Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01684/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
IVA
ISENÇÃO - ARTIGO 14.º DO RITI
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – A nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto, ocorre quando há falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II - Apenas a falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.
III - Logo, não gera nulidade da sentença, mas eventual erro de julgamento, a menção à irrelevância de factos para a decisão da causa, designadamente, com a seguinte formulação: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.
IV - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
V – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
VI - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
VII – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
VIII - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

F…, LDA., Pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, 4410-272 Vila Nova de Gaia, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 27/12/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao período de Janeiro a Julho, Setembro a Dezembro de 2004 e 2005 e de Janeiro a Julho e Setembro de 2006, no montante global de 5.984.119,81 €.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
Quanto à nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto:
A. A factualidade que consta da lista dos factos não provados é, em primeiro lugar, meramente tautológica e conclusiva: a circunstância de as facturas em causa respeitarem a operações reais, “facto” dado como não provado na Sentença, não é um verdadeiro facto – não o pode ser para efeitos da Sentença que deveria ter sido proferida no presente processo –, porque se trata de uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.
B. Em segundo lugar, a especificação da matéria de facto não provada realizada pela Sentença recorrida é inadmissível por ser verdadeiramente inexistente: na verdade, existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial e nas alegações finais, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.
C. A Recorrente fez uma vasta exposição de factos que, apreciados de modo interligado, teriam a susceptibilidade de ter implicado que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não pudesse ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela F... não titulam transacções reais.
D. Por outro lado, aí se explicam igualmente as razões da existência simultânea, a partir de certa data, da F... e da M..., em termos que permitem afastar qualquer estranheza sobre essa existência simultânea.
E. Assim sendo, perante a relevância dos factos aduzidos, que têm a capacidade de refutar os alegados “indícios” da AT, deveria a Sentença recorrida ter-lhes feito uma referência e dedicado uma apreciação expressas.
F. Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como “indícios” suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a M... defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi – como fez – ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.
G. A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, bem como no n.º 1 do artigo 125º do CPC, sendo que para efeitos deste último a falta de descriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.
H. Posto que a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos não provados, é tautológica e insuficiente, nos termos sobreditos, ela acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova – outro vício acerca do qual os Tribunais Superiores têm vindo a construir jurisprudência sólida.
I. Para além de excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua e, de novo, tautológica, podendo até dizer-se que em parte a “motivação” não revela, verdadeiramente, motivação alguma.
J. Por outro lado, todavia, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente.
K. Assim, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelos artigos 653º, 655º e 659º do CPC.
L. Por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, podendo ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 712º do CPC.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de direito:
M. Quer a recusa da isenção do artigo 14º do RITI quer a aplicação do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA obrigam a AT a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores ou adquirentes de serviços ou bens houve um conluio simulatório: para que o primeiro se possa considerar correctamente desaplicado e o segundo correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus clientes fornecedores quer o intuito e o acordo simulatórios quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
N. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva – não constituindo mais do que a mera importação de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a F... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito – a algum conceito – de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e – diga-se – preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.
O. De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).
P. A situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas a um sujeito passivo que tinha actividade no sector das sucatas, por alegadamente este ter deduzido imposto constante de facturas que não titulavam operações reais, sendo essa falsidade concluída exclusivamente a partir dos dados relativos aos fornecedores; e também aí foram pela AT recolhidos e dados como provados nos autos “indícios” integralmente respeitantes aos fornecedores da impugnante (aí recorrida) – à sua ausência de estrutura empresarial, falta de cumprimento de obrigações tributárias, etc. –, de estirpe semelhante à dos que estão ora em causa.
Q. Ora, nesse processo foi decidido – e bem – que “se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental ao mesmo tempo que refere também que tais transacções estão comprovadamente pagas não pode a AF nesta situação por em causa algumas dessas transacções – totalmente documentadas – pelo facto de os emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa”. “A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador”.
R. Esta decisão é de um bom senso e sentido de justiça irrefutáveis: a AT deve recolher indícios credíveis dos quais resulte a probabilidade elevada e directa da simulação, de as operações declaradas serem inexistentes. E, ao contrário do que a Sentença recorrida tem por pressuposto, a documentação cabal das transacções, por parte do sujeito passivo inspeccionado, é prova suficiente da realidade das operações tituladas, não podendo ser refutada apenas com base apenas em factos relativos aos fornecedores.
S. O aresto citado não é isolado ou inovatório: na Jurisprudência do TCA – Norte, facilmente encontramos decisões sobre matéria semelhante à da situação presente coincidentes com a posição defendida pela ora Recorrente (por exemplo, os Acórdãos de 23/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00264/04, o de 01/12/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00405/04, ou o mais recente Acórdão de 06/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º 4645/04-Viseu), os quais se debruçam sobre “indícios” iguais, da mesma estirpe de validade ou muito mais graves do que os que nos presentes autos são mobilizados pela AT, tendo este Tribunal valorado os mesmos com base em critérios de experiência corrente, nomeadamente por referência ao que seria normal ocorrer nas circunstâncias concretas dos sectores de actividade em questão (pouco sofisticados, compostos de empresas desorganizadas – como, precisamente, uma parte do sector das sucatas) e, consequentemente, em sentido desfavorável à AT.
T. Esta jurisprudência, assentando essencialmente na forma como o n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA deve ser interpretado, num caso concreto, à luz das regras acerca do dever de fundamentação da AT e da distribuição do ónus da prova, é também aplicável, mutatis mutandis, à aplicação na nossa situação do artigo 14º do RITI, contribuindo para que se deva julgar erradamente desconsiderada a isenção nele prevista por se ter erradamente entendido existirem indícios suficientes da inexistência das transmissões para a METAL....
U. Não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei – a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a F... e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis –, deveria a Sentença a quo ter decidido que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.
V. Posto que a Administração fiscal não logrou preencher o n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA – algo que, só por si, conduz à ilegalidade dos mesmos –, não quer a Recorrente, no entanto, deixar de referir que, em seu entender, grande parte da argumentação expendida na Fundamentação – nomeadamente no que diz respeito à alegada ausência de estrutura empresarial dos seus fornecedores – deixa transparecer a intenção de aplicar o n.º 4 do artigo 19º do Código do IVA – não o tendo a Administração feito, não poderia nunca aquele artigo ser utilizado em desfavor da Recorrente.
W. Todavia, se a Administração o não mobilizou, foi porque, seguramente, a situação de facto perante a qual se viu não o permitia; é que lhe caberia demonstrar, para além da não entrega ao Estado, por parte dos fornecedores da F..., do IVA suportado por esta e da ausência de estrutura empresarial adequada dos mesmos, que a Impugnante conhecia ou deveria ter conhecimento dessa inidoneidade para a actividade declarada – e a verdade é que, pese embora na maior parte da Fundamentação se deambule em torno das características estruturais de alguns dos fornecedores da F... (e de outros operadores ainda mais a montante), aquele último critério cognoscitivo nem sequer é formulado ou aludido, muito menos lhe sendo oposto (seja como for, a redacção do preceito em causa que permitiria o raciocínio a que nos referimos apenas entrou em vigor em 01/01/2005, introduzido que foi pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, termos em que a sua aplicação a parte dos factos constituiria uma retroactividade que a lei de todo em todo proíbe).
X. Contudo, o facto de a AT se ver concretamente impedida ou incapaz de recorrer ao n.º 4 do artigo 19º do Código do IVA e de, por isso, tentar “desviar” os factos para a previsão de uma norma igualmente inadequada (o n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA) comprova cabalmente a completa falta de idoneidade do direito mobilizado pela AT para fundamentar as liquidações em questão nos autos.
Y. Neste sentido, não é admissível que a Sentença recorrida não tenha apreciado esta questão argumentando para tal (a fls. 18) que a AT não justificou as liquidações com base no n.º 4 do artigo 19º: essa é uma argumentação puramente tautológica, que deve ceder perante a constatação de que havia na lei um preceito onde o legislador quis que se subsumisse o tipo de factualidade e alegação produzida pela AT mas que, perante a sua incapacidade em fazê-lo, esta desviou artificialmente a sua argumentação para um arrimo – o n.º 3 – de escopo, considerou, mais abrangente.
Z. O que a Fundamentação parece, a determinado passo, querer provar é a responsabilidade solidária da Impugnante, nos termos em que ela é hoje prevista no artigo 80º do Código do IVA – preceito que, de qualquer modo, entrou igualmente em vigor apenas em 01/01/2005, introduzido pela referida Lei 55-B/2004, pelo que a sua aplicação seria sempre parcialmente retroactiva e, portanto, ilegal; mais uma vez, também esse artigo não foi mobilizado pela Administração, não podendo as liquidações em crise ser com base nele julgadas legais.
AA. Porém, como grande parte do raciocínio da Fundamentação é tributário da ratio por detrás da sua redacção, convém dar-lhe atenção, até porque – mais uma vez – o facto de a AT construir um determinado raciocínio que supõe a aplicação de um determinado dispositivo legal (especialmente criado para as situações subjacentes àquele raciocínio) mas não o conseguir mobilizar (por respeito ao princípio da não retroactividade da lei fiscal e pela impossibilidade do seu preenchimento factual) demonstra que a Fundamentação se encontra assente em meras suspeitas e saltos ilógicos.
BB. Sinteticamente, no que aquela responsabilidade solidária se traduz é na responsabilidade objectiva de um operador económico no caso em que, participando numa cadeia negocial em que a montante tenha intervindo um operador “marginal” ou “fantasma” (um “missing trader”, na terminologia internacional), tenha adquirido os bens ou serviços a um valor inferior ao preço de mercado.
CC. Em primeiro lugar, competiria à Administração provar que o preço de aquisição dos bens foi inferior ao preço normal de mercado, o que não foi minimamente feito; depois, a responsabilidade solidária objectiva do sujeito passivo – alheia que é por absoluto a qualquer contributo volitivo deste – constitui uma violação grave do princípio da certeza e segurança jurídica, corolário lógico do princípio do Estado de Direito, constitucionalmente acolhido no artigo 2º da CRP, bem como do princípio da autonomia privada, consagrado no artigo 405º do Código Civil e tido como um direito fundamental de natureza análoga, por força do artigo 17º da CRP.
DD. Por outro lado, sendo certo que a lei admite excepções ao mecanismo da dedução – nomeadamente quando as operações tituladas em facturas não revestem efectiva materialidade –, a verdade é que a lei não prevê a automática classificação como fraudulenta de uma operação que se apresenta com todas as características (formais e materiais) de uma operação normal.
EE. É precisamente por consideração destas e de outras preocupações que a Jurisprudência Comunitária tem recentemente proferido um conjunto de decisões – já célebres – totalmente contrárias à legislação de alguns Estado-Membros quanto à responsabilidade solidária objectiva (independente de culpa) do tipo da que aqui nos prende, decretando-as como uma violação do Direito Comunitário.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto:
FF. Foram nos autos aduzidos factos cuja apreciação, se tivesse sido feita, implicaria necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as compras e vendas da F..., em causa nos autos, não titulam transacções reais.
GG. Esses factos são os que constam do elenco do ponto ii.b) da alínea b) do capítulo II das presentes alegações, elenco esse que se dá aqui por reproduzido.
HH. Essa factualidade, se incluída no probatório, levaria potencialmente à demonstração da naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração teria necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector, pelo que não sobra qualquer dúvida da ilegalidade da recusa da aplicação da isenção do artigo 14º do RITI e da mobilização do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA.
Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas consequências legais resultantes dos vícios nele invocados.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de análise crítica de parte fundamental da prova; em erro de julgamento de facto e de direito, impondo-se verificar se quer a recusa da isenção do artigo 14º do RITI quer a aplicação do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA obrigam a AT a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores ou adquirentes de serviços ou bens houve um conluio simulatório, e se tal tarefa foi realizada pela AT; e concluir analisando a pertinência das correcções efectuadas à matéria colectável com referência aos mencionados artigos.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

“Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e do depoimento das testemunhas, considero provados os seguintes factos:
1. A impugnante, tem a sua sede social na Rua…, 4410-272 Vila Nova de Gaia, tendo como exercício de atividade o “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, CAE 46771, adquirindo no mercado nacional sucatas e desperdícios metálicos não terrosos que, revende no mercado espanhol. [cfr. fls. 87 090 do Relatório de Inspeção Tributário junto ao PA].
2. A impugnante foi constituída, por escritura pública, em 30.04.1996, por F… e Fernando…, sendo o primeiro pai do segundo, tendo a gerência sido exercido por ambos;
3. Pelo ordem de serviço n.° OI200705603 e OI200802617, foi determinada a realização de procedimento de inspeção à impugnante, com incidência de IVA paro o ano de 2004 a 2006, o qual decorreu entre 16.09.2008 e 05.01.2009. [fls. 67 a 195 do PA apenso aos autos).
4. Em 26.01.2009, foi elaborado o Relatório, junto de fls. 67 a 195 do PA apenso PA, que aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente:
“3. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável:
Em resultado dos procedimentos inspectivos adoptado, verificou-se que com referencia ao ano de 2004, a entidade inspeccionada contabilizou como vendas as facturas identificados no quadro n.° 1.
(…)
Todas as facturas antes identificadas foram emitidas em nome da sociedade Metal..., SL. A sociedade F... ..., limitada conceituou as vendas em questão como transmissões intracomunitárias de bens (TICB’s), beneficiando assim da isenção prevista no artigo 14.° do regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, razão pela qual não procedeu à liquidação de IVA.
(...)
3.1.1.4. Conclusões
Tendo em consideração o teor da informação recolhida em anterior acção inspectiva (exercícios inspeccionados: 2002 e 2003), bem como a reafirmação por parte entidade inspeccionada dos esclarecimentos antes prestados, conclui-se que à semelhança, das vendas contabilizadas em 2003, as vendas contabilizadas em 2004 e facturadas em nome da empresa Metal..., SL não foram efectivamente adquiridas por esta empresa.
Desconhecendo-se o efectivo adquirente das mercadorias facturas tem o nome da empresa Metal..., SL, conclui-se que tais transmissões de bens não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 14.° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, uma vez que é requisito dessa isenção que a respectiva adquirente uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de Imposto sobre o valor acrescentado em outro estado membro (alínea a) do artigo 14.º do regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
Tendo a sociedade F... ..., limitada conceituado os vendas em questão como TICB‘s e não tendo, portanto, procedido a liquidação de IVA, “conclui-se que ficou por liquidar o respectivo imposto.

PeríodoBase tributável (vendas)Imposto
Janeiro de 2004 166.662,47 31.665.87
Fevereiro de 2004 9.5220,88 18.091,97
TOTAL 261.883,35 49.757,84
(…)
3.1.2. Dedução indevida de Imposto - IVA
3.1.2.1 Ocorrência verificadas no exercício de 2006
Analisadas as compras de mercadorias contabilizadas pelas entidades inspeccionadas ao longo do triénio em exame (2004/2006), verifica-se que nos dois primeiros: todas as aquisições foram feitas à sociedade M... Limitada. Já no ano de 2006 deu-se uma alteração substancial ao nível da carteira de fornecedores, conforme dá nota o quadro que segue:
(…)
Constata-se assim que o primeiro semestre do ano de 2006, no essencial, mantém as mesmas características dos anos anteriores (concentração praticamente exclusiva das compras num único fornecedor, que é o mesmo ao longo desses dois anos e meio).
No segundo semestre de 2006, cessam por completo as compras à sociedade M... ..., limitada. No entanto, as aquisições mantêm-se concentradas num único fornecedor que passa o ser a empresa Sucatas ... Unipessoal, limitada. A concentração, embora se mantenha muito elevada (84,92%), coexiste com o surgimento de um considerável número de fornecedores (65) a grande maioria deles com um volume de fornecimentos muito reduzido. (...)
3.7.2.2. Dedução de imposto liquidado fraudulentamente [anos de 2004, 2005 e primeiro trimestre de 2006)
(…)
3.1.2.2.2 Actividade exercida
Ainda de acordo com a escritura de constituição de sociedade, a entidade inspeccionada dedica-se ao comércio, recuperação e exportação de sucatas. Nos períodos inspeccionados, através da análise dos documentos contabilizados, verificou-se que a actividade de desenvolvida está conforme ao objecto social fixado nos estatutos da empresa F... ..., limitada. Concretamente constatou-se que esta empresa adquire no mercado nacional sucatas e desperdícios metálicos não ferrosos que, na sua esmagadora maioria, revende no mercado espanhol.
3.1.2.2.3 Relações da entidade inspeccionado e dos sócios com a sociedade M... ..., limitada
Correndo à informação presente nas Declarações Anuais entregues pela entidade inspeccionada, concretamente através das Mapas Recapitulativos de Fornecedores (Anexos P), verificou-se que as aquisições de bens declaradas pela sociedade F... ..., limitada com referência ao quinquénio que vai 2001 a 2005, tiveram como origem quase única, a empresa M... ..., limitada (NIPC: 5…), conforme se pode verificar pelos valores inscritos no quadro que segue.
(…)
Para além do óbvia articulação de negócios entre as sociedades F... ..., limitada e M... ..., limitada, verificou-se, ainda que:
- A sede da entidade inspeccionada está localizada num prédio que pertence á Sociedade M... ..., limitada, integrado numa zona industrial de Vila Nova de Gaia. Pela cedência de instalações a primeira paga à segunda uma renda.
- É numa sala do prédio atrás referido, partilhada pelos dois gerentes da entidade inspeccionada, que funciona a direcção comercial, financeira e administrativa das sociedades F... ..., limitada e M... ..., limitada.
- É numa outra sala, contígua àquela que antes se referiu, que habitualmente se encontra o outro gerente da sociedade M... ... limitada, o senhor J..., que dirige as operações de carga, descarga, tratamento e armazenagem de mercadorias.
- A sociedade F... ..., limitada dispõe ainda de outro armazém situado na mesma zona industrial.
- No quinquénio que vai do ano de 2001 ao ano de 2005 (ver anexo n.° 13), o quadro de pessoal do entidade inspeccionada integrou, para além dos dois gerentes, um único empregado, concretamente um funcionário de armazém (Nota: Foram também pagos rendimentos de pequeno monta ao senhor L… que, de acordo com a entidade inspeccionada, é filho do gerente Fernando… e desempenha funções no escritório da empresa).
- A entidade inspeccionada não dispôs nem do pessoal, nem do equipamento necessário ao manuseio e tratamento das mercadorias que transacciona, pessoal e equipamento esse que lhe foi disponibilizado pela empresa M…, limitada.
Em resumo, verificou-se que as sociedades F... ..., Limitada e M…, limitada comungam as mesmas instalações e do mesmo equipamento, do mesmo quadro de pessoal, da mesma direcção comercial, financeira e administrativa (F… e Fernando…) e da mesma direcção no que se refere às operações carga, descarga, tratamento e armazenagem de mercadorias (J…).
(…)
3.1.2.2.7, Conclusão
Face à informação recolhida não pode deixar-se de notar a coincidência de situações existente nos extremos do circuito comercial que é conhecido. Num dos extremos do circuito, temos entidades, “marginais” (L… Comércio de Sucatas unipessoal, Limitada, J…, R… Comércio por grosso de Sucatas, P…, L…, J…, Sucatas…, limitada, F…, G…, limitada, N…, limitada e F…, limitada) que, simulando transmissões bens, emitem facturas e liquidam o respectivo IVA, sem que cumpram a obrigação de entregar este imposto.
(...)
Conclui-se assim que o imposto considerado como dedutível pela entidade inspeccionada, tendo e circunstâncias fraudulentas que envolvem tal dedução, não poderá ser considerado como dedutível na parte correspondente ao imposto liquidado fraudulentamente pelos sujeitos passivos “marginais” antes identificados (imposto este que foi liquidado à sociedade M..., ..., limitada e que esta repercutiu à sociedade F... ..., limitada).
(…)”
5. Em conformidade com o relatório de inspecção constante de fls. 67 a 195 do PA apenso PA, entre outros factos, foi apurado que:
a) No ano de 2004, pela sociedade F... ..., limitada foram emitidas em nome da sociedade – Metal…, SL, com sede em Espanha, várias faturas, as quais contabilizou como vendas e totalizavam o valor de 261 883,35€;
b) As operações foram qualificadas pela impugnante com transacções intracomunitárias não tendo sido liquidado IVA, que ascendia ao valor de 49 757,84€;
c) Foi apurado pela Administração Tributária, através da Cooperação Administrativa Comunitária, e, em inspecções relacionada com a Impugnante e relativa ao ano de 2002 e 2003, que a sociedade Metal…, SL, com sede em…, 28005 Madrid, iniciou a actividade em 01.07.2003 e cessou em 16.05.2005;
d) A sociedade – Metal…, SL não tem sede para o exercício da actividade e não tem empregados;
e) O administrador da sociedade é N…, cidadão português, residente Rua… Cacém, que disse que nunca esteve em Espanha e não tem qualquer sociedade;
f) Entre os anos de 2001 a 2005, as aquisições de bens declaradas pela sociedade F..., limitada, tiveram como origem quase única, a empresa M... ..., Lda;
g) A impugnante tem sede num prédio que pertencente à sociedade M... ..., limitada, integrado na zona industrial de Vila Nova de Gaia;
h) A sociedade M... ..., Lda., tem por sócio F… que também é gerente da impugnante;
i) O quadro de pessoal, da impugnante, do ano de 2001 a 2006, é constituído por dois gerentes e um funcionário de armazém;
j) A sociedade M…, ..., Lda, foi objecto de três acções inspetivas, nos anos de 2002/2003, 2004/2005 e 2006 tendo sido concluído que as facturas contabilizadas, não correspondem a quaisquer transacções comerciais, com os agentes que nelas figuram como seus emitentes, tendo-se procedido à correcção do respetivo impostos;
k) Nos anos de 2004 a 2006 a M..., ..., Lda, tinha como fornecedores L… Unipessoal, Lda., J…, R… - Comércio por grosso de Sucatas Lda., P…, L…, J…, Sucatas…, Lda., F…, G… Unipessoal, Lda., N…, Lda., e F…, Lda., os quais estavam referenciados como emitentes de facturas que não tinha subjacente qualquer transacção comercial.
l) A impugnante no ano de 2006 contabilizou facturas emitidos por Sucatas… Lda., e G… Unipessoal Lda., nos valor de 5 048 847,97 € e 189 877,30 € e repestivo IVA de 648 334,04 e 3 129,00, respectivamente e constante dos anexos 14 e 15 apenso ao Relatório de inspecção, que aqui se dá por integralmente por reproduzido;
6. Em 19.11.2007, foi produzido relatório sequência de inspecção à G… Unipessoal, Lda., na qual se concluiu que “Considerando o anteriormente exposto relativamente aos fornecedores da G…, os quais representaram nos anos de 2005 e 2006 respectivamente 96% e 99% das compras declaradas e escriturados pela empresa, concluiu-se, face aos procedimentos inspectivos dirigidos a tais agentes e que deram origem aos respectivos relatórios de inspecção, da existência de indícios seguros de que as facturas emitidas não corresponderam a efectivas transmissões de bens, ou seja, trataram-se de operações simuladas.
No que concerne às facturas de vendas emitidas pela G... nesses anos, versus documentos de transporte, concluiu-se de igual forma pela existência de indícios seguros de que as mesmas não corresponderam o efectivas transmissões de bens ou serviços de transporte, situação ou estratégia utilizada no intuito de credibilizar económica e fiscalmente o actividade em si mesma e servir unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento ou transacção inexistentes, conferindo sempre, em qualquer casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome. (cfr. fls 88 a 117 relatório).
7. Em 18.09.2007, foi produzido relatório efectuado pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, sequência de inspecção à sociedade Sucatas ... Unipessoal Lda., na qual se concluiu que:
“(...) De tudo quanto ficou exposto, dá-se como comprovado que a actividade declarada por Sucatas ..., Unipessoal, Lda., é uma actividade aparente, fictícia, e que a mesma foi utilizada pelo seu sócio como se de um verdadeiro sujeito passivo se tratasse, para participar no circuito comercial e documental da sucata, ora como empresa “substituta”, colocada ficticiamente entre os originários transmitentes e os verdadeiros adquirentes, ora como mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo-se unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento, ou transacções inexistentes, conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado no liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome, que, por via dos documentos de compras falsas que contabilizou para as justificar, não foi entregue nos cofres do Estado. (...)” (cfr. fls. 118 a 179 relatório).
8. Das correções resultantes do procedimento inspetivo, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, relativas a cada um dos períodos do ano de 2004 com excepção de 0408, do ano de 2005 com excepção de 0508 e do ano de 2006 com 0608, 0610, 0611 e 0612, todas com data limite de pagamento em 30.04.2009, conforme documentos constante de fls. 326 a 154 dos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
9. Das correções resultantes do procedimento inspetivo, foram emitidas as liquidações de juros compensatórios do ano de 2004 com excepção de 0408, do ano de 2005 com excepção de 0508 e do ano de 2006 com 0608, 0610,0611 e 0612, todas com dato limite de pagamento em 30.04.2009, conforme documentos constante de fls. 154 a 183 dos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
10. O mercado da sucata funciona em três níveis de sujeitos, sendo as fundições e fornos no topo que se dedicam á transformação dos metais e que exigem quantidade e qualidade no produto. O grupo intermédio entidades não transformadoras, que funcionam como agregadores do matéria-prima. E na base pequenos comerciantes “sucateiros” fornecedores de matéria-prima, dotados de pequenas estruturas físicas.
11. A sociedade Sucatas ..., Unipessoal, Lda. é a anterior N... e F... e a G... era a empresa do anteriormente empresário em nome individual F… e que eram fornecedores habituais da M... e da impugnante.
12. A presente impugnação foi apresentada em 26.06.2009.
FACTOS NÃO PROVADOS
Por falta de prova não resultou provado que:
As faturas contabilizadas e emitidas por sociedade M..., ..., Lda., em 2004, 2005 e primeiro semestre de 2006, consubstanciam aquisições e vendas de mercadorias efetivas.
As faturas contabilizadas e emitidas por Sucatas ... Unipessoal Lda., e G... Comércio de Sucatas Unipessoal Lda., no ano de 2006, consubstanciam aquisições de mercadorias efetiva.
As faturas emitidos pela Impugnante à Metal..., SL., consubstanciam transmissões de mercadorias efectivamente vendidas para território espanhol.
Inexistem outros factos provados ou não provados relevantes para a decisão da causa.
3.2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental e testemunhal produzida nos autos.
A prova documental teve por base o Processo Administrativo (PA) constante do Relatório da Inspeção Tributária e respetivos anexos e documentos juntos aos autos pela impugnante.
A Impugnante, apresentou prova testemunhal, no entanto os depoimentos prestados não foram suficientemente credíveis para lograr provar que as mercadorias discriminadas nas faturas, emitidas, foram efetivamente e fornecidos pelas sociedades emitentes das mesmas.
Assim, não tendo sido possível, desde logo, por via desse depoimento nem em qualquer dos outros, esclarecer se as faturas especificamente colocadas em causa no relatório, correspondem a mercadora efectivamente adquirida e transmitidas, pela impugnante, atenta a inexistência de qualquer outro meio de prova que sustentasse aqueles depoimentos.
Os restantes factos alegados não foram julgados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, e por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.”
2. O Direito

Começamos a nossa apreciação pela arguição de nulidade da sentença recorrida, de harmonia com o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por falta de especificação dos fundamentos de facto e de análise crítica de parte fundamental da prova.
Sustenta a Recorrente que os factos por si invocados não fazem parte nem dos factos provados, nem dos não provados, o que inquina a sentença de nulidade, dado que os mesmos relevam para a decisão da causa. Por outro lado, a factualidade que consta da lista dos factos não provados trata-se de uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.
Vejamos como foi efectuado o elenco dos factos não provados:
“Por falta de prova não resultou provado que:
As faturas contabilizadas e emitidas por sociedade M..., ..., Lda., em 2004, 2005 e primeiro semestre de 2006 consubstanciam aquisições e vendas de mercadorias efectivas.
As faturas contabilizadas e emitidas por Sucatas ... Unipessoal Lda., e G... Comércio de Sucatas Unipessoal Lda., no ano de 2006, consubstanciam aquisições de mercadorias efetiva.
As faturas emitidos pela Impugnante à Metal..., SL., consubstanciam transmissões de mercadorias efectivamente vendidas para território espanhol.
Inexistem outros factos provados ou não provados relevantes para a decisão da causa.”
Efectivamente, o tribunal recorrido não elencou na decisão da matéria de facto, designadamente, quanto aos factos não provados, factos simples, mas antes, juízos de valor e conclusões de facto que condicionam irremediavelmente a subsunção ao direito e o desfecho da acção. Assiste, portanto, razão ao Recorrente quando se refere aos três primeiros parágrafos ínsitos na matéria não provada.
Nesta conformidade, este segmento da decisão recorrida nunca poderia manter-se, tendo-se como não escrito, nos termos do disposto no artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, na redacção aplicável à data.
O actual regime do Código de Processo Civil (CPC) relativo à elaboração da sentença aproximou-se do regime que já vigorava no CPPT, consagrado no n.º 2 do artigo 123.º deste diploma; norma que, contudo, vai aparentemente mais longe que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, já que impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
A exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial na sentença, pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da referida discriminação entre "a matéria provada da não provada" – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora, 2011, página 320, citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003, no processo n.º 0869/02.
É precisamente por ter sido eliminado o julgamento da matéria de facto, previsto no anterior artigo 653.º do CPC, que no regime actual do CPC se acolheu uma solução idêntica à prevista no CPPT.
Actualmente é, portanto, incontroverso que, na elaboração da sentença, quer em processo civil quer em processo tributário, o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.
Perfilhamos, no entanto, o entendimento de que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto não provado, bastando-se com uma simples remissão que permita identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita, por exemplo para os artigos das peças processuais, que possibilite às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou não provados, visto que a falta da sua descrição textual pode facilmente ser suprida pela sua leitura/visualização na peça ou documento processual para onde a remissão é feita.
Obedecendo aos cânones impostos pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil a norma é passível de interpretação no sentido de que o legislador do CPPT quis autonomizar a matéria provada da não provada, não impondo que esta seja obrigatoriamente descrita, ao prescrever que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso). Se outra fosse a sua intenção, isto é, se o fim visado com a norma fosse a discriminação da matéria provada e não provada, então por certo que a redacção que teria sido utilizada seria esta: “o juiz discriminará também a matéria provada e a não provada”. A discriminação é, pois, entre uma e outra e não uma discriminação das duas.
Isto é, o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado no sentido de que a referência à matéria de facto não provada se basta com a declaração dos correspondentes factos, de modo semelhante à solução acolhida pelo actual Código de Processo Civil – neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07160/13.
Ora, compulsando a decisão da matéria de facto transcrita supra, mesmo tendo sido eliminada a parte conclusiva, é incontroverso que o tribunal recorrido fez alusão, na douta sentença, a matéria de facto não provada, mas apenas para esclarecer que, com relevância para a decisão dos presentes autos, não resulta outra matéria de facto a considerar como não provada. Ou seja, na óptica do tribunal “a quo”, com interesse para decisão da causa, somente releva a factualidade que elencou como matéria de facto provada e a que já eliminámos como matéria de facto não provada. A restante factualidade alegada pelas partes, por irrelevante, não consta da decisão da matéria de facto (nem dos factos provados nem dos não provados). Aliás, na motivação da decisão da matéria de facto reitera-se que os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, e por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.
Nesta conformidade, não se verifica a arguida nulidade da sentença, mas a questão que se poderá colocar é se a decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito. Contudo, quando muito, estaremos, então, perante eventual erro de julgamento.
Impõe-se, ainda, sublinhar que na discriminação dos factos que há-de fazer, o juiz não tem que se pronunciar sobre todos os factos alegados pela parte, tendo antes o dever de seleccionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito. Tendo a sentença recorrida considerado os restantes factos alegados considerações pessoais, ou conclusões de facto ou de direito, e não terem relevância para a decisão da causa, significa que tem de improceder o presente recurso na parte em que reclama a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT e 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Efectivamente, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. artigo 653.º, n.º 2 do CPC).
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, pois consignou-se que:
“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental e testemunhal produzida nos autos.
A prova documental teve por base o Processo Administrativo (PA) onde consta o Relatório da Inspeção Tributária e respetivos anexos e ainda os documentos juntos aos autos pela impugnante.
A Impugnante apresentou prova testemunhal, no entanto os depoimentos prestados não foram suficientemente credíveis para lograr provar que as mercadorias discriminadas nas faturas, emitidas, foram efetivamente fornecidos pelas sociedades emitentes das mesmas.
Assim, não tendo sido possível, desde logo, por via dos depoimentos por qualquer dos outros, esclarecer se as faturas especificamente colocadas em causa no relatório, correspondem a mercadoria efetivamente adquirida e transmitidas, pela impugnante, atenta a inexistência de qualquer outro meio de prova que sustentasse aqueles depoimentos.
Os restantes factos alegados não foram julgados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, e por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.”
Considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizaram as razões de facto que fundamentam a decisão em sede de matéria de facto, de modo que, a matéria apontada pela Recorrente terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica dessas mesmas provas, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, importa ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto – cfr. artigo 685.º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. n.º 303/07, de 24-08 (actual artigo 640.º a partir da Lei n.º 41/2013, de 26-06), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 685º-B, nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 685.º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora indique no ponto ii.b) da alínea b) do capítulo II das suas alegações a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório, cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os documentos dos autos e para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.

Passemos agora à análise da pertinência das correcções efectuadas à matéria colectável com referência à recusa da isenção do artigo 14º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) e à aplicação do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, referindo a Recorrente que tal obriga a AT a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório, sendo que, para que o artigo 14.º do RITI se possa considerar correctamente desaplicado e o n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado, verificando-se que, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva - não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a F... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito - a algum conceito - de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e - diga-se - preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.
De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).
A Recorrente alerta que a situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas a um sujeito passivo que tinha actividade no sector das sucatas, por alegadamente este ter deduzido imposto constante de facturas que não titulavam operações reais, sendo essa falsidade concluída exclusivamente a partir dos dados relativos aos fornecedores; e também aí foram pela AT recolhidos e dados corno provados nos autos “indícios” integralmente respeitantes aos fornecedores da impugnante (aí recorrida) - à sua ausência de estrutura empresarial, falta de cumprimento de obrigações tributárias, etc. -, de estirpe semelhante à dos que estão ora em causa e nesse processo foi decidido - e bem - que “se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental ao mesmo tempo que refere também que tais transacções estão comprovadamente pagas não pode a AF nesta situação por em causa algumas dessas transacções - totalmente documentadas pelo facto de os emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa”. “A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador”.
Acrescenta, ainda, que o aresto citado não é isolado ou inovatório: na Jurisprudência do TCA - Norte, facilmente encontramos decisões sobre matéria semelhante à da situação presente coincidentes com a posição defendida pela ora Recorrente (por exemplo, os Acórdãos de 23/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00264/04, o de 01/12/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00405/04, ou o bem recente Acórdão de 06/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º 4645/04-Viseu), os quais se debruçam sobre “indícios” iguais, da mesma estirpe de validade ou muito mais graves do que os que nos presentes autos são mobilizados pela AT, tendo este Tribunal valorado os mesmos com base em critérios de experiência corrente, nomeadamente por referência ao que seria normal ocorrer nas circunstâncias concretas dos sectores de actividade em questão (pouco sofisticados, compostos de empresas desorganizadas - como, precisamente, uma parte do sector das sucatas) e, consequentemente, em sentido desfavorável à AT.
Esta jurisprudência, assentando essencialmente na forma como o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA deve ser interpretado, num caso concreto, à luz das regras acerca do dever de fundamentação da AT e da distribuição do ónus da prova, é também aplicável, mutatis mutandis, à aplicação na nossa situação do artigo 14º do RITI, contribuindo para que se deva julgar erradamente desconsiderada a isenção nele prevista por se ter erradamente entendido existirem indícios suficientes da inexistência das transmissões para a METAL....
De modo que conclui a Recorrente que não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei - a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a F... e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis -, deveria a Sentença a quo ter decidido que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.
A Administração Fiscal, após inspecção e exame às contas da F..., concluiu que, por referência exclusivamente aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2004, esta beneficiou indevidamente da isenção de IVA respeitante a transmissões intracomunitárias de bens, prevista no artigo 14.º do RITI. Retirando ilações de que não se encontrariam verificados os requisitos essenciais àquela isenção, dado que a sociedade espanhola Metal... SL, beneficiária das facturas emitidas pela F..., não teria sido a verdadeira adquirente das mercadorias por esta vendidas.
Por outro lado, a Administração Fiscal concluiu, ainda, respeitante aos anos de 2004, 2005 e 2006, que a F... deduziu indevidamente o IVA suportado nas aquisições efectuadas à sociedade M..., ..., Limitada, por efeito de eventual imaterialidade das aquisições efectuadas pela M..., ..., Limitada a alguns dos seus fornecedores, mas que, durante 2006, se verificou uma alteração substancial da sua carteira de fornecedores, passando as aquisições a concentrarem-se, maioritariamente, na SUCATAS ..., Unipessoal, Lda. Mais do que uma mera substituição de fornecedor principal, o que a Administração entende ter ocorrido é uma alegada supressão da posição comercial da M..., ..., Limitada, ou seja, as compras que a F... efectuava a esta empresa passaram a ser feitas aos seus fornecedores.
Por reporte ao segundo semestre de 2006, a Administração Fiscal concentra-se na alegada contabilização pela F... de facturas que não correspondem a qualquer transacção comercial com os agentes que nelas figuram como seus emitentes, identificando-os como sendo a SUCATAS ..., Unipessoal Lda. e G... – Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda.
Esta questão tem vindo a ser enquadrada juridicamente em variados acórdãos deste TCAN, escolhendo-se, entre outros, o Acórdão de 10/03/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1327/06.3BEPRT:
“(…) A partir daqui, cabe enquadrar a realidade em apreço, tendo presente que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Diga-se ainda que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” ( Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154), o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Neste ponto, crê-se ainda relevante aludir ao Ac. deste Tribunal de 31-01-2014, Proc. nº 01380/05.7BEBRG, www.dgsi.pt, onde se esmiuçaram alguns dos elementos já apontados, referindo-se que “… Como ponto de partida da nossa análise, adiantamos desde já que, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da fatura a transmitir os bens ou a prestar os serviços.
O que constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».
Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.
Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.
Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.
Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.
E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.
Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».
O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.
E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. …”.
Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. (…)”

Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida, numa primeira fase, quando refere que “(…) A Administração Fiscal analisou os dados fiscais relativamente a M... ..., Lda., a SUCATAS ... Unipessoal Lda. e G... Comércio de Sucatas Unipessoal Lda., procedeu à análise das faturas, dos transportes e fornecedores.
Cruzou informação nomeadamente os relatórios da direção de Finanças do Porto e Aveiro efectuados à impugnante, M... ..., Lda., e aos seus fornecedores, bem como as efectuadas a SUCATAS ... Unipessoal Lda. e G... Comércio de Sucatas Unipessoal Lda. e a Metal..., S.L., o que permitiu demonstrar inequivocamente a existência de indícios sérios que as faturas em causa não titulam operações reais.
Sendo que, no caso subjudice, apenas bastaria a prova da existência de indícios sérios e objetivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as faturas em causa não titulam operações reais, não sendo, assim, necessário a prova dos pressupostos da simulação previstos no art. 240.º do C. Civil.
Desta feita, a Administração fiscal cumpriu o ónus da prova (…)”
Para alicerçar o exposto, a decisão recorrida considerou elementos em conformidade com o relatório de inspecção constante de fls. 67 a 195 do PA, onde, entre outros factos, foi apurado que:
“a) No ano de 2004, pela sociedade F... ..., limitada foram emitidas em nome da sociedade - Metal..., SL, com sede em Espanha, várias faturas, as quais contabilizou como vendas e totalizavam o valor de 261 883,35€;
b) As operações foram qualificadas pela impugnante com transacções intracomunitárias não tendo sido liquidado IVA, que ascendia ao valor de 49 757,84€;
c) Foi apurado pela Administração Tributária, através da Cooperação Administrativa Comunitária, e, em inspecções relacionada com a Impugnante e relativa ao ano de 2002 e 2003, que a sociedade Metal..., SL, com sede em...Madrid, iniciou a actividade em 01.07.2003 e cessou em 16.05.2005;
d) A sociedade - Metal..., SL não tem sede para o exercício da actividade e não tem empregados;
e) O administrador da sociedade é Nuno Miguel Ângelo Rodrigues, cidadão português, residente Rua D. Maria II, n.° 100, PT 1, no Cacém, que disse que nunca esteve em Espanha e não tem qualquer sociedade;
f) Entre os anos de 2001 a 2005, as aquisições de bens declaradas pela sociedade F... ..., limitada, tiveram como origem quase única, a empresa M... ..., Lda;
g) A impugnante tem sede num prédio que pertencente à sociedade M... ..., limitada, integrado na zona industrial de Vila Nova de Gaia;
h) A sociedade M... ..., Lda., tem por sócio F… que também é gerente da impugnante;
i) O quadro de pessoal, da impugnante, do ano de 2001 a 2006, é constituído por dois gerentes e um funcionário de armazém;
j) A sociedade M…, ..., Lda, foi objecto de três acções inspetivas, nos anos de 2002/2003, 2004/2005 e 2006 tendo sido concluído que as facturas contabilizadas, não correspondem a quaisquer transacções comerciais, com os agentes que nelas figuram como seus emitentes, tendo-se procedido à correcção do respetivo imposto;
k) Nos anos de 2004 a 2006 a M..., ..., Lda, tinha como fornecedores L... Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., J…, R... - Comércio por grosso de Sucatas Lda., P…, L…, J…, Sucatas ... Unipessoal, Lda., F…, G... Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., N…, Lda., e F... Comércio de Sucatas, Lda., os quais estavam referenciados como emitentes de facturas que não tinha subjacente qualquer transacção comercial.
l) A impugnante no ano de 2006 contabilizou facturas emitidos por Sucatas ... Unipessoal Lda., e G... Comércio de Sucatas Unipessoal Lda., nos valor de 5 048 847,97 € e 189 877,30 € e respetivo IVA de 648 334,04 e 3 129,00, respectivamente e constante dos anexos 14 e 15 apenso ao Relatório de inspecção, que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
Ainda na sequência de inspecção à G... Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., concluiu-se que “Considerando o anteriormente exposto relativamente aos fornecedores da G..., os quais representaram nos anos de 2005 e 2006 respectivamente 96% e 99% das compras declaradas e escriturados pela empresa, concluiu-se, face aos procedimentos inspectivos dirigidos a tais agentes e que deram origem aos respectivos relatórios de inspecção, da existência de indícios seguros de que as facturas emitidas não corresponderam a efectivas transmissões de bens, ou seja, trataram-se de operações simuladas.
No que concerne às facturas de vendas emitidas pela G... nesses anos, versus documentos de transporte, concluiu-se de igual forma pela existência de indícios seguros de que as mesmas não corresponderam o efectivas transmissões de bens ou serviços de transporte, situação ou estratégia utilizada no intuito de credibilizar económica e fiscalmente a actividade em si mesma e servir unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento ou transacção inexistentes, conferindo sempre, em qualquer casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome. (cfr. fls 88 a 117 relatório).
Acresce que, em relatório efectuado pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, na sequência de inspecção à sociedade Sucatas ... Unipessoal Lda., se concluiu que:
“(...) De tudo quanto ficou exposto, dá-se como comprovado que a actividade declarada por Sucatas ..., Unipessoal, Lda., é uma actividade aparente, fictícia, e que a mesma foi utilizada pelo seu sócio como se de um verdadeiro sujeito passivo se tratasse, para participar no circuito comercial e documental da sucata, ora como empresa “substituta”, colocada ficticiamente entre os originários transmitentes e os verdadeiros adquirentes, ora como mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo-se unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento, ou transacções inexistentes, conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado no liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome, que, por via dos documentos de compras falsas que contabilizou para as justificar, não foi entregue nos cofres do Estado. (...)” (cfr. fls. 118 a 179 relatório).

A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita.
Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ter presente que a Recorrente contabilizou as facturas emitidas pelos seus indicados fornecedores e emitiu as respectivas declarações periódicas, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.
Nenhuma dúvida, por isso, de que a Recorrente beneficiava da presunção de verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.
Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.
O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização apontada nos autos.
Quanto à relevância do exposto pela Recorrente, que pretende alhear-se de toda esta matéria, colocando o acento tónico no facto de os elementos estarem apenas relacionados com os emitentes das facturas, não podemos conceder abrigo a uma análise tão ligeira, na medida em que o circuito (não tem apenas uma fase) completa-se a partir do momento em que a ora Recorrente exibe as facturas descritas e assume a realidade subjacente às mesmas a partir do momento em que as integra na sua contabilidade, ou seja, a partir daqui mostra-se indiciado o acordo subjacente à operação simulada.
Efectivamente, a partir deste momento, é a Recorrente que assume a afirmação que, no fundo, sustenta o seu direito à dedução do IVA, com referência às operações em causa, o que significa que a sua posição é de interveniente em todo o procedimento e não de mero receptáculo das facturas em apreço, não podendo deixar de impressionar o facto de a mesma nada apontar no sentido de colocar em crise o percurso adoptado pela AT no que concerne aos sujeitos das operações em causa, o que significa que cabe valorizar em toda a linha a matéria descrita pela AT sobre a caracterização dos emitentes das facturas em causa, situação que, conjugada com os demais elementos presentes nos autos, permite reafirmar que estamos perante um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da impugnante não merece credibilidade e de que as facturas em causa são um mero formalismo para a dedução indevida do IVA.
Por outro lado, importa ainda ter presente a própria descrição feita pela ora Recorrente no que concerne à caracterização do seu negócio e das várias vicissitudes que envolvem o mesmo.
Pois bem, nas suas próprias palavras, a Impugnante dedica-se à comercialização (compra e venda) de resíduos metálicos não ferrosos de proveniência industrial e doméstica (nomeadamente alumínio, latão, cobre e inox) – aquilo que em linguagem corrente é designado por “sucata” – principalmente para o mercado espanhol. No mercado em que labora, a F... é tida como uma empresa conceituada, que oferece todas as garantias, quer quanto à qualidade do material transaccionado, quer quanto às condições de pagamento, sendo que a forma normal de actuação da Impugnante não diverge da que é comum na generalidade das empresas do sector da “sucata” e encontra-se intimamente ligada às características próprias que este reveste.
Assim, o sector referido é constituído essencialmente por três tipos de operadores, os quais, na sua globalidade e tendo em conta a sua dimensão e actividade, permitem perspectivá-lo segundo uma paisagem piramidal: no topo, encontra-se um grupo restrito de grandes operadores – os chamados “fornos” ou “fundições” – que se dedicam à transformação dos metais adquiridos; na base, temos um conjunto extremamente atomizado de comerciantes fornecedores daquela matéria-prima, dotados de pequenas estruturas humanas e físicas; finalmente, num patamar intermédio e em menor número que estes últimos, existe uma série de entidades igualmente não transformadoras mas que, com outra dimensão e capacidade empresarial, funcionam como agregadoras da matéria-prima dispersa fornecida por aqueles agentes atomizados – a Impugnante, assim como a M..., ..., Limitada, inserem-se neste último grupo, sendo, um conhecido “intermediário entre o pequeno e médio sucateiro e o destino final”, com a particularidade de, à data dos factos ora em causa, adquirir também mercadoria à M..., ..., Limitada, sua “congénere”, tendo em conta as relações de proximidade entre ambas as empresa e a especialização da F... no mercado comunitário.
Efectivamente, o Sr. Engenheiro Fernando…, em 1995, ingressou na sociedade M..., ..., Lda., a convite do seu pai e sócio-gerente desta sociedade, o Sr. F….
Sendo uma área de negócio que o Sr. Engenheiro Fernando… não dominava, de todo, este dedicou-se, pois, à necessária aprendizagem dos hábitos e regras do mercado e, simultaneamente, à organização da empresa em questão. Já em 1996, estando plenamente integrado na vida da empresa, colocou-se a questão de se tornar sócio da mesma, uma vez que era filho único e os problemas de saúde, de natureza cardíaca, com que seu pai se vinha a debater – e que o levariam, já em Fevereiro e 1997, a uma operação para colocação de um “triple bypass” – o impeliam a uma aceleração do processo natural de sucessão deste último na direcção dos destinos da M..., ..., Limitada. Todavia, tal opção acabou por não ser concretizada, designadamente porque a entrada do Sr. Engenheiro Fernando… na sociedade ter-se-ia de fazer pela divisão da quota de que seu pai era titular, o que conduziria à perda da maioria qualificada que este detinha perante o outro sócio da M..., ..., Limitada, algo que a família não desejava, de todo.
Perante esta realidade, o caminho seguido foi o da constituição da F... (que ficou com o Sr. Engenheiro Fernando… e seu pai enquanto sócios), a qual foi sempre pensada e vocacionada para o mercado externo, para a exportação, aproveitando a experiência e capacidade de contacto com clientes estrangeiros que o Sr. Engenheiro Fernando… tinha acumulado ao longo de toda a sua vida profissional.
Em virtude da proximidade pessoal e profissional entre a F... e a M..., ..., Limitada, é natural que aquela tenha optado por concentrar nesta última uma boa parte dos seus fornecimentos. Não se tratava de empresas concorrentes, uma vez que tinham em vista mercados distintos (a M..., ..., Limitada o mercado nacional; a F... o mercado comunitário, com particular enfoque no espanhol), havendo, assim, uma normal complementaridade. Desta forma, é igualmente natural que a constituição da carteira de fornecedores da F... estivesse dependente da situação da M..., ..., Limitada e da sua capacidade de fornecimento.
Ora, as fundições (portuguesas e estrangeiras) têm uma capacidade de transformação normalmente na ordem das várias centenas de toneladas por dia e encontram-se permanentemente em funcionamento, pelo que necessitam de um constante fornecimento de matérias-primas.
Essas matérias-primas encontram-se facilmente em quantidade; no entanto, apenas alguns operadores mais antigos asseguram a certeza do fornecimento de material com suficiente qualidade - daí que os grandes “fornos” transformadores concentrem a sua procura num número restrito de operadores intermediários como a F....
Aliás, a preferência das fundições por esse grupo limitado de fornecedores não se justifica apenas pela qualidade da matéria-prima fornecida: por um lado, apenas eles, com a facilidade de acumulação de grandes stocks que apresentam, têm idoneidade para prover o fornecimento constante e assegurar, assim, a permanente laboração dos “fornos”; por outro lado, uma vez que não dispõem de stocks que lhes permitam o contrário, os pequenos operadores exigem das fundições o pagamento a pronto ou em prazos curtos - o que, inclusivamente, impede que as eventuais reclamações sejam feitas, como é vulgarmente desejável, antes desse mesmo pagamento.
Posto isto, percebe-se, portanto, que uma das características que veio enformar o sector das “sucatas” tenha sido o surgimento natural de um conjunto de intermediários entre os grandes agregadores e os pequenos fornecedores de matéria-prima, rareando, assim - sem que isso constitua algo de suspeito -, os contactos comerciais entre estes dois últimos grupos.
O tipo de procura da M..., ..., Limitada passou a exigir fornecedores com uma estrutura e organização que habitualmente não estava presente nos “pequenos sucateiros”. Depois, aliás, diga-se que – muito por “culpa” dos anos de solicitações negociais da M..., ..., Limitada, da experiência acumulada e da capacidade financeira que isso lhes conferiu –, alguns dos seus fornecedores tradicionais foram também, eles próprios, atingindo dimensões de estrutura e organização empresarial superiores, passando a ser capazes de, nomeadamente, proceder à separação dos materiais que a empresa procurava. Pelo que a M..., ..., Limitada foi então concentrando essa procura nesses fornecedores.
Os dois principais foram aqueles que em 2006 se apresentavam já segundo a denominação SUCATAS ... e G.... No entanto, ao contrário do que refere a AT –tentando atribuir-lhes uma função de mera emissão de facturas falsas –, as mesmas não constituíam efectivamente operadores novos no mercado. Muito pelo contrário: os responsáveis de ambas eram fornecedores de longa data da M..., ..., Limitada (bastante experientes e conhecidos no mercado), os quais, à medida que se foram implantando e crescendo, foram adoptando as formas e denominações empresariais consentâneas com esse crescimento. As justificações dadas às indagações naturais da M..., ..., Limitada foram sempre de índole organizacional e societária; e, uma vez que as pessoas envolvidas e os procedimentos habituais não se alteravam, a empresa nunca encontrou razão para qualquer suspeita e, muito menos, para suspender as relações comerciais com os operadores em questão. Aliás, os responsáveis da M..., ..., Limitada conheciam bem a estrutura de ambas as empresas – as instalações, os veículos, os trabalhadores, a maquinaria, etc. –, dado que a empresa nelas chegou a efectuar cargas.
A SUCATAS ... é a anterior N... e F..., e a G... era a empresa do anteriormente empresário em nome individual F…. Não estamos, em rigor, perante empresas “juvenis”, como a Administração se lhes refere, preferindo deixar a insinuação de que a SUCATAS ... e a G... foram constituídas formalmente apenas para actuarem como agentes virtuais, emissores de facturas falsas.
A verdade é que, de facto, em virtude das inspecções tributárias (por motivos semelhantes aos da presente) que foi sofrendo a partir de meados da década, a M..., ..., Limitada foi-se retraindo perante alguns fornecedores. Não que a M..., ..., Limitada pudesse confirmar as suspeitas da Administração – ou pretendesse cegamente nelas confiar: tratou-se, tão só, por motivos de cautela elementar, de ir concentrando a solicitação de fornecimentos naqueles fornecedores (como a SUCATAS ... e a G...) com quem tinha relações mais próximas, com quem tinha mais confiança, por conhecer as pessoas de longa data e saber da respectiva estrutura e organização empresarial. Não era, de resto, uma opção que causasse qualquer entorpecimento à sua actividade – como vimos atrás, com o decorrer do tempo foram interessando à M..., ..., Limitada essencialmente os fornecedores que a pudessem aprovisionar de material já segmentado (em detrimento dos que meramente lhe forneciam sucata indiferenciada).
Diga-se, ainda, a propósito, que nada de suspeito tem o facto de os fornecedores em causa – tendo em conta que tinham já uma dimensão considerável e a capacidade de fornecerem mercadoria com um tratamento de separação – não venderem directamente aos clientes finais que usam a sucata como matéria-prima. É que, não só esses clientes finais não compram mercadoria a quem não se coaduna completamente com as exigências de licenciamento e certificação do Ministério do Ambiente (e a M..., ..., Limitada e a F... encontram-se licenciadas desde o início dessa obrigação), como os fornecedores em causa não têm a exposição, o conhecimento do mercado, a credibilidade, a facilidade de contacto e de negociação que a M..., ..., Limitada – como a F... – tem, nomeadamente no que respeita aos clientes do mercado comunitário.
Por outro lado, também não é minimamente estranho que a concentração dos fornecimentos da M..., ..., Limitada não se tenha dado directamente (apenas ou maioritariamente) na origem da sucata. E não o é porque as empresas dessa dimensão que “criam” sucata são muitíssimo poucas e escolhem – a maior parte das vezes, inclusivamente, por concurso público – os compradores que oferecem os melhores preços (que acabam por ser, invariavelmente, aqueles que têm maior dimensão e maior capacidade financeira). Ora, como a M..., ..., Limitada nunca foi uma das empresas de topo do sector da sucata, nunca conseguiu aprovisionar-se constantemente e em grandes quantidades junto dessas empresas, tendo de se concentrar, ou nos pequenos sucateiros que se dedicam a recolher a sucata “produzida” nas pequenas empresas de serralharia e construção civil (no caso, por exemplo, do alumínio perfil), ou, como passou a acontecer num momento mais avançado da sua integração no mercado (pelas razões já apontadas), naqueles fornecedores com uma estrutura sensivelmente superior e que tratavam já da segmentação da mercadoria.

Com este pano de fundo, crê-se que se avolumam as razões para o acima exposto, porquanto, referindo a Recorrente que a sua posição no mercado depende, no fundo, da tal idoneidade para prover o fornecimento constante e assegurar, assim, a permanente laboração dos “fornos”, ou seja, da sua fiabilidade para assegurar/alimentar os grandes operadores do mercado, resulta claro que esta afirmação implica também que os seus fornecedores (pelo menos, os maiores) exibam o mesmo tipo de qualidades para permitir à ora Recorrente sustentar a sua posição no mercado nos termos por ela descritos.
Assim sendo, resulta pouco fiável a alegação da Recorrente no sentido de que tudo depende do tal núcleo de ajuntadores e da susceptibilidade destes em assegurarem à ora Recorrente a capacidade de que esta necessita para, por sua vez, manter o seu estatuto nos termos por si apontados.
Isto para dizer que, de acordo com as regras da experiência comum, não é possível sequer hipotizar que a Recorrente não tenha mais de que, como se pretende sugerir, um conhecimento superficial dos seus fornecedores e que a sua actividade dependa da maior ou menor capacidade do tal núcleo inferior em fornecer-lhe material de que depende o desenvolvimento de toda a cadeia descrita pela Recorrente.
Com efeito, cabe salientar que estamos a falar, em parte dos exercícios em análise, de facturas emitidas por M..., ..., Limitada, o seu maior fornecedor, não sendo de admirar que a Recorrente revele conhecimento sobre a sua existência, em virtude da proximidade pessoal e profissional entre a F... e a M..., ..., Limitada. Lembramos que a sociedade M..., ..., Limitada tem por sócio F…, que também é gerente da impugnante e que esta tem sede num prédio que pertence à sociedade M..., ..., Limitada, integrado na zona industrial de Vila Nova de Gaia. É, efectivamente, natural que a F... tenha optado por concentrar na M..., ..., Limitada uma boa parte dos seus fornecimentos. Recordamos, como foi afirmado pela Recorrente, não se tratarem de empresas concorrentes, uma vez que tinham em vista mercados distintos (a M..., ..., Limitada o mercado nacional; a F... o mercado comunitário, com particular enfoque no espanhol), havendo, assim, uma normal complementaridade. Desta forma, é igualmente natural que a constituição da carteira de fornecedores da F... estivesse dependente da situação da M..., ..., Limitada e da sua capacidade de fornecimento.
No entanto, não é aceitável a displicência da Recorrente na descrição da situação, procurando sempre não dar como que “muita confiança” quanto ao relacionamento em causa, quando estamos perante um dos seus maiores fornecedores, o que implica que, para uma empresa como a Recorrente, cuja descrição aponta para uma empresa profissional, de acordo com as regras da experiência comum, tenha de ter um conhecimento cabal desse fornecedor (e dos fornecedores da M..., ..., Limitada.), da sua capacidade de alimentar a actividade da Recorrente, no fundo, da sua fiabilidade para permitir à Recorrente sustentar a sua posição no mercado em causa, tanto mais em virtude da proximidade pessoal e profissional referida entre a F... e a M..., ..., Limitada.
Não colhe a alegada confidencialidade que presidiria aos negócios e que impediria a F... e a M..., ..., Limitada, as mais das vezes, de conhecerem quais os fornecedores dos seus fornecedores. A M..., ..., Limitada foi concentrando a solicitação de fornecimentos naqueles fornecedores, como a SUCATAS ... e a G..., com quem tinha relações mais próximas, com quem tinha mais confiança, por conhecer as pessoas de longa data e saber da respectiva estrutura e organização empresarial. É a própria Recorrente que demonstra, na descrição da sua actividade e das suas relações empresariais, o conhecimento próximo dos seus fornecedores e dos fornecedores dos seus fornecedores, alertando mesmo para o facto, que resultou provado, de que a SUCATAS ... é a anterior N... e F..., e a G... era a empresa do anteriormente empresário em nome individual FREDERICO GUEDES.
Perante o que fica exposto, tendo presente a própria descrição da actividade em causa por parte da Recorrente e as suas relações próximas com a M..., ..., Limitada, e, consequentemente, com a SUCATAS ... e a G..., só resta um caminho, ou seja, valorizar em toda a linha a matéria descrita pela AT sobre a caracterização das emitentes das facturas em causa, situação que, conjugada com os demais elementos presentes nos autos, permite reafirmar que estamos perante um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da impugnante não merece credibilidade e de que as facturas em causa são um mero formalismo para a dedução indevida do IVA. Tanto mais que tais operações económicas, além dos elevados montantes que envolvem, não eram ocasionais e esporádicas com a Recorrente, mas ao invés, como resulta da relação próxima com a M..., ..., Limitada, com a SUCATAS ... e com a G... (que serão “...” de outros fornecedores), reveladoras de um relacionamento frequente, contínuo e duradouro entre os operadores económicos, o que indicia, consequentemente, também um conhecimento dos fornecedores da M..., ..., Limitada e, depois, da SUCATAS ... e da G....
E não se diga que, com esta apreciação e motivação, também este tribunal superior está antes a fazer a aplicação do disposto no artigo 19.º, n.º 4 do Código do IVA, não vigente à data de alguns dos factos tributários em apreço e, por isso, não aplicável à situação dos autos. Não, este tribunal tem-se limitado a densificar os conceitos constantes do artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA, pois só este pode ter integrado a fundamentação do acto em crise e sustentado parte das correcções efectuadas pela Administração Tributária. Logo, só podem improceder as conclusões V. a EE. das alegações do presente recurso.

Na linha do que fica dito e sobre a questão essencial apontada pela Recorrente no domínio em análise, resulta ainda pertinente fazer apelo ao exposto no recente Acórdão do S.T.A. (Pleno) de 17/02/2016, Proc. n.º 0591/15, www.dgsi.pt, que envolve processo em que intervém a sociedade M..., ..., Limitada e onde se afigura que o nosso mais Alto Tribunal quis manifestamente afastar a posição descrita no Acórdão recorrido, apontando que:
“(…) Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03).(No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.
Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.
Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.
Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19° do CIVA”.».
Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do C. Civil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. art. 240º do C Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente. (…)”.

Tendo presente os termos do aresto agora descrito e bem assim os contornos da situação descrita nos autos, analisada de acordo com o supra exposto, temos por adquirido que a AT logrou evidenciar a realidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, matéria claramente susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, o que equivale a dizer que a AT conseguiu desembaraçar-se do ónus que a lei lhe comete neste domínio.
Esta jurisprudência, assentando essencialmente na forma como o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA deve ser interpretado, num caso concreto, à luz das regras acerca do dever de fundamentação da AT e da distribuição do ónus da prova, poderia também ser aplicável, mutatis mutandis, à situação, também em causa nos presentes autos, do artigo 14.º do RITI.
Relembramos que a Administração Fiscal, após inspecção e exame às contas da F..., concluiu, também, que, por referência exclusivamente aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2004, esta beneficiou indevidamente da isenção de IVA respeitante a transmissões intracomunitárias de bens, prevista no artigo 14.º do RITI. Retirando ilações de que não se encontrariam verificados os requisitos essenciais àquela isenção, dado que a sociedade espanhola Metal... SL, beneficiária das facturas emitidas pela F..., não teria sido a verdadeira adquirente das mercadorias por esta vendidas.
Para tal, a fundamentação recorre, por remissão e transcrição, aos termos dos relatórios das inspecções tributárias efectuadas aos anos de 2000, 2002 e 2003 da F..., os quais se debruçam sobre as relações da F... com outras sociedades espanholas, para além da Metal..., a Lu...e a E..., descrevendo as suas características próprias e a situação tributária e criminal dessas mesmas sociedades em Espanha, como indícios da insusceptibilidade de estas empresas não terem sido as verdadeiras adquirentes das mercadorias transaccionadas nas vendas declaradas em 2000, 2002 e 2003 pela F..., com o propósito de omitir a entidade dos reais adquirentes dos bens.
Uma vez que a F... declarou a realização de vendas à Metal... ainda em Janeiro e Fevereiro de 2004, a Administração Fiscal entendeu ser de aplicar automaticamente a esses períodos o mesmo raciocínio de fundamentação que aplicou aos anos anteriores, sem cuidar de verificar se os factos apurados ainda se mantinham em Janeiro e Fevereiro de 2004:
“Tendo em consideração o teor da informação recolhida em anterior acção inspectiva (exercícios inspeccionados: 2002 e 2003), bem como a reafirmação por parte entidade inspeccionada dos esclarecimentos antes prestados, conclui-se que à semelhança, das vendas contabilizadas em 2003, as vendas contabilizadas em 2004 e facturadas em nome da empresa Metal..., SL não foram efectivamente adquiridas por esta empresa.
Desconhecendo-se o efectivo adquirente das mercadorias facturas tem o nome da empresa Metal..., SL, conclui-se que tais transmissões de bens não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 14.° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, uma vez que é requisito dessa isenção que a respectiva adquirente uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de Imposto sobre o valor acrescentado em outro estado membro (alínea a) do artigo 14.º do regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
Tendo a sociedade F... ..., limitada conceituado os vendas em questão como TICB‘s e não tendo, portanto, procedido a liquidação de IVA, “conclui-se que ficou por liquidar o respectivo imposto.”
É verdade, como vimos, que basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual. A Administração Tributária limitou-se a mencionar factualidade apurada a propósito de facturas emitidas em anos anteriores, retirando ilações e conjecturando que em Janeiro e Fevereiro de 2004 os pressupostos, os indícios, se manteriam os mesmos, sem diligenciar tal averiguação concreta.
Esta aplicação automática a uma situação concreta posterior não é susceptível de abalar a presunção de veracidade que, como vimos, estas operações intracomunitárias beneficiam, atentos os respectivos documentos de suporte. Pelo que inexistem motivos para recusar a isenção de IVA prevista no artigo 14.º do RITI, logo, não existem também para liquidar adicionalmente o montante de €49.757,84, a título de IVA referente aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2004.

Nesta sequência, resta avançar, somente quanto à dedução do IVA (excluindo a isenção prevista no artigo 14.º do RITI), para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo inequívoco que cabe ao contribuinte a demonstração de tal realidade.
Ora, não obstante a posição assumida pela impugnante, reclamando a efectiva realização de todas as transacções referenciadas nas facturas postas em crise pela AT, constata-se que a prova produzida não é suficiente para viabilizar a pretensão da Recorrente.
Desde logo, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às facturas, a saber: - que os fornecimentos se haviam efectivado com as sociedades emitentes, e não com qualquer outra entidade; - quais as quantidades precisas das mercadorias em causa, local, natureza, preços praticados em relação aos bens que estariam em causa em cada uma das facturas.
Nesta medida, resulta elementar que, ao proceder ao enquadramento da situação em termos que não têm correspondência no teor das facturas em crise, cabia à ora Recorrente desenhar todo o processo em apreço, especificando os materiais adquiridos e os elementos necessários para a afirmação do preço constante das aludidas facturas.
Nesta sequência, as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos materiais adquiridos e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes.
Assim, não se vislumbra nos elementos alinhados a virtualidade de permitirem outro tipo de leitura da realidade em apreço, dado que, falta a necessária consistência ao exposto, que tinha ser enquadrado através da prova das mercadorias adquiridas e das condições acordadas quanto à natureza, local e preços praticados, situação depois espelhada nas facturas emitidas.
Isto significa que, cumprindo a administração tributária o ónus que sobre si impendia, passou a caber ao impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das transacções, ónus que não cumpriu, como também entendeu o Tribunal recorrido, sendo de salientar que a factualidade apurada nos autos não foi eficazmente posta em causa pela Recorrente (cfr. artigo 685º-B do Código de Processo Civil).
Perante os indícios trazidos pela administração tributária incumbia à ora Recorrente ter alegado e provado factos que demonstrassem a veracidade das transacções, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com os emitentes das facturas, quando se iniciou, como, onde, como eram feitos cada um dos contactos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve pode descrever.
Diga-se ainda que nestas situações em que não é posta em crise a actividade da Recorrente em termos de vendas, e sabendo que as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos materiais adquiridos e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes, não se compreende a forma como a ora Recorrente nem sequer toma posição sobre o exposto em sede de audição, refugiando-se nos presentes autos, em termos essenciais, na aparência formal das operações contabilizadas e não apontando qualquer dado capaz de esclarecer a situação.
A partir daqui, é ponto assente que a Recorrente não logrou provar que adquiriu as matérias que constam das facturas e que as mesmas lhe foram vendidas pelos emitentes das mesmas, o que significa que, não tendo feito tal prova, a impugnação não poderia, pois, ter sido julgada procedente neste âmbito e, assim, bem andou a sentença recorrida ao desatender a pretensão da Recorrente nesta matéria.
Daí que na improcedência parcial das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar parcialmente a decisão aqui sindicada, concedendo-se, contudo, parcial provimento ao presente recurso jurisdicional.

Conclusões/Sumário

I – A nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto, ocorre quando há falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II - Apenas a falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.
III - Logo, não gera nulidade da sentença, mas eventual erro de julgamento, a menção à irrelevância de factos para a decisão da causa, designadamente, com a seguinte formulação: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.
IV - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
V – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
VI - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
VII – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
VIII - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida somente na parte respeitante à recusa da isenção do IVA nas transacções intracomunitárias e julgar, nesta parte, a impugnação procedente, anulando a liquidação na parte decorrente das correcções que tiveram origem nessa recusa de isenção do IVA nas transacções intracomunitárias.
Custas pela Recorrente em ambas as instâncias e pela Fazenda Pública apenas na 1.ª instância, considerando que esta aqui não contra-alegou, na proporção do decaimento.
Porto, 02 de Fevereiro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves