revertido por não se mostrar provado nos autos por parte da AT o exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária no período a que se reportam as dívidas tributárias.

C) Não pode, porém, a Fazenda Pública concordar com o entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, tem de se concluir que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na devedora originária e, em consequência, é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.

D) Devendo, aliás, ser determinada a ampliação da matéria de facto provada, incluindo-se nos factos provados “9. O oponente assume na petição inicial (§ 197., 198., 199., 200., 201., 210., 211 e 212) a gerência de facto da sociedade devedora originária.”

E) Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, a gerência de facto da devedora originária por parte do oponente não poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião, constituir questão controvertida na presente oposição,

F) Pois, o oponente no § 198. da p.i confessa a gerência de facto“197. Refira-se que a sentença que decretou a falência da G... transitou em julgado nos primeiros dias de Junho de 2006” e “198. Sendo que com a declaração de falência supra referida cessaram os poderes de gerência do oponente.

G) A gerência de facto é ainda assumida pelo oponente no § 199. e §200. da petição inicial “ 199. Deixando a partir de então de poder dispor dos bens da G... – cfr., art. 141º e 147º do CPEREF”; “200.E designadamente de efectuar quaisquer pagamentos.”

H) Sendo que, se duvidas existissem que o oponente exerceu a gerência de facto na sociedade devedora originária as mesmas seriam afastadas com o vertido no § 201. da petição inicial “201. Enquanto esteve à frente dos destinos da G..., o oponente actuou sempre zelosamente no exercício do seu cargo pela boa condução dos negócios sociais e na defesa dos interesses da G... e dos seus credores.

I) Veja-se também o vertido no § 210. da petição inicial “Enquanto se manteve à frente da G... o oponente actuou sempre com a diligência de um bom pai de família, não lhe sendo exigível que procedesse doutro modo.”

J) E, ainda o vertido no § 211. da petição inicial “ 211. Nada mais poderia ter feito para alterar a situação económica da G... ou proteger melhor os interesses dos credores, incluindo a Fazenda, inverter a progressiva diminuição da faturação e ultrapassar a situação com que se viu confrontado decorrente, primeiro, da diminuição de faturação e dos incumprimentos dos seus clientes e, depois, da recusa de viabilizar a empresa por parte dos credores públicos.”

K) Sendo que no § 212. da petição inicial afirma “ Ficando demonstrado que o oponente geriu de forma criteriosa e diligente a G... bem como a ausência de culpa no não cumprimento das obrigações fiscais e na eventual inexistência de património susceptivel de responder por elas.”

L) As afirmações e considerações do oponente, na sobredita peça processual, constituem uma confissão implícita do efetivo exercício da gerência de facto da devedora originária até à declaração da falência (§ 198. da petição inicial) e os factos vertidos nos §160º a § 212º da petição inicial, revelam factos que só estariam ao alcance de um verdadeiro gerente de facto, ou seja, de um gerente que exercia efetivamente o seu cargo e não de um mero gerente de direito.

M) Sendo a prova por confissão legalmente admissível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º do CPPT, supletivamente aplicável por força do art.º 211.º, n.º 1 do mesmo diploma, e ainda no art.º 352.º do Código Civil, a mesma deveria ter sido objeto de uma correta e adequada valoração em sede decisória.

N) Não o tendo feito, entende a Fazenda Pública que a douta decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos autos.

O) A prova por confissão do oponente terá necessariamente de ser valorada positivamente no sentido de que o oponente exerceu, de facto e de direito, as funções de para que se encontrava nomeado – gerente – na sociedade devedora originária.

P) Assim sendo, uma vez que o oponente não cumpre com o ónus da prova da falta de culpa pelo não pagamento da dívida, apenas podemos concluir que é parte legítima para a presente execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.

Q) nº 1 do artigo 77º da LGT, a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, o que se veio a verificar nos presentes autos.

R) Pelo que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto por ter considerado que a AT não provou que o oponente exerceu, de facto, o cargo de gerente da devedora originária no período a que respeitam as dívidas executivas, daí resultando, em consequência, erro de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar procedente a oposição.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. O processo de execução fiscal nº 3379200501003860 e aps, foi instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 5 contra a sociedade “G…, Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 7.229,45 referente a IVA – cfr. fls. 37, 41 e 43 do processo físico;
2. O Oponente consta como gerente na matrícula da sociedade referida em 1) – cfr. fls. 38 a 40 do processo físico;
3. A 06 de Maio de 2011 foi emitida informação de que a devedora originária foi declarada falida no processo de falência 539/04.9TYVNG – cfr. fls. 41 do processo físico;
4. Pelo ofício 5834/3190 foi o Oponente notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévio à reversão – cfr. fls. 43 a 45 do processo físico;
5. A 09 de Junho de 2011 foi lavrado despacho de reversão, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 47 do processo físico;
6. Consta do referido despacho:
Despacho
(…)
de acordo com os elementos registados na competente Conservatória do Registo Comercial, era gerente da executada N… (…)
De acordo com o disposto na alínea b) do art. 24.º da LGT (…)
Nos termos do n.º 2 do art. 153.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (…) Destarte, nos termos da alínea b n.º 1 do citado art. 24 da LGT e, por se mostrarem reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiaria face à inexistência de bens penhoráveis do devedor originário, a sociedade que gira sob o nome de “G… (…) e o exercício de facto do cargo de gerente folhas 15 e 18 reverto a execução …”
7. Pelo ofício 7502/3193 foi o Oponente citado por reversão – cfr. fls. 48 a 52 do processo físico;
8. Os presentes autos deram entrada no Serviço de Finanças a 14 de Setembro de 2011.
*
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, nada consta do despacho de reversão que sirva de fundamento à reversão e que se refira à gerência de facto da sociedade devedora originária.
*
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Foi instaurada e execução fiscal n.º 3379200501003860 contra a sociedade G…, Lda. para cobrança de dívidas de IVA no valor de € 7.229,45 relativa ao período de 200410.
A Execução foi revertida contra o Oponente que deduziu oposição alegando em síntese e entre o mais, a nulidade da citação, a violação do direito de audição, a falta de fundamentação do despacho de reversão, inconstitucionalidade dos art.s 23º n.º 1 e 2 da LGT e dos arts.º 159º e 160 n.º 1 do CPPT, falta de verificação dos pressupostos de reversão, falta de culpa na diminuição patrimonial.
O MMº juiz julgou a ação procedente por nenhuma prova constar do processo “...que alguma vez tenha praticado algum ato próprio da gestão da sociedade devedora originária”.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública não se conformou e recorreu para este TCA, alegando em síntese, que o Oponente confessou a gerência de facto da sociedade pelo que tais factos devem considerar-se provados. E como não provou a sua falta de culpa, a ação deverá improceder na totalidade.

Idêntica questão, e com as mesmas partes, foi já colocada perante este TCA que proferiu douto acórdão ainda inédito mas do conhecimento das partes. Não havendo razões para nos afastarmos do que foi decidido naquele acórdão, e com o qual inteiramente concordamos, com a devida vénia reproduzimos na íntegra o discurso fundamentador, que “mutatis mutandis” se aplica também a estes autos.

Reza assim o douto acórdão:
“Nas suas primeiras conclusões do recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida em termos de decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da Recorrente, tem de se concluir que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na devedora originária e, em consequência, é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, devendo, aliás, ser determinada a ampliação da matéria de facto provada, incluindo-se nos factos provados “9. O oponente assume na petição inicial (§ 197., 198., 199., 200., 201., 210., 211 e 212) a gerência de facto da sociedade devedora originária.”, pois que, ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, a gerência de facto da devedora originária por parte do oponente não poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião, constituir questão controvertida na presente oposição, na medida em que o oponente no § 198. da p.i confessa a gerência de facto“197. Saliente-se que a declaração de falência da G... transitou em julgado nos primeiros dias de Junho de 2006” e “198.Tendo cessado com a declaração de falência supra referida os poderes de gerência do oponente - cfr., art. 141º e 147º do CPEREF”, verificando-se que a gerência de facto é ainda assumida pelo oponente no § 199. e §200. Da petição inicial “ 199. Sendo certo que com a declaração de falência o oponente deixou de poder dispor dos bens da G....”; “200.E designadamente de efectuar quaisquer pagamentos.”, sendo que, se duvidas existissem que o oponente exerceu a gerência de facto na sociedade devedora originária as mesmas seriam afastadas com o vertido no § 201. da petição inicial “201. Enquanto esteve à frente dos destinos da G..., o oponente actuou sempre zelosamente no exercício do seu cargo pela boa condução dos negócios sociais e na defesa dos interesses da G... e dos seus credores.” e também com o vertido no § 210. da petição inicial “Enquanto se manteve à frente da G... o oponente actuou sempre com a diligência de um bom pai de família, não lhe sendo exigível que procedesse doutro modo.” e, ainda o vertido no § 211. da petição inicial “ 211. Nada mais poderia ter feito para alterar a situação económica da G... ou proteger melhor os interesses dos credores, incluindo a Fazenda, inverter a progressiva diminuição da faturação e ultrapassar a situação com que se viu confrontado decorrente, primeiro, da diminuição de faturação e dos incumprimentos dos seus clientes e, depois, da recusa de viabilizar a empresa por parte dos credores públicos.”, sendo que no § 212. da petição inicial afirma “Ficando demonstrado que o oponente geriu de forma criteriosa e diligente a G... bem como a ausência de culpa do oponente no não cumprimento das obrigações fiscais e na eventual inexistência de património susceptivel de responder por elas.”
Assim, as afirmações e considerações do oponente, na sobredita peça processual, constituem uma confissão implícita do efectivo exercício da gerência de facto da devedora originária até à declaração da falência (§ 198. da petição inicial) e os factos vertidos nos §160º a § 212º da petição inicial, revelam factos que só estariam ao alcance de um verdadeiro gerente de facto, ou seja, de um gerente que exercia efectivamente o seu cargo e não de um mero gerente de direito e sendo a prova por confissão legalmente admissível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º do CPPT, supletivamente aplicável por força do art.º 211.º, n.º 1 do mesmo diploma, e ainda no art.º 352.º do Código Civil, a mesma deveria ter sido objecto de uma correcta e adequada valoração em sede decisória, de modo que, não o tendo feito, entende a Fazenda Pública que a douta decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos autos, porquanto, a prova por confissão do oponente terá necessariamente de ser valorada positivamente no sentido de que o oponente exerceu, de facto e de direito, as funções de para que se encontrava nomeado - gerente - na sociedade devedora originária.

Nesta matéria, e antes de avançar, diga-se que a confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o art. 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual, sendo que não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado.
Como refere o Prof. Antunes Varela, “as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão» (Código Civil anotado, I, 4ª edição, pág. 316).
No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados.
Dito isto, convém precisar o que é a confissão feita nos articulados, ou seja, convém ter em atenção que nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g., se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se.
A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o art. 352º do Código Civil, sendo essencial que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio».

Em função do que fica exposto, e analisando a forma como a Recorrente desenvolve a sua alegação de recurso, temos por adquirido que estamos perante um esforço que, embora louvável, está condenado ao insucesso.
Isto porque, aquilo que a Recorrente reclama é a ampliação da matéria de facto provada, incluindo-se nos factos provados “9. O oponente assume na petição inicial (§ 197., 198., 199., 200., 201., 210., 211 e 212) a gerência de facto da sociedade devedora originária.”
Ora, isto não é um facto mas uma conclusão que, como tal, não pode integrar o probatório, que apenas contempla factos alegados pelas partes com relevância para a decisão da causa em função das soluções plausíveis em direito.
Tal significa que a Recorrente deveria ter reclamado, isso sim, a consagração no probatório não de uma mera conclusão mas do conjunto de factos alegados pelo ora Recorrido susceptíveis de conduzir à aludida conclusão, de modo que, perante a forma como a Recorrente formula a sua pretensão nesta sede, o resultado só pode ser o insucesso da impugnação da matéria de facto.

A Recorrente refere depois que, uma vez que o oponente não cumpre com o ónus da prova da falta de culpa pelo não pagamento da dívida, apenas podemos concluir que é parte legítima para a presente execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, sendo que nos termos do nº 1 do artigo 77º da LGT, a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, o que se veio a verificar nos presentes autos, pelo que, a AT não tinha a obrigação de fazer constar do despacho de reversão a prática de actos de gestão da devedora originária, pois como decidiu o STA, no aresto proferido no processo 0925/13, de 29-10-2014, pelo que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto por ter considerado que a AT não provou que o oponente exerceu, de facto, o cargo de gerente da devedora originária no período a que respeitam as dívidas executivas, daí resultando, em consequência, erro de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA de 2003 a 2006, Retenções na Fonte de 2002 a 2004 e IRC de 2004 e 2005, no montante global de €280 029,11, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que os elementos apontado para o ora Recorrido ser considerado gerente de facto ou efectivo, reconduzem-se ao facto de o mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, matéria que abrange todo o período em que nasceram as dívidas.

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o ora Recorrido foi gerente de facto da sociedade.
Com efeito, como já vimos, não competia à ora Recorrida fazer qualquer prova neste âmbito, cabendo à FP a alegação da matéria neste domínio, pois que, embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.
Pois bem, a Recorrente assente a sua tese na ideia de que o Recorrido confessa a gerência de facto“ 197. Saliente-se que a declaração de falência da G... transitou em julgado nos primeiros dias de Junho de 2006” e “198. Tendo cessado com a declaração de falência supra referida os poderes de gerência do oponente - cfr., art. 141º e 147º do CPEREF”, verificando-se que a gerência de facto é ainda assumida pelo oponente no § 199. e §200. Da petição inicial “ 199. Sendo certo que com a declaração de falência o oponente deixou de poder dispor dos bens da G....”; “200.E designadamente de efectuar quaisquer pagamentos.”, sendo que, se duvidas existissem que o oponente exerceu a gerência de facto na sociedade devedora originária as mesmas seriam afastadas com o vertido no § 201. da petição inicial “201. Enquanto esteve à frente dos destinos da G..., o oponente actuou sempre zelosamente no exercício do seu cargo pela boa condução dos negócios sociais e na defesa dos interesses da G... e dos seus credores.” e também com o vertido no § 210. da petição inicial “Enquanto se manteve à frente da G... o oponente actuou sempre com a diligência de um bom pai de família, não lhe sendo exigível que procedesse doutro modo.” e, ainda o vertido no § 211. da petição inicial “ 211. Nada mais poderia ter feito para alterar a situação económica da G... ou proteger melhor os interesses dos credores, incluindo a Fazenda, inverter a progressiva diminuição da faturação e ultrapassar a situação com que se viu confrontado decorrente, primeiro, da diminuição de faturação e dos incumprimentos dos seus clientes e, depois, da recusa de viabilizar a empresa por parte dos credores públicos.”, sendo que no § 212. da petição inicial afirma “Ficando demonstrado que o oponente geriu de forma criteriosa e diligente a G... bem como a ausência de culpa do oponente no não cumprimento das obrigações fiscais e na eventual inexistência de património susceptivel de responder por elas.”
Assim, as afirmações e considerações do oponente, na sobredita peça processual, constituem uma confissão implícita do efectivo exercício da gerência de facto da devedora originária até à declaração da falência (§ 198. da petição inicial) e os factos vertidos nos §160º a § 212º da petição inicial, revelam factos que só estariam ao alcance de um verdadeiro gerente de facto, ou seja, de um gerente que exercia efectivamente o seu cargo e não de um mero gerente de direito e sendo a prova por confissão legalmente admissível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º do CPPT, supletivamente aplicável por força do art.º 211.º, n.º 1 do mesmo diploma, e ainda no art.º 352.º do Código Civil, a mesma deveria ter sido objecto de uma correcta e adequada valoração em sede decisória.

Isto significa que o Recorrente percebeu bem a ineficácia da actuação da Fazenda Pública neste domínio, no cumprimento do ónus que a lei lhe comete, esgrimindo uma salvadora confissão do próprio oponente para colmatar a situação descrita, falhando depois clamorosamente no pedido formulado nesta sede, dado que reclama a ampliação da matéria de facto no sentido de aí fazer constar uma mera conclusão, situação que, como se viu, não pode ser admitida.
Quanto ao facto de o Recorrente ser o único gerente da sociedade executada, não constitui um argumento assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.

A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do ora Recorrido, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.

Antes de concluir, não podemos deixar de ponderar que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, o que significa que se pode perguntar se o Tribunal não poderia considerar per se os tais elementos a que alude a Recorrente e ponderar uma outra perspectiva de análise da matéria descrita nos autos.
Neste ponto, ainda que se entenda que o Tribunal ad quem estaria legitimado para o efeito, a situação em apreço em nada alteraria o curso dos acontecimentos no que concerne à sorte do presente recurso.
Na verdade, a Recorrente coloca em questão apenas quanto á realidade que lhe interessa, ou seja, reclama apenas a ponderação da parte (suculenta) da tal confissão, olvidando que o art. 360º do C. Civil consagra a indivisibilidade da confissão, dispondo que “Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão.”.

Tal significa que a aludida confissão teria de ser ponderada e aceite em relação a todos os elementos descritos pelo Oponente, o que significa valorar toda a realidade que a Recorrente elegeu de forma mais particular, sem esquecer os factos vertidos nos §160º a § 212º da petição inicial, enquanto factos que só estariam ao alcance de um verdadeiro gerente de facto, ou seja, de um gerente que exercia efectivamente o seu cargo.

Pois bem, considerando que a realidade em apreço foi alegado no âmbito da questão da culpa na insuficiência do património, em que a lei estabelece uma presunção de culpa do gerente pelo não pagamento do imposto e para ilidir esta culpa o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo, ou seja, terá de alegar e provar factos dos quais resultem que a impossibilidade do pagamento - porque não está em causa o acto do não pagamento mas a impossibilidade de efectuar tal pagamento, o que quer dizer que o acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Assim sendo, apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, impondo-se demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, a consideração de toda a realidade alegada pelo Recorrente sobre o percurso desenvolvido pela devedora originária permite apreender o comportamento do ora Recorrido em termos de se poder afirmar que tudo fez para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito, o que equivale a dizer que a consideração da matéria confessada na petição inicial em termos de imputar ao Recorrente a gerência de facto implica também a aceitação do alegado a propósito do desenvolvimento dessa tarefa e, nessa medida, a conclusão sobre a ausência de culpa do oponente na insuficiência do património, o que conduziria ao mesmo resultado, ou seja, à procedência da oposição e extinção da execução, o que implica que esta diferente abordagem não confere melhor sorte ao presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências”.

O douto acórdão transcrito julgou improcedente o recurso que lhe foi submetido. Decisão que inteiramente sufragamos dada a identidade das questões que neste processo nos são colocadas.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela AT.
Porto, 26 de outubro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira