Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00451/08.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/17/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, CORRECÇÕES TÉCNICAS, MÉTODOS INDIRECTOS, CAUSAS DE NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário:I – Uma vez que, apesar das insuficiências de fundamentação quanto a alguns dos pressupostos de facto invocados no discurso da fundamentação do recurso a métodos indirectos, remanescem pressupostos e discurso suficientes para uma fundamentação suficiente da decisão de recorrer aos métodos indirectos, o princípio do aproveitamento do acto administrativo (utile per inutili non viciatur) impõe considerar aquelas manifestações de falta der fundamentação como vício inoperante, posto que toda a sua fundamentação considerada inexistente ou insuficiente, conforme se expôs, seja totalmente ignorada, como se não tivesse sido escrita, na apreciação do mérito da decisão.

II – A sentença, em processo tributário, que, conforme peticionado, anula uma liquidação, sem excluir, porém, da causa dessa liquidação, correcções técnicas legalmente devidas, que a co-determinaram, e que haviam sido aceites na PI, não padece da nulidade prevista no nº 1 alª e) do artigo 668º do CPC antigo (condenação ultra petitum.)

III – Se, porém, a conformidade dessas correcções com o Direito foi fundamentadamente alegada no recurso, ainda que a propósito da arguição daquela suposta nulidade, a regra da não vinculação do Tribunal às alegações das partes em matéria de direito (artigo 664º do CPC antigo) impõe a sindicância deste aspecto da sentença sob o prisma de um erro de julgamento em matéria de direito.
IV – A sentença em que falta a especificação da fundamentação de direito – mas não a de facto – relativamente a algum ou alguns de entre os vários aspectos do dispositivo não é nula – nem total nem parcialmente – nos termos do artigo 125º nº1 do CPPT (falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão); apenas poderá padecer de erro de julgamento de direito; e só se o dispositivo nesse(s) tal(is) aspecto(s), for desconforme com o Direito.

V – Atenta a conjugação dos artigos 87º b), 74º nº 3 e 75º nºs 1 e 2 alª a) da LGT, para a AT poder recorrer a métodos indirectos na determinação da matéria tributável basta-lhe fazer a prova de factos dos quais, considerados isoladamente ou em conjunto, resultem fundados indícios, de que a escrita do contribuinte, mesmo que organizada e documentada, não reflecte a totalidade da matéria tributável, a qual, por isso mesmo, será impossível determinar com exactidão.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a impugnação judicial movida por F.., LDA NIPC (…), com sede na (…), das liquidações adicionais n.º 2008 8310001586, no valor de 150.691,49 euros, n.° 2008 8310001603, no valor de 53.565,91 euros e n.° 2008 831 100 381 35, no valor de 69.796,41 euros (esta última, respeitante ao Processo de Impugnação N.° 91/09.9BEPNF, apenso a estes autos) referentes a IRC, dos anos de 2004, 2005 e 2006.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, resultantes de correcções meramente aritméticas e por recurso a métodos indirectos, por haver entendido que não se verificaram os pressupostos que legitimam o recurso à utilização de métodos indirectos para determinação da matéria colectável, determinando, em consequência, a anulação das liquidações impugnadas.
B. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de omissão, excesso de pronúncia, falta de fundamentação de direito e de erro de julgamento na matéria de facto por valoração errada da prova produzida e erro de julgamento de direito.
C. Ao anular a totalidade [d]as liquidações impugnadas dos anos de 2004 e 2005, excedeu o Tribunal a quo a sua pronúncia, porquanto, no que concerne à correcção dos custos relativos ao imposto de selo de letras sacadas, e como resulta do douto petitório (art. 39° PI), a impugnante conforma-se com a correcção efectuada, pelo que, nunca poderia o Tribunal anular a totalidade as liquidações, por as mesmas também respeitarem a esta correcção não impugnada, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no art, 668°, n.° 1, al. e) do CPC, que aqui se invoca.
D. No que se refere à liquidação relativa ao ano de 2006, considera a Fazenda Pública a existência de omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, não compatível com a anulação total da liquidação controvertida, porquanto, a impugnante alegou que a correcção aritmética efectuada a este ano não se poderia manter por falta de razões objectivas e de suporte legal, o que não se concede, e o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal fundamento, anulando, no entanto, a liquidação na íntegra, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no art. 668°, n.° 1, al. d) do CPC, que aqui se invoca.
E. Relativamente à correcção técnica da factura n.° 5, o Tribunal a quo apenas faz referência à mesma no probatório, não resultando da subsunção dos factos ao direito aplicável a anulação da correcção efectuada, não se compreendendo os fundamentos de direito em que alicerçou a sentença recorrida para chegar aquela conclusão, nomeadamente qual o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo douto Tribunal, justificativo da transição [sic] do facto dado como provado e a anulação total das liquidações controvertidas, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista na al. b) do n.° 1 do art. 668° do CPC, que aqui expressamente se alega.
F. Porém, sem conceder, entende a Fazenda Pública, que não logrou a impugnante demonstrar, como lhe competia, que tal custo foi comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art. 23° do CIRC.
G. No que concerne às correcções com recurso a métodos indirectos, contrariamente ao sentenciado, entende a Fazenda Publica que se encontra plenamente justificada a avaliação indirecta da matéria tributável, com recurso a métodos indirectos.
H. Resulta fundadamente demonstrado no relatório da inspecção que a contabilidade da impugnante reflectia uma série de irregularidades/omissões que impossibilitaram a comprovação e quantificação exacta da matéria tributável, a saber: não utilização de inventário permanente com vista a tornar mais credível o processo de determinação do lucro real, contrariando a exigência legal; não utilização de qualquer sistema de controlo interno fiável e credível; inexistência de guias de remessa e de transporte; irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, conduzindo à alteração dos resultados da empresa e ao cálculo errado dos custos de produção; dos três autos de apreensão em datas distintas e da circularização feita a clientes infere-se a existência de pesagens não facturadas pela impugnante; inconsistência dos movimentos financeiros relevados quando comparados com os extractos bancários; e finalmente, do cruzamento de toda a informação, verificou-se que as quantidades médias que cada camião carrega obtidas das quantidades pesadas pela balança, não correspondem às quantidades médias facturadas pela impugnante, o que revela uma omissão de vendas em 2004, 2005 e 2006.
I. Perante estas irregularidades, não se poderá concluir senão que a contabilidade não tem o mérito de espelhar o resultado efectivo da realidade económico-financeira da impugnante relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006,
ou seja,
J. pela contabilidade não é possível apurar os reais proveitos efectivamente obtidos, porquanto a mesma revela uma omissão de proveitos demonstrada pela factualidade apurada, omissão essa não considerada pelo Tribunal a quo.
K. A conclusão extraída pelos Serviços de Inspecção Tributária é objectiva e fundamentada, contendo a indicação de todos os pressupostos de facto e de direito que conduziram à determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos.
L. Não pode a Fazenda Pública então conceder o entendimento do Tribunal a quo no sentido da falta de fundamentação, porquanto, os Serviços de Inspecção Tributária carrearam factualidade suficiente e remeteram para o quadro legal aplicável, em termos que permitem a um destinatário normalmente diligente ficar em condições de saber e conhecer qual o itinerário cognoscitivo prosseguido pelo seu autor.
M. No mesmo sentido assim entendeu o Ministério Público no seu douto Parecer.
N. A tributação por métodos indirectos deveu-se a todo um conjunto de factos objectivos reveladores de anomalias ao nível da escrita da impugnante que conduziram ao afastamento dos valores declarados, entre os quais, assume, em nosso entender, a demonstração clara e inequívoca da não facturação de toda a mercadoria que entrava e era pesada na empresa, comprovativa da omissão de vendas.
O. Factos esses não considerados pelo Tribunal a quo. E os considerados foram erradamente valorados, não tendo resultado da prova documental e testemunhal produzida, todos os factos dados como provados na douta sentença que alicerçaram a decisão recorrida.
P. Entende a Fazenda Pública que resultou demonstrado pela Administração Tributária os pressupostos da tributação por recurso a métodos indirectos, tendo explicitado e demonstrado os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicado o critério utilizado na sua determinação quantitativa.
Q. Cabia então à impugnante demonstrar, através de prova concludente, factos que ponham em dúvida fundada os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade feito pela Administração Tributária, sendo imprescindível, um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos de comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria colectável.
R. Ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, não resultou da prova produzida factos objectivos e concretos susceptíveis de afastar os pressupostos e a quantificação do lucro tributável efectuada pela Administração Tributária.
Destarte,
S. Deve considerar-se que a Administração Tributária provou a verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, provou os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a matéria colectável não pode assentar nos elementos fornecidos pela contabilidade da impugnante, tendo explicitado os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicado os critérios utilizados na sua determinação.
T. Neste segmento decisório, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida incorreu em ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível à seguinte transcrição:
«(…)
Do quadro conclusivo das alegações da recorrente verifica-se que os vício e erros de julgamento imputados ao julgado são:
1. Se incorreu em omissão de pronúncia, cominada com a nulidade prevista no art.° 125.° do CPPT, porquanto procedeu à anulação da liquidação impugnada na sua totalidade, apesar de não se pronunciar sobre a legalidade do acto na parte em que foi determinado por correcções aritméticas.
2. Se incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar verificado o vício de violação de lei decorrente da falta de verificação dos pressupostos para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
Parece-nos que o recurso merece provimento.
As questões a decidir são:
- Se a sentença incorreu na nulidade consignada no art. 125.° do CPPT, por omissão de pronúncia, nos termos supra descritos.
- Se há vício de violação de lei na utilização dos métodos indirectos.
I - Omissão de pronúncia.
Nos termos do art.º 125.° do CPPT são causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A delimitação do âmbito das questões que o tribunal pode conhecer é feita pela alegação das partes, em obediência ao princípio do dispositivo, salvo quanto às questões do conhecimento oficioso, pois que destas o tribunal deve conhecer oficiosamente, independentemente da respectiva alegação pelas partes.
Cotejando a causa de pedir e o pedido, é patente que a impugnante questionou a legalidade da liquidação quanto à parte em que foi determinada pelas correcções por métodos indirectos, bem como a legalidade da mesma, na parte em que foi determinada, também, por correcções técnicas, a saber:
í) Os custos fiscais de imposto de Selo liquidados nos exercícios de 2004 e 2005, nos montantes, respectivamente, de 1.141,69 Euros e 776,64 Euros, sobre letras sacadas aos seus clientes, que não lhes foi debitado;
ii) O montante de 13.327,83 Euros correspondentes a custos e perdas extraordinárias - alienação investimentos financeiros, sem acrescer no quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC,
iii) O custo de 7.500,00 Euros, através da factura n.° 5, de 30.06.2005, emitida pelaV, sem que tivesse qualquer nexo com as necessidades da empresa.
É patente, portanto, que o vício de violação de lei assacável ao acto impugnado, tal como foi invocado, tem como âmbito também a ilegalidade das correcções aritméticas supra descritas, assim procedendo o vício de omissão de pronúncia.
E fazendo o reexame da causa relativamente ao vício de violação de lei relativo às correcções aritméticas, é patente que a prova produzida é no sentido de que as referidas correcções são válidas e legais, não se justificando a anulação do acto na parte em que foi por elas determinado.
II - Erro de julgamento concernente à ilegalidade dos métodos indirectos.
Para saber se ocorre vício de violação de lei decorrente da falta de verificação dos pressupostos daquele método de determinação da matéria colectável, há que aferir se as razões externadas pela AT justificam, substancialmente a conclusão a que chegou no sentido de que estava legitimada a quantificar de modo indirecto a matéria tributável, pois sabido é que a ela ( AT ) compete demonstrar que a contabilidade não merece confiança, de modo a que lhe seja possível recorrer a estimativas e presunções na determinação da matéria colectável e que, uma vez feita essa demonstração, passa a caber ao contribuinte demonstrar, positivamente, que houve erro na quantificação por aquele método.
As disposições legais que, na redacção à data aplicável (introduzida pela Lei 30 - g/2000), impunham a avaliação indirecta, são os art.° 87.°, al. b) e 88.°, ambos da LGT.
O 1.° normativo diz que a avaliação indirecta pode efectuar-se quando há impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da mesma, e nos termos do 2.° normativo, a impossibilidade de determinação da matéria colectável pode resultar das seguintes anomalias:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões a acidentais;
b) Recusa de exibição de contabilidade e demais documentos legalmente exigidas, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a AT e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
Ora, como resulta do relatório inspectivo, e que o probatório reproduziu, a AT, relativamente ao exercício em causa demonstrou a existência de diversos factos que colocam em causa a presunção de verdade dos registos contabilísticos da impugnante, pois que são diversos os indícios fundados que aqueles dados contabilísticos não reflectem e são impeditivos do conhecimento da matéria tributável real.
Esses factos, claramente demonstrativos da falta de credibilidade da contabilidade da impugnante, são os descritos no capítulo IV do RIT, que fazem fls 72 e ss do PA apenso, cuja descrição já consta da contestação da Fazenda Pública e foi levada ao probatório, cuja repetição é aqui desnecessária.
Porém, são vários os elementos contabilísticos omitidos - guias de remessa, talões de pesagem, inventário permanente, controle de entradas e saída da mercadoria, confusão entre vendas de mercadorias e vendas de produtos - que redundam em irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, e em divergências nas vendas declaradas ou na quantificação das existências.
Ora, facilmente se vê que esta factualidade fortemente indiciada é suficiente para concluir no sentido da verificação de omissões na contabilidade da impugnante, que são, por si, suficientes para a colocar em crise, não reflectindo minimamente todas as operações tributariamente relevantes.
E a factualidade externada para justificar a utilização dos métodos indirectos não foi minimamente infirmada pela prova oferecida pela impugnante, já que documentalmente não contrariou a que foi recolhida no RIT, e a prova testemunhal é totalmente inidónea para o fazer, pois que as omissões contabilísticas detectadas, para que fossem relevantes e impeditivas da legitimação dos métodos indirectos, teriam de ser supridas no prazo legal e não o foram.
Também não se questionam os critérios utilizados para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos, sendo que também esses critérios são inquestionáveis, por que são correctos e legais.
Finalmente, também se equaciona como totalmente impossível a quantificação directa da matéria tributável a partir dos dados apurados pela AT, porque os proveitos omitidos são de valor desconhecido, bem como os custos necessários para os obter.
Pelo exposto, a correcta subsunção jurídica da matéria de facto apurada demanda, à semelhança do que defende a recorrente, se confirme pela legalidade das correcções determinadas por métodos indirectos»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso: questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Em face das conclusões acima transcritas, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas nesta sede recursiva são, por ordem lógica, as seguintes:

1ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, da nulidade prevista no art. 668°, n.° 1, al. e) do CPC (antigo) – condenação ultra petitum – por anular total e indiscriminadamente as liquidações impugnadas dos anos de 2004 e 2005, porquanto, no que concerne à correcção dos custos relativos ao imposto de selo de letras sacadas nos exercícios de 2004 e 2005, nos montantes, respectivamente, de 1.141,69 Euros e 776,64 Euros, como resulta da Petição (art. 39°), a impugnante conformou-se com a correcção efectuada?

2ª questão
Enferma, a sentença recorrida, da nulidade prevista no art. 668°, n.° 1, al. d) do CPC antigo – omissão de pronúncia – no que se refere à liquidação relativa ao ano de 2006, porquanto a impugnante alegou que a correcção aritmética efectuada a este ano, decorrente da não aceitação, como custo fiscal, do montante de 13 327,83 € resultante da alienação da sociedade “W..,, Lda”, contabilizado como “custos extraordinários – alienação de investimentos financeiros” não se poderia manter por falta de razões objectivas e de suporte legal, mas o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal fundamento, anulando, no entanto, a liquidação na íntegra e indiscriminadamente?

3ª questão
Incorre, a sentença recorrida, na nulidade prevista na al. b) do n.° 1 do art. 668° do CPC – não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – por, quanto à correcção técnica da factura n.° 5, apenas referir como facto provado a não aceitação do seu valor como custo, não mencionando qualquer fundamento de direito para a proscrição daquela correcção?

4ª questão
Errou, a sentença recorrida, na apreciação da prova, pois da prova documental e testemunhal produzida não resultou a prova de todos os factos dados como provados e que alicerçaram a decisão recorrida?

5ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, ao menos, de erro de direito, ao “anular” a correcção técnica relativa à factura 5, uma vez que a impugnante não logrou demonstrar, como lhe competia, que tal custo foi indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art.º 23° do CIRC?

6ª questão
Enferma, a sentença recorrida, de erro de direito ao julgar padecerem, os actos impugnados, de vício de falta de fundamentação quanto à decisão de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, porquanto os Serviços de Inspecção Tributária carrearam factualidade suficiente e remeteram para o quadro legal aplicável, em termos que permitem a um destinatário normalmente diligente ficar em condições de saber e conhecer qual o itinerário cognoscitivo prosseguido pelo seu autor?

7ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, também, de erro de julgamento de direito, por ter julgado não estarem reunidos os pressupostos legais do recurso a métodos indirectos na determinação da matéria colectável dos anos de 2004 a 2006, já que a AT recolheu, no relatório da Inspecção, prova de uma pluralidade de irregularidades/omissões que impossibilitaram a comprovação e a quantificação exacta da matéria tributável, a saber: não utilização de inventário permanente, (legalmente obrigatório); não utilização de qualquer sistema de controlo interno; inexistência de guias de remessa e de transporte; irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, conduzindo à alteração dos resultados da empresa e ao cálculo errado dos custos de produção; pesagens não facturadas pela impugnante; inconsistência dos movimentos financeiros quando comparados com os extractos bancários; falta de correspondência entre as quantidades médias que cada camião carrega, obtidas das quantidades pesadas pela balança, e as quantidades médias facturadas pela impugnante, o que revela omissões de vendas em 2004, 2005 e 2006?


III – Apreciação do Recurso

A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte:
«Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa resultantes da prova documental, do Relatório de Inspecção Tributária e da prova testemunhal:
1.° - A sociedade Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva interna levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária.
2.° - A acção inspectiva foi desencadeada a coberto da Ordem de Serviço N.°0\20070 de..2007.
3.° - Decorreu entre 3 de Maio e 28 de Setembro de 2007.
4.° - A sua incidência temporal esteve limitada ao IVA e ao IRC dos exercícios de 2004, 2005 e 2006.
5.° - A ora Impugnante tinha a sua sede em (…).
6.° - A sociedade Impugnante iniciou a sua actividade em 2 de Janeiro de 1986.
7.° - A actividade da empresa tem como objecto a extracção de areia, saibro e pedra britada e consistia na extracção de areia à qual eram incorporados outros materiais, designadamente, saibro e pó de pedra.
8.° - A Impugnante tinha dois pontos de extracção, um no rio Z e outro numa pedreira.
9.°- No rio Z a areia era descarregada no X designado por Q(...) ou ainda “Y".
10.° - Em termos formais e documentais a ora Impugnante compra a areia do rio às sociedades: “ D...,, Lda.”, NIPC: (..) e “S..,, Lda.” NIPC: (…) e factura-lhes serviços prestados pela cedência dos barcos.
11.° - Em 20.04.2006 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Areia de Saibro remetida por F.., Lda, com destino à empresa “N..,, Lda”. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes da venda a dinheiro n.° 251923 - cfr. resulta do teor de fls. 3 do Relatório de Inspecção Tributária, correspondente a fls. 65 do PA apenso aos autos.
12.º - Em 20.04.2006 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Areia de Saibro remetida por F.., Lda, com destino à empresa “O..,, Lda”. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes na Venda a Dinheiro n.°251926 – cfr. resulta do teor de fls. 3 do relatório de inspecção tributária, correspondente a fls. 65 do PA apenso aos autos.
13.° - Em 30,01.2007 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Meia Areia remetido por F.., Lda., com destino à empresa “J., Lda. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes na Venda a Dinheiro n.° 255473 - cfr. resulta do teor de fls. 3 do Relatório de Inspecção Tributária, correspondente a fls. 65 do PA apenso aos autos.
14.° - Capítulo III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável.
Imposto Sobre o Rendimento Das Pessoas Colectivas.
Foram efectuadas as seguintes correcções:
1.1 - Exercício dc 2004:
No final do ano, o sujeito passivo contabilizou como custo fiscal o Imposto de Selo liquidado no montante dc 1.141,69 euros, sobre letras sacadas aos seus clientes, que não lhes foi debitado. Anexo 1.
Conforme alínea j) do n.° 3 do artigo 3.° do Código do Imposto do Selo (C1S), o imposto constitui encargo do titular do interesse económico, neste caso, o sacado.
Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 42.° do CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os impostos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.
1.2 - Exercício de 2005:
1.2.1. Detectou-se na contabilidade a factura n.º 5 emitida em 2005-06-30 pela sociedade “V., Lda”, NIPC: (…), com a designação “aluguer de nosso equipamento de jardinagem para uso nas v. instalações” o valor debitado na factura é de 7.500 euros, acrescido de 1.425,00 de IVA - Anexo 2.
Nos termos do n.° 1 do artigo 23.° do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Ora, no caso em apreço, constatou-se que a sociedade “F....,, Lda”, não possuía qualquer jardim, pelo que, nos termos do artigo 23.° do CIRC, o custo não é fiscalmente aceite.
1.2.2. No final do ano, o sujeito passivo contabilizou como custo fiscal o Imposto de Selo liquidado no montante de 776,64 euros, sobre letras sacadas aos seus clientes, que não lhes foi debitado. Anexo 3.
Conforme alínea j) do n.° 3 do artigo 3º do Código do Imposto do Selo (CIS), o imposto constitui encargo do titular do interesse económico, neste caso, o sacado.
Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 42.° do CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os impostos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.
1.3 - Exercício de 2006:
O sujeito passivo contabilizou em “Custos e Perdas Extraordinárias - Alienação Investimentos Financeiros” o montante de 13.327,83 euros, resultado obtido na alienação da sociedade “W..,, Lda”, NIPC:(…), não tendo contudo, acrescido no quadro 07 da Declaração Modelo 22 do IRC, o respectivo montante, contrariando o disposto no artº 23° do CIRC. Anexo 3-A. - cfr. resulta do teor de fls. 4 a 5 do Relatório de Inspecção Tributária, correspondente a fls. 66 a 67 do PA apenso aos autos.
15.° - Capítulo IV - Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:
A empresa F.., Lda. possui três pontos de venda: QQ (...), R(...) e P(...).
Em 2007-05-28 foi a empresa notificada para:
- Apresentar as guias de remessa e de transporte dos exercícios de 2004, 2005 e 2006. relativas ao envio de mercadorias e matérias entre os pontos de venda acima referidos,
- Apresentar os talões de pesagem relativos aos mesmos exercícios, respeitantes às entradas e saídas dos produtos da empresa.
Findo o prazo, fomos informados por escrito, pela gerência da empresa, que não usam as referidas guias e que no que respeita aos talões de pesagem, apenas os mantêm por um período de tempo necessário à conferência dos respectivos documentos pelos clientes, para em caso de erro se proceder às respectivas correcções, sendo posteriormente destruídos.
- A empresa não utiliza inventário permanente, contrariando assim o disposto no Decreto-Lei n.° 44/99 de 12 de Fevereiro.
A aplicação do sistema de inventário permanente permite, a determinação directa do custo das vendas, o aperfeiçoamento do sistema do controlo interno e a melhoria da qualidade da informação financeira. Visa ainda facilitar o processo conducente à revisão/auditoria das contas, à melhoria da leitura das demonstrações financeiras por parte dos diversos utilizadores, contribuir para a reversão da evasão fiscal, tomando mais fidedigno o sistema contributivo e, consequentemente, mais credível o processo de determinação do lucro real.
Tentamos saber como é efectuado o controlo físico das existências, pois nenhuma empresa ou entidade, por mais pequena que seja, pode exercer a sua actividade operacional sem ter implementado um qualquer sistema de controlo interno. Tal controlo permite a confiança e integridade da informação.
Segundo informações prestadas pelo técnico oficial de contas, a empresa não efectua qualquer controlo de entradas e saídas de areia.
Dada a dificuldade verificada neste ramo de actividade, no final de cada exercício, procederem à contagem física das existências e a empresa não possuía qualquer tipo de controle, a informação prestada pelos inventários não proporciona informação fidedigna relativamente às respectivas quantidades e valores e, bem assim, ao custo dos bens vendidos e consumidos.
- No exercício de 2004, declara compras e existências finais de mercadorias nos montantes de 10,500,00 euros e de 6,287,44 euros respectivamente e não releva vendas de mercadorias. Tendo-se solicitado os mapas “Análise de Vendas”, constatou-se que as vendas de mercadorias estavam incluídas nas vendas de produtos.
- Da análise dos referidos mapas “análise de Vendas”, constatou-se que o sujeito passivo incluiu nas quantidades de produtos, as quantidades debitadas de serviços prestados.
Verificando-se assim, quantidades indevidamente incluídas nos pontos de vendas do I e de P(...) 14.328,11 toneladas e na R (...) 62,0 toneladas.
Pelo exposto, resulta divergência nas vendas declaradas ou na quantificação da existência final.
Relativamente ao exercício de 2005, constatou-se o seguinte:
- Inclui no inventário de existências finais de mercadorias o montante de 15.644,65 euros, respeitante a cubos que foram debitados pela empresa “G..., Lda” na factura n.º 200500012 emitida em 2005/03/30. Na referida factura consta a menção '‘atenção: colocação do material à disposição em Dezembro de 2003”.
- Conforme se constatou pelo inventário de 2004/12/31, estas mercadorias não foram declaradas em existências.
- O custo de produção foi mal calculado, ou seja, calcularam que o custo de produção do '"Areio” foi de 8.25 euros, quando o correcto seria 5,36 euros.
Consequentemente, as Existências Finais de Produtos declaradas estão incorrectamente valorizadas.
No exercício de 2006, como consequência do ano anterior, a existência inicial de produtos encontra-se mal valorizada por 8,25 euros, quando correctamente seria 5,36 euros.
Na valorização da produção de areia foram consideradas quantidades de brita e de tout venant, quando estes são produtos acabados da pedreira e não incorporados na produção de areia.
Assim, o sujeito passivo considerou um custo de mercadoria vendida igual ao da produção de areia (5,72 euros), quando deveria ter utilizado o custo de produção da pedreira que foi de 2,71 euros.
Os factos expostos nos dois pontos anteriores indicam que existem irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, o que conduz a adulteração dos resultados da empresa.
- Determinadas vendas a crédito têm como suporte documental “Vendas a Dinheiro" e são contabilizadas por contrapartida de “Caixa”. Tendo-se cruzado contas correntes retiradas da contabilidade de clientes verificou-se que os movimentos financeiros aí registados e efectivamente verificados através dos extractos bancários, não correspondiam aos contabilizados pelo sujeito passivo. É o caso do cliente M., Lda, NIPC: (…), conforme se pode verificar pelos seus extractos - Anexo 5.
- Em anexo à Ordem de Serviço constam três autos de apreensão respeitantes à detecção dos seguintes factos:
Em 2006-04-20 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Areia de Saibro remetida por F.., Lda, com destino à empresa N..., Lda. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes na Venda a Dinheiro n.°251923, cfr. resulta dos elementos do quadro de fls. 8 do relatório de inspecção tributária, correspondente a fls. 70 do PA apenso aos autos.
Em 2006-04-20 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Areia de Saibro remetida por F.., Lda, com destino à empresa O..,, Lda. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes na Venda a Dinheiro n.°2$1926, cfr. resulta do quadro de fls. 9 do Relatório de lnspecção correspondente a fls. 71 do PA apenso aos autos.
Em 2007-01-30 foi apreendido um pesado de mercadorias que transportava Meia Areia remetida por F.., Lda., com destino à empresa J....., Lda.. O auto foi levantado pela inexactidão verificada entre as quantidades transportadas e as constantes na Venda a Dinheiro n°255473, cfr. resulta dos elementos do quadro de fls. 9 do Relatório de lnspecção Tributária correspondente a fls. 71 dos autos.
- Em 2007-05-22, no âmbito do D1200706230 de 2007-05-21 foi efectuada cópia dos registos informáticos constantes da balança que a sociedade F.., Lda possui no seu ponto de venda “ Q(...)”, usualmente denominado por “X” ou ainda “Y", tendo-se obtido elementos para o período compreendido entre 2007-03-05 a 2007-05-22. Anexo 6.
No referido ficheiro informático estão registadas as pesagens efectuadas naquele ponto de venda, discriminando a data, a viatura, a entidade, o produto carregado, bem como o peso bruto, a tara do veículo e o peso líquido.
Foi possível identificar os registos da balança com as respectivas facturas ou documentos equivalentes, através da correspondência entre as matrículas, a data e a hora dos registos.
- Da comparação dos elementos retirados da balança com as Vendas a Dinheiro e Facturas emitidas pela empresa naquele período, constante do anexo 6, constatou-se o seguinte:
1. Há pesagens que estão correctamente facturadas, isto é, o peso da balança coincide com o peso da factura ou venda a dinheiro;
2. Há pesagens que não estão facturadas;
3. Há pesagens que estão facturadas por quantidades inferiores aos registos retirados da balança.
Cruzados os elementos retirados da balança e os constantes da contabilidade do sujeito passivo com os constantes da contabilidade de alguns dos seus clientes, verificaram-se os seguintes factos:
- Relativamente aos talões de pesagem dos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007 apenas dois clientes visitados apresentaram os documentos solicitados, não se tendo constatado qualquer divergência. Quanto aos restantes, alguns apresentaram parte dos talões, não se tendo constatado qualquer divergência, e outros informaram-nos que após a conferência da mercadoria procediam à sua destruição;
- Da comparação efectuada entre os documentos constantes da contabilidade destes clientes e dos constantes da contabilidade da F.., Lda., não se detectaram divergências;
- Comparados os registos retirados da balança do areio com a contabilidade dos clientes, especificamente com as Facturas e Vendas a Dinheiro emitidas pelo sujeito passivo durante o período compreendido entre 2007-03-05 a 2007-05-22, verificaram-se divergências para os seguintes clientes:
- T..., Lda, NIPC: (…);
- A.... Lda, NIPC;(…);
- J...., NIK:(…);
- J1.........., NIF: (…);
- A.............., NIF: (…)
De acordo com o teor de fls. 10 a 23 do Relatório de Inspecção Tributária correspondente a fls. 72 a 85 do PA apenso aos autos que pela sua extensão aqui se dá por reproduzido.
16.° - No capítulo V do Relatório de Inspecção tributária, fls. 23 a 35, correspondentes a fls. 85 a 97 dos autos, encontram-se os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, cujo seu teor aqui se dá por integralmente reproduzido atenta a sua extensão.
17º - Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária elaboraram um projecto de relatório datado de 27-09-2007, que originou a correcção à correcção [sic] à matéria colectável com recurso a métodos indirectos para os exercícios de 2004, 2005 e 2006.
18.° - A ora Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, através do oficio n.º 76026/0510, datado de 27-09-2007.
19.° - Não exerceu esse direito.
20.° - No dia 24.10.2007 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária e notificado à Impugnante através do ofício n.° 81888/0510, datado de 24/10/2007.
21.° - Contra o acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos foi apresentado pela ora Impugnante, oportunamente, pedido de revisão, nos temos do art. 91º da LGT, cfr. teor de fls. 107 a 159 do PA apenso aos autos.
22.° - Na sequência das reuniões efectuadas no âmbito do procedimento de revisão foram lavradas as respectivas actas, e em face da falta de acordo entre o perito da Administração Tributária e o perito da Impugnante foram por estes emitidos os respectivos pareceres - cfr. teor de fls. 142 a 150 do PA apenso aos autos.
23.° - Nos termos do n.° 6 do art. 92° da LGT, tendo em conta as posições de ambos os peritos, foi tomada pela AT a decisão de manutenção dos valores fixados com base no Relatório da Inspecção Tributária para os exercícios cm causa - cfr. teor de fls. 153a 156 do PA apenso aos autos.
24.° - A escrita da Impugnante é exacta, não contém irregularidades, e, ou omissões de tal forma graves que sejam enganadoras dos valores reais sujeitos à tributação - cfr. prova testemunhal.
25.° - A falta de inventário permanente prende-se com os elevados custos que a implementação de tal sistema acarretaria para a sociedade - cfr. prova testemunhal
26.º - A inexistência daquele instrumento torna mais morosa a análise do processo de auditoria, mas de forma alguma impede ou impossibilita o acesso à revisão e controlo dos stocks e contas da Impugnante - cfr. prova testemunhal
27.° - As dificuldades de implementar o sistema de inventário permanente estão relacionadas com as particularidades do sector dos inertes que, permitem a conferência dos stocks pelos métodos tradicionais - cfr. prova testemunhal.
28.° - A inexistência do sistema de inventário permanente não é factor integrante dos requisitos legais que, concorrem para aferir da possibilidade legal da AT determinar a matéria tributável com recurso a métodos indirectos - cfr. prova testemunhal.
29.° - Não existe qualquer erro de cálculo sobre as existências iniciais do produto, porquanto o tout venant e a brita, apesar de constituírem produtos acabados da pedreira, os mesmos entram não só na composição da areia, como são factor dc aumento das quantidades que são postas à comercialização - venda de areia - cfr. prova testemunhal.
30.° - Sendo insuficiente a areia extraída do rio, aquela é composta de tout venant e brita, desaparecendo tais produtos com aquela natureza, dando, por sua vez, lugar à areia que é comercializada nas mesmas condições de preço que a extraída do rio - cfr. prova testemunhal.
31.° - A Impugnante dispõe de uma pedreira onde produz igualmente areia, brita e saibro que comercializa com a areia que extrai do Rio Z - cfr. prova testemunhal.
32 .° - A Impugnante procede ao transporte da areia e outros produtos da pedreira para o areio existente na Q(...), local da comercialização - cfr. prova testemunhal.
33.° - No ano de 2006, à semelhança dos anos anteriores, a Impugnante dispunha de quatro viaturas para a venda directa, sendo a maioria dos produtos comercializados, transportados por conta dos clientes ou de empresas transportadoras por eles contratadas - cfr. prova testemunhal.
34.° - No transporte dos produtos da pedreira para o areio, a Impugnante recorreu a terceiros para transporte dos produtos, sempre que tal situação se mostrasse mais vantajosa - cfr. prova testemunhal.
35.° - Daí que nos anos sujeitos à fiscalização da AT, fossem utilizados carros de terceiros, os quais vinham por vezes com outros produtos dentro, caso de vigas de cimento, sacos (paletes) de cimento e ferro, de forma a rentabilizar o transporte, sendo carregada a areia ou brita com a mercadoria acupulada [sic] - cfr. prova testemunha.
36.° - Nestes casos era retirado o talão de pesagem e contado apenas o peso da areia ou da brita propriedade da Impugnante - cfr. prova testemunhal.
37.° - A Impugnante dispõe de uma pedreira, para complemento da actividade de extracção de areia no rio Z - cfr. prova testemunhal.
38.° - Todo o artigo aí produzido é transportado para o areio na Q(...), onde é feito o controlo através de pesagem pela entrada deste artigo e pesado quando é vendido aos clientes - cfr. prova testemunhal.
39.° - A AT não pediu nenhuma explicação sobre a divergência verificada entre as pesagens efectuadas - cfr. prova testemunhal.
40.° - De tantos carregamentos efectuados, se fosse intencional, não seria apenas uma diferença tão reduzida, que levaria a Impugnante a adulterar os valores de pesagem - cfr. prova testemunhal.
41.° - Dadas as obras que a Impugnante se encontrava a realizar, só poderia dizer respeito a qualquer material para essas obras e que foi pesado conjuntamente com o artigo transportado - cfr. prova testemunhal.
42.° - Após a queda da ponte em Entre-os-Rios, a Impugnante esteve meses impossibilitada de tirar areia do rio Z, tendo recorrido ao serviço de terceiros para o transporte da areia produzida na pedreira para o areio na Q(...), tendo a mesma actividade continuado nos anos subsequentes - cfr. prova testemunhal.
43.° - Daí as facturas do transporte emitidas por terceiros no ano de 2007, à semelhança do verificado em anos anteriores - cfr. prova testemunhal.
44.° - A Impugnante não estava obrigada a guardar os documentos de transporte dos bens transportados da pedreira para o areio, por serem documentos irrelevantes – cfr prova testemunhal.
45.° - Os valores inerentes ao serviço prestado por terceiros estão registados na contabilidade na conta 62.2.2.5.1,1.2 do POC e, igualmente nos anos de 2004, 2005 e 2006 outros valores de idêntica natureza, dos serviços prestados nesses anos, estão também registados na mesma conta e na contabilidade - cfr. prova testemunhal.
46.° - No decurso da acção inspectiva, apenas se procedeu a uma análise da actividade da empresa pela verificação dos documentos que foram solicitados e entregues - cfr. prova testemunhal.
47.° - Não foi pedida uma explicação sobre o funcionamento total da empresa - cfr, prova testemunhal.
48.° - A mercadoria entrou para posterior venda, tendo sido pesada à entrada e depois, à saída, quando efectivamente foi vendida, tornou a ser pesada - cfr. prova testemunhal.
49.° - A AT não demonstra que os artigos transportados nessas viaturas se reportam apenas a produtos vendidos pela Impugnante - cfr. prova testemunhal.
50.° - Resulta igualmente que as divergências de pesagem entre a facturação e a balança, resultam do facto de sair carga com destino a determinado cliente de um cliente da Impugnante que, por qualquer motivo ou razão, embora já pesada a viatura, não chega a sair do local de carregamento ou quando chega ao destino, volta ao local de carga, não originando por isso qualquer facturação, procedendo-se à pesagem, ou à facturação - cfr. prova testemunhal.
51.º - A AT não teve em consideração que, tratando-se de areia com saibro, há lugar a quebras pela queda frequente destes artigos e a formação de pó, devido ao vento - cfr. prova testemunhal.
52.° - A Impugnante não foi advertida nem sequer sancionada por transporte de cargas altas - cf. prova testemunhal.
53.° - É maís correcto fazer uma média por artigos, com pesagens diferentes. O mesmo volume de brita é mais pesado do que de areia - cfr. prova testemunhal. 
54.º - A Factura n.° 5. de 30/06/2005, emitida pela sociedade “V., Lda”, diz respeito ao trabalho de limpeza efectuado nos estaleiros da ora Impugnante, que durante algum tempo foi efectuado por uma trabalhadora dessa empresa que, atendendo à sua utilidade e necessidade passou a integrar o quadro de trabalhadores da ora Impugnante - cfr. prova testemunhal.»

Considerando as causas de nulidade da sentença que vêm arguidas, designadamente excesso de condenação e excessos e omissões de pronúncia e falta de discriminação de factos provados e relevantes, mostra-se conveniente transcrever também na totalidade a fundamentação de direito e o segmento dispositivo da mesma, como segue:
«IV -DO DIREITO.
F.., Lda, deduziu Impugnação Judicial relativamente às liquidações adicionais de IRC nº 2008 8310001586, no valor de 150.691,49 euros, n.° 2008 8310001603, no valor de 53.565,91 euros e n.° 2008 83110038135, no valor de 69.796,41 euros, referentes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, nos termos e com os seguintes fundamentos.
A) Vício de Falta ou Insuficiência de Fundamentação;
Alega que decisão proferida pelo Sr. Chefe de Divisão, remete para o Relatório de inspecção, mas que, os factos apontados no Relatório, não constituem fundamento justificativo do recurso a métodos indirectos.
Na verdade, a Inspecção Tributária partiu do pressuposto errado de que é suficiente para determinar o recurso aos métodos indirectos, a existência de simples percepções que, no caso do Relatório, se reportam à divergência, em três situações concretas, entre o talão de pesagem da balança e a venda a dinheiro que acompanham o transporte referente, quando é certo que, através do método comparativo, a inspecção conseguiu chegar ao apuramento das diferenças verificadas o que, desde logo, afasta a possibilidade de recurso aos métodos indirectos, uma vez, que, é perfeitamente possível proceder ao apuramento da matéria tributável pelo método da imputação directa, tal como previsto no art. 81º da LGT.
A AT está obrigada a especificar os motivos “da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, e indicar os critérios utilizados na sua determinação”.
Não resulta do relatório de inspecção, fundamentação bastante sobre a falência dos elementos contabilísticos da Impugnante ou demonstrações qualitativas quanto a desvios à matéria tributável que a afastem dos valores ou percentagens definidas na al. c) do art.87° da LGT.
A AT não fundamenta, nem demonstra que, a escrita da Impugnante é inexacta, contém irregularidades, e, ou omissões de tal forma graves que são enganadoras dos valores reais sujeitos à tributação.
O Relatório de Inspecção apoia-se para justificar a determinação da matéria tributável pelos métodos indirectos na inexistência de inventário permanente e, em divergências de existências finais e custos de produção, não sendo estes motivos bastantes para o recurso à avaliação indirecta, como se demonstra;
A AT considerou que os factos resultantes da inspecção tributária, evidenciam uma situação de omissão de operações
O que por si se traduz em indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado obtido.
Pelo que, para a determinação da matéria colectável a AT recorreu à aplicação dos métodos indirectos, com fundamento na impossibilidade da quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis á determinação da matéria colectável.
Ora, a tributação poderia ter sido efectuada com base na escrita da Impugnante se essa tivesse sido considerada credível.
Assim, a ora Impugnante teria sido tributada pelo lucro real, apurado em face dos elementos por si fornecidos.
O apuramento por métodos indiciários, pressupõe que a escrita do contribuinte não merece credibilidade, procurando-se desse modo chegar a um valor aproximado da realidade recorrendo a índices, presunções, estimativas, etc, tal como resulta do disposto no art. 90° da LGT.
Temos então de concluir que a matéria tributável foi apurada por recurso a métodos indirectos, tendo a Impugnante cumprido o ónus imposto pelo art.74°, n.°3 da LGT, que os proveitos considerados pela Administração Tributária foram inferiores e, que os custos pela mesma fixados foram superiores [sic].
Ficou provado que, o facto da Impugnante não ter adoptado o sistema de Inventário Permanente, tal como introduzido pelo Decreto-Lei n.°79/2003, de 23.04, não é motivo suficiente para a AT considerar a sua contabilidade como não fiável, errónea, e incapaz de fornecer os elementos objectivos que estão na base para a determinação da matéria tributável directamente, tal como previsto no art. 81° da LGT.
Quanto muito, a inexistência daquele instrumento toma mais morosa a análise do processo de auditoria, mas de forma alguma impede ou impossibilita o acesso à revisão e controlo dos stocks e contas da impugnante.
Nem o Relatório de Inspecção demonstra que a Impugnante só não adoptou o sistema de Inventário Permanente com o objectivo de iludir os resultados fiscais.
A AT deveria ter tido em consideração as particularidades do sector dos inertes que, não sendo muito compatíveis com a figura do Inventário Permanente, permitem a conferência dos stocks pelos métodos tradicionais.
De qualquer modo, como alega a impugnante a inexistência do sistema de Inventário Permanente não é factor integrante dos requisitos legais que, concorrem para aferir da possibilidade legal da AT determinar a matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
Quanto ao eventual erro de cálculo da existência inicial de produtos de 8,25 euros, em vez de 5,36 euros e motivos de englobar na valorização da produção de areia, o tout venant e brita.
Não existe qualquer erro de cálculo sobre as existências iniciais do produto, porquanto o tout venant e a brita, apesar de constituírem produtos acabados da pedreira, os mesmos entram não só na composição da areia, como são factor de aumento das quantidades que são postas à comercialização - venda de areia.
Sendo insuficiente a areia extraída do rio, aquela é composta de tout venant e brita, desaparecendo tais produtos com aquela natureza, dando, por sua vez, lugar à areia que é comercializada nas mesmas condições de preço que a extraída do rio.
Pelo que agiu correctamente a ora lmpugnante ao calcular o custo respeitante à aquisição de tout venant e brita de 2,75 euros, acrescido dos gastos gerais de produção e da mão-de-obra directa o que, na parte final do círculo produtivo, eleva aquele preço para 5,72 euros [sic].
A Inspecção interpretou assim erradamente, os factores que determinaram e estão na origem do processo produtivo da areia a partir da brita e tout venant composto com a areia extraída ao rio.
A AT, ao recorrer à tributação através de avaliação indirecta, sem que a sua decisão esteja devidamente fundamentada, violou os princípios legalmente estabelecidos no art. 87º da I.GT e arts .48°, n.° 1 e 49°, n.° l do CIRC.
A preterição de formalidades essenciais de insuficiência ou falta de fundamentação, constitui igualmente vício de violação de Lei, os quais uns e outros acarretam a anulação da liquidação adicional com a consequente absolvição da lmpugnante do pedido.
A impugnante tem por actividade, a extracção de saibro, areia e pedra britada.
A extracção da areia processa-se no Rio Z, na região de.
A lmpugnante dispõe de uma pedreira onde produz igualmente areia, brita e saibro que comercializa com a areia que extrai do Rio Z.
A Impugnante procede ao transporte da areia e outros produtos da pedreira para o areio existente na Q(...), local da comercialização.
No ano de 2006, à semelhança dos anos anteriores, a Impugnante dispunha de quatro viaturas para a venda directa, sendo a maioria dos produtos comercializados, transportados por conta dos clientes ou de empresas transportadoras por eles contratadas.
No transporte dos produtos da pedreira para o areio, a Impugnante recorreu a terceiros para transporte dos produtos, sempre que tal situação se mostrasse mais vantajosa.
Daí que nos anos sujeitos à fiscalização da AT, fossem utilizados carros de terceiros, os quais vinham por vezes com outros produtos dentro, caso de vigas de cimento, sacos (paletes) de cimento e ferro, de forma a rentabilizar o transporte, sendo carregada a areia ou brita com a mercadoria acupulada [sic].
Nestes casos era retirado o talão de pesagem e contado apenas o peso da areia ou da brita propriedade da Impugnante.
Aquando da fiscalização, aos anos de 2004, 2005 e 2006 a AT não acolheu os procedimentos da impugnante, inferindo que o que se pretendia era ocultar a existência de vendas não facturadas ou facturadas por valores inferiores ao real.
A Impugnante não se conforma com tal entendimento pois, dados os custos de transporte é normal este procedimento por parte dos diversos agentes económicos.
A Impugnante dispõe de uma pedreira, para complemento da actividade de extracção de areia no rio Z,
Todo o artigo aí produzido é transportado para o areio na Q(...), onde é feito o controlo através de pesagem pela entrada deste artigo e pesado quando é vendido aos clientes.
Do controlo feito, no ano de 2007, às pesagens do dia 5 de Março ao dia 22 de Maio às viaturas da Impugnante, apenas foi encontrada uma divergência de 5.080Kg, referente à viatura -- xx-xx-xx.
A AT não pediu nenhuma explicação sobre a divergência verificada entre as pesagens efectuadas.
De tantos carregamentos efectuados, se fosse intencional, não seria apenas uma diferença tão reduzida, que levaria a lmpugnante a adulterar os valores de pesagem.
Dadas as obras que a lmpugnante se encontrava a realizar, só poderia dizer respeito a qualquer material para essas obras e que foi pesado conjuntamente com o artigo transportado.
A lmpugnante atribui ao facto de ter ocorrido uma duplicação de pesagem e uma só facturação, a uma desatenção do operador da balança ou do transportador.
Após a queda da ponte em, a lmpugnante esteve meses impossibilitada de tirar areia do rio Z, tendo recorrido ao serviço de terceiros para o transporte da areia produzida na pedreira para o areio na Q(...), tendo a mesma actividade continuado nos anos subsequentes.
Daí as facturas do transporte feito por terceiros no ano de 2007, à semelhança do verificado em anos anteriores.
A Impugnante não estava obrigada a guardar os documentos de transporte dos bens transportados da pedreira para o areio, por serem documentos irrelevantes.
Por força do Decreto-Lei n.°147/2003, de 11 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.° 238/2006, de 20 de Dezembro, há documentos que deixaram de ser mantidos em arquivo, tendo-se interpretado o n.° 6 do art.6° do JD.L. n.° 147/2003, como sendo apenas obrigatório para o ano em curso e daí existirem os do ano de 2007.
Os valores inerentes ao serviço prestado por terceiros estão registados na contabilidade na conta 62.2,2.5,1.1.2 do POC e, igualmente nos anos de 2004, 2005 e 2006 outros valores de idêntica natureza, dos serviços prestados nesses anos, estão também registados na mesma conta e na contabilidade.
Assim, carece de fundamento, o alegado no Relatório de Inspecção Tributária de que, há um total de pesagens que não foi compensada pela facturação emitida, para ocultar facturação não registada na contabilidade.
No decurso da acção inspectiva, apenas se procedeu a uma análise da actividade da empresa pela verificação dos documentos que foram solicitados e entregues.
Não foi pedida uma explicação sobre o funcionamento total da empresa e daí se ter concluído erradamente que as divergências do total das pesagens da balança com o total do peso registado na facturação, se deveu à realização de “vendas por fora”.
Não é verdadeira a conclusão da inspecção de que a mercadoria entrou e não saiu, pois está demonstrado que a mercadoria entrou para posterior venda, tendo sido pesada à entrada e depois, à saída, quando efectivamente foi vendida, tomou a ser pesada.
A AT não demonstra que os artigos transportados nessas viaturas se reportam inequivocamente a produtos vendidos pela Impugnante, negligenciando-se o facto de as mesmas transportarem em simultâneo, bens indecomentáveis, [sic] sujeitos a sanções mais graves que aquelas que resultam da simples divergência de pesos.
Resulta igualmente que as divergências de pesagem entre a facturação e a balança, resultam do facto de sair carga com destino a determinado cliente de um cliente [sic] da Impugnante que, por qualquer motivo ou razão, embora já pesada a viatura, não chega a sair do local de carregamento ou quando chega ao destino, volta ao local de carga, não originando por isso qualquer facturação, procedendo-se à pesagem, ou à facturação.
Dado o elevado volume das cargas de bens transportados, que foi considerado em falta, isto é, imputados a transacções sem a emissão de documentos comprovativos, a AT não teve cm consideração que, tratando- se de areia com saibro, há lugar a quebras pela queda frequente destes artigos e a formação de pó, devido ao vento.
A Impugnante não foi advertida nem sequer sancionada por transporte de cargas altas, donde se conclui que as cargas não eram altas ou volumosas como é dito no Relatório dc Inspecção.
A Impugnante, nos termos do art. 91° da LGT, defendeu que a AT deveria aplicar, para correcção das vendas estimadas, a média das pesagens das viaturas por natureza dos artigos vendidos.
O que, não aconteceu.
Do exposto resulta que, a Impugnante fez prova do que alegou.
V - DECISÃO.
Atento o exposto e sem necessidade de mais considerações, julgo totalmente procedente a presente impugnação judicial, deduzida por F.., Ld. anulando-se as liquidações impugnadas, com as legais consequências.»

Questão prévia:
Verifica-se que os artigos 25º, 26º, 27º e 29º dos factos provados na sentença recorrida foram ali inseridos apenas com base no teor de depoimentos de testemunhas inquiridas e não têm qualquer correspondência com a factualidade invocada nos articulados das partes, nomeadamente o articulado da impugnante.
Além disso, são meras conclusões os enunciados dos artigos 28, 44, 49 e 53; e são, até, ininteligíveis por, ao serem destacados, inalterados, do respectivo contexto na PI ou outras peças, surgirem, na sentença, como valorações sobre factos inexistentes, os artigos 41, 48 43, 48 e 50.
À data regulava o art. 264º, n.º 2, do CPC, no qual se estabelecia que o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes (regra que se mantém face à conjugação do art. 5º, nº1 e 3, com o art. 607º, n.º 4, 1ª parte do NCPC) e que é extensível ao contencioso tributário, tal como se infere do art. 99º da LGT e 13º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar a factos (não a valorações pré-feitas) e factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e ónus de alegação dele decorrente. Neste sentido Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT comentada e anotada, 2000, Vislis Editora, pág. 432.

Quanto aos factos instrumentais, quis o legislador que tais factos [instrumentais] fossem considerados na prova dos factos essenciais, sendo essa a sua finalidade: servir de instrumento e prova dos factos que irão constituir fundamento da decisão e, não servir de fundamento de facto da decisão.
Na verdade, tem-se entendido que a resposta à matéria de facto, na parte em que incida sobre matéria de facto não alegada, deve ser “considerada não escrita, o que pode ser oficiosamente declarado pela Relação, sem necessidade de anulação e repetição do julgamento António Santos Abrantes Geraldes obra citada página 238.
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Aliás, o Tribunal de recurso goza de amplos poderes para alterar a decisão em matéria de facto (cf. artigo 762º do CPC aplicável).
Nestes pressupostos:
Por não respeitarem ao julgamento em matéria de facto, considera-se não escrita a matéria de facto integrada pelos artigos 25º, 26º, 27º e 29º bem como aos enunciados dos artigos 28, 40, 44, 48, 49, 50, 53, todos da fundamentação de facto da sentença recorrida,.

Aqui chegados, podemos, enfim, passar à critica da sentença recorrida sob o prisma das questões acima elencadas.

1ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, da nulidade prevista no art, 668°, n.° 1, al. e) do CPC (antigo) – condenação ultra petitum – por anular total e indiscriminadamente as liquidações impugnadas dos anos de 2004 e 2005, porquanto, no que concerne à correcção dos custos relativos ao imposto de selo de letras sacadas nos exercícios de 2004 e 2005, nos montantes, respectivamente, de 1.141,69 Euros e 776,64 Euros, como resulta da Petição (art. 39°), a impugnante conformou-se com a correcção efectuada?

Esta questão supõe a resposta afirmativa a uma outra, logicamente anterior, que é a de saber se o disposto no CPC em matéria de nulidade da sentença se aplica no processo tributário, uma vez que o artigo 125º nº 1 do CPPT parece dispor de modo auto-suficiente nessa mesma matéria.
Mas mesmo dando de barato uma resposta afirmativa, no sentido de que o invocado artigo 668º se aplica à sentença do processo tributário onde não chegar expressamente a previsão daquela norma do CPPT, sempre teremos de concluir que in casu tem de improceder a alegação de nulidade sub judices. Vejamos:
Segundo a sobredita norma do CPC aplicável ao tempo em que foi proferida a sentença (doravante, CPC antigo), “É nula a sentença quando (…) e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Revisitado o dispositivo da sentença recorrida, verificamos que o mesmo não contém qualquer condenação da AT no que quer que seja. Apenas dispõe a anulação das liquidações impugnadas.
Outra coisa, aliás, não seria de esperar, pois o processo tributário de impugnação consiste, em princípio, num contencioso de mera anulação, isto é, o seu objecto consiste apenas na erradicação, por invalidade, do acto tributário; e tudo o mais que daí decorrer como vinculação para a AT é matéria de execução dessa erradicação.
Com efeito “estamos (…) em presença de um contencioso anulatório, no âmbito do qual, ao contrário do contencioso de plena jurisdição, a tutela é indirecta, ou seja, não se opera pela restauração directa da situação individual do lesado, mas apenas mediante a actuação da Administração, que deve tomar as providências adequadas para que a decisão produza os seus efeitos.” Rocha, Joaquim Freitas da, Manual de Proced. e Proc. Fiscal, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 254
Assim sendo, tal como não podia ser objecto da sentença recorrida uma condenação da AT a quaisquer acto tributário ou comportamento, por tal extravasar do objecto legal da forma de processo de Impugnação, tão pouco poderá esta alínea do artigo 668º nº 1 do CPC antigo ser critério de nulidade da sentença recorrida.
Nem mesmo uma interpretação adequada à sobredita natureza da Impugnação, no sentido de onde se lê “condenar” se entender “dispor” ou “decidir”, poderia valer uma precedência da alegação desta nulidade. De facto, o que se pedia era a anulação das liquidações e foi isso mesmo, nem mais nem menos nem diverso, o que se determinou – independentemente, no que agora importa, dos elementos da causa de pedir complexa, considerados fundamento para tanto.
Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade da sentença nos termos da alª e) do artigo 668º nº 1 do CPC aplicável.

2ª questão
Enferma, a sentença recorrida, da nulidade prevista no art. 668°, n.° 1, al. d) do CPC antigo – omissão de pronúncia – no que se refere à liquidação relativa ao ano de 2006, porquanto a impugnante alegou que a correcção aritmética efectuada a este ano, decorrente da não aceitação, como custo fiscal, do montante de 13 327,83 € resultante da alienação da sociedade “W..,, Lda”, contabilizado como “custos extraordinários – alienação de investimentos Financeiros” não se poderia manter por falta de razões objectivas e de suporte legal, mas o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal fundamento, anulando, no entanto, a liquidação de 2006 na íntegra e indiscriminadamente?

Retomando a questão logicamente anterior suscitada relativamente à primeira questão, diremos que desta feita está plena e manifestamente prejudicada a aplicabilidade da norma invocada, uma vez que o artigo 125º nº 1 do CPPT comina expressamente a nulidade à sentença em que o juiz não se tiver pronunciado sobre questões de que deveria conhecer:
«Artigo 125.º
Nulidades da sentença
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Importa, porém, ter presente sobre que deve e não deve pronunciar-se o juiz na sentença tributária.
A norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença e seus limites (artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT), manifestamente, não esgota o que devem ser a estrutura e o conteúdo da sentença:
«1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Este dispositivo, ao omitir qualquer referência a partes indispensáveis da sentença, enquanto decisão, e à delimitação do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o CPC, in casu o artigo, o artigo 660º nº 2 do CPC antigo, ex vi artigo 2º do CPPT.
Segundo esta norma, o Juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Assim, é dever do juiz tributário pronunciar-se, na sentença, sobre todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, desde que pertinentes para uma das soluções plausíveis do litígio e sobre quaisquer outras que sejam de conhecimento oficioso.
Porém, já é de escola a advertência de que “questão” é uma parte do objecto da acção, em último termo, uma autónoma ou destacável causa de pedir fáctico-jurídica: não se pode confundir com cada argumento aplicado na apologia da solução que a parte preconiza para uma questão.
Por outro lado, a resposta a uma questão de direito suscitada pela parte impugnante pode residir tanto numa resposta directa como na solução dada à causa e sua fundamentação. Por isso, embora não apenas por isso, é que o acima citado artigo 660º do CPC antigo exclui do dever de pronuncia expressa as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
O CPPT também não contem um regime exaustivo para a arguição de nulidades no processo judicial tributário. O “regime das nulidades processuais”, assim chamado, contido no artigo 165º, apenas prevê expressamente nulidades processuais em processo de execução fiscal, nulidades que comina de insanáveis e de conhecimento oficioso, mas nada diz sobre as demais causas de nulidade nesse e nas demais formas de processo tributário.
Como assim, é no CPC que se encontra o restante regime de conhecimento e de arguição das nulidades em processo tributário, inclusive da sentença.
Desçamos ao caso concreto:
A Recorrente, Autoridade Tributária, suscita, nesta sede recursiva, a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia sobre a questão, alegada pela impugnante e ora recorrida, da ilegalidade das correcções aritméticas à matéria tributável de 2006, ilegalidade na qual – tem o cuidado de o dizer – não concede.
A norma que comina essa nulidade é o acima citado artigo 125º nº 1 do CPPT. Mas o regime de conhecimento e de arguição é o do CPC.
Do conjunto dos artigos 193º a 206º, maxime 202º, e 668º do CPC antigo resulta que as nulidades da sentença, à excepção da causada pela falta de assinatura, não são de conhecimento oficioso.
Nos termos do artigo 202º sobredito, o tribunal só pode conhecer delas “sob reclamação dos “interessados”.
Facto talvez inédito, quem invoca, in casu, a nulidade da sentença com tal causa é a parte demandada, precisamente aquela que tem interesse em que a ilegalidade de tais correcções aritméticas e, consequentemente, a invalidade, com esse fundamento, das liquidações impugnadas, não sejam declaradas…
Será a Recorrente AT, nesta circunstância, um interessado, para o efeito de ter legitimidade para arguir a nulidade da sentença com este fundamento?
Propendemos para a resposta afirmativa. Na verdade, uma vez suscitada a questão da ilegalidade das correcções técnicas ao ano de 2006, tanto a demandante, que a suscitou, tem interesse numa pronúncia pela procedência, isto é, pela ilegalidade das correcções, em ordem à anulação, (também) com esse fundamento, da liquidação de 2006, como a demandada o tem na pronúncia pela improcedência da alegação, isto é, pelo reconhecimento judicial da legalidade das mesmas correcções em ordem à não anulação da liquidação de 2006 com este fundamento.
Reconhecida a legitimidade da Recorrente AT para arguir a nulidade sub judices, vejamos se e em que termos a Impugnante e Recorrida suscitou a questão alegadamente ignorada.
Tudo o que é alegado na petição do processo principal, susceptível de a ela ser reconduzido, consiste no artigo 40º, no qual se afirma que a impugnante não pode aceitar os acréscimos à matéria tributável de 2006 correspondentes aos custos e perdas extraordinárias da alienação da W.. – Lda., no valor de 13 327,83 € “por falta de razões objectivas e, como tal, de suporte legal”.
Mesmo na petição do processo apenso, 91/09.9BEPNF, cujo objecto é a liquidação relativa ao ano de 2006, a Impugnante, embora tenha feito referência a essa correcção técnica, não invocou qualquer ilegalidade ou causa de invalidade da liquidação, relacionada com ela.
Atenta a falta de qualquer fundamentação concreta e inteligível para a alegação, não era exigível à Juiz a qua apreciar de meritis a mesma.
Uma questão, para o ser, nos termos em que acima tratámos o conceito, tem de envolver uma causa de pedir, designadamente os seus elementos de facto e de direito.
Ora os sobreditos termos do artigo 40º da PI do processo principal, muito menos os da PI do apenso, não bastam a que se equacione uma causa de pedir, assim entendida, ainda que dirigida a apenas uma parte ou dimensão do pedido. Com efeito, nada é dito sobre princípios ou normas violados.
Talvez a melhor técnica recomendasse uma explicitação de que não haveria apreciação do mérito desta alegação. Contudo não se pode cair na contradição de que o silêncio da sentença recorrida é omissão de pronúncia sobre uma questão que, afinal, não tem a natureza de uma verdadeira questão para os efeitos do artigo 125º nº 1 do CPPT.
Pelo exposto, improcede a alegação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à alegação de falta de suporte legal das correcções técnicas à matéria tributável de 2006.

3ª questão
Incorre, a sentença recorrida, na nulidade prevista na al. b) do n.° 1 do art. 668° do CPC – não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – por, quanto à correcção técnica da factura n.° 5, apenas referir como facto provado a não aceitação do seu valor como custo, não mencionando qualquer fundamento de direito para a proscrição daquela correcção?

Também aqui está prejudicada a aplicabilidade da norma invocada, uma vez que o artigo 125º nº 1 do CPPT comina especifica, como causa de nulidade da sentença “a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão”.
Vejamos, então, se procede a alegação de nulidade.
Na descrição da matéria de facto, feita, em parte, por transcrição do RIT mas não enquanto facto da AT, isto é, aparecendo como sujeito do discurso a própria juiz a qua (cf. artigos 14º a 15º), deparamos com a seguinte alusão à “factura n.º 5”:
“1.2.1. Detectou-se na contabilidade a factura n.º 5 emitida em 2005-06-30 pela sociedade “V., Lda”, NIPC: (…), com a designação “aluguer de nosso equipamento de jardinagem para uso nas v. instalações.” O valor debitado na factura é de 7.500 euros, acrescido de 1.425,00 de IVA - Anexo 2.
Nos termos do n.° 1 do artigo 23.° do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Ora, no caso em apreço, constatou-se que a sociedade “F....,, Lda”, não possuía qualquer jardim, pelo que, nos termos do artigo 23.° do CIRC, o custo não é fiscalmente aceite.»
Portanto, deu-se como provado que a AT desconsiderou a factura nº 5, no valor de 2005-06-30 de 7.500 euros, acrescido de 1.425,00 de IVA (aluguer de equipamento de jardinagem) da sociedade V., Lda”, acrescentando aritmeticamente aos proveitos de 2005 o seu sobredito valor, para o que invocou a não relacionação da despesa com a manutenção da fonte produtiva da Impugnante e o disposto no artigo 23º do CIRC.
A decisão recorrida foi no sentido de uma erradicação integral, da ordem jurídica, das liquidações impugnadas, as quais relevaram, além do mais, desta correcção técnica da matéria tributável. Logo, rejeitou essa desconsideração.
Percorrida a fundamentação de direito da sentença, porém, não encontramos a menor referência à desconsideração desta factura, quer directa quer indirecta, quer especificamente quer englobadamente.
É, portanto, evidente que a Mª Juiz a qua omitiu qualquer a fundamentação de direito para esta dimensão do dispositivo da sua sentença.
Tem entendido, abundante doutrina e jurisprudência sobre processo civil e, secundando esta, sobre processo tributário, que a sobredita causa de nulidade da sentença só ocorre quando for absoluta a inexistência de especificação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão, não quando a mesma for parcial, caso em que haverá outrossim erro de julgamento, de facto ou de direito. Apesar de termos vindo a sustentar a nulidade parcial, quando o que se omite é a especificação de parte dos factos provados e ou não provados relevantes para a decisão, não vemos motivo para divergir de tão instalada corrente quando se trate da especificação dos fundamentos de direito, pois em matéria de direito, não imperando o dispositivo (cf. artigo 664º do CPC (antigo), não saem comprometidos os direitos dos sujeitos processuais que, na especificação da matéria de facto, estão em jogo.
É parcial, a falta de especificação dos fundamentos de direito, quando se não enuncia a fundamentação de direito quanto a uma parte destacável do decidido, mas se enuncia a fundamentação quanto a uma outra parte. In casu, teria ficado por especificar, segundo a Recorrente, a ilegalidade da correcção aritmética consistente na desconsideração do custo titulado na factura 5 daV, de 30/6/2005, no valor de 7 500 € mais IVA. Este aspecto da causa de pedir e do pedido anulatório é destacável do demais pretendido e sobremaneira relevante, porque em sede de execução do julgado serão diferentes as vinculações da AT, consoante proceda ou improceda a alegação da ilegalidade desta concreta correcção. Como assim, e uma vez que não se suscita a falta absoluta de especificação de fundamentos de direito da decisão, concluímos que não ocorre a causa de nulidade de falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão.
Poder-se-ia – já que juris novit curia – pensar que ocorre outrossim a nulidade de omissão de pronúncia sobre uma questão de que cumpria conhecer. Mas tão pouco é esse o caso. Com efeito, a ilegalidade da desconsideração dos custos titulados na sobredita factura nº 5 não é suscitada como questão, na PI, no sentido já acima explicitado, pois a única referência que é feita a esta factura é a do artigo 40º, na qual o Impugnante se limita a dizer que não aceita a sua desconsideração por faltarem motivos objectivos e suporte legal.
Como assim, improcede também a arguição de nulidade da sentença nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, por não especificar os fundamentos de direito do decidido quanto à correcção aritmética consistente na desconsideração do custo titulado na factura 5 da sociedadeV”, de 30/06/2005.

4ª questão
Errou, a sentença recorrida, na apreciação da prova, pois da prova documental e testemunhal produzida, não resultou a prova de todos os factos dados como provados e que alicerçaram a decisão recorrida?
Como tem sido entendido uniformemente por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Nestes pressupostos normativos, apreciemos a questão sub judices:
As “conclusões” que motivam, directa ou indirectamente, a formulação desta questão são as “conclusões” B a F, N, O, S e T.
Em nenhuma delas a recorrente identifica os factos sobre que houve erro na apreciação da prova, e muito menos os meios de prova que determinam julgamento diverso do que vem feito na sentença recorrida. Na verdade, as sobreditas conclusões ficam-se por juízos genéricos relativos ao julgamento de facto, jamais descendo a individualidade dos factos que se pretenderia ver julgados como provados ou como não provados.
No corpo das alegações, tão pouco se encontra qualquer das referências objecto do sobredito ónus.
A alegação, portanto, não cumpre o sobredito ónus no que respeita, quer aos factos julgados quer quanto aos meios de prova.
Assim, porque não cumpre com o ónus do Recorrente, disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CPC, o recurso vai rejeitado nesta parte.

5ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, ao menos, de erro de direito, ao “anular” a correcção técnica relativa à mesma factura nº 5, uma vez que a impugnante não logrou demonstrar, como lhe competia, que tal custo foi indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art.º 23° do CIRC?
Foi julgado provado, na sentença recorrida, que (artigo 54º da fundamentação de facto) “A Factura n.°5. de 30/06/2005, emitida pela sociedade “V., Lda, diz respeito ao trabalho de limpeza efectuado nos estaleiros da ora impugnante, que durante algum tempo foi efectuado por uma trabalhadora dessa empresa que, atendendo à sua utilidade e necessidade passou a integrar o quadro de trabalhadores da ora Impugnante”.
Portanto ficou demonstrada uma destinação da despesa à manutenção da fonte produtiva, em termos de razoabilidade, que a inexactidão, digamos, meramente adjectiva, da menção na factura não posterga, ao menos para efeitos do IRC. Como assim, a desconsideração, pela AT do custo da factura 5 de 30/06/2005, emitida pela sociedade “Vfoi desconforme com o artigo 23º nº 1 do CIRC, pelo que, apesar do silêncio quanto à fundamentação de direito (cf. supra) não há erro de julgamento na decisão de anulação da liquidação de 2005, na parte em que relevou da desconsideração desse custo.

6ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, de erro de direito ao julgar padecerem, os actos impugnados, de vício de falta de fundamentação quanto à decisão de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, porquanto os Serviços de Inspecção Tributária carrearam factualidade suficiente e remeteram para o quadro legal aplicável, em termos que permitem a um destinatário normalmente diligente ficar em condições de saber e conhecer qual o itinerário cognoscitivo prosseguido pelo seu autor?

Todo o excurso da fundamentação de direito da sentença recorrida é explanado sob a epígrafe “A – Falta de fundamentação”, mas consiste, materialmente, numa sustentação da ilegalidade material dessa decisão, amiúde redutível ao próprio texto da petição inicial, sob a alegação de que a Impugnante demonstrou que não ocorriam os pressupostos de recurso à avaliação indirecta da matéria tributável em face, supomos, dos “factos” que ela logrou provar, muitos dos quais são, afinal, conclusões e juízos de direito, posto que elencados na fundamentação de facto, como se de factos se tratasse.
Pretenderia a Mª juiz recorrida discorrer apenas sobre o que alguns designam – redundantemente – por “fundamentação material” e que mais não é do que o mérito o demérito material da fundamentação do acto tributário?
Nisso, aliás, secundou a Impugnante, que, na petição, não assacou aos actos qualquer vício concreto de insuficiência de fundamentação, designadamente quanto à decisão de recurso à avaliação indirecta (embora empregue também essa expressão no sentido de uma inexistência de fundamento de facto e de direito para a decisão do recurso à avaliação directa).
De qualquer modo, e uma vez que, mal ou bem, o vício de falta de fundamentação foi suscitado na Petição, nominado na sentença, a qual também é criticada, no recurso, por tal prisma, não deixará, este Tribunal, de apreciar a alegação de erro de julgamento de direito da sentença recorrida quando fundou o seu decisório, de procedência total da impugnação, no que designou por falta de fundamentação da decisão de recurso à avaliação indirecta.
Cumpre começar por dizer que a decisão cuja legalidade aqui releva para a validade das liquidações adicionais impugnadas não é a que directamente decorreu do RIT, mas sim a que pôs termo ao incidente de revisão da matéria tributável movido em devido tempo pela Recorrida (cf. artigos 91º e 92º da ÇGT e 117º do CPPT).
Sem embargo disso, compulsado o teor da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável, verificamos que ela se louva explicita e exclusivamente no RIT, pelo que era a este que se tinha e tem que referir qualquer alegação de insuficiência de fundamentação da decisão, no sentido dito formal, isto é, no sentido de faltarem os elementos necessários a que um destinatário normal logre reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor da decisão.
Como vimos, na Petição Inicial nada foi alegado de concreto em demostração de uma insuficiência da fundamentação no sentido dito “formal”, apenas se alega conclusivamente e naquele outro sentido, dito “material”, a falta de fundamento, no sentido de pressupostos legais, da decisão de recurso a métodos indirectos.
Percorrida, porém, a transcrição do capítulo IV do RIT, efectuada nos artigos 14º e 15º da fundamentação de facto, verificamos que a Inspecção enunciou plúrimos argumentos de facto e de direito no sentido demonstrar a infiabilidade da escrita da Impugnante, mas nem sempre o fez de modo que permita reconstituir o tal iter cognoscitivo e valorativo, isto é, mencionando factos tidos por provados, porque documentados na escrita ou por outro modo conhecidos, que, por resultarem em inverosimilhanças ou contradições, fundassem a conclusão pela não correspondência – para menos – dos resultados contabilísticos com a realidade.
Naquele discurso, enunciado no capítulo IV sob o título “Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, encontramos os seguintes segmentos e aspectos em que não é possível ao destinatário reconstituir todo o iter intelectivo do autor da decisão de recurso a métodos indirectos.
Especificamente quanto ao exercício de 2004:
“No exercício de 2004, declara compras e existências finais de mercadorias nos montantes de 10,500,00 euros e de 6,287,44 euros respectivamente e não releva vendas de mercadorias. Tendo-se solicitado os mapas “Análise de Vendas”, constatou-se que as vendas de mercadorias estavam incluídas nas vendas de produtos.
- Da análise dos referidos mapas “analise de vendas”, constatou-se que o sujeito passivo, incluiu nas quantidades de produtos, as quantidades debitadas de serviços prestados.
Verifícando-se assim, quantidades indevidamente incluídas nos pontos de vendas do Q e de P(...) 14.328,11 toneladas e na R(...) 62,0 toneladas.
Pelo exposto, resulta divergência nas vendas declaradas ou na quantificação da existência final.”
Sucede que “o exposto” não contém a explicitação do motivo por que ocorre qualquer impossibilidade de quantificar o que devia e não devia ter sido incluído nos “mapas de vendas”, ou o que devia e não devia ter sido inscrito nas existências finais, quando é certo que seria de esperar o contrário, atenta a verificação, pela Inspecção, do erro de contabilização. Portanto, nesta parte do objecto da fundamentação há, no mínimo, insuficiência da mesma.
Especificamente quanto ao exercício de 2005, o RIT enuncia o seguinte:
“-Inclui no inventário de existências finais de mercadorias o montante de 15.644,65 euros, respeitante a cubos que foram debitados pela empresa “G..., Lda., na factura n.°200500012 emitida em 2005/03/30. Na referida factura consta a menção '‘atenção: colocação do material à disposição em Dezembro de 2003”.
- Conforme se constatou pelo inventário de 2004/12/31, estas mercadorias não foram declaradas em existências.
- O custo de produção foi mal calculado, ou seja, calcularam que o custo de produção do '"Areio” foi de 8.25 euros, quando o correcto seria 5,36 euros.
Consequentemente, as Existências Finais de Produtos declaradas estão incorrectamente valorizadas”.
Aqui, desde logo, não se percebe por que é que era impossível a correcção técnica das existências em 2004, aditando-lhe os tais cubos que só foram levados às existências de 2005. Depois, sem mais explicitações não se consegue acompanhar a conclusão do RIT, de que o custo de produção não foi de 8.25 € mas de 5,36 €, aliás, nem se percebe a que unidade de conta se refere esse custo.
Especificamente quanto ao exercício de 2006, o RIT expõe, entre o mais, o seguinte:
“No exercício de 2006, como consequência do ano anterior, a existência inicial de produtos encontra-se mal valorizada por 8,25 euros, quando correctamente seria 5,36 euros.
Na valorização da produção de areia foram consideradas quantidades de brita e de tout venant, quando estes são produtos acabados da pedreira e não incorporados na produção de areia.
Assim, o sujeito passivo considerou um custo de mercadoria vendida igual ao da produção de areia (5,72 euros), quando deveria ter utilizado o custo de produção da pedreira que foi de 2,71 euros.
Os factos expostos nos dois pontos anteriores indicam que existem irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, o que conduz a adulteração dos resultados da empresa.
Desta feita, antes de mais, continuamos a não saber a que unidade de conta se referem os valores de 8,25 € e 5,36 €, bem como por que iter cognoscitivo chegou a Inspecção aos valores alegadamente errados e certo das existências iniciais de 2006. No mais, não só emerge um novo enigma quanto à unidade de conta e quanto aos valores considerados certo e errado dos custos de mercadoria vendida, como fica por explicar o motivo por que a contabilização das britas como mercadoria em vez de como produtos acabados impossibilita a determinação directa dos resultados reais da empresa.
Contudo, quer na referência indiscriminada aos três exercícios, logo no início do capítulo, quer no restante discurso especificamente dirigido ao exercício de 2006, o RIT refere outros factos que, no entender da Inspecção, são objectivamente indiciadores de a contabilidade da Impugnante não espelhar os seus resultados reais, por omitir factos tributários relevantes, daí decorrendo não ser possível determinar aqueles, e fá-lo de modo que permite reconstituir o seu percurso intelectivo, com ou sem recurso aos quadros e documentos anexos ao relatório.
Temos, assim, por certo, que os actos impugnados enfermam de insuficiência ou falta de fundamentação quanto a determinados, mas não todos, elementos de facto invocados como sua fundamentação.
Cumpre perguntarmo-nos se este vício, assim em concreto delimitado, é invalidante dos actos impugnados.
Uma vez que remanescem factos e discurso suficientes para, ao menos do ponto de vista do próprio autor do acto, continuar fundamentada (e com bom fundamento) a decisão de recorrer aos métodos indirectos (cf. supra), entendemos que o princípio do aproveitamento do acto administrativo (utile per inutili non viciatur) nos impõe considerar este vício como, in casu, inoperante, uma vez totalmente ignorada, como se não escrito, todo o discurso de fundamentação considerado insuficiente, conforme se expôs.
Como assim, a despeito das concretas manifestações de insuficiência de fundamentação acima discriminadas, é afirmativa a resposta à questão sub juditio.

7ª questão
Enferma, a sentença recorrida, de erro de julgamento de direito, designadamente com ofensa do artigo 87º alª b) da LGT, por ter julgado não estarem reunidos os pressupostos legais do recurso a métodos indirectos na determinação da matéria colectável dos anos de 2004 a 2006, já que a AT recolheu, no relatório da Inspecção, prova de uma pluralidade de irregularidades/omissões que impossibilitaram a comprovação e a quantificação exacta da matéria tributável, a saber: não utilização de inventário permanente, (legalmente obrigatório); não utilização de qualquer sistema de controlo interno; inexistência de guias de remessa e de transporte; irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, conduzindo à alteração dos resultados da empresa e ao cálculo errado dos custos de produção; pesagens não facturadas pela impugnante; inconsistência dos movimentos financeiros quando comparados com os extractos bancários; falta de correspondência entre as quantidades médias que cada camião carrega, obtidas das quantidades pesadas pela balança, e as quantidades médias facturadas pela impugnante, o que revela omissões de vendas em 2004, 2005 e 2006?

A Recorrente indica como violado, o artigo 87º alª b) da LGT, norma de que decorre a natureza eminentemente subsidiária do recurso à avaliação indirecta. A AT não teria provado, mas apenas presumido, a impossibilidade de se determinas directa e exactamente o valor da matéria tributável.
Na apreciação desta questão, porém, não se pode passar ao lado de um complexo normativo decisivo na sua resolução.
Referimo-nos à conjugação dos artigos 74º nº 3 e 75º nºs 1 e 2, especialmente, em concreto, a alª a) deste, da LGT, que rezam assim:
Artigo 74ª, nº 3:
“3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”
Artigo 75.º
Declaração e outros elementos dos contribuintes
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;(negro nosso).
Deste complexo normativo resulta que, se é certo que é da AT a alegação e a prova de que é impossível a avaliação directa; e que, estando a contabilidade da Impugnante correctamente organizada, se presume a veracidade do declarado pelo contribuinte e espelhado nela – portanto, a autenticidade de toda a escrita – também o é que, logrando a AT provar factos dos quais resultem indícios fundados, isto é, suspeitas sérias e objectivas, de que, afinal, a contabilidade impecável não reflecte (antes dissimula) a matéria tributável real, com a consequência óbvia de ser impossível determiná-la com certeza e exactidão, passa a ser do contribuinte o ónus de provar, seja a conformidade dessa contabilidade com a realidade, seja o excesso de quantificação em que se tenha incorrido na sua fixação pelos métodos indirectos.
Assim, a questão ora sub judices reside essencialmente em apreciar se os factos e conclusões de facto nela enunciados, se provados, são susceptíveis de gerarem, ao menos, aqueles indícios fundados.
A resposta depende de um confronto de cada uma das “irregularidades/omissões” enunciadas, por um lado, com a matéria de facto dada por provada, por outro.
Excluídas desse confronto estão, porém, as “irregularidades na quantificação e valorimetria dos stocks, conduzindo à alteração dos resultados da empresa e ao cálculo errado dos custos de produção;”, já que a sua apreciação está prejudicada, por a sua explicitação no RIT ter sido insuficiente para os efeitos da fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos, conforme acima expusemos.
Quanto às restantes conclusões, cumpre confrontá-las com os factos provados, no sentido de se apreciar se os mesmos permitem a sua formulação e são factores de sérios indícios de ocultação de factos tributários e, consequentemente, da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável, impossibilidade que é inalienável pressuposto de facto de toda a decisão de recurso à avaliação indirecta, conforme o invocado artigo 87º alª b) da LGT.
Assim:
A – Não utilização de inventário permanente.
É facto assente que a Impugnante não tinha inventário permanente de existências, relativamente a qualquer dos exercícios inspeccionados.
O DL nº 44/99 de 12/2 não abre qualquer excepção à actividade de extracção de inertes, quanto à obrigatoriedade de se manter o dito inventário. Aliás, a sua existência constitui um assinalável progresso na capacidade de verificação transparente da realidade, em cada momento.
O incumprimento desta obrigação acessória do contribuinte, além de poder relevar como facto típico de uma infracção fiscal, não só dificulta, pelo menos, a conferência das existências, como suscita ponderosas suspeitas de se integrar numa prática de ocultação sistemática de entradas e saídas, concorrendo para uma impossibilidade prática de determinação exacta da matéria tributável.
Assim a inexistência de inventário permanente era, in casu, pressuposto válido da decisão de se recorrer a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável.
B – Inexistência de qualquer sistema de controlo interno.
Esta inexistência é confirmada, segundo o RIT, em declarações do técnico de contas da impugnante.
Também esta deliberada omissão de criação ou de exibição dos elementos de um controlo interno de entradas e saídas de mercadorias e ou produtos é um facto gerador de suspeitas de haver efectiva ocultação de aquisições e produções e vendas, pois impossibilita um cruzamento de dados que seria esclarecedor, em caso de inspecção externa destinada à verificação da veracidade dos proveitos e custos declarados pelo contribuinte, enfim, mais um facto que, isoladamente considerado, poderia não ser suficiente para suscitar e fundamentar indícios fundados de deliberada ocultação de proveitos, mas em conjunto e concorrência com os outros factores, considerados e a considerar, já os poderá sustentar.
Prossigamos:

C - Inexistência de guias de remessa e de transporte
A inspecção decorreu entre Maio e Setembro de 2007, relativamente aos exercícios de 2004 a 2006.
O artigo 1º do DL vindo a citar dispunha que “Todos os bens em circulação, em território nacional, seja qual for a sua natureza ou espécie, que sejam objecto de operações realizadas por sujeitos passivos de imposto sobre o valor acrescentado deverão ser acompanhados de documentos de transporte processados nos termos do presente diploma.
A guia de remessa e a guia de transporte são documentos de transporte, na definição dada pelo artigo 2º nº 1 alª b) do regime dos bens em circulação em vigor em 2004, 2005 e 2006, constituído pelo DL nº 147/2003, de 11 de Julho, na redacção resultante da declaração de rectificação nº 10-C/2004 de 31/7.
Nos termos daquela norma, considera-se “b)'Documento de transporte' a factura, guia de remessa, nota de venda a dinheiro, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes;”.
Nos termos do artigo 5º nº 1 daquele diploma e redacção, “1 - Os documentos referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º devem ser processados em três exemplares, utilizando-se impressos numerados seguida e tipograficamente ou processados por computador, com uma ou mais séries, convenientemente referenciadas.”
Nos termos do artigo 6º nº 5:
5 - Os exemplares dos documentos de transporte referidos no n.º 1 do artigo anterior são destinados:
a) Um, que acompanha os bens, ao destinatário ou adquirente dos mesmos;
b) Outro, que igualmente acompanha os bens, à inspecção tributária, sendo recolhido nos actos de fiscalização durante a circulação dos bens pelas entidades referidas no artigo 13.º, e junto do destinatário pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos;
c) O terceiro, ao remetente dos bens.
E o nº 6 do mesmo artigo dispõe:
6 - Sem prejuízo do disposto no artigo 52.º do Código do IVA, devem ser mantidos em arquivo, até ao final do 2.º ano seguinte ao da emissão, os exemplares dos documentos de transporte destinados ao remetente e ao destinatário, bem como os destinados à inspecção tributária que não tenham sido recolhidos pelos serviços competentes.
Dos termos da alª b) acima transcrita pode concluir-se serem alternativos todos os documentos de transporte aí definidos como tais, de maneira que, havendo factura, seria inexigível a guia.
Porém, segundo o nº 4 do artigo 4º do Regime dos Bens em Circulação, “As facturas, guias de remessa ou documentos equivalentes devem ainda indicar os locais de carga e descarga, referidos como tais, e a data e hora em que se inicia o transporte.”, pelo que só uma factura com tais referências pode substituir a guia de transporte.
Acresce que nos usos do comércio nem sempre a factura é emitida e entregue no momento da remessa ou do transporte, casos em que as guias de transporte e de remessa são indispensável documento de transporte.
Assim, atento o acima citado nº 6 do artigo 6º, aquando da inspecção era legalmente devida a conservação em arquivo, das guias relativas a remessas e transportes efectuados em 2005 e 2006. A Impugnante apenas tinha as guias de 2007.
Desse modo, a impugnante não só violou um dever acessório de sujeito passivo de IVA como, efectivamente, deu azo a séria suspeita de essa não preservação das guias de anos anteriores ser integrante de um conjunto de omissões de elementos destinadas a ocultar vendas reais superiores às facturadas, por dificultar o cruzamento de dados da facturação com outros rastos documentais das operações tributáveis.
Este facto pode, isoladamente considerado, não ser suficiente para suscitar e fundamentar a suspeita de ocultação de proveitos, mas em conjunto e concorrência com outros factores provados, considerados e a provados, já será motivo de fundadas suspeitas daquela ocultação.

D – Pesagens não facturadas pela impugnante (relativa e ou absolutamente);
Os factos concretos provados em que assenta esta conclusão de facto consistem, desde logo, nas apreensões de camiões da Impugnante por três vezes, duas em 20/4/2006 e uma em 30/1/2007, em outros tantos autos de notícia por contra-ordenações integradas pelo facto de o peso das mercadorias ou produtos transportados ser superior ao facturado.
Os bens transportados eram, segundo os autos de notícia, respectivamente, “areia de saibro”, Areia de saibro” e “Meia Areia”.
Também é suporte fáctico da conclusão em análise a provada diferença entre as quantidades médias que cada camião carrega, obtidas a partir das quantidades pesadas pela balança, segundo o registo informático da mesma, e as quantidades médias facturadas pela impugnante.
É certo que a estes factos, provados pelo RIT, veio acrescer ou a contrapor-se a prova do seguinte:
35.º (…) nos anos sujeitos à fiscalização da AT, fossem utilizados carros de terceiros, os quais vinham por vezes com outros produtos dentro, caso de vigas de cimento, sacos (paletes) de cimento e ferro, de forma a rentabilizar o transporte, sendo carregada a areia ou brita com a mercadoria acupulada - cfr. prova testemunha.
36.° - Nestes casos era retirado o talão de pesagem e contado apenas o peso da areia ou da brita propriedade da Impugnante - cfr. prova testemunhal.
Porém estes factos não serão seguramente desses que foram objecto quer dos sobreditos autos de notícia quer das quantidades médias pesadas acima referidas, pois, quanto aos autos de notícia, está provado, pelo seu teor, que se tratava de cargas apenas de areia de saibro e meia areia, respectivamente; e quanto aos pesos objecto daquela média também só podem ter sido de cargas homogéneas, exclusivamente de inertes, pois, a serem transportados outros objectos em simultâneo e em camiões de terceiros já carregados com outros materiais e equipamentos, seria impossível pesar apenas areia e ou demais inertes facturados.
Também estas desconformidades são susceptíveis de concorrerem para uma fundada suspeita de a facturação da Impugnante, em qualquer dos exercícios inspeccionados, ser deliberadamente inferior às transacções efectuadas.
Do conjunto dos factos mencionados e apreciados supra nas alíneas B a D, e dos factores de suspeita por cada um revelados, como se mencionou caso a caso, julgamos nós que resultam indícios fundados de que a contabilidade da Impugnante não revelava, antes ocultava, parte indeterminável com certeza e exactidão, dos seus proveitos.
Se assim é, então, estavam reunidos os pressupostos do recurso à avaliação indirecta, enquanto último recurso para a fixação da matéria tributável, nos termos do artigo 87º b) da LGT, pelo que a sentença recorrida errou no julgamento de direito ao julgar desconforme com o direito a decisão de se recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável da Impugnante nos três exercícios em causa.

Apreciação da primeira arguição de nulidade da sentença sob o prisma do erro de julgamento.
Sem embargo da improcedência da alegação de nulidade da sentença nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), uma vez que jura novit curia, isto é, o tribunal “não está vinculado às alegações de direito das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – artigo 664º do CPC (antigo) – o objecto da alegação subjacente a esta questão pode e deve ser conhecido nesta sede recursiva enquanto erro de julgamento, não tanto por a Impugnante se conformar, na Petição, com a correcção técnica efectuada pela Inspecção, pois não estamos no âmbito de direitos disponíveis, mas porque, efectivamente, a natureza daqueles custos não era subsumível ao artigo 23º nº 1 do CIRC, pelas razões de direito enunciadas no capítulo IV do RIT, que passamos a citar.
“Conforme alínea j) do n.° 3 do artigo 3.° do Código do Imposto do Selo (C1S), o imposto constitui encargo do titular do interesse económico, neste caso, o sacado.
Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 42.° do CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os impostos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.”
Assim, a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando o artigo 23º nº 1 e 42º nº1 alª c) do CIRC ao anular as liquidações de 2004 e 2005 também na medida em que relevavam das correcções técnicas correspondentes à desconsideração, com custo dedutível, do imposto de selo suportado pela impugnante relativamente a letras sacadas sobre clientes, nos valores de 1.141,69 Euros e 776,64 Euros, respectivamente, pelo também vai revogada nesta dimensão do julgado.

A arguição da nulidade subjacente à segunda questão supra enunciada e discutida não pode ser apreciada em chave de erro de julgamento, uma vez que a Recorrente não critica, em concreto, a decisão de anulação da liquidação de 2006 no que respeita à sua correcção técnica, antes e apenas argúi a nulidade da sentença, como se viu. Assim, a sentença recorrida permanece intacta no que respeita à anulação da liquidação de 2006 na dimensão que releva da correcção técnica à matéria tributável de 2006.

Conclusão:
Das expostas respostas às questões enunciadas e do que acaba de ser apreciado em chave de erro de julgamento, a propósito da primeira questão, decorre que o recurso procede em todo o seu objecto, excepto no que respeita à correcção técnica à matéria tributável do exercício de 2005 devida à não aceitação, como custo elegível, do objecto da factura nº 5 de 30/6/2005 da V, no valor de 7 500 € mais IVA, e à correcção técnica efectuada à matéria tributável de 2006.

Em consequência de tudo o exposto, dever-se-á conceder parcial provimento ao recurso e, em harmonia com a fundamentação acabada de expor, julgar a Impugnação improcedente excepto quanto ao que na liquidação de 2005 relevou da correcção técnica motivada pela não aceitação, como custo elegível, do objecto da factura nº 5 de 30/6/2005 daV, no valor de 7 500 € mais IVA; e quanto ao que na liquidação de 2006 relevou da correcção técnica efectuada à matéria tributável, mediante o acréscimo, a esta, de 13 321,83 €.
Manter-se-á, assim e desta feita, intacta na ordem jurídica apenas liquidação de 2004, indo anuladas as de 2005 e de 2006, porém, nos termos e com a fundamentação acabada de expor.

IV – Custas
As custas, em ambas as instâncias, ficam a cargo das partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 90% para a Recorrida e 10% para a Recorrente, conforme decorre do artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso parcialmente procedente e, em harmonia e mos termos sobre expostos, julgar apenas parcialmente procedente a impugnação, indo anuladas, nos sobreditos termos, as liquidações do ano de 2005 e 2006.

Custas pelas partes, na proporção de 90% para a Recorrida e 10% para a Recorrente.

Porto, 17/2/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento
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i) Neste sentido Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT comentada e anotada, 2000, Vislis Editora, pág. 432.

ii) António Santos Abrantes Geraldes obra citada página 238.

iii) Rocha, Joaquim Freitas da, Manual de Proced. e Proc. Fiscal, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 254