Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00484/18.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:DIRETOR DE SERVIÇO – PROCEDIMENTO PÚBLICO DE SELEÇÃO – SITUAÇÃO DE MANIFESTA URGÊNCIA – NOMEAÇÃO INTERINA
Sumário:I – Nos termos do artigo 28º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02 - diploma que veio estabelecer os princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidade pública empresarial - a nomeação de qualquer Diretor de Departamento e/ou de Serviço deve ser precedida de um procedimento público de seleção de profissionais com o curricula adequado, exceção feita, claro está, aos casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.

II- A situação de vacatura imediato do cargo de Diretor de Serviço de Otorrinolaringologia legitima a convocação da situação de manifesta urgência prevista na parte final do nº.1 do art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02.

III- A existência de “fraude à lei” com a eventual “eternização do novo procedimento de seleção” desencadeado na sequência da nomeação interina do novo Diretor de Serviço apenas é susceptível impactar a validade deste procedimento e da nova nomeação, mas nunca da deliberação aqui impugnada, por não configurar um vício próprio da mesma.

IV- Também a circunstância da “situação interina” prolongar-se no tempo indefinidamente nada impacta a sua validade, pois que esta não se define em função da sua maior ou menor longevidade, mas antes em função do grau de vinculação jurídica à entidade decidente, que in casu, mantém-se inalterada.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
MC..., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que, em 06.01.2020, julgou a presente ação improcedente e, em consequência, absolveu o CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA, EPE do pedido.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
(…)
1. Nos presentes autos, a Recorrente pede que seja declarado nulo o ato impugnado, a deliberação do Conselho de Administração do R., tomada em 16/06/2017 e com efeitos a 21/06/2017, que nomeou o contrainteressado para o cargo de diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, com fundamento na verificação do vício de violação de lei por preterição total do procedimento legalmente exigido.
2. Ao caso sub judice aplica-se o disposto no Decreto-Lei n° 18/2017, de 10/02, o qual entrou em vigor em 01/01/2017.
3. O Decreto-Lei n° 18/2017, de 10/02 não impõe um modelo de procedimento, não obstante o procedimento ora em causa, enquanto conjunto concatenado de actos com vista a uma nomeação, tem obrigatoriamente de integrar os princípios consagrados no artigo 28.° daquele diploma, sendo certo que o procedimento concursal tem de manifestar evidências no seu desenrolar que salvaguarda a prossecução e cumprimento desses princípios.
4. O recorrido entende que, “nos termos do art.° 28.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 18/2017, de 10/02, a designação do diretor de serviço é efetuada por nomeação e não por concurso público e, ainda que este procedimento fosse exigido, a deliberação foi tomada em estado de necessidade, o que valida qualquer irregularidade do ato impugnado no que toca à eventual obrigação de concurso público, segundo o art.° 161.°, n.° 2, alínea l), do CPA.”
5. O recorrido defende que a nomeação do diretor de serviço não carece de concurso público e assim agiu em conformidade; apenas trouxe à colação o estado de necessidade quando foi citado para contestar, uma vez que a deliberação em crise é omissa quanto a essa justificação como à manifesta urgência que não invocou ou fundamentou.
6. Não existia perigo para o interesse público prosseguido pelo R. se tivesse sido efetuado um concurso que respeitasse os princípios constitucionais de acesso à função pública.
7. O conceito indeterminado de manifesta urgência é invocável apenas em situações excecionais e deve estar revestida de extrema cautela, precisamente para evitar que seja amiúde e imprudentemente invocada na prática administrativa - evitar tornar regra o que é exceção, em causa deve estar uma manifesta urgência categórica o que não se verificou no caso concreto;
8. Porquanto, o anterior diretor de serviço após a sua demissão manteve-se no cargo até ter sido substituído, não aconteceu um vazio de funções como o recorrido e sobretudo a sentença pretende transmitir.
9. Não estamos perante uma nomeação provisória e temporária, o prazo razoável da nomeação interina não pode ser idêntica à duração do mandato de diretor de serviço, no caso 3 anos.
10. Ora a “situação interina” retratada in casu durou, entre a nomeação dita interina e a publicitação para o concurso decorreram 2 anos, 4 meses e 24 dias; decerto que aos olhos do cidadão médio esvazia de sentido a justificação adotada pela sentença de que se recorre (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:”(…)

I. A R. considera justa e juridicamente fundamentada a sentença recorrida pelo que desde já se pugna pela improcedência do presente recurso, repudiando e impugnando as conclusões 3 a 10 da A./recorrente no presente recurso, bem como tudo quanto esta alega a esse respeito.
II. O ato administrativo impugnado pela A. versa sobre a nomeação interina do diretor de serviço de otorrinolaringologia.
III. Tal nomeação ocorreu em virtude da demissão, antes de findar o mandato, do anterior diretor clínico o que deixou o serviço de MPA otorrinolaringologia da R. desamparado, desprovido de direção acarretando elevados riscos para o bom funcionamento daquele serviço Médico e consequentemente para os utentes.
IV. Até porque, o diretor de serviço de otorrinolaringologia, exerce funções fundamentais ao bom funcionamento do serviço, e vitais para assegurar os cuidados de saúde dos doentes que correm as serviços hospitalares, nomeadamente é o diretor de serviço que organiza todo o serviço, desde as escalas de urgência no Hospital Pediátrico, no polo do Hospital da Universidade, no polo dos Hospital dos Covões e nas duas Maternidades que compõem os CHUC, é também o diretor de serviço que efetua a distribuição de consultas externas, e dos vários Médicos, do mesmo modo o serviço de Otorrinolaringologia , tem serviço de cirurgia normal e de urgência com funcionamento ininterrupto, cuja organização é fundamental e cabe ao Diretor de Serviço, e é ainda sobre este que recaem as responsabilidades sobre falhas e má prestação de cuidados sendo a este que o Médicos do serviço recorrem sempre que se deparam com problemas no serviço.
V. É inviável e comporta riscos sérios para os doentes o serviço funcionar num vazio de direção.
VI. Neste sentido, a demissão, prematura e inesperada do anterior diretor do Serviço criou uma situação de necessidade só passível de suprir com uma rápida decisão, no caso com a nomeação interina de um diretor de serviço que assumisse rapidamente o cargo, como efetivamente ocorreu, só assim se assegurando o bom funcionamento do serviço e a prestação de cuidados de saúde aos muitíssimos doentes que correm aos vários polos do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra E.P.E. aqui Recorrida.
VII. Concluímos assim que, pese embora a nomeação ter ocorrido sem a consulta pública aos interessados prevista no art. 28.° n.° 1 do DL n.° 18/20017de 10/02, tal ocorreu apenas porque se tratou de uma situação excecional e devida à urgência com a finalidade de suprir o vazio de direção do referido serviço Médico, e como tal tem cabimento na exceção, de manifesta urgência prevista no mesmo art. 28.° n.° 1 (in fine) do DL n.° 18/20017de 10/02, o que mesmo que não fosse sempre estaria a coberto do estado de necessidade previsto no art. 161.° n.° 2, al. l) do CPA, como bem decidiu o Tribunal a Quo,
VIII. A situação de manifesta urgência, não era alheia aos eventuais interessados concretamente à A./Recorrente, que tinha perfeito conhecimento da situação demissionaria do anterior diretor de serviço, e ainda que por um qualquer motivo desconhecesse a situação, aquando a publicação da decisão, é expressamente dito “Face à Demissão do cargo de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, Dr. PA......" vide doc 1 junto pela A./Recorrente com a P.I. e mais diz no mesmo doc. 1 junto pela A./Recorrente “...Esta nomeação tem caráter interino, até à nomeação do Diretor de Serviço no Contexto do Novo Regulamento Interno do CHUC, EPE e de acordo com o Decreto-Lei n.°18/2017, de 10 de fevereiro.",
IX. A A./Recorrente tinha perfeito conhecimento de que a nomeação era interina e temporária, e tinha como finalidade suprir a falta de Diretor Clínico do Serviço Médico de Otorrinolaringologia, criada pela demissão do Dr. PA..., Medico que anteriormente desempenhava tal função.
X. A R./Recorrida não poderia obrigar o anterior diretor clínico que se demitiu por motivos pessoais, a permanecer no cargo por um prazo indefinido e longo como pode ser um procedimento concursal, e mais sobre a demissão a R./recorrida até arrolou como testemunha o referido Médico a fim de esclarecer da sua indisponibilidade como o havia feito pessoalmente perante a Administração, que o tribunal quo não viu como necessário face ao já exposto, tendo decido de direito no saneador.
XI. Naturalmente que o anterior diretor de serviço se manteve, como se mantêm, a desempenhar as funções de Médico de Otorrinolaringologia, mas não de diretor de serviço ao contrário do que a A./recorrente vem falaciosamente dizer nas alegações.
XII. É manifesto que efetuar um procedimento concursal administrativo, que como é de senso comum, pode demorar alguns meses, (afixação de editais, apresentação de candidaturas, entrevistas, decisão, eventuais impugnações nova decisão...) e com isso manter o serviço, sem direção ou Chefia, seria colocar em risco grave e sério o funcionamento de um Serviço Hospitalar do maior Centro Hospitalar da Zona Centro, com milhares de utentes e consequentemente colocar a vida desses utentes em risco.
XIII. O interesse público que subjaz ao procedimento concursal não se pode sobrepor ao interesse último dos doentes utentes do serviço, verdadeiramente a indagação de um estado de manifesta urgência, ou de necessidade, versa sobre o balanceamento entre a garantia equitativa do procedimento concursal público e o prejuízo que no caso concreto e naquele momento tal procedimento pode acarretar para o interesse público em geral e em particular para o interesse daqueles que fazem uso do serviço ao qual o procedimento se destina, os últimos beneficiários.
XIV. Com esta premissa, concluímos naturalmente que estando em causa assegurar o bom funcionamento de um serviço Médico do qual dependem vidas, não poderia a R./Recorrida deitar mão a um concurso público em prejuízo do bom funcionamento daquele serviço e com isso arriscar a integridade física dos doentes que diariamente contam com o seu bom funcionamento e necessitam de assistência, considerando-se assim perfeitamente justificado o estado de necessidade ou de manifesta urgência que levou a R./recorrida a efetuar a nomeação interina, ato a A./recorrente, sem mais, pretende anular, caindo por terra as conclusões 3 a 10 da A./recorrente no recurso a que ora se responde.
XV. Cumpre ainda referir que a nomeação em causa foi interina e provisória, como bem ficou referido no doc. 1 junto pela A./recorrente na P.I, tanto que assim é que a R./recorrida, já deu início ao procedimento concursal regular, que até se encontra já em fase final tendo já sido iniciadas as entrevistas dos interessados com vista à decisão.
XVI. Ademais, tal procedimento já estava a correr quando a A./recorrente deu entrada com o recurso a que ora se contra alega, e disso esta bem sabia, não se entendendo a argumentação que faz a este respeito.
XVII. Não pode deixar de se notar que estando a correr já o procedimento regular para nomeação do novo diretor do Serviço de Otorrinolaringologia (facto que a A. bem conhece), a presente lide torna-se inútil, já que no limite, e se por mera hipótese de raciocínio (o que não se concede) fosse dada razão à A./recorrente, a R./recorrida seria, em ultima analise, condenada a efetuar o procedimento concursal para nova nomeação que esta já a ocorrer (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1) A A. iniciou funções no R., como médica, em 02/01/1982, sendo médica especialista em otorrinolaringologia desde 1990 (acordo).
2) O atual Conselho de Administração do R. foi nomeado através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 86/2017, de 11/05/2017, publicada em Diário da República, n.° 116, I Série, de 19/06/2017, com efeitos a partir do dia 15/05/2017 (acordo e consulta do site www.dre.pt).
3) Em 16/06/2017 o Diretor Clínico do R. elaborou a seguinte proposta, sob o assunto “Nomeação do Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do CHUC”, dirigida ao respetivo Conselho de Administração:
“O Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE solicitou a demissão do cargo, evocando motivos do foro pessoal.
Neste contexto, o Diretor Clínico vem propor a nomeação do Dr. LF...., Assistente Graduado de Otorrinolaringologia, como Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia.
Esta nomeação tem caráter interino até serem concluídos os procedimentos de nomeação do Diretor do Serviço no contexto do novo Regulamento Interno do CHUC, EPE, enquadrado no Decreto-Lei n.° 18/2017 de 10 de fevereiro”
(cfr. doc. de fls. 13 do suporte físico do processo).
4) A proposta que antecede foi aprovada em reunião do Conselho de Administração do R. de 16/06/2017, com efeitos a 21/06/2017 (cfr. doc. de fls. 13 do suporte físico do processo).
5) A nomeação do ora contrainteressado como Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, nos termos da proposta do Diretor Clínico, foi publicitada no “Boletim de Direção”, n.° 41, de 29/06/2017 (cfr. doc. de fls. 13, no verso, e 14 do suporte físico do processo).
6) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 31/08/2018 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo). (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
A Autora intentou a presente ação – que denominou de “Ação Administrativa de Impugnação” - visando a declaração judicial de ilegalidade, por nulidade, da “(…) Deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. de 16 de junho de 2017 com efeitos a 21 de junho de 2107, que nomeou o Dr. LF...., assistente graduado de otorrinolaringologia, para o cargo de diretor, interino, do serviço de Otorrinolaringologia (…)”, assacando ao ato impugnado vício de violação de lei, por preterição total do procedimento legalmente exigido.
O T.A.F. de Coimbra, como sabemos, julgou improcedente a presente ação.
Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de improcedência da pretensão deduzida pela Autora junto do T.A.F. de Coimbra escorou-se no entendimento de que “(…) a situação que levou e deu azo à nomeação (interina) do contrainteressado como Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia revela, efetivamente, uma natureza de manifesta urgência (…)” enquadrável “(…) na exceção relativa aos “casos de manifesta urgência devidamente fundamentada”, prevista na parte final do n.º 1 do art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02 (não sendo sequer necessário recorrer ao instituto do estado de necessidade, invocado pelo R.), pelo que a deliberação impugnada não padece de nulidade por preterição do procedimento legalmente exigido, nem viola os princípios da igualdade de acesso ao trabalho na função pública (art.º 47.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação (…)”.
Arrimou-se ainda na convicção de que os remanescentes argumentos da Autora não permitem atingir resultado diferente do supra elencado, já que (i) a invocada “permanência” do contrainteressado no cargo Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia devido à demora na abertura do procedimento de nomeação não é susceptível de infirmar os pressupostos que estiveram na base da deliberação; (ii) as diversas opções indicadas pela A. como alternativas à nomeação interina do contrainteressado mais não são do que isso mesmo, opções, de entre as quais o R. poderia escolher aquela que, no seu entender, e desde que consentidas pela lei, melhor prosseguiria o interesse público, sendo que a A. não alega, nem demonstra, em que medida ou de que forma esse interesse público seria melhor ou mais eficientemente prosseguido se o R. tivesse optado por uma das alternativas que apresentou; (iii) os prazos referidos no art.º 10.º da petição inicial não têm qualquer sustento ou fundamentação sólida e legal, nem são de escrutinar as razões por que o anterior titular do cargo não continuou a exercer as funções como diretor de serviço até que um novo titular fosse definitivamente nomeado na sequência do procedimento de seleção; e ainda que (iv) não se descortina em que medida é que o alegado incumprimento do prazo previsto no art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02, afastaria, ante os fundamentos acima expostos, o enquadramento da situação em apreço na parte final do n.º 1 do art.º 28 do referido diploma legal, enquanto situação de manifesta urgência.
Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.
Contudo, escrutinadas as conclusões de recurso supra transcritas, é patente que não faz qualquer crítica à decisão da 1ª Instância, não contendo uma linha sequer que sindique a sua legalidade e os fundamentos que a suportam.
De facto, facilmente se constata que se limita a reiterar a posição sustentada na ação e já enfrentada, em toda a linha, pelo Tribunal a quo, não arguindo qualquer vício ou erro de julgamento à sentença recorrida, mas antes e tão só à atuação da Administração posta em crise nos autos.
O que, atento os poderes de cognição deste Tribunal Superior, é manifestamente inviabilizador da pretendida procedência do presente recurso jurisdicional.
Realmente, incumbe apenas a este Tribunal Recursivo indagar a existência de eventuais nulidades e erro de julgamento na decisão judicial recorrida, e sempre nos termos balizados nas conclusões da recurso, e não [re]sindicar a atuação da Administração quanto a eventuais causas de invalidade que lhe possam ser imputadas.
Assim também o entendeu este Tribunal Central Administrativo Norte, no aresto de 07.07.2017, tirado no processo nº. nº 4/14.6BEAVR, em que se sumariou:”(…) o recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação (…)”.
Em todo o caso, e para não subsistam quaisquer dúvidas, saliente-se que a decisão judicial recorrida aprecia exaustivamente o vício suscitado pela Recorrente, contrariando as posições jurídicas por ela assumidas, aduzindo argumentos ponderosos no sentido da inconsistência daquelas posições e da bondade da sua própria fundamentação, sendo que o considerado e decidido pelo Tribunal a quo não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificado.
Na verdade, é o seguinte teor do art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02, diploma que veio estabelecer os princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a natureza de entidade pública empresarial: “(…)
Artigo 28.º
Processos de recrutamento
1 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
2 - Os diretores de departamento e de serviço de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clínica onde vão desempenhar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual. (…)”.
Conforme emerge grandemente da normação que se vem de transcrever, e para o que ora nos interessa, a nomeação de qualquer Diretor de Departamento e/ou de Serviço deve ser precedida de um procedimento público de seleção de profissionais com o curricula adequado.
Exceção feita, claro está, aos casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
Revertendo, agora, ao caso sujeito, apresenta-se pacífico [ninguém contesta] que o anterior Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do CHUC solicitou a demissão imediata do cargo, invocando razões de natureza pessoal.
Neste particular conspecto, saliente-se que os autos não legitimam a referência, para além da convicção arreigada do Recorrente, de qualquer elemento no sentido de que anterior Diretor de Serviço, após a sua demissão, manteve-se no cargo de Diretor de Serviço de Otorrinolaringologia até ter sido substituído.
O que comprova a situação de vacatura imediata do lugar de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do CHUC, aliás, determinante da nomeação do Dr. LF.... como Diretor do Serviço.
Assente a realidade que antecede, é nosso entendimento que a situação traduzida na ausência definitiva do anterior titular do cargo de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia de CHUC constitui condição bastante e/ou necessária para fundamentar a situação de manifesta urgência sustentadora da inexistência do procedimento público de seleção de profissionais com o curricula adequado.
Realmente, como se apreciou na sentença recorrida, “(…) um serviço hospitalar e assistencial desta natureza não deve ficar sem coordenação e chefia pelo tempo, indeterminado, por mais curto que ele seja, que for necessário para pôr em marcha o procedimento tendente à nomeação (definitiva) do respetivo diretor de serviço (…)”, o que legitima a convocação da situação de manifesta urgência prevista na parte final do nº.1 do art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10/02.
E a circunstância do novo procedimento de seleção “aparentar eternizar-se” na sua conceção, lançamento e conclusão nada bule com a conclusão supra evidenciada.
De facto, ainda que resultasse demonstrada a existência de “fraude à lei” com a alegada “eternização do procedimento de seleção” nas vertentes supra enunciadas, tal ilegalidade apenas seria susceptível impactar a validade do procedimento e da nova nomeação, mas nunca da deliberação aqui impugnada, por não configurar um vício próprio da mesma.
Também a circunstância da “situação interina” prolongar-se no tempo indefinidamente nada impacta a sua validade, pois que esta não se define em função da sua maior ou menor longevidade, mas antes em função do grau de vinculação jurídica à entidade decidente, que in casu, mantém-se inalterada.
Deste modo, tendo também sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, impera concluir que esta fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, não sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.

E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.

Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 29 de abril de 2022,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia