Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00967/11.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; FALTA DE CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO;
Sumário:I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.

III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

A Recorrente, M., contribuinte fiscal n.º (…), e com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por ter julgado improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 0400200801015010 e apensos, contra si revertida originariamente instaurada contra a sociedade devedora “O., LDA.”, para cobrança de dívidas referentes a IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010, no montante global de € 10.345,39.


A Recorrente não se conformando com a sentença recorrida, interpôs recurso tendo formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“(…)
1 – A sentença recorrida considerou a oposição totalmente improcedente, considerando a recorrente responsável, a título subsidiário, pelas dívidas em execução, por esta não ter logrado provar “que, através de comportamento diligente, tomou as providências adequadas e necessárias ao normal exercício da sociedade executada e na prossecução do seu objecto, evitando com esse comportamento diligente que a sociedade viesse a encontrar-se na situação deficitária que a levou a incumprir com as obrigações fiscais que estão na origem da dívida exequenda.”.
2 – É exclusivamente a partir da fundamentação expendida no despacho de reversão que deve aferir-se a legalidade do mesmo, não podendo considerar-se outros fundamentos, por mais adequados que se afigurem, se a AT não os invocou naquele despacho;
3 – Com efeito, a revertida deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de perceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício;
4 – Pelo que, no caso de reversão baseada no citado artº.24, nº.1, al. b) da LGT, como no caso sub judice, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão;
5 - Ora, “in casu”, o despacho de reversão do processo de execução fiscal em apreço teve a seguinte fundamentação: ”Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de acionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº2, do ar. 153º do CPPT. Da Informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que M., NISS (…) nIF (…) é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde 03-2006.”
6 – Da análise do seu teor resultam conclusões e não uma descrição fáctica e concreta;
7 – Limitando-se a AT no despacho de reversão a alegar, em termos genéricos, a inexistência de bens penhoráveis e o exercício de funções de gerência no período, não esclarecendo suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra a recorrente;
8 – Destarte, cotejado o teor do despacho de reversão do qual resultou o chamamento da recorrente ao Processo de Execução Fiscal é de salientar a total ausência de factos concretos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto à culpa da recorrente pelo não pagamento da quantia exequenda.
9 – Aliás, a este propósito, a sentença “a quo” basta-se com “Ora, relativamente à factualidade alegada pela oponente para sustentar a falta de culpa, apenas resultou provado que a sociedade devedora originária foi acumulando crédito mal parado ao longo dos anos, circunstância que manifestamente não é adequada, em termos de causalidade, de demonstrar que o responsável (gerente) não podia ou não devia proceder ao cumprimento das suas obrigações perante o fisco.”.
10 - No entanto, nenhum facto concreto foi indicado pela AT para prova no sentido da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora;
11 - Note-se que, para se aferir da culpa no não pagamento das prestações tributárias, não basta a mera falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade, tendo de invocar-se factos consubstanciadores uma gestão que se traduza em factos ilícitos e violadores de normas concretas de protecção dos credores sociais;
12 - Ora, in casu, não ficou provado qualquer nexo de causalidade entre a actuação negligente da gerente e a insuficiência do património social;
13 - Ou seja, tem de ser a acção ou omissão do gestor que conduziu à situação de insuficiência do património da sociedade;
14 - Tanto basta para que se possa concluir pela ilegitimidade da recorrente, por não se ter demonstrado os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º, nº1 da LGT;
15 - Por todo o exposto verifica-se, in casu, a ilegalidade da reversão contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima na execução.
16 - A sentença recorrida violou, assim, entre outros, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 22º, 23º, 24º e 74º da LGT.
Nestes termos, e nos melhores de direito que Vas. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser alterada a sentença recorrida por outra que julgue a oposição totalmente procedente.
Assim decidindo, farão V.Exas., Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA. (…)”

Não houve contra-alegações.

Dada vista ao digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, dispensa-se os vistos com concordância do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação, no disposto nos artigos 22.º, 23.º, 24.º e 74.º da LGT.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

A) Contra a sociedade “O., LDA.”, NIPC (…), foi instaurado no Serviço de Finanças de Fafe o processo de execução fiscal n.º 0400200801015010 e apensos para cobrança de dívidas (objecto da reversão) referentes a IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010, no montante global de €10.345,39 – cfr. fls. 1, 2, 71 a 89 do processo de execução fiscal apenso aos autos (doravante apenso).
B) Em 22.04.2010, a referida sociedade foi declarada insolvente no âmbito do processo que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe sob o nº 758/10.9TBFAF – cfr. certidão do registo comercial junta a fls. 11 a 20 do apenso.
C) Por despacho proferido em 30.06.2010, foi declarado encerrado o processo de insolvência a que se alude na alínea anterior, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e demais dívidas – cfr. fls. 5 a 7 do apenso.
D) Em 26.07.2010 foi elaborado projecto de reversão e notificada a oponente para exercer o seu direito de audição prévia, conforme consta de fls. 27 a 32 do apenso.
E) Em 05.08.2010, deu entrada requerimento subscrito pela Oponente, invocando, em síntese, a nulidade da notificação do projecto de reversão, a impossibilidade legal da reversão e a inexistência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária – cfr. fls. 35 a 38 do apenso.
F) Por despacho de 14.01.2011, a execução reverteu contra a Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, com a seguinte fundamentação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
[cfr. fls. 39 a 41 do apenso]
G) A oponente foi citada para a execução fiscal, na modalidade de citação com hora certa, em 24.02.2011 – cfr. fls. 49 a 68 do apenso.
Mais se provou o seguinte:
H) A sociedade por quotas “O., LDA.”, NIPC (…), foi constituída em 26.12.2001, com o seguinte objecto social: “Confecção de artigos de vestuário interior e exterior em série e a feitio. Indústria de confecções, importação e exportação. Comércio por grosso de artigos de vestuário” – cfr. certidão de fls. 11 e ss. do apenso.
I) Por deliberação de 13.03.2006, foram nomeados gerentes da referida sociedade, A. e M., aqui Oponente – idem.
J) A sociedade devedora originária foi acumulando crédito mal parado ao longo dos anos.
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Factos não provados:
1) No período em causa nos autos, a devedora originária assistiu à fuga dos seus melhores clientes que optaram por importar os materiais têxteis do mercado asiático ou do leste da Europa.
2) Em consequência do referido na alínea anterior, a produção caiu drasticamente.
3) A sociedade devedora praticava preços muito próximos ao custo,
4) o que inviabilizou a margem de lucro necessária à reabilitação da situação económico-financeira deficitária da empresa.
5) Como última tentativa de manter a empresa e a sua laboração, a Oponente, enquanto gerente, aceitou laborar em regime de prestação de serviços,
6) O que agravou a já difícil situação financeira da empresa, pois quem determinava os preços, modelos usados e forma de execução era unicamente o cliente, o que resultou na quebra abrupta da rentabilidade da empresa.
7) O crédito mal parado acumulado ao longo dos anos pela sociedade devedora originária não se recuperou fruto da insolvência e encerramento de grande número de empresas do sector têxtil.
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Motivação da matéria de facto provada e não provada:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada resultou da análise dos documentos supra indicados relativamente a cada um dos factos, os quais não foram impugnados, e, ainda, quanto à factualidade descrita sob a alínea J) do depoimento isento e credível da testemunha inquirida, F., amigo da Oponente, a quem esta confidenciou que a empresa tinha dificuldades de recebimento.
Os factos não provados resultaram da falta de elementos de prova que confirmassem a sua veracidade, salientando-se que a testemunha inquirida não revelou qualquer conhecimento dos mesmos.

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A Recorrente alega que a reversão baseada no citado artº. 24, nº.1, al. b) da LGT, como no caso sub judice, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respetivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão.

E que da análise do seu teor resultam conclusões e não uma descrição fáctica e concreta. Limitando-se a AT no despacho de reversão a alegar, em termos genéricos, a inexistência de bens penhoráveis e o exercício de funções de gerência no período, não esclarecendo suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra a Recorrente.

Destarte, cotejado o teor do despacho de reversão do qual resultou o chamamento da Recorrente ao processo de execução fiscal é de salientar a total ausência de factos concretos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto à culpa da recorrente pelo não pagamento da quantia exequenda.

Vejamos:
A primeira questão equacionada pela Recorrente é a de saber se sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar suficientemente fundamentado o despacho de reversão.

Vejamos:
É inquestionável que a Administração Fiscal tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados, em conformidade com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e densificado nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT.

No que concerne ao ato de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23. ° da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação. (destacado nosso).
E também indiscutível que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. (Acórdão do STA n.º 0624/12 de 14.02.2013).

Sobre a questão da fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, sendo dela revelador o acórdão de 29.10.2014, proferido no processo 0925/13 que, por isso, aqui parcialmente se transcreve:
”….não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT).(…).”

No caso em análise, o despacho de reversão que consta do facto provado na alínea F) tem por pressuposto o projeto de reversão e a informação datada de onde se refere que a Recorrente foi notificada para o exercício da audição prévia, tendo exercido o direito e arguido várias questões, as quais mereceram atenção da Administração Fiscal.

Em consequência e analisado o regime jurídico considerou verificados os pressupostos para a reversão, nos termos da alínea b) do n. º 1 do art.º 24.º da LGT tendo revertido a dívida contra a Recorrente.

O despacho de reversão esclarece as condições pelas quais se procede à reversão da dívida, nomeadamente, que a sociedade executada totaliza uma dívida proveniente de IVA e montante de € 10 345,39 e que das informações e diligências concluíram que a sociedade executada não possuía bens que garantam o pagamento da divida fiscal. Refere-se que a mencionada empresa foi declarada falida tendo sido encerrado o processo falimentar.

Analisaram as questões equacionadas pela Recorrente em sede de audição e concluíram pela verificação dos pressupostos da reversão.
Refere ainda que no período da dívida a Oponente foi gerente de facto e para além disso ocorrendo os factos geradores e os prazos de pagamento no período do exercício da gerência rege para a efetivação da responsabilidade, a norma contida na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o despacho de reversão indica os respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como a extensão da mesma reversão.

Alega que da análise do seu teor resultam conclusões e não uma descrição fáctica e concreta como refere o acórdão do STA n.º 0872/11 de 15.02.2012 que “(…)É sabido que, perante a enorme variedade de tipos de poderes e de tipos de actos, não há um critério uniforme que permita reconhecer uma fundamentação suficiente. Repetidamente se diz que a suficiência de fundamentação é um conceito relativo, variável conforme a matéria, o tipo de acto e sobretudo as particularidades concretas de cada decisão. Todavia, para que possa cumprir as funções principais que a lei lhe comete, não pode deixar de ter capacidade para esclarecer concretamente as razões determinantes do acto, o que só acontece se for clara, congruente e suficiente (nº 2 do art. 125º do CPA). (…)”

É notório que o despacho de reversão é extenso, e detalhado quanto aos pressupostos de facto e direito e ainda quanto às questões equacionadas em sede de audição.

Do que vem exposto, o despacho de reversão encontra-se fundamentado de facto e de direito pelo que improcedem as conclusões de recurso.

Desde logo importa relembrar que no caso presente apenas está em questão a execução de dívidas de IVA de março de 2008 a 2010.

O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade (artigo 12º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes aos referidos anos é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão e também pela sentença recorrida.

Prevê o artigo 24.º, n.º 1 da LGT que: “1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.

Como se relatou no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 10.10.2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: “Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN, de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.”

No caso dos autos, não é controvertido que a Recorrente exerceu a gerência de facto, em 2008 a 2010, e que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda terminou dentro do período do seu exercício na gerência da executada originária.

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT comporta uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

Demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recai sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas coletivas ou ente fiscalmente equiparados “o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas” (art.º 32º da LGT).
Têm a jurisprudência entendido que a culpa consiste na omissão da diligência exigível, e exprime sempre um juízo de censura em relação à atuação do agente (por este, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, poder e dever ter agido de outro modo), tornava-se necessário que prove que administrou a empresa de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação suas dívidas.
Sendo que, os deveres dos gerentes ou administradores que decorrem do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais "é a de dirigir, administrar, conduzir a gestão social, o que se deve concretizar, particularmente, no exercício da actividade para que a sociedade se constituiu.”

Assim, quem assume as funções de administrador ou gerente, deverá ter uma postura responsável e refletida, sem prejuízo da inerente discricionariedade técnica, no desempenho das suas funções, que se mostre, adequado ao alcance dos objetivos para que a sociedade se constituiu.

Tem a jurisprudência entendido que “No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
“Cfr. Acórdão TCA Norte n.º 00228/07.2BEBRG de 29.10.2019, alias citado pela Recorrente.
Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão TCA Norte n.º 0086/01 de 07.12.2005, 0032/02 de 23.02.2006, 0002/03, de 16.03.2006 e 0021/12 de 06.04.2006, 00242/06.5 BECBR de 10.10.2013, 00333/11.0BEAVR de 16.10.2014 e 0589/06.0 BEPNL de 16.10.2014, disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, como decorre do ponto n.º 7 da matéria provada, sendo a situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, prevê uma presunção de culpa imputável ao gerente o que inverte o ónus da prova, competindo ao revertido ilidir essa presunção.
A Recorrente para afastar a sua responsabilidade subsidiária teria que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passava pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deveria a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor, o que no entender da sentença recorrida não logrou fazer.
No caso, em que o prazo legal de pagamento da dívida ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável (Cfr. Acórdão 00257/11.1BEPNF de 10.10.2013).

Resulta da conjugação dos factos provados e dos não provados que a Recorrente não impugnou, não poderia obter ganho na elisão da presunção que sobre si impendia.

Refira-se que não basta ao Oponente alegar, genericamente, a existência de uma crise no sector, o seu empenho na gestão da sociedade, a perda de crédito na praça e acumulação de dívidas ou a falta de pagamento por parte dos clientes, impõe-se a alegação e prova de comportamentos concretos no sentido de garantir que a falta de fundos da sociedade para o pagamento da dívida e, consequentemente, o seu não pagamento, não se deve à sua atuação.

Com efeito, o facto gerador dos impostos reporta-se a 2008 a 2010 dos autos não resulta qualquer facto suscetível de afastar a presunção legal de culpa, nem mesmo existe um esforço probatório no sentido de demonstrar o declínio financeiro e a falta de fundos da devedora originária para efetuar o pagamento da dívida exequenda.

Concluímos, pois, que não há nos autos prova alguma no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA ora em cobrança coerciva não seja imputável à Recorrente.

Nada logrando a Recorrente demonstrar tal facto, no sentido de afastar a culpa pela não entrega do IVA, terá de ser responsabilizado pelas mesmas ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do art.º 24.º, da LGT.
Face ao supra exposto, improcede as conclusões de recurso.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário apropriando-nos, com a devida vénia das conclusões do Acórdão TCA Norte n.º 00228/07.2BEBRG supra citado:

I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.

III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença na ordem jurídica.
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Custas pela Recorrente, nos termos do art.º 527.º do CPC.
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Porto, 29 de abril de 2021.


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes