Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02968/16.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS;
MULTA;
Sumário:
I. A não comprovação da impossibilidade da apresentação dos documentos com o articulado inicial ou com a contestação, implica a condenação no pagamento de uma multa.

II. Não logrando o apresentante provar a impossibilidade, a condenação em multa pretende tão só punir o acto da apresentação tardia de documentos em função do que isso pode causar de perturbação na tramitação do processo.

III. Assim sendo, tratando-se de 'pena pecuniária', a multa cominada não pode ser o somatório de várias parcelas, conforme o número de documentos juntos, todos apresentados fora do momento devido.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. AA, inconformado com o despacho proferido em 27.06.2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por força do qual foi condenado na pena de multa de 2 UC, pela junção tardia de cada documento, vem dele interpor o presente recurso de apelação, o que faz nos termos do disposto nos termos do disposto nos artigos 142.º n.º 3 do CPTA, ex vi artigo 279º do CPPT.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso tem por objeto o despacho proferido, com data de notificação de 28/06/2019, no âmbito dos presentes autos, que condenou o Impugnante/ Recorrente no pagamento de uma multa no quantitativo global de 8 UC`s com fundamento nos artigos 423º, n.º 2 do CPC.
2 – Sucede que os documentos não poderiam ter sido apresentados antes, pelas razões apontadas e que se prendem com a não entrega pela contabilidade, que alegava segredo comercial, sendo que o Impugnante não é gerente à data do pedido.
3 – Assim, devia a Mma Juiz ter dado como provado a impossibilidade de os oferecer antes, com o articulado.
4 – Por outro lado, o Despacho de que ora se recorre, é nulo, porque não especifica e concretiza os fundamentos de facto e de direito, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC,
5 - quer no que concerne a falta de justificação para condenação em multa, quer quanto quanto à falta de justificação de existência de excepcionalidade grave, que teoricamente permite aplicar uma multa até às 10 UC`s.
6 – Deve, pois, a Decisão se considerada nula, sendo proferida outra que cumpra aqueles requisitos.
7 – Caso assim, se não entenda, sempre terá que se decidir, no sentido que o Tribunal ultrapassou em muito, o limite, ínsito no art. 27º, n.º 1 e 2 do RCP,
8 - que prevê a possibilidade de aplicação de multa dentro dos limites de 0,5 UC e 5 UC`s.
9 - Só nos casos que revelem gravidade excepcional, a multa poderá ir até às 10 UC`s.
10 - Mas, em qualquer dos casos, a aplicação da multa, não é um somatório de parcelas, nem se pode revelar num poder discricionário,
11 - antes ter que se basear em critérios e razoabilidade e equidade, e tendo em conta “(...) os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste(...)”.
12 - “a condenação em multa pretende tão só punir o ato da apresentação tardia de documentos em função do que isso pode causar de perturbação na tramitação do processo.”,
13 - aliás, na esteira do que prescreve, por exemplo o AC da RE n.º 111/14.5TBVVC-A.E1.. 14 - Resulta, assim, claro que a Mma Juiz a quo efectuou uma errada interpretação da lei, designadamente do n.º 2 do art. 423º do CPC, conjugado com os n.º 1 e 2 do art 27º do RCP, não devendo por isso ser aplicada qualquer multa.
15 - Mas caso assim se não entenda, não poderia em teoria, ir além das 5 UC`s, também, pelo facto do Douto Despacho não ter alegado a excepcional gravidade que poderia levar a aplicar uma multa entre as 5 e 10 UC`s, resultando violado o art. 27º n.º 2 do RCP, por desproporcional e excessivo.
16 - Mas nunca por nunca, aplicar 8 UC`s por impossibilidade legal atentos os motivos alegados.
17 - Em suma, resultam claramente violados os arts. 615º, n.º 1, al. b), 423º, n.º 2 do CPC e art. 27º, n.º 1 e 2 do RCP.
18 - Deverá, assim, ser considerado nulo o Douto Despacho recorrido, o que se requer, por não especificar e concretizar os fundamentos que justificam a sua decisão ou subsidiariamente, considerar revogado o despacho recorrido por erro na aplicação do disposto nos artigos 423º, n.º 2 do Código de Processo Civil e art. 27º n.º e 2 do Regulamento das Custas Processuais ou, caso assim se não entenda, ainda subsidiariamente se admite por dever de patrocínio ser de aplicar uma multa que não exceda o valor de 1 UC, de acordo com o disposto no art. 27º, n.º 1, 2 e 4 do RCP.
Termos em que e nos demais de Direito, com o mui Douto suprimento de V.as Ex. as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser considerado nulo o despacho com notificação de 28/06/2019, que condenou o Recorrente no pagamento de uma multa processual de 8 UC`s, ou subsidiariamente, não condenar o Recorrente em qualquer multa ou ainda ser reduzida o valor da multa aplicada para 1 UC.

1.2. A Fazenda Pública (Recorrida), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 244 SITAF, no sentido da procedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir: cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, assim sendo importa apreciar e decidir se o despacho recorrido padece de: (i) nulidade por não especificar e concretizar os fundamentos que justificam a sua decisão, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC; (ii) da existência de justificação para a junção tardia dos documentos (artigo 423º do CPC), e (iii) do excessivo montante da condenação em violação do disposto no artigo 27º, n.º 1, 2 e 4 do RCP
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Ocorrências processuais relevantes
As ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as seguintes:
1. Juntamente com as alegações apresentadas em 06.02.2019 o Impugnante juntou 4 documentos exarando naquelas que:
“2- Ademais a contabilidade disponibilizou recentemente e não antes, (juntamente com os que foram juntos em 09/10/2018) por incapacidade do serviço, segundo referem, a restante documentação existente da devedora original [SCom01...], Lda..
3 – Não existe qualquer outra.
4 – Pelo que, com os mesmos fundamentos do Requerimento que deu entrada em juízo em 09/10/2018, que aqui dá por reproduzido, requer a V.ª Ex. e digne admitir a junção da restante documentação existente, designadamente conta clientes, conta estado, conta sócios e balancetes de Novembro de 2012, cujas contas se juntam como Doc. 1 e os balancetes como Docs. 2.
5 – Mas vai ainda o Impugnante efectuar a correspondência entre as facturas e o seu lançamento contabilístico.
6 – Esta correspondência mais não é do que a leitura de todos os documentos já junto aos Autos.
7 – E com a preciosa ajuda da contabilidade tem-se por concluído tal trabalho, cfr. doc. 3 que se junta.
8 – Verifica-se desta forma, que no mês de Novembro de 2012, objecto dos presentes Autos,
9 - O valor do imposto declarado e deduzido nas Declarações Periódicas, pela devedora principal, foi de € 1.862,54,
10 - O valor justificado pelo Revertido/Impugnante foi de € 794,90, com base nas facturas junto aos Autos,
11 - não justificando, portanto, a diferença de € 1.067,64, por não ser portador das restantes facturas dos fornecedores, conforme alegado na P.I.. 12 – A correspondência ou conexão das facturas, encontra-se espelhada nos extractos juntos.
14 – Ali é possível verificar o valor deduzido e justificado,
15 – Sendo que, a título de exemplo, na Conta 24 da Declaração Periódica, relativamente a bens e serviços, Doc. 28, para uma base de € 175,00 e IVA de € 40,25, resulta um total de € 215,25, 16 - a que corresponde o extracto ora junto, pág. 28, com o n.º de doc. 114017, Recibo n.º 55, no mesmo valor.
17 – Ainda título de exemplo, na Conta 22 da Declaração Periódica, relativamente existências, Doc. 35, para uma base de € 31,00 e IVA de € 7,13, resulta um total de € 38,13,
18 - a que corresponde o extracto ora junto, pág.16, com o n.º de doc.111005, Factura n.º ...80, no mesmo valor.
19 – Ora, daqui resulta que existe uma contabilidade séria e credível, que da conexão de facturas resultam até duas facturas de Outubro de 2012,
20 – cujo Proc. n.º 2959/16.7BEPRT, corre termos nesta Unidade Orgânica, 21 - não podendo ser assacada mais qualquer responsabilidade ao Revertido/Impugnante, não lhe sendo imputável ao não conseguir obter tal documentação.
22 – Não vislumbra quaisquer outras diligências que possa efectuar para prova do que alega, sendo que ainda no alegado em Requerimentos anteriores o Processo de Insolvência da Devedora Principal, [SCom01...], Lda, nenhuma documentação foi junta no que concerne à aludida facturação, cuja prova por certidão se poderá requerer e juntar, caso o Tribunal assim o entenda,
23 - sendo que a Administradora de Insolvência, nada dispõe sobre a facturação, cfr. Doc. 4 que se junta.
24 - Na verdade o impugnante deixou de ser gerente no início de 2013,
25 - deixando, portanto, de ter acesso à contabilidade,
26 - potenciadas as dificuldades em razão dos processos judiciais que se encontram alegados.
27 – Foi neste contexto que requereu ao Tribunal se dignasse ordenar se notificassem tais fornecedores, no sentido da juntarem aos Autos as facturas em falta,
28 – cuja necessidade continua a fazer sentido, caso o Tribunal entenda que urge fazer prova cabal do restante valor de € 1.067,64, atento os documentos agora conhecidos, o que se requer, novamente face aos documentos já juntos e agora juntos.
29 – De modo que, embora respeitando o anterior Despacho, não concorda,
30 – já que não conseguiu obter tais documentos em virtude do alegado sigilo comercial,
31 – todos os fornecedores da Devedora original se encontram alegados, tal como a prova da sua insolvência, através do junção do Doc. 7 com a P.I. e com o Doc. 1 junto com o Requerimento de 09/10/2018.
32 – Sendo que, apenas peca, por não ter junto, julgando tê-lo feito, o aludido Doc. 4.
33 – Desta forma, julga estarem esclarecidos os factos e as razões da sua discordância do Douto Despacho a que ora também se responde,
34 – requerendo, humildemente, a V.ª Ex.ª se digne dar sem efeito a anterior condenação em multa,
35 – não condenando, igualmente o Impugnante, por mais esta junção, justificada que se encontra.(...)”
(cfr. fls. 449 a 522 dos SITAF)
2. Por despacho de 08.06.2019 foi determinada a notificação da Fazenda Pública para, querendo, se pronunciar acerca da admissão dos documentos juntos pelo impugnante com as alegações ( cfr. fls. 524 do SITAF)
3. Veio a Fazenda Pública pronunciar-se pela pertinência da junção da documentação a que se alude em 1., limitando-se a abalar a credibilidade dos mesmos, por estarmos na posse de meros suportes de registos desprovidos de contas de Clientes, Fornecedores e Balancetes, o que impede a verificação da contabilização dos movimentos e a sua comprovação efetiva face à contabilidade, pelo que subsiste a inexistência da contabilidade, com as consequências que decorrem da não assunção das exigências de contabilidade organizada e das obrigações declarativas (vide fls. 526 e 527 dos SITAF);
4. Em 2019.06.27 foi exarado despacho, com o seguinte teor (cf. fls. 531 e seg. dos autos, na numeração do SITAF).
“Proc. nº 2968/16.6BEPRT
O impugnante, com as alegações apresentadas, vem, mais uma vez, requerer a junção de quatro documentos contabilísticos, relacionados com a matéria que se encontra em discussão nos presentes autos.
No entanto, a justificação apresentada não se mostra adequada a demonstrar a impossibilidade da sua junção oportuna, já que o impugnante limita-se a afirmar que “a contabilidade disponibilizou recentemente e não antes por incapacidade do serviço segundo referem”, não se descortinando quais as circunstâncias que determinaram que apenas agora apresentasse tais documentos.
Na verdade, a impugnante, como qualquer empresa, é obrigada a manter os elementos contabilísticos devidamente organizados e disponíveis, não se compreendendo, nem a impugnante explica, porque razão não os apresentou atempadamente, ou seja, com a petição inicial, tendo vindo a juntar os documentos que entende relevantes a pouco e pouco, dando origem a novas notificações à parte contrária para se pronunciar e a diversos despachos pelo Tribunal.
Assim, por não se mostrarem desnecessários nem impertinentes, admito a junção aos autos dos documentos. Condeno o impugnante na multa de 2 UC por cada um dos quatro documentos, atenta a junção extemporânea (art. 423º, nº 2 do CPC).
Notifique.”
2.2. De direito
O Impugnante/recorrente insurge-se contra o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pelo qual foi admitida a junção dos documentos juntos com as alegações, mas não justificada a sua junção tardia e, consequentemente, aí se determinou a condenação do Impugnante na multa de 2 UC por cada um dos quatro documentos.
Inconformado, alega o Recorrente, em síntese, ser nulo o despacho recorrido, ao não especificar e concretizar os fundamentos que justificam a sua decisão, o que requer ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC ou subsidiariamente, revogar o despacho recorrido por erro na aplicação do disposto nos artigos 423º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 27º n.º e 2 do Regulamento das Custas Processuais ou, caso assim se não entenda, considerar-se aplicação de uma multa que não exceda o valor de 1 UC, de acordo com o disposto no artigo 27º, n.º 1, 2 e 4 do RCP.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Momento da apresentação” é o artigo 423.º do Código de Processo Civil que regula a oportunidade de junção dos documentos pelas partes.
Assim, no seu n.º 1, começa por se definir o regime-regra, de acordo com o qual “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.
Assente este primeiro nível, os números 2 e 3 prevêem, de seguida, situações de excepção:
- num segundo nível, o n.º 2, permite que “Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”;
- e, num terceiro nível, o n.º 3, acrescenta que “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
O regime assim definido funciona até ao encerramento da discussão, como decorre do artigo 425.º (“Apresentação em momento posterior”), onde se admite que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” [artigos 651.º, n.º 1 do CPC (“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância) e 662.º, n.º 1 (“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa)].
A controvérsia que somos chamados a dirimir, prende-se com a interpretação do n.º 3 do artigo 423.º do CPC, face aos elementos constantes dos autos. A saber, da junção de documentos que ocorre em momento simultâneo (no mesmo acto) ao da apresentação das alegações finais, o que equivale afirmar-se, encerrado que estava a fase instrutória dos autos, da justificação apresentada pelo requerente, consciente da sua junção “tardia”, de que os elementos se encontravam na posse do responsável pela contabilidade o qual terá alegado o segredo comercial.
Quanto a este, há que sublinhar que ultrapassado o momento inicial da acção (n.º 1 – junção sem custos) e o dos 20 dias antes do início da audiência (n.º 2 – junção com multa, se não fizer a prova da impossibilidade de o fazer com o articulado - Artigo 27.º, n.º 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais), a junção de documentos, para ser admitida, pressupõe a presença de dois requisitos cumulativos: (i) o não ter sido possível fazê-lo até esse momento; (ii) - que essa junção/apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior.
Trata-se, como assinalam - com pertinência - BB e CC, de uma situação que é similar à que se prevê como fundamento do recurso de revisão, na alínea c), do artigo 696.º: “a impossibilidade de apresentação atempada do documento, pode ser subjectiva – se o documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele – ou objectiva – se o documento nem sequer existia, porque só foi elaborado posteriormente” [João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL, 2022, página 531.].
Temos assim por certo , que – em qualquer caso –a parte tem de alegar e provar os requisitos necessários à pretendida junção de documentos, só devendo ser relevadas, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 24.03.2015, proferido no âmbito do Processo n.º 4398/11.7T2OVR, “razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento”, tudo apreciado, portanto, “segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência” (vide ainda, acórdão da Relação de Lisboa de 11.07.2019, in Processo n.º 23712/12.1T2SNT).
Aduzido o quadro em que nos movemos, cumpre aferir da nulidade assacada ao despacho recorrido.
Alega o Recorrente que o despacho recorrido é nulo por não especificar a fundamentação, de facto ou de direito, para o sentido da sua decisão, o que é subsumível ao disposto na al. b), do n.º 1, do artigo 615° do CPC.
Prescreve o artigo 615º, n.º 1 al. b) do CPC que a decisão é nula quando:
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”.
O vício a que se reporta a citada alínea b) ocorre apenas quando falte em absoluto a indicação desses fundamentos e não quando a decisão enferme de deficiência de fundamentação – cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2º, 3ª edição, Almedina, págs. 735/736.
Ora, na decisão recorrida, o Tribunal a quo identificou a questão apreciar e decidir, fundamentou a mesma no sentido de ser admissível a junção dos documentos por não se mostrarem desnecessários, nem impertinentes, e com destaque dissertou sobre as razões que no seu entender conduziam à conclusão de desconsideração da justificação apresentada para a sua junção tardia.
Assim sendo, a decisão recorrida não enferma da apontada nulidade.
Prosseguindo, alega o Recorrente erro na aplicação do disposto nos artigos 423º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 27º n.º e 2 do Regulamento das Custas Processuais, em suma, pretende que este Tribunal ad quem se pronuncie sobre o mérito do despacho ao considerar a junção tardia e, como tal, aplicação da multa de 2 UC por cada um dos quatros documentos juntos.
Temos por adquirida a admissão de tais documentos, que efectivamente ocorreu, sendo que a mesma está dependente do pagamento de multa, a qual, no entanto, pode ser dispensada caso o apresentante prove que não pôde oferecer os documentos com o respetivo articulado, em suma, que justifique a razão de ser da sua actuação ocorrer naquele momento.
Ora, provar que não pôde oferecer os documentos em momento anterior, implica apresentar imediatamente a prova dessa impossibilidade. Como toda a matéria a provar, mostra-se necessário que sejam alegados factos concretos de modo a que o julgador possa aferir a invocada impossibilidade de apresentação em momento anterior.
Sobre este aspeto, o impugnante no requerimento mediante o qual pede a junção dos documentos em apreço, limita-se a referir o seguinte: “Ademais a contabilidade disponibilizou recentemente e não antes, (juntamente com os que foram juntos em 09/10/2018) por incapacidade do serviço, segundo referem, a restante documentação existente da devedora original [SCom01...], Lda”, mais alegando que deixou de ser gerente em 2013 deixando de ter acesso à contabilidade, a qual lhe foi negada ao abrigo do segredo comercial.
Relativamente a este aspeto, o despacho recorrido disse que, «O impugnante, com as alegações apresentadas, vem, mais uma vez, requerer a junção de quatro documentos contabilísticos, relacionados com a matéria que se encontra em discussão nos presentes autos. /No entanto, a justificação apresentada não se mostra adequada a demonstrar a impossibilidade da sua junção oportuna, já que o impugnante limita-se a afirmar que “a contabilidade disponibilizou recentemente e não antes por incapacidade do serviço segundo referem”, não se descortinando quais as circunstâncias que determinaram que apenas agora apresentasse tais documentos. /Na verdade, a impugnante, como qualquer empresa, é obrigada a manter os elementos contabilísticos devidamente organizados e disponíveis, não se compreendendo, nem a impugnante explica, porque razão não os apresentou atempadamente, ou seja, com a petição inicial, tendo vindo a juntar os documentos que entende relevantes a pouco e pouco, dando origem a novas notificações à parte contrária para se pronunciar e a diversos despachos pelo Tribunal.»
Estamos de acordo com esta apreciação concreta da situação respeitante à motivação para a junção dos documentos em apreço.
Efectivamente, o Recorrente limita-se a invocar uma situação genérica de recusa, assente em impossibilidade e/ou recusa decorrente de um alegado segredo comercial que não comprova, o que não seria difícil, pois para tanto bastava apresentar documentos, mails ou outras comunicações tidas com os detentores da contabilidade e respectivas recusas. Por outras palavras, alega generalidades, a que acresce o facto de não juntar qualquer prova sobre as mesmas que permitam aferir ou concretiza-las, nunca refere qual foi a dificuldade concreta que o impediu de obter os documentos a tempo (atento o decurso do tempo desde da apresentação da p.i. – novembro de 2016, e a data do requerimento de junção – fevereiro de 2019), não mostra troca de correspondência ou explica quantas diligências teve de efetuar para obter tal documentação e dificuldade inerente. Em suma, nada, exigência que lhe estava acrescida, atento o facto de já lhe ter sido aplicada uma multa por junção tardia de documento em momento anterior, como disso dá nota no seu requerimento e alude o Tribunal a quo no seu despacho.
Desta forma, o Recorrente não prova que não pôde oferecer com a petição inicial os documentos que logrou a junção com as alegações, pelo que sendo esta junção considerada tardia, cumpria, conforme comina o n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil e 27º do RCP, determinar a sua condenação multa, a qual não nos merece reparo, neste conspecto.
Aqui chegados, resta tão só aferir se a penalização se mostra correcta.
Adiante-se desde já, que neste particular a razão está do lado do Recorrente.
Efectivamente, dispõe o nº 3 do artigo 423º do CPC que “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento…”
Ora, não logrando o apresentante provar aquela impossibilidade, a condenação em multa pretende tão só punir o acto da apresentação tardia de documentos em função do que isso pode causar em sede de perturbação na tramitação do processo.
Se assim é, tratando-se de uma “pena pecuniária”, a multa cominada não pode ser o somatório de parcelas, conforme o número de documentos juntos, todos eles apresentados fora do momento devido – neste sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.01.2005, in Proc. nº 8739/2004-6 e acórdão do tribunal da relação de Évora de 26.03.2015, in Proc. n.º 111/14.5TBVVC-A.
Aliás, o nº 4 artigo 27º do RCP alerta igualmente para essa ponderação: “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, situação económica do agente e repercussão da condenação no património deste.”
Assim sendo, temos que a condenação em 2 UC por cada um dos quatros documentos apresentados, a totalizar 8 UC, não se pode manter, na conjugação do disposto no n,º 4 e n.º 1 do artigo 27º de RCP, e consideramos ser equitativa a condenação do Recorrente em 1 UCs de multa pela junção tardia dos documentos, o que se determinará a final.


Das Custas
De acordo com o disposto no artigo 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que a apelante trouxe a juízo merece parcial provimento.
Dado que os requeridos não influenciaram a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não podem ser considerados vencidos para os efeitos previstos no artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria o Recorrente.
No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque o Recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. comprovativo do pagamento de DUC taxa de justiça fls. 567e 568 do SITAF) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. artigo 529º, n.º 4 do CPC).

2.3. Conclusões

I. A não comprovação da impossibilidade da apresentação dos documentos com o articulado inicial ou com a contestação, implica a condenação no pagamento de uma multa.
II. Não logrando o apresentante provar a impossibilidade, a condenação em multa pretende tão só punir o acto da apresentação tardia de documentos em função do que isso pode causar de perturbação na tramitação do processo.
III. Assim sendo, tratando-se de 'pena pecuniária', a multa cominada não pode ser o somatório de várias parcelas, conforme o número de documentos juntos, todos apresentados fora do momento devido.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, decidindo; a) revogar o despacho recorrido na parte em que condenou o Recorrente na multa de 2UC por cada documento pela sua apresentação tardia; b) em substituição, condenar a recorrente na multa 1 UC pela junção tardia dos documentos; e, c) manter a restante decisão.
Sem custas.

Porto, 26 de outubro de 2023

Irene Isabel das Neves
Tiago Afonso de Miranda
Maria da Conceição Soares